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A
ESCRITA NO PROCESSO DE APRENDER MATEMÁTICA
Eliane Matesco Cristovão – UNICAMP
Maria das Graças dos Santos Abreu – UFSCAR
Conceição Aparecida Parateli – UNICAMP
Regina Célia Mussi Pontes – SESI/Amparo
RESUMO: Este trabalho tem por finalidade relatar a experiência
com a escrita, vivenciada por um grupo de professores de Matemática
que se reúne aos sábados para ler, refletir, investigar
e escrever sobre sua própria prática. Este processo está
presente no trabalho desenvolvido pelo grupo desde 1999. Entretanto, a
exploração da escrita por parte dos alunos no processo de
aprender matemática passou a integrar os estudos e experiências
do grupo a partir de 2003. Apesar da escrita do aluno ser uma estratégia
pouco utilizada nas aulas de Matemática e termos ainda uma bibliografia
bastante restrita sobre o assunto, as nossas experiências iniciais
apontam para as potencialidades educativas dessa estratégia. Este
trabalho revela o caminho percorrido pelos professores envolvidos nesta
experiência, realizada com alunos do ensino público e particular,
em diversos níveis e com atividades diferentes. Apresentamos três
relatos de experiência com enfoques diferentes sobre o processo
de escrita dos alunos. No primeiro estão presentes as reflexões
escritas dos alunos sobre seu próprio aprendizado acerca da proporcionalidade.
O segundo retrata a maneira pela qual alunos da 4ª série do
ensino fundamental expõem suas formas de pensar matematicamente,
através da escrita. O terceiro relata uma experiência com
a escrita que, apesar de não muito bem sucedida, segundo as expectativas
da professora, trouxe contribuições para uma reflexão
profunda sobre como explorar de maneira mais adequada esta estratégia.
INTRODUÇÃO
No GdS , a cada novo semestre, decidimos coletivamente
quais os temas a serem desenvolvidos e também os textos a serem
lidos, atividades que desencadearão as discussões e os responsáveis
por desenvolver cada tema e fazer uma narrativa sobre o que ensinou/aprendeu/descobriu
com seus alunos ou sobre o que pesquisou a respeito do tema. No segundo
semestre de 2003, escolhemos três temas a serem desenvolvidos/pesquisados
pelo grupo: Resolução de problemas, Escrita em aulas de
Matemática e Proporcionalidade. É importante destacar que,
embora os grupos de professores se subdividam de acordo com seus interesses,
as leituras e discussões são comuns.
Numa das atividades experienciadas pelos professores, onde era solicitado
ao aluno o registro escrito do pensamento sobre os mecanismos de resolução
de uma situação-problema, foi possível identificar
alguns aspectos desse trabalho com a escrita. Observou-se a importância
da comunicação oral antecedendo o trabalho escrito como
forma de sistematização das idéias “muitos
alunos queriam contar como pensavam para assegurar sua escrita”.
Outros, a princípio, resistiram à idéia de escrever
em matemática e acabaram por colocar somente o resultado, afirmando
“que a matemática é para ser pensada e resolvida e
não para ser escrita”. Embora alguns alunos tenham justificado
que “a dificuldade que encontram no português faz com que
não tenham desejo de escrever quer seja em matemática ou
em outra disciplina”, a maioria gostou dessa forma de se expressar
matematicamente.
Na primeira experiência a ser narrada, que não utilizou a
escrita na resolução de problemas, mas na análise
dos erros cometidos, o aspecto mais forte foi a reflexão dos próprios
alunos sobre o ensino da matemática.
Se começássemos abrindo mais espaço para a fala dos
alunos sobre o processo de aprender matemática em nossas aulas,
estaríamos não somente facilitando o trabalho de escrita,
mas, também, valorizando seus raciocínios e reflexões.
Além disso, a escrita pode levar o aluno a sentir-se responsável
por sua aprendizagem.
Tendo em vista que professores e alunos estão acostumados a uma
“cultura matemática” de valorização de
resultados, de comunicação direta e respostas objetivas,
essa proposta de trabalho com escrita em aulas de matemática pode
parecer, a princípio, muito trabalhosa e pouco produtiva. Esperamos,
entretanto, que as narrativas apresentadas, a seguir, representem um convite
aos colegas professores de matemática para que ofereçam
ou ampliem essas oportunidades a seus alunos e a si mesmos, buscando,
além da formação de alunos “leitores”
e “escritores”, alunos capazes de refletir sobre sua própria
aprendizagem.
CONTANDO NOSSAS HISTÓRIAS...
Narrativa 1 - Proporcionalidade e Escrita: “colocando
em xeque as regras”
Leciono Matemática Financeira aos alunos do 1º termo do Técnico
de Administração(A1) na ETE de Hortolândia - Fundação
Paula Souza. Iniciei o 2º semestre de 2003 trabalhando com uma lista
de problemas de vestibular, concursos, entre outros, envolvendo o conceito
de porcentagem. Após correções/discussões
desta primeira parte, eles resolveram problemas através de regras
de 3 simples, compostas e de sociedade. Para estes, sugeri alguns procedimentos
que “facilitam/encurtam” os cálculos. Corrigi as listas
de problemas, comentei estas correções na lousa e apliquei
uma avaliação escrita. Após a avaliação,
ouvi de uma aluna o seguinte comentário:
Acho que a gente deveria resolver estes problemas apenas utilizando o
raciocínio. O que complica a Matemática é que existe
sempre um jeito de encurtar as coisas e que, na verdade, apenas nos faz
raciocinar menos. Quando precisamos pensar para resolver um problema,
ficamos travados tentando lembrar fórmulas ou achar um caminho
mágico para chegar à solução. Não interpretamos
o problema e nem raciocinamos sobre o que está sendo dito.
Diante disso, levantei a seguinte questão: será que as regras
que eu julgava facilitarem os cálculos realmente ajudam tanto quanto
eu acreditava?
Este foi o ponto de partida para que eu propusesse a estes alunos uma
atividade inédita: após devolver-lhes a avaliação,
solicitei que analisassem cada problema que erraram e escrevessem sobre
suas dificuldades: onde erraram, se sabiam o porquê de terem cometido
aquele erro, se sabiam agora como resolver o problema, se sabiam o que
os havia levado a cometer tal erro. Afinal, o que pensaram no momento
da avaliação que os fizeram tomar um caminho que não
levou à solução correta. Esta experiência gerou
as análises e reflexões que se seguem. Resolvi iniciar com
o que ouvi da mesma aluna que deu o primeiro passo para que ocorresse
esta atividade com a escrita:
Professora, minha nota não foi muito boa, mas gostei dessa idéia
de escrever sobre o que erramos e o porquê, pois assim eu não
fiz como das outras vezes em que só guardava a prova e nem olhava
o que tinha errado. Você nos “obrigou” a avaliar nossos
erros e acho que isto está sendo muito bom para mim. Nunca uma
professora de Matemática fez isso comigo...
Os comentários mais citados na atividade enfatizavam, principalmente,
a dificuldade em analisar as questões, e ainda, falta de atenção,
tempo curto, ansiedade/nervosismo, falta da calculadora, falta de estudo
e até dificuldades com contas de divisão, multiplicação
e porcentagem.
Uma afirmação interessante é a do aluno Vinícius:
“pressa em terminar logo...querer calcular de cabeça...fazendo
na folha seria mais correto”. Esta reflexão me remete à
narrativa de Oliveira (2003): será que não somos nós,
professores, que devemos dar uma ênfase maior ao cálculo
mental?
Esta atividade com a escrita trouxe, para mim, novos olhares sobre as
resoluções e reflexões dos alunos. Um exemplo marcante
foi o texto produzido pela aluna Simone, que destaca o importante papel
que esta reflexão pós-avaliação desempenhou
para ela. Somente após escrever sobre como aprendeu é que
ela conseguiu interiorizar a maneira como devemos analisar se as grandezas
são inversa ou diretamente proporcionais:
“Meus erros estão basicamente em confundir a direção
das setas, em quase todos os exercícios que tentei fazer, meu raciocínio
era o seguinte: primeiro eu analisava o problema e montava os dados proporcional
com suas grandezas, feito isso, tentava interpretar qual seria o valor
do x, analisando também as outras grandezas e seus valores, então
colocava a flecha na direção que o valor fosse (maior?)
ou (menor?) que x na minha análise visual. Mas com a ajuda da minha
amiga Andressa consegui enxergar um outro raciocínio. Ela me disse,
quando analisávamos os problemas que, para um resultado correto
não se deve analisar dados concretos, como ‘esse é
maior que outro’, mas usar a lógica real do problema e esquecer
os números.”
Esta última fala de Simone, sobre como analisar as grandezas sem
observar os números, ou seja, descobrindo a relação
entre elas , foi uma afirmação constante em minhas explicações,
correções, comentários, esclarecimentos de dúvidas.
Porém, percebo agora que afirmações importantes assim
só farão sentido mesmo para o aluno se ele perceber o erro
que é causado por não segui-las. Para Simone, a reflexão
sobre o erro é que realmente trouxe o aprendizado!
Lílian Cristina, autora dos dois primeiros comentários desta
narrativa, escreveu a seguinte reflexão, que acho importante destacar
aqui para que o leitor conheça melhor a maneira de pensar desta
aluna:
Na verdade, não é necessário avaliar questão
por questão, pois existe uma certa dificuldade em todas, mas devo
reconhecer que na hora H foi bem diferente do que tem sido em sala de
aula. Quando a matéria está sendo explicada na lousa, tudo
parece muito fácil, basta ter prova, para entender que não
é bem assim. Acho que me apliquei pouco, por isso o resultado foi
inevitável, porém acredito que não consegui aprender
de verdade, pois se tivesse feito, não seria a pressão de
uma prova sem calculadora que me faria errar a grande maioria dos exercícios.
Tive uma sensação de impotência, pois exercícios
semelhantes aos que consegui resolver em sala, no ato da prova, parecia
que nunca tinha visto antes.
Reconheço que devo mudar meu modo de raciocínio, pois do
jeito que vai, não terei sucesso.
Lílian não conseguiu montar uma estratégia de resolução
para a maioria dos exercícios; observei um rascunho com muitas
contas e poucas idéias organizadas. Em suas afirmações
escritas, não aparecem explicitamente suas conclusões sobre
a dificuldade em se lembrar de formas/fórmulas/maneiras práticas
de resolver os exercícios. Porém, sua última afirmação,
leva-me a concluir que esta mudança no modo de raciocínio,
que ela reconhece precisar, está relacionada justamente com a busca
de uma resolução mais independente de regras.
Para ilustrar melhor esta conclusão, achei importante destacar
um dos problemas resolvidos pelo aluno Jaílson, de outra turma
(informática), que utiliza uma maneira muito própria de
resolver todos os problemas, explicitando claramente seu raciocínio.
Tentei escanear sua própria resolução, mas por estar
a lápis não foi possível. Então transcrevo-a
aqui, juntamente com o problema:
1a)Um madeireiro usando 3 máquinas idênticas, corta
árvores de mogno durante 8 horas, transformando-as em 300 placas iguais
de madeira.Para Produzir 750 placas de madeira utilizando 5 máquinas idênticas,
deverá gastar um tempo de:
máquinas placas
h/maq
3 300 8
5 750 9
se
3 máquinas trabalhando 8h produzem 300 placas, temos que 300 placas são
produzidas em 24 horas(3mq.8h), portanto:
®
300 | 24
60 12,5
12
Cada
máquina produz 12,5 placas por hora. Então 5 x 12,5 = 62,5 0
62,5
placas serão produzidas por hora Q 750,0
| 62,5
1250 12h
000
Q seria necessário 12 horas de produção utilizando-se
as cinco máquinas.
Esta forma
muito peculiar de resolver tudo por raciocínio coloca em xeque
nossa mania de ficar ensinando regras para simplificar os cálculos,
como questionou Lílian.
Quanto à proporcionalidade em si, o que pude concluir é
que quanto menos regras melhor. Resolver problemas explicando como pensou
pode ajudar muito mais, fazendo com que a escrita permita ao aluno organizar
suas idéias acerca da proporcionalidade, sem ficar precisando decorar
regras práticas. Isso reforça o que já sustentavam
Carraher et al.(1988) com base em suas pesquisas.
Narrativa
2 - A escrita nas aulas de matemática da 4ª série:
uma ousadia?
Na verdade caí de pára-quedas nesse grupo da “Escrita
nas aulas de Matemática”, pois inicialmente iria trabalhar
com o tema “Medidas nas séries iniciais”...
Nos meus tempos de escola, só conseguia estudar escrevendo o que
havia entendido de todas as disciplinas, menos em matemática, ou
seja, fazia resumos de Geografia, História, descrevia todas as
aulas de laboratório de Ciências, explicava todas as regras
e exceções da nossa língua, mas matemática
eu não conseguia, achava que fazendo todos os “exercícios”
novamente, sem olhar, bastava para me sair bem nas provas. Na verdade
acho que isso acontecia pela já sutil paixão por essa ciência.
Para escolher a atividade a ser aplicada em sala de aula, onde os alunos
escreveriam sobre a aula de matemática, procuramos relacionar a
atividade com o momento do Plano de Ensino. A atividade escolhida foi
a elaborada pelo professor Adilson Roveran:.
A Lanchonete Do Alan Xonete
Obs.: Deixe por escrito o raciocínio de cada questão de
forma clara, com letra legível e respostas finais a tinta azul
ou preta.
Sexta feira passada, após a aula, quatro amigos, Aderbal, Belinda,
Crisóstomo e Dráusio, foram comer umas pizzas e tomar um
guaraná na lanchonete do Alan Xonete. Lá chegando, o garçon
Edgar Som já havia separado uma mesa para os quatro amigos se sentarem:
A conversa
ia animada quando chegaram Eliziário e Flausino. Edgar apressou-se
e ajeitou mais uma mesa ao lado da primeira, ficando assim a disposição:
Era dia
de reunião da turma para descansar e passar bons momentos brincando
e conversando e logo chegaram Griselda e Hortênsia. Nosso amigo
Edgar Som correu a colocar uma nova mesa ao lado das duas anteriores e
avisou ao Falco Zinheiro, o cozinheiro, para preparar mais duas pizzas.
Veja a nova disposição das mesas:
a) A turma
esperava mais companheiros, logo chegaram Izilda e Jocasta e mais uma
mesa foi colocada. Faça o desenho representando a nova quantidade
de mesas e seus ocupantes, sempre respeitando a mesma disposição
das pessoas à sua volta.
b) Desenhe a representação das mesas quando chegaram Kreiton
e Lisaldo.
c) Complete a tabela abaixo representando a quantidade de pessoas em relação
ao número de mesas.
Número de pessoas |
Número de mesas |
4 |
1 |
6 |
|
8 |
|
10 |
|
d) Quantas
mesas seriam necessárias para acomodar 12 pessoas? E para acomodar
14 pessoas?
e) Se forem colocadas 9 mesas, quantas pessoas podem ser acomodadas, usando-se
a mesma disposição?
f) Quantas mesas serão necessárias para receber 100 pessoas?
( para a 4ª série, foi até aqui )
g) Escreva uma regra que permita o cálculo rápido do número
de pessoas se soubermos a quantidade de mesas disponíveis. Faça
um teste da sua regra usando os valores 12 mesas, 15 mesas e 20 mesas.
A Regina
e a Graça aplicariam a atividade na 8ª série, o Adilson
aplicaria na 6ª série e eu conversaria com um professor de
4ª série para aplicar a atividade até o item f.A princípio,
não gostei. Pareceu-me difícil para a 4ª série
e também semelhante a uma atividade que havia realizado e narrado
no ro (GPAAE, 2001). Além disso, minha expectativa era outra, eu
achava que deveríamos aplicar alguma atividade Na qual as crianças
chegassem a um conceito matemático e que essa escrita seria apenas
para verificar se haviam entendido. Por exemplo: se eu fizesse uma aula
sobre simetria, no final eles escreveriam o que tinham entendido por simetria
e eu saberia quem havia realmente entendido esse conceito.
O resultado foi melhor do que eu esperava. A atividade foi aplicada individualmente,
solicitando apenas que escrevessem em cada item como haviam resolvido.
Nesse dia a classe contava com 26 alunos presentes, dos quais oito não
conseguiram fazer nada, e outros oito conseguiram responder e explicar
como fizeram até o item e, ou seja, encontrar o número de
pessoas que seriam acomodadas em 9 mesas. A maioria explicou que, da maneira
como as mesas já estavam dispostas, a cada 2 pessoas que chegassem
aumentar-se-ia uma mesa e vice-versa. Interessante que, a partir da tabela,
nenhum dos alunos utilizou o desenho como recurso.
A chegada dos amigos de 2 em 2 ficou tão forte para esses alunos
que no item f, alguns deles apenas dividiram 100 por dois, esquecendo
assim os amigos das pontas.
Olhando agora com mais cuidado para os itens a, b e c da atividade, acredito
que a forma como foram enunciados, tenha influenciado os alunos a se prenderem
à tabela, sempre com a chegada de mais dois elementos, e não
favorecendo a eles a possibilidade de pensar geometricamente, a disposição
das mesas. Como não houve intervenção do professor,
esses alunos não tiveram oportunidade de reconstruir seus raciocínios
e interpretações..
Três alunos, a partir da tabela, colocaram os resultados corretos,
mas na hora de explicar a estratégia, escreveram apenas as expressões:
“ mentalmente” , “ fazendo a conta”.
Oito alunos explicaram coerentemente todos os itens. Achei interessante
a escrita de um aluno: Até o item d ele utilizou o desenho como
recurso. Depois escreveu:
e) “ eu peguei e fiz 9 x 2 que deu 18 mais 2 pessoas dos dois lados
que deu 20
f) “ eu peguei e fiz 49 x 2 que deu 98 + os dois que ficaram do
lado, 49 mesas são necessárias “
Um outro aluno explicou o item f assim: “ fiz 2 + 2 até dar
94 e botei os seis( 3 + 3 nas mesas das pontas)” deu 49 mesas
Diante dessa análise da escrita dos alunos, tentei fazer um paralelo
com os textos lidos sobre a escrita nas aulas de matemática.
Percebi na escrita das crianças o “poder” de que fala
Kramer(2001) , quando na segurança dos traços exprimem aquilo
que realmente estão pensando, sem medo de errar. A criança
nessa fase ainda não tem o filtro de achar que só pode escrever
aquilo que for “certo”.
Acredito que nesse momento a escrita é um diagnóstico para
o professor, onde ele pode buscar ações para fazer intervenções
com os alunos que ainda não chegaram a estratégias adequadas
para aquela atividade.
Essa trajetória me leva a refletir sobre a fala inicial desta experiência,
quando comentei que a atividade não era adequada . Percebi que
o desenvolvimento da escrita nas aulas de matemática pode ser realizado
com qualquer tema. É importante ousar com as crianças.
No seminário de matemática que aconteceu durante o Cole,
muito se falou sobre a escrita nas aulas de matemática, mas só
a experiência e a reflexão sobre ela me fez perceber a importância
da escrita na organização do pensamento matemático,
na reflexão sobre o próprio pensamento, na formação
através da experiência e da prática em sala de aula
e mais uma vez na re-significação de saberes.
Narrativa
3 - Onde estão os cálculos?
Os resultados que consegui com esta atividade foram diferentes dos que
esperava quando a idealizei, mas o que são nossas expectativas,
senão desejos comprometidos com nossas crenças ou convicções.
É preciso descentrar para enxergar o outro a partir da sua perspectiva,
do seu pensamento e da sua reflexão.
O trabalho com a escrita me encanta há algum tempo. Realizei modestas
incursões por esse campo de forma intuitiva, por isso quando o
grupo propôs este desafio me entusiasmei muito.
Iniciamos com a leitura de alguns textos trazidos por meus colegas do
Grupo de Sábado. Escolhemos um problema e formulamos alguns procedimentos
padronizados, pois cada um de nós trabalharia com séries
diferentes. Apresentamos ao grupo e eu particularmente acatei algumas
questões que foram sugeridas. Trabalhei com turmas de 8ª série
a atividade que apresento a seguir.
Tente encontrar
uma forma de relacionar a quantidade de cadeiras à quantidade de
mesas. Registre todas as tentativas. No caso de abandonar o caminho que
está seguindo, passe um traço e anote o motivo que o levou
a abandoná-lo. (Tente não usar a borracha).
Impressões
O que você sentiu ao realizar esta experiência?
O que aprendeu? O que já sabia? O que auxiliou na execução
desta atividade?
Essa forma de resolver problemas fez você refletir sobre o que e
como aprendeu?
Escrever matemática facilita sua comunicação?
Diminui suas dificuldades?
Os resultados
que obtive foram: Nenhum aluno encarou a comunicação escrita
como uma possibilidade de resolução do problema, entretanto,
entenderam que uma justificativa simples bastaria para solucioná-lo.
Outras impressões dos alunos: Acharam a atividade muito fácil;
a maioria não teve dificuldade em encontrar justificativas; vários
alunos presos a crendices, tais como: matemática não entra
na minha cabeça; poucos números e nenhuma “conta”
?; matemática é para ser pensada e resolvida , não
é para ser escrita; muito tempo para pouco resultado; prefiro quando
o professor explica na lousa; como será feita a correção?;
que nota vou ficar?;
Um grande número de alunos manifestou-se escrevendo, que mesmo
com todas essas novidades, ele ainda prefere o ensino tradicional; pensaram
também que nem todos os problemas podem ser resolvidos dessa forma;
poucos assumiram a preferência pela escrita; outros escreveram que
a dificuldade que encontram no português, faz com que eles não
tenham nenhum desejo em escrever, quer seja em matemática ou em
outra disciplina.
Estas considerações frustraram-me, pois, esperava que resolvessem
o proposto valendo-se da escrita para o registro do conhecimento que dispunham
e que dele se apropriariam para descrever o pensamento.
Estas idéias eram claras apenas para mim, com a ajuda e reflexão
posterior do grupo, discutimos e pensamos que a atividade de fato não
proporcionava isso, ficou dirigida, limitando as respostas na maioria
dos casos a monossílabos desajeitados, parecendo indisposição
para o relato do pensamento, o que de fato não ocorreu. O aluno
entendeu que o que escrevia era suficiente para a comunicação
desejada.
Este olhar reflexivo sobre a atividade levou-me a uma auto-avaliação
e considerações do tipo: Como foi o arriscar do aluno? Até
que ponto a atividade permitia ou instigava o aluno a escrever livremente
sobre o seu pensamento? Quando propus as questões, levei em conta,
o conhecimento que os alunos já haviam construído?
As atividades devem apresentar um desafio para que o aluno aprenda um
pouco mais e não apenas como uma simples constatação
do que já sabem. Devem provocar conflito e questionamentos, que
tenham raízes no que já internalizaram, mas que vá
um pouco além.
Acrescento que o momento final do processo de registro é a comunicação
e que para mim tem-se tornado fundamental nos nossos encontros de sábado
(GdS) . Entretanto esta socialização não aconteceu
com os alunos como eu esperava. Certamente porque a atividade mostrou-se
pouco problematizadora, não explorando novos conhecimentos. .
Como diria Telma Weisz (2000):
O ato de refletir por escrito possibilita a criação de um
espaço para que a reflexão sobre a prática ultrapasse
a simples constatação. Escrever sobre alguma coisa faz com
que se construa uma experiência de reflexão organizada, produzindo,
para nós mesmos, um conhecimento mais aprofundado sobre a prática,
sobre as nossas crenças, sobre o que sabemos e o que não
sabemos (p.129).
Escrever não é fácil, torná-lo público
é ainda mais difícil. É se expor, é aceitar
a discordância, mas é somente arriscando, expondo o que pensamos,
que podemos nos rever e crescer com a fala do outro.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
A leitura
e a escrita, consideradas o centro do processo de ensino e aprendizagem,
têm ocupado cada vez menos espaço no contexto escolar. A
leitura e a escrita com significado para o aluno advêm dos textos
que ele produz, e estes, que deveriam ser amplamente explorados no aprendizado
do aluno, ainda se restringem a momentos particulares de atividades do
cotidiano na escola, sobretudo na área de Língua Portuguesa.
Considerando que a escrita favorece a reflexão e contribui para
o desenvolvimento cognitivo e também a expressão do próprio
pensamento, ler e escrever não são apenas tarefas escolares.
Essas habilidades transcendem o espaço escolar, proporcionando
liberdade de criação, de expressão, de pensamento
e de transformação.
A escrita, como registro de pensamento, constitui para o aluno, momentos
importantes de metacognição e organização
de idéias, oferecendo oportunidades raras de aprendizagem também
na área de Matemática. Para o professor, segundo Arthur
Powel(2001), a escrita dá a oportunidade para providenciar um retorno
direcionado às afirmações, interpretações,
questões, descobertas e enganos dos alunos. Essa retomada leva
o aluno a uma nova reflexão, nova descoberta, novos conhecimentos
e nova escrita. Tanto a escrita como a retomada da escrita leva professores
e alunos a reflexão:
Qualquer que seja a atividade escrita, desde que ela obrigue os alunos
a sondar suas idéias e compreensão sobre alguma matemática
em que estejam envolvidos, pode capturar evidência importante de
seu pensamento matemático. Diferente da natureza efêmera
da fala, a escrita é um meio estável, que permite a ambos,
aluno e professor, examinar, reagir e responder ao pensamento matemático
do aluno.”(POWEL, 2001, p.78).
Os textos de Arthur Powel (2001), Kátia C Smole e Maria I. Diniz
(2001) e especialmente de Sonia Kramer (2000) levaram-nos a pensar muito
sobre como utilizar mais este instrumento em nossas aulas. O que fizemos
foi apenas um começo, um primeiro passo. Mas foi importante para
verificar na prática o que afirmam estes autores sobre a escrita
em aulas de Matemática. Todo processo iniciou-se a partir de uma
bibliografia relativa a escrita e as conclusões dessa prática,
confirmam a teoria. Que mensagem fica? Já é hora de nós,
professores de Matemática, deixarmos nossos alunos refletirem sobre
o que fazem, pensarem sobre o que produzem matematicamente, serem responsáveis
por seu próprio aprendizado, não deixando-os aprenderem
sozinhos, mas ajudando-os a pensarem sobre como aprendem. A escrita pode
ser um ótimo caminho para promovermos esta interação.
BIBLIOGRAFIA
CARRAHER,
T.; CARRAHER, D.; SCHLIEMANN, A. Na vida dez, na escola zero. São
Paulo: Cortez Editora, 1988.
GPAA (org.). Histórias de aulas de matemática: trocando,
escrevendo, praticando e contando. Campinas: Editora Gráfica da
FE/Unicamp/Cempem, 2001, 51p.
KRAMER, Sônia. Escrita, experiência e formação
- múltiplas possibilidades de criação de escrita.
In: Linguagens, espaços e tempos no ensinar e aprender. Rio Janeiro:
DP&A, 2000, p.105-121.
NUNES, Terezinha. É hora de ensinar proporção. Revista
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OLIVEIRA, Rodrigo Lopes. E o amargo vira doce... Fazendo “contas
de cabeça”. In: FIORENTINI, D.; JIMÉNEZ, A. (Org.).
Histórias de aulas de matemática: Compartilhando
saberes profissionais. Campinas: Editora Gráfica da FE/Unicamp/Cempem,
2003, p.13-23.
POWEL, Arthur B. Captando, Examinando e Reagindo ao Pensamento Matemático.
Boletim GEPEM, n. 39, set/2001, p. 73-84.
SMOLE, Kátia C. Stocco., DINIZ Maria Ignes. Comunicação
em matemática: instrumento de ensino e aprendizagem, 2001.
WEISZ, Telma. O diálogo entre o ensino e a aprendizagem. São
Paulo, Ática, 2000.
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