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A
EDUCAÇÃO LINGÜÍSTICA NO ENSINO DE LÍNGUA
PORTUGUESA
Elisabete Francisco Abud
Júlia Maria Correa Lino dos Santos
Luiz Percival Leme Britto
Refletir língua não é ensinar Língua
Padrão
A chamada Gramática Tradicional apresenta uma norma
“canônica que serve de refe-rência de correção
para textos e falas de pessoas cultas. Isto faz com que se confunda norma
culta com padrão de escrita”, o que leva muitos a concluírem
que é preciso ensinar norma culta na escola (Britto, 2000, p. 13).
Este autor posiciona-se contrariamente à concepção
de ensino que delega como objeti-vo da escola ensinar o português
padrão, assumindo que a questão do ponto de vista de uma
política lingüística é de “redefinição
do objeto mesmo do ensino”.
O ensino de língua, inclusive no que diz respeito à reflexão
metalin-güística e aos conhecimentos da língua enquanto
fenômeno, não se confunde com a apresentação
formal de uma teoria gramatical nem se limita ao nível da frase;
e, considerando equivocada e ideológica a associação
entre norma culta e escrita e a inexistência de uma moda-lidade
unificadora das variedades faladas do português padrão. O
pa-pel da escola deve ser o de garantir ao aluno o acesso à escrita
e aos discursos que se organizam a partir dela; ao concluirmos é
necessário delimitar o que se entende por português padrão
e que aplicações esse conceito pode ter. (Britto, 1997,
p. 14 e 2003, p. 18)
Travaglia (2001, p. 41) afirma que devemos usar a língua de modos
variados e que ao realizar as atividades de ensino e aprendizagem da língua
materna não devemos utilizar ape-nas a norma culta, abandonando
outras formas e que o aluno apague a variedade usada em seu grupo.
Se tomarmos português padrão como a concepção
de língua transmitida pela escola e descrita em dicionários
e gramáticas (norma gramatical) ou a chamada norma canônica,
cer-tamente essa não é a função da escola.
Partimos do pressuposto que ensinar Língua Portuguesa não
é ensinar a língua padrão. Ensinar Língua
Portuguesa é refletir sobre seu funcionamento, seus valores, considerados
em todas as suas variedades. Para isso, apresentamos alguns conceitos
básicos nos quais nos a-poiamos para, na prática, fazer
um trabalho de construção de consciência lingüística,
buscan-do uma mudança no conteúdo da disciplina, já
que como é não está dando conta de oferecer habilidades
de leitura e escrita satisfatórias.
O que pretendemos é um trabalho voltado para a reflexão
lingüística e como efetiva-mente pode ser realizado na prática
de sala de aula, com alunos do ensino fundamental e mé-dio. É
impossível pensar a língua sem perceber (ou fazer perceber)
o quanto o preconceito lingüístico é presente, forte,
e na maioria das vezes não percebido pelos usuários da língua.
Cabe aqui citar Gnerre (1985, p. 4) que diz que a língua, dependendo
da variedade empregada pelo falante na sociedade “vale como reflexo
do poder e da autoridade que eles têm nas rela-ções
econômicas e sociais”. Faz-se necessário mostrar aos
alunos que as variedades são usos da língua, não
línguas diferentes. Portanto, todas as variedades devem ser reconhecidas,
mes-mo aquelas que fogem às normas da Gramática Tradicional,
aliás, mesmo estas estão subme-tidas a uma norma.
Se considerarmos que a língua é um elemento fundamental
da condição humana, pen-sar a língua, conhecer a
lógica do seu funcionamento, a organização, os usos,
e saber refletir sobre isso, não como um dado absoluto, mas como
um objeto em aberto que se dá à reflexão, parece
ser um objeto importante. Esta coisa de olhar para a língua é
o que estamos chamando de reflexão lingüística.
Em outras palavras, reflexão lingüística é fazer
perguntas, buscar respostas, questionar valores, usos, funcionamentos
da língua, na sua totalidade e nas suas particularidades. É
per-guntar por que algo é como é, ou como funciona. Na escola,
deveria significar tomar a língua não como algo que se ensina
a usar, mas como algo sobre o qual se reflete; portanto, o objeto de ensino
é a reflexão lingüística, e não a apresentação
e o treino de regras de como usar uma modalidade lingüística..
Segundo Geraldi (2002, p.36) “mais do que encontrar uma resposta,
o que vale na re-flexão sobre a língua é o processo
de tomá-la como objeto. As tentativas, os acertos e os erros ensinam
muito mais sobre a língua do que o estudo do produto de uma reflexão
feita por ou-tro, sem que se atine com as razões que levaram à
reflexão que se estuda”.
É certo que a língua é um fenômeno humano fundamental
que merece ser estudado e que qualquer pessoa deve estudar a língua
de muitas maneiras. A reflexão, o pensar sobre a língua
é um aspecto apresentado em todos os programas e currículos
escolares.
O estudante contemporâneo encontra uma sociedade com mudanças
rápidas, desen-volvimento tecnológico e científico
em áreas antes não exploradas. Uma sociedade em mu-danças
exige tomada de novas posições. A escola deverá ser
capaz de articulando ciência, trabalho e cultura exercer um projeto
político-pedagógico “que permita o enfrentamento das
limitações” (Kuenzer, 2001, p.53). “No mundo
contemporâneo marcado por um apelo infor-mativo imediato, a reflexão
sobre a linguagem e seus sintomas, que se mostram articulados por múltiplos
códigos e sobre os processos e procedimentos comunicativos, é
mais do que uma necessidade, uma garantia de participação
ativa na vida social” (Brasil, Ensino Médio, p. 33). Como
vemos, busca-se um ser reflexivo e transformador.
Deveria existir uma especificidade de pensar a língua e refletir
a linguagem cientifi-camente nas suas diferentes formas, desenvolvendo
a capacidade de raciocínio, a investigação e as habilidades
cognitivas. Segundo Ilari (1998, p. 34) devemos dar à escrita,
à linguagem e à literatura caráter de vivência,
tomar como partida alunos reais e necessidades de expressão, reais,
tornando o ensino de Português algo gratificante, oferecendo um
ensino onde professo-res e os alunos e os alunos entre si compartilhem
as experiências lingüísticas vividas.
Algumas propostas para o Ensino de Língua Portuguesa
A educação lingüística tem por
objetivo o desenvolvimento de atividades e idéias vol-tadas para
o conhecimento da língua e sua utilização. Com relação
à escrita deve-se criar con-dições para que o aluno
tenha melhor domínio da escrita para elaborar textos comuns à
sua prática, passando naturalmente pela leitura de vários
gêneros textuais. Deve-se estimular a linguagem falada, usar e valorizar
a sua forma de expressão, defendendo-se de preconceitos lingüísticos.
A educação lingüística, portanto, tem como objetivo
ampliar as habilidades de fala, escuta, leitura e escrita sem desprezar
o que o aluno já sabe (Britto 2002).
Neste sentido, a educação lingüística deve aumentar
a capacidade de uso da língua es-crita e falada dos alunos, tendo
a língua como um instrumento para compreender o outro e de se fazer
entender. Deve contribuir para minimizar preconceitos, especialmente os
que se refe-rem à língua.
O especialista preocupado com o ensino voltado para a educação
lingüística deve ter claro seu objetivo em cada aula, sem
lançar mão do improviso e da criatividade. O professor deve
usar a fala e a escrita dos jovens para o estudo que pretende desenvolver.
Ensinar língua nessa perspectiva é tomá-la como objeto
de reflexão.
Dentre as propostas para o ensino de língua materna, a concepção
interacionista da linguagem, defendida por Geraldi (1996) é de
suma importância. A língua é constitutiva na medida
em que ao internalizar as palavras das pessoas com as quais interagimos,
estas pala-vras deixam de ser do outro e passam a ser nossas. Daí
a importância de atividades que exijam oralidade, leitura e escrita
de uso significativo para o aluno. Nesta visão interacionista os
me-canismos lingüísticos são construídos por
meio das relações interpessoais, intertextuais etc. O que
existe é uma preocupação para que a leitura seja
um processo de produção de sentidos para os estudantes.
Mudar o conteúdo de Língua Portuguesa implica de(com)frontar-se
com uma escola ainda tradicionalista, implica encontrar professores dispostos
(diante de todas as dificuldades que sabemos que eles enfrentam) a pesquisar,
planejar, confrontar dados, refletir sua prática (num processo
de ação-reflexão-ação), mudar metodologias
e imbuir-se de um novo conceito de avaliar seu aluno.
Usamos atividades epilingüísticas como ponto de partida para
reflexões mais aprofun-dadas, atividades que levem ao conhecimento
sobre o funcionamento da língua: comparar expressões, transformá-las,
movimentos de escrita e reescrita (canônicos ou não), brincar
com a linguagem. A atividade epilingüística ocorre quando
o sujeito modifica seu texto conscien-temente, buscando na ressignificação
e na reconstrução da linguagem o sentido que deseja expressar
(Franchi, 1987).
De forma a ilustrar a tese, apresentamos algumas atividades práticas
desenvolvidas por duas professoras-pesquisadoras. Pensamos que a análise
destas práticas é uma forma mais dinâmica de fundamentar
nossa proposta.
A Prática no Ensino Fundamental
Para que as aulas de Língua Portuguesa tenham
significado para o aluno e para atingi-rem o objetivo proposto que é
a reflexão lingüística “coerência e consistência
de valores e atitudes” são essenciais na prática da
professora (Franchi, 2002, p. 140), bem como dar ao ensino da língua
caráter significativo e interativo.
Optou-se pelo uso do livro didático porque o interessante seria
mostrar o que é possí-vel uma professora fazer objetivamente
dentro dos referenciais que construiu sobre o ensino da língua.
Trata-se de uma pesquisa-participante em que a professora é agente
da ação e ao mesmo tempo investigadora de si mesma e de
suas ações. As turmas escolhidas para o desen-volvimento
da pesquisa foram 7as. Séries de uma escola pública estadual
de Sorocaba. As au-las não eram propriamente de reflexão
lingüística, mas deveriam estar voltadas para isso.
Fez parte deste trabalho não apenas demonstrar a possibilidade
de outro modelo de ensino de língua, mas relatar como ocorre o
processo de mudança de uma professora formada nos moldes tradicionais
e a tentativa de rompimento com esse modelo tradicionalista de ensi-no
na professora e em seus alunos.
Num primeiro momento quem determina o conteúdo a ser ensinado é
a professora, mas ao observar a querência do aprender dos alunos
também eles determinam o conteúdo de ensino.
A atividade desenvolvida ocorreu a partir do texto Passaredo , de Francis
Hime e Chi-co Buarque,transcrito a seguir:
Ei, pintassilgo
Oi, pintarroxo
Melro, uirapuru
Ai, chega-e-vira
Engole- vento
Saíra, inhambu
Foge, asa-branca
Vai, patativa
Tordo, tuju, tuim
Xô, tié-sangue
Xô, tié-fogo
Xô, rouxinol sem
fim
Some, coleiro
Anda, trigueiro
Te esconde, colibri
Voa, macuco
Voa, viúva
Utiariti
Bico calado
Toma cuidado
Que o homem vem aí
O homem vem aí
O homem vem aí
Ei, quero-quero
Oi, tico-tico
Anum, pardal, chapim
Xô, cotovia
Xô, ave-fria
Xô, pescador-martim
Some, rolinha
Anda, andorinha
Te esconde, bem-te-vi
Voa, bicudo
Voa, sanhaço
Vai, juriti
Bico calado
Muito cuidado
Que o homem vem aí
O homem vem aí
O homem vem aí
Atividades que não eram propostas pelo livro didático foram
acrescentadas pela professora:
a) Quem são
os autores?
b) O que significa “passaredo”? Quais palavras poderiam substituir
“passaredo?
Ouviu-se passarada, passarinhada e pôde-se discutir o significado
do sufixo –ada. Matéria teoricamente de 8a. Série,
mas aqui considerada apropriada para ser trabalhada com a 7a. série.
A outra questão foi apresentada pelo livro e apenas modificada
pela profes-sora no seu último item:
c) Separar as palavras em 3 grupos:
- nomes dos pássaros;
- ordens dadas aos pássaros
- explicação para as ordens dadas.
Nesta questão, trabalha-se intencionalmente com a noção
abstrata de categoria. Impor-tante os alunos perceberem que nem todas
as palavras que indicavam ordem eram verbos: xô, bico calado, muito
cuidado.
Para não ensinar acentuação gráfica apresentando-lhes
as regras de forma sistemática, a professora selecionou grupos
de palavras para que observassem a acentuação
a) juriti
– colibri – aí – saíra
b) bicudo – uirapuru – tuju – viúva
c) tié-sangue – ave-fria
Aos poucos
foram chegando à conclusão do porquê do acento no
i do aí e saíra e não no í de colibri e juriti
e outras palavras eram apresentadas por eles como Tatuí, Itu, anel
e ia-se pensando se tinham ou não acento, conforme os exemplos
que o texto oferecia.
As produções escritas de texto são momentos especiais
para a reflexão porque é, na maioria das vezes, um momento
individual, o sujeito e a língua / o sujeito pensando em seu interlocutor.
Por isso, a necessidade de mostrarmos algumas atividades de produção
de textos, que não foram propostos pelo livro didático,
mas surgiram dos momentos de leitura e discus-são do texto.
A primeira surgiu da necessidade de que conhecessem a realidade perto
de sua casa, sua rua, seu bairro. Consistia em uma pequena pesquisa elaborada
por eles em sala de aula. As perguntas eram anotadas na lousa, reelaboradas
coletivamente e assim selecionaram-se quatro delas para fazer parte da
entrevista que cada um faria perto de sua casa
a) Quem tem
pássaros em gaiolas e por quê?
b) Qual a sensação de manter os pássaros presos?
c) Quais os pássaros em extinção? Onde vivem?
d) Apresentar soluções para que pessoas não comercializem
animais silvestres.
A segunda atividade de produção de texto implicou dividir
a classe em grupos. Cada grupo apresentaria alguns tipos de pássaros
que constassem no texto. Para a apresentação des-se trabalho
algumas orientações foram necessárias para que as
habilidades, supostas pela pro-fessora importantes para o ensino da língua,
fossem adquiridas:
1. Durante
a apresentação todos os integrantes do grupo deveriam participar;
2. alguns cuidados deveriam ser tomados antes e durante as apresentações:
- selecionar e preparar o material de apoio (anotações,
cartazes, transparências etc.);
- dividir a fala de cada componente do grupo, para que todos participem;
- ensaiar a fala ( tom de voz, ritmo, postura );
- procurar fazer-se entender;
- utilizar anotações para ajudar na hora da apresentação.
Com estas atividades a professora procurou colocá-los em campo
e instigá-los a buscar alternativas e soluções, por
meio da pesquisa lingüística, na escola e fora dela. Quando
o alu-no está diante dos outros alunos, na situação
de apresentador, sua fala não é a mesma de quando está
na carteira conversando com o colega. Deve pensar na sua fala, elaborar
sínteses ou outros recursos visuais e/ou escritos como apoios para
orientar sua fala.
Como uma terceira atividade de produção de texto, a professora
optou por pedir um texto individual que deveria ser de apreciação
coletiva para quem se dispusesse ver seu texto melhorado pela classe.
Mas, foi combinado que só haveria alteração se o
dono do texto con-cordasse. O tema seria com base nos versos Bico calado/
toma cuidado/que o homem vem aí.
O texto da Aline, que optou por fazer um texto bastante parecido com original,
foi analisado pela classe
O homem vem aí
Floresta e animais
Aves
Sumam, sumam
Tomem cuidado
Macacos e animais sil-
vestres
Aves e pássaros
Tomem cuidado
Que o homem vem aí
Vem pra matar
Vem pra caçar
Todos os animais
Sumam da
mata
Se não ele vai te pegar
Cuidado
Que voem os pássaros exóticos
Para longe daqui
E que vocês tenham sorte
de fugirem
Então com atenção
Fujam
O homem vem aí
O homem vem aí
O homem vem aí
À medida que colocava o texto na lousa os alunos iam sugerindo
modificações e a professora ia perguntando à autora
se a alteração sugerida era pertinente. Isso dava a ela
uma autoridade que não estava habituada, sentindo-se visivelmente
importante. Faz parte do papel da professora mostrar o quanto a língua
nos dá poder e de quantas maneiras pode-se dizer a mesma coisa.
O poder de decisão leva o aluno-autor a tomar consciência
daquilo que ele quer dizer e esse processo acaba por levá-lo à
reflexão sobre a língua.
Destacamos alguns elementos da semântica que foram discutidos pela
classe e a opini-ão da aluna-autora. Em Aves e pássaros,
os alunos queriam que ficasse ou aves ou pássaros, mas a Aline
não autorizou a mudança alegando que aves podem ser animais
de grande porte, enquanto pássaros são animais pequenos
e mais frágeis. Que voem os pássaros a turma acres-centou
exóticos, pois são esses os alvos dos caçadores.
Com relação a toma cuidado, no texto do livro e tomem cuidado,
no texto da Aline, foi a professora que os levou a prestarem aten-ção
à concordância verbal.
A Prática
no Ensino Médio
A insatisfação
com a forma de propor o ensino de Língua Portuguesa no Brasil é
mui-to antiga. Felizmente, encontramos vários educadores buscando
práticas mais criativas e pe-dagógicas que levam seus alunos
a refletir, questionar, refazer seus conhecimentos, pensar a língua
como ela é, não como deveria ser.
Abordamos aqui a prática de uma educadora em uma escola particular
do Ensino Mé-dio, com um sistema apostilado, cujos conteúdos
são distribuídos em frentes. O ensino de Língua Portuguesa
subdivide-se em Gramática, literatura e Técnica de Redação.
Ao estudar com seus alunos de 1º ano os processos de formação
de palavras e os dife-rentes significados dos vocábulos, surgiu
o interesse da classe de conhecer as formas outrora utilizadas e que hoje
estão em desuso, e refletem um aspecto da língua mais antigo;
são os chamados arcaísmos.
A professora não pretendia apresentar modelos ou fixar conceitos,
delinear normas, e sim motivar para a busca de diferentes formas de estudo,
de levar os alunos à reflexão e à cri-ticidade ao
vivenciarem seus conhecimentos. Segundo Geraldi (2002, p. 63-64) devemos
transformar a sala de aula “em um tempo de reflexão sobre
o já conhecido para aprender o desconhecido e produzir o novo”.
Para conseguir o seu objetivo a professora tomou como referência
as práticas sugeri-das por Rodolfo Ilari, lingüista da UNICAMP,
que em seu livro “Introdução ao Léxico –
brincando com as palavras”, trabalha o Arcaísmo .
Apresentou à classe os escritos do poeta Carlos Drummond de Andrade
Antigamente. Os textos Antigamente e Antigamente II foram escritos antes
de 1970, como crônicas e apre-senta muitos vocábulos e frases
feitas que não são do nosso vocabulário atual.
Pediu aos alunos, como sugere Ilari, que buscassem os sentidos semânticos
e explica-ções para as frases que fossem incompreensíveis,
e ainda, que comentassem a representação que o poeta traz
da vida de antigamente.
Antigamente, as moças chamavam-se mademoiselles e eram todas mimosas
e prendadas. Não faziam anos: completavam primave-ras, em geral
dezoito. Os janotas, mesmo não sendo rapagões, faziam-lhes
pé-de-alferes, arrastando a asa, mas ficavam longos meses debai-xo
do balaio. E se levavam tábua, o remédio era tirar o cavalo
da chu-va e ir pregar em outra freguesia (...) Os mais idosos, depois
da janta, faziam o quilo, saindo para tomar a fresca; e também
tomavam cautela de não apanhar sereno. Os mais jovens, esses iam
ao animatógrafo, e mais tarde ao cinematógrafo, chupando
balas de alteia. Ou sonhavam em andar de aeroplano; os quais, de pouco
siso, se metiam em camisas de onze varas, e até em calças
pardas; não admira que dessem com os burros n’água.
(...) Embora sem saber da missa a metade, os presunço-sos queriam
ensinar padre-nosso ao vigário, e com isso punham a mão
em cumbuca. Era natural que com eles se perdesse a tramontana. A pessoa
cheia de melindres ficava sentida com a desfeita que lhe fa-ziam quando,
por exemplo, insinuavam que seu filho era artioso. Verdade seja que às
vezes os meninos eram mesmo encapetados; chegavam a pitar escondido, atrás
da igreja. As meninas, não: verda-deiros cromos, umas tetéias.
(...) Antigamente, os sobrados tinham assombrações, os meni-nos,
lombrigas; asthma os gatos, os homens portavam ceroulas, boti-nas e capa
de goma (...). Não havia fotógrafos, mas retratistas, e
os cristãos não morriam: descansavam.
Mas tudo isso era antigamente, isto é, outrora.
Concomitantemente,
trouxe o famoso soneto de Olavo Bilac (Via Láctea XIII) em sua
ortografia original para que lessem em voz alta, sem cometer erros, transcrevendo-o
para a ortografia atual; visava que percebessem que a ortografia original
de um texto denuncia a sua antigüidade.
Via Láctea
Ora (direis) ouvir estrellas! Certo
Perdeste o senso! – E eu vos direi, no emtanto,
Que, para ouvil-as, muita vez desperto
E abro as janellas, pallido de espanto...
E conversamos
toda a noite, emquanto
A via Láctea, como um pallio aberto,
Scintilla. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto,
Inda as procuro pelo céo deserto.
Direis agora:
- Tresloucado amigo!
Que conversas com ellas? Que sentido
Tem o que dizem, quando estão comtigo?
E eu vos
direi: amae para entendel-as!
Pois só quem ama póde ter ouvido
Capaz de ouvir e de entender estrellas
A professora
ofereceu ainda textos selecionados por Rodolfo Ilari que são anún-cios
extraídos de jornais brasileiros do século XIX, que trazem
palavras que já não se usam ou que são consideradas
arcaicas.
ATTENÇÃO!!
AO NOVO ARMAZÉM DE MOLHADOS
Participa-se ao respeitavel publico desta capital, que acaba de abrir
se um completo e variado sortimento de molhados, bem como ferragens, drogas,
louça e miudezas de armarinho, calçados e muitos outros
ob-jectos que se venderão por commodos preços no largo do
Chafariz nº 4, esquina da rua Fechada; esta casa estará aberta
desde as 7 horas da manha até as 9 da noite. (O 19 de dezembro,
12.8.1854)
ANTIGA LOJA
DO QUEIMA
Lino de Sousa Ferreira, chegado ultimamente do Rio de Janeiro com um dos
melhores sortimentos e ultima moda, sendo ricos cortes de calça
de casimira, manteletes, toucados, colletes, mangas, e camisi-nhas bordadas,
calçado, e todo mais pertencente ao seo estabeleci-mento que venderá
por todo preço; assim mais transferiu seu estabe-lecimento do largo
da matriz nº 42 para a rua das Flores nº 12. (O 19 de dezembro,
12.8.1854)
A classe
foi dividida em grupos que, com a ajuda da educadora, pesquisaram no dicio-nário,
gramáticas, descobriram novos mundos. O grupo dos anúncios
antigos trabalhou orto-grafia, semântica, o sentido de “secos
e molhados”. Os estudiosos do soneto de Bilac, compa-raram com outros
poetas e poesias. Os alunos de “Antigamente” pesquisaram com
as pessoas mais idosas palavras em desusos, trouxeram gírias e
expressões regionais mais antigas e rou-pas da época.
Os grupos apresentaram suas conclusões, trocaram experiências
de maneira lúdica, refletiram sobre a língua, confirmando
o que Ilari sustenta: que aprendemos língua à medida que
refletimos sobre ela.
Através da pesquisa foi possível observar como os anúncios,
as poesias, os textos e-xemplificam o que mudou na língua, na ortografia
e na concepção de propaganda.
Foi um trabalho realizado em conjunto que gerou trocas de experiências
e enriqueci-mento de todos. Perceberam que as línguas não
são imutáveis, mudam as palavras, as grafias, as significações
e que há uma variação histórica gerada pelo
uso e pelo correr do tempo.
CONCLUSÃO
O ensino convencional apostilado e o livro didático trazem poucas
contribuições à reflexão lingüística,
ainda que ofereçam grande quantidade de informação
à linguagem. É possível que, utilizados de uma forma
diferente pelo professor, venham a contribuir para a reflexão lingüística.
Neste caso, é preciso destacar que a contribuição
é antes da ação docente do que do próprio
material. O professor consciente do objetivo do ensino da língua
sabe que quem direciona o que deve ser ensinado é ele, que percebe
as necessidades lingüísticas de seus alunos, e não
o livro didático.
Portanto, cabe ao professor selecionar o conteúdo do livro e adequá-lo
à especificida-de da disciplina de Língua Portuguesa.
Ensinar língua sem ensinar a gramática tradicional é
possível quando há um enfren-tamento e persistência
do professor para mudar o conteúdo, já que, a ação
cotidiana é comple-xa e eivada de idas e vindas.
Dentre os objetivos da pesquisa, certamente combater o preconceito lingüístico,
lutar para que os alunos discriminados tenham as mesmas condições
de aprendizagem, valorizar a língua dos alunos e todas as variedades
lingüísticas foram e continuam sendo grandes desafi-os.
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