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RELATO DE EXPERIENCIA
REGISTROS DA INFÂNCIA NA ALDEIA XUCURU KARIRI – CALDAS-MG

Beatriz Sales da Silva – Pedagoga
Giselma Ferreira de Brito - Professora Indígena
Jizelma Maria da Silva - Professora Indígena
Secretaria de Estado da Educação de Minas Gerais
Superintendencia Regional de Ensino de Poços de Caldas – MG
Diretor I – Professor Marcos Antonio Bertozzi
Diretora Educacional - Sueli Machado Pereira de Oliveira
Inspetora Escolar na Aldeia – Valéria Landi Guimarães

Pretende-se com este trabalho apresentar o relato de experiência das professoras indígenas da E. E Xucuru kariri Warcanã de Aruanã, onde estamos registrando através de desenhos, escrita e fotografias as brincadeiras na aldeia. A coleta do material atende uma solicitação da Secretaria de Estado de educação de Minas Gerais que pretende editar o “Livro da Infância nas Aldeias de Minas Gerais”.

Cacique da Aldeia: José Sátiro

Localização: Fazenda Boa Vista, município de Caldas-MG. Tronco Lingüístico: Macro-JÊ

População: aproximadamente 85 indígenas

O Povo Xucuru Kariri é oriundo da região de Palmeira dos Índios, em Alagoas. Após muitos conflitos de terra e morte de indígenas, fizeram uma longa caminhada até chegarem ao município de Caldas, MG. A demanda para a criação de uma escola surgiu em 1.997, ainda na Bahia conforme relato da Professora Giselma Ferreira de Brito:

“A idéia, desde quando a gente morava na Bahia, que já tinha essa idéia, desde 97 quando o curso começou em dezembro de 97 que a gente já tinha essa demanda de ter uma escola indígena na nossa comunidade, e esse processo foi longo e demoroso porque lá não deu certo porque em 98 eu ainda trabalhei ainda lá, mas só que ela não era uma escola criada também era que nem está começando aqui, era uma escola que a prefeitura era que comandava.

Então em 98 tivemos os problema e o povo e o cacique saiu pra ir morar no triângulo mineiro lá em Minas Gerais e eu fiquei ainda na Bahia fazendo curso, só que eu não estava ensinando mais porque eu também saí e fui morar no povoado da saquinaba.

Quando foi em 2000 eu continuei fazendo curso, em 2000 o pessoal, viu que eu tinha vontade de morar com eles, então como ele não tinha arrumado terra ainda não tinha casa, então ele disse: não, mas nós vamos da um jeito, então viemos em 2000, eu vim pra cá e a escola lá parou não ficou, ninguém deu aula, deu continuidade, porque lá ainda tem um povo, uma parte da gente ainda esta na Bahia. Aqui em 2000 paramos, porque morávamos na cidade e não tinha como dar continuidade. Para ter escola indígena quando foi em 2001, foi quando o Zezinho conseguiu essa terra aqui, e eu tinha parado os curso também porque aqui em Minas Gerais e eu tinha começado um só que não tinha ido participar. Ai quando foi em 2001 conseguimos essa terra aqui e foi assim, começou novamente, a proposta da gente querer uma escola dentro da aldeia.

E em 2002 eu fui participar do terceiro módulo lá no Parque do Rio Doce que era a segunda turma aqui em Minas Gerais que estava começando, e eu vim transferida da Bahia pra cá e aqui eu terminei, minha documentação foi toda transferida e agora acabamos de terminar e segundo curso, e só agora em 2004, 22 de março que começamos a trabalhar, porque essa escola era pra ter começado o ano passado em 2003, mas houve toda uma questão que teve problema não podia começar porque não tinha isso não tinha aquilo então só agora 22 de março de 2004 que começamos a trabalhar aqui e dar mesmo continuidade ter uma escola indígena aqui na aldeia só que essa escola não está sendo uma escola criada, ainda no processo de criar a escola, e ser sim uma escola indígena criada aqui em Caldas por enquanto a gente vem trabalhando vinculada a uma escola estadual que é o Souza Novaes, aí de caldas, e para no começo do ano que vem em 2005 ser sim uma escola da gente mesmo, uma escola Xucuru Cariri de Minas Gerais.”

Durante os anos seguintes aconteceram às negociações com a Secretaria de Estado da Educação.

No dia 22 de março de 2.003 iniciaram-se as aulas das 02 (duas) turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental, estando as mesmas vinculadas à Escola Estadual “Souza Novais” de Caldas, funcionando, porém, na Reserva Indígena Xucuru Kariri, num galpão adaptado para esse fim.

As professoras em formação Giselma Ferreira de Brito e Jizelma Maria da Silva além de trabalharem com os alunos em idade escolar, desenvolveram um trabalho voluntário de alfabetização com os jovens e adultos da comunidade.

Em setembro de 2.004 tiveram início as obras para reforma do galpão para funcionamento do prédio escolar.

Ao final de 2.004 foi aprovada a implantação da ESCOLA ESTADUAL INDÍGENA “XUCURU KARIRI – WARKANà DE ARUANÔ na referida reserva indígena.

Relato de experiência

Começo meu relato tecendo algumas considerações sobre os problemas e dificuldades enfrentadas durante a minha caminhada atuando como pedagoga na E. E Xucuru Kariri Warcanã de Aruanã, Caldas MG.

Apesar do Povo Xucuru Kariri ter chegado ao município de Caldas em 2001, somente em fevereiro de 2004 tive o meu primeiro contato com as professoras da escola, através de uma reunião onde estavam presentes a Inspetora Escolar Valéria Landi Guimarães e da Coordenadora do Programa de Implantação de Escolas Indígenas de Minas Gerais da Maria do Carmo Carmona Carneiro. Nesta data fui comunicada que estaria assumindo a supervisão pedagógica na referida escola.

De repente o indígena cruzou as fronteiras das páginas do livro didático e saltou a minha frente. Na Obra, “O Grito” Edvard Munch, retrata um personagem esquálido, com suas mãos tapando os ouvidos, a boca aberta em forma oval, e ao fundo, um céu formado por faixas e traços espessos, predominando o vermelho e o amarelo. Segundo o próprio artista, ele havia se inspirado em uma cena presenciada durante caminhada nas imediações de Cristiania, hoje conhecida como a cidade de Oslo. Confesso que tive uma sensação parecida com a de Munch diante do desafio que ora me apresentavam. Muitas dúvidas, o medo do desconhecido, o pavor de não corresponder às expectativas, esperanças e anseios de um Povo tão oprimido passaram a povoar minhas noites.Como diz o ditado popular: se ficar o bicho pega se correr o bicho come, resolvi ficar e enfrentar o bicho medo, a desinformação e o escuro.

Assumir tal responsabilidade implicava em dedicar esforços em estudos para compreender uma proposta de trabalho que fosse ao encontro das demandas apontadas pelo grupo. Entretanto vi nessa situação desafiadora uma grande possibilidade e uma rica oportunidade para estar desenvolvendo uma prática pedagógica inovadora.Nesta época estava cursando a Pós-graduação Latu Sensu em Educação Especial (PUC Poços de Caldas) e durante o curso várias disciplinas foram ampliando meu olhar, e diminuindo a minha ansiedade. Participei também como aluna ouvinte da professora Maria Teresa Égler Mantoan na disciplina Escolas abertas à diversidade (UNICAMP). Fui descobrindo a diferença e entendendo que a educação produz fracassos para mostrar a sua necessidade. Segundo, Scliar (1997), a partir desse ponto de vista, o louco confirma nossa razão, a criança nossa maturidade; o selvagem, nossa civilização;o marginalizado nossa integração; o estrangeiro nosso país, o deficiente, nossa normalidade, o outro diferente funciona como depositário de todos os males, como portador de todas as falhas sociais, o outro como alguém a tolerar.Buscamos o apoio de Calvino (1990:28) que esteja também a nos dizer: você sabe mais do que ninguém, Sábio Kublai, que jamais se deve confundir uma cidade com o discurso que a descreve. Contudo existe uma ligação entre eles (...), a mentira não está no que a descreve, mas nas coisas. Participando do cotidiano na aldeia fui percebendo que não podemos confundir o indígena com o discurso que o descreve.

Segundo Meliá (1999, p.11), “por diversos motivos a educação indígena teve momentos de excessivo acanhamento, quase sem coragem para reclamar sua autonomia e seus direitos. A educação indígena não é a mão estendida à espera de uma esmola. É a mão cheia que oferece as nossas sociedades uma alteridade e uma diferença, que nós já perdemos”.

Minhas visitas à aldeia eram mensais e a escola estava funcionando em um barracão improvisado o que acabou ocasionando muitos transtornos. Observava mais do que interferia, numa tentativa de rever por uma nova ótica aquilo que o modelo cultural dominante impõe como educação escolar. As relações sociais, mais que interações entre indivíduos, compreendem relações de poder. “O adulto educador que passa vários anos de escolarização e que toma contato com disciplinas pedagógicas que servem de base para sua formação como profissional de magistério, vê-se diante de um referencial teórico para sustentar sua prática com fortes marcas de um ideário burguês nas formas de pensar, enxergar, relacionar com o que está ao redor (que é reflexo do ideário que predomina na sociedade mais ampla) e, no geral, é com esses parâmetros que tenta dar sustentação para o que faz, o que deixa de fazer e como faz e como deixa de fazer”.(Fernandez, 2001). Estávamos numa avenida de mão dupla, de um lado a educação escolar com sua rígida estrutura, do outro a educação indígena, uma tentando dialogar com a outra.

Assim, é preciso distinguir claramente dois termos: educação indígena e educação escolar indígena.

O primeiro, educação indígena, designa o processo pelo qual cada sociedade internaliza em seus membros um modo próprio e particular de ser, garantindo sua sobrevivência e sua reprodução. Diz respeito ao aprendizado de processos e valores de cada grupo, bem como aos padrões de relacionamento social que são entronizados na vivência cotidiana dos índios com suas comunidades. Não há, nas sociedades indígenas, uma instituição responsável por esse processo: toda a comunidade é responsável por fazer com que as crianças se tornem membros sociais plenos. Vista como processo, a educação indígena designa a maneira pela qual os membros de uma dada sociedade socializam as novas gerações, objetivando a continuidade de valores e instituições consideradas fundamentais. Designa o processo pelo qual se forma o tipo de homem e de mulher que, segundo os ideais de cada sociedade, correspondente à verdadeira expressão da natureza humana, envolvendo todos os passos e conhecimentos necessários.

Ao longo de sua história, as sociedades indígenas vêm elaborando complexos sistemas de pensamento e modos próprios de produzir, armazenar, expressar, transmitir, avaliar e reelaborar seus conhecimentos e suas concepções sobre o mundo, o homem e o sobrenatural. O resultado são valores, concepções, práticas e conhecimentos científicos e filosóficos próprios, elaborados em condições únicas e transmitidos e enriquecidos a cada geração. Observar, experimentar, estabelecer relações de causalidade, formular princípios, definir métodos adequados, são alguns dos mecanismos que possibilitaram a esses povos a produção de ricos acervos de informações e reflexões sobre a natureza, sobre a vida social e sobre os mistérios da existência humana.

Aos processos educativos próprios das sociedades indígenas veio somar-se a experiência escolar, com as várias formas e modalidades que assumiu ao longo da história de contato entre índios e não-índios no Brasil. Necessidade formada "pós-contato", a escola assumiu diferentes facetas ao longo da história num movimento que vai da imposição de modelos educacionais aos povos indígenas, através da dominação, da negação de identidades, da integração e da homogeneização cultural, a modelos educacionais reivindicados pelos índios, dentro de paradigmas de pluralismo cultural e de respeito e valorização de identidades étnicas. É preciso reconhecer que, no Brasil, do século XVI até praticamente a metade deste século, a oferta de programas de educação escolar às comunidades indígenas esteve pautada pela catequização, civilização e integração forçada dos índios à sociedade nacional. Dos missionários jesuítas aos positivistas do Serviço de Proteção aos Índios, do ensino catequético ao ensino bilíngüe, a tônica foi uma só: negar a diferença, assimilar os índios, fazer com que eles se transformassem em algo diferente do que eram. Neste processo, a instituição da escola entre grupos indígenas serviu de instrumento de imposição de valores alheios e negação de identidades e culturas diferenciadas.

Numa tentativa de romper com “escolas de branco em malokas de índios”, buscamos meios para responder estas perguntas de Brandão (1982), “Posto que o homem não cessa de construir mundos, entre aqueles em que vive e os que imaginam, a quais dele servirá o educador? Acordado do sono que entorpece o funcionário o educador pergunta:” a que projeto pedagógico servir, para não ser servo do opressor, através da educação?”.

Diante destes questionamentos a Secretaria Estadual de Educação de Minas Gerais nos oportunizou uma visita ao município de Carmésia MG em junho de 2004, para conhecermos Aldeia do Povo Pataxó e acompanharmos de perto o trabalho desenvolvido por professores indígenas na escola dentro da aldeia, sendo que Giselma e Jizelma participariam como estagiárias em complementação pedagógica aos módulos de formação de professores indígenas.. Foi uma experiência impar, segundo Adélia Prado o que a memória amou fica para sempre. Conhecer um Povo tão gente, como o filósofo Kanatyo, sua mãe dona Maria da Ajuda que com sua simplicidade e fé nos perfumou com suas ervas. Corremos o risco de não citar o nome de tantas outras pessoas que guardamos no coração. Durante nossa estada na aldeia acompanhando o estágio das professoras indígenas assistimos as aulas ministradas pelos professores da aldeia, conhecemos sua cultura e entendemos um pouco da dimensão da educação escolar indígena pedagógica e administrativa, haja vista que o nosso trabalho é conjunto com o trabalho de inspeção escolar desenvolvido pela inspetora escolar Valéria Landi Guimarães que teve acesso aos registros da vida escolar dos alunos.

Logo que voltamos tivemos a oportunidade de conhecer a antropóloga Juracilda Veiga através de parceria com a Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, que muito tem contribuído para que pudéssemos encontrar uma sustentação teórica para desenvolvimento do nosso trabalho. Concordamos com Brandão (1982), quando escreve: “Tal como a flor arrancada no jarro da mesa do rico e pode existir no jardim do pobre, ou com a arma, a mesma arma sustenta o exercício da opressão e que, em outras mãos, pode reinventar a liberdade, a educação pode ser uma coisa ou outra, ou ambas ao mesmo tempo; pode estar de um lado ou do outro lado da luta entre a opressão e a liberdade de que é parte”.

Participamos também de várias reuniões em Belo Horizonte na Universidade Estadual de Minas Gerais, parceira da Secretaria de Estado da Educação no projeto de implantação de escolas indígenas, juntamente com lideranças dos povos indígenas de Minas Gerais. Em outubro de 2004 participamos em Belo Horizonte da formatura das professoras Giselma e Jizelma, que concluíram o magistério indígena atendendo assim as normas estabelecidas pela legislação. A escola indígena é uma experiência pedagógica peculiar e como tal deve ser tratada pelas agências governamentais, promovendo as adequações institucionais e legais necessárias para garantir a implementação de uma política de governo que priorize assegurar às sociedades indígenas uma educação diferenciada, respeitando seu universo sócio-cultural. (Decreto 1.904/96 que institui o Programa Nacional de Direitos Humanos).

As escolas situadas nas Terras Indígenas só terão direito ao pleno acesso aos diversos programas que visam o benefício da educação básica se forem consideradas na sua especificidade. Isto só se concretizará por meio da criação da categoria "Escola Indígena”.

Nossas visitas à escola passaram a ser semanal sendo realizada reunião de módulo todas as terças-feiras para planejamento e avaliação do trabalho pedagógico sendo também iniciada a reforma no galpão onde funcionava a escola sendo entregue a comunidade

A escola foi inaugurada no dia 11 de março de 2004 e de lá para cá temos desenvolvido vários projetos entre eles o projeto Lixo, projeto horta merenda solidária, projeto intercâmbio através de cartas e o projeto Semeando.

Em reunião com as professoras indígenas e com o consultor Rogério Corrêa da Silva no dia 12 de março de 2004, ficou definido que estaríamos desenvolvendo o projeto “Livro da infância nas Aldeias de Minas Gerais”, que será dedicado às crianças indígenas: Maxacali, Krenak, Pankararu, Xucuru Kariri e Kaxixó. Ele tem como proposta apresentar um pouco da vida das crianças indígenas a partir do olhar de seus professores e do registro de brinquedos e brincadeiras. Trata-se de um livro de autoria coletiva, não só porque foi feito a diversas mãos, mas por representar os povos indígenas de Minas Gerais.

A idéia de fazer esse livro surgiu durante as aulas de pedagogia da segunda turma do curso de formação dos professores indígenas, no ano de 2004. O livro trata prioritariamente da criança indígena e sua vida na aldeia, desta forma as crianças das escolas indígenas de Minas Gerais terão a oportunidade de conhecer mais sobre a sua cultura e a de outros povos de outras etnias.

Antes de iniciarmos a coleta do material fizemos umas leituras numa tentativa de procurar entender a criança indígena em si mesma, tentar entendê-la em consonância com a diversidade sociocultural onde se encontram para o registro através do depoimento dos professores, imagens, desenhos e textos das próprias crianças.

Mazzotti citado por Fernandez (2001 p.39), faz a seguinte citação a partir de Baldus: “(...) entre índios, as atividades da criança se assemelham muito mais às dos adultos do que entre nós, nunca representando espécies de trabalho diferentes dos executados pelos pais; a criança índia possui propriedade particular desde a mais tenra idade, propriedade da qual ela e exclusivamente ela pode dispor a vontade (p.25)”.

“Mas não entenderíamos o brinquedo, nem sua realidade em seu conceito, se quiséssemos explicá-lo unicamente a partir do espírito infantil. A criança não é nenhum Robson, as crianças não constituem nenhuma comunidade separada, mas são partes de povo e da classe a que pertencem. Por isso o brinquedo infantil não atesta a existência de uma vida autônoma e segregada, mas é um diálogo mudo, baseado em signos, entre crianças e o povo.” “Um poeta contemporâneo disse para que cada homem existe uma imagem que faz o mundo inteiro desaparecer; para quantas pessoas essa imagem não surge de uma velha caixa de brinquedos Benjamim ( 1994, p. 248, p.253).

Segundo Fernandez (2001 p.127), a imagem criada pelo homem surgiu através do desenho e da pintura, com o desenvolvimento técnico e tecnológico, incorporou a gravura e a fotografia. Todos, incluindo a escrita, funcionam como suportes de comunicação e expressão. Por serem atos humanos envolvem subjetividade, ou seja, são formas e recursos utilizados para representarem-se aspectos do real sempre do ponto de vista daquela pessoa. Para Sotang (1996) “embora num certo sentido, a câmara, não só interprete, mas capte de fato a realidade, as fotografias são tanto uma interpretação do mundo como as pinturas são uma interpretação do mundo como as pinturas ou os desenhos” (p.16).

Já se disse que o analfabeto do futuro não será aquele que não sabe escrever, e sim quem não sabe fotografar. Mas um fotógrafo que não sabe ler suas próprias imagens não é pior que um analfabeto? Não será a legenda a parte mais essencial da fotografia? Benjamim (1994 p.107). Para não correr o risco de não saber interpretar os recortes feito do cotidiano

das brincadeiras da Infância na Aldeia Xucuru Kariri através dos desenhos, fotografias e depoimentos

Fotografia - Beatriz Sales Da Silva

IMAGENS VISUAIS, HISTÓRIAS E DEPOIMENTOS ORAIS: A MEMÓRIA EM MOVIMENTO

“A natureza deu-lhe um corpo, mas a alma lhe entregou a cultura”.

Carmem Junqueira

 

 

  

 

 

Depoimento do Professor de Cultura Flávio:

“A brincadeira na aldeia deixa os pais muito felizes de ver todos unidos”

Depoimento da Professora indígena Jizelma Ferreira de Brito:

“Quando falamos em escola pensamos ser o local de aprender e o professor é o dono do saber, mas todos já sabem que a escola tem um papel importante na vida das pessoas, mas não é só nela que se aprende e sim no dia a dia de um espaço.

Quando escolhi a minha profissão (professora), percebi que tinha uma longa caminhada, pois não queria ensinar do jeito que aprendi.

Onde estudei não tive oportunidade de ver os costumes do meu povo. Observando as crianças da minha aldeia me dei conta que muitas atividades que eram nossa rotina, não estavam mais sendo realizadas como de costume (brincadeiras). Isso acontecia por causa da tecnologia, as crianças que estavam estudando na escola do não índio, deixavam de lado suas brincadeiras para usar as dos outros.

Quando a escola começou a funcionar na aldeia, eu tinha um objetivo, era relembrar todas as brincadeiras que estavam adormecidas, decidi que o foco do meu trabalho seria trazer para a escola as brincadeiras que fazem parte do nosso costume e não estavam sendo realizadas e através delas ensinar.

Hoje vejo que através das brincadeiras, dos cantos podemos fazer com que as crianças aprendam e não percam as suas origens e costumes.

Para mim é uma satisfação, ver que através da escola estamos relembrando os costumes que estavam adormecidos e não esquecidos”.

Depoimento da Professora indígena Jizelma Maria da Silva:

“Eu acho muito importante brincar e também ter brincadeiras todos os dias na escola principalmente as brincadeiras do nosso povo que os nossos velhos passaram”.

Através das brincadeiras aprendemos como os nossos mais velhos aprendiam e divertiam-se.

Nas brincadeiras as crianças divertem-se muito. É bom também brincarmos todos os dias todos os dias para que nós não possamos perder o jeito, as formas, as cantigas. Praticando e passando para as crianças com certeza nunca será esquecida, pois de geração em geração nada será deixado para trás nem mesmo as brincadeiras.

É importante que nós professores juntamente com nossos alunos, passamos registrar todas estas brincadeiras e “assinarmos” para que futuramente possamos ver o resultado e quem sabe os nossos velhinhos passando outras brincadeiras da nossa geração para outras crianças e como sempre brincando e registrando para que não se percam no ar e que não fique na cabeça deles (os mais velhos).

 

 

 

 

Fotografia: Beatriz Sales da Silva

BRINCADEIRA

Queima lata

“Essa brincadeira é muito legal, gosto de brincar porque faz a gente rir muito é muito importante quando eu ganho a brincadeira e principalmente quando estou brincando com as meninas da aldeia. Gosto também por que faz parte da nossa cultura, essa brincadeira era dos meus avós que passaram para minha mãe que passou para mim e pretendo passar para meus filhos ou sobrinho. Brincando vou cultivar nossos antepassados e costumes”.

Depoimento da aluna Eliane 4º ano do ciclo de alfabetização

BRINCADEIRA SETE PEDRAS

“Não se alfabetiza fazendo apenas as crianças juntarem as letras. Há uma alfabetização cultural sem a qual a letra pouco significa. A leitura social, cultural e estética do meio ambiente vai dar sentido ao mundo da leitura verbal.” Ane Mae Barbosa

 

 

 

 

                                                                                             

 
Fotografia: Beatriz Sales da Silva

É a imagem “oferecendo-se, não mais ao meu intelecto, mas ao meu afeto”.

“Oh! Xucuru cadê você eu vim aqui só pra te ver...” Crianças da aldeia em brincadeira criada por eles, cantando em coro o refrão, reproduzindo o passeio de ônibus quando acompanham os adultos que vão jogar futebol nas roças da região.

“Se o educador não tem o poder de dirigir o leme do barco onde embarca a sua educação, deve ao menos saber em que direção e que um dia deverá estar. Com as pessoas a quem serve, o educador pode aprender a cada dia qual a verdadeira direção para onde o seu barco mundo deve seguir. Deve ajudá-lo a soprar as velas naquela direção, até quando afinal perto do porto, o povo assuma de uma vez o leme e a direção do barco”.

Agradecimentos:

O presente relato de experiência só foi possível graças ao empenho feito pela antropóloga Juracilda Veiga para que participássemos do COLE, a Maria Helena Brasileiro e Maria do Carmo Carneiro Carmona pelo crédito que deram ao nosso trabalho. Ao Professor Marcos Antônio Bertozzi, Sueli Machado de Oliveira, Valéria Landi Guimarães e Jane Rodrigues que oportunizaram nossa participação.

Em especial ao Povo Xucuru Kariri na pessoa do cacique José Sátiro, dos professores Giselma Fereira de Brito, Jizelma Maria da Silva, Flávio, Zito e Nena e das crianças, pois sem eles nada seria possível.

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