Jefferson Carriello do Carmo – UNISO
Vânia Boschetti - UNISO
Gênese e desenvolvimento da indústria têxtil
no Brasil (São Paulo)
De acordo com Suzigan (2000) os fatores que contribuíram para o
desenvolvimento da indústria têxtil brasileira, a partir
da metade do século XIX, foram: a presença do algodão,
como matéria-prima relevante para a produção cuja
maior concentração estava nas regiões Norte e Nordeste
e por algum tempo, nas décadas de 1860 e 1870, também na
província de São Paulo. A demanda por vestuários,
por sacaria para o café, para o açúcar e cereais,
etc., foram fatores de contribuição, juntamente e a partir
do desenvolvimento econômico relacionado com os vários produtos
básicos regionais, tais como: borracha, no Norte; algodão;
açúcar e fumo, no Nordeste; café nas provinciais
do Rio de Janeiro e de São Paulo e a criação de gado
no Sul. Outros fatores geradores do desenvolvimento da indústria
têxtil foram: a mão-de-obra barata e não treinada
a proteção contra a concorrência estrangeira, inicialmente,
feita por elevados impostos de importação e, a partir do
fim do século XIX, por uma combinação que alternava
de algumas vezes da desvalorização da taxa cambial e altos
impostos de importação.
Na província de São Paulo o seu desenvolvimento foi constituído
em 1780 pela Real Junta do Comércio, que sobreviveu até
1820. Este desenvolvimento só veio afirmar, em São Paulo,
por volta do fim da década de 1860.“Dessa época até
a metade da década de 1880 foram instaladas na província
dezesseis fábricas têxteis de algodão, mas algumas
delas foram fechadas depois. Os dados sobre essas fábricas são
escassos, mas (...) a maioria era de fábricas pequenas”.
(SUZIGAN, 2000, p. 145)
Essas instalações foram, durante o boom do algodão,
atreladas à disponibilidade da matéria-prima e a existência
de um mercado local protegido por elevados direitos aduaneiros estimulando
o desenvolvimento da indústria têxtil do algodão.
Mas provavelmente o estimulo mais forte foi o boom do café na província.
A expansão do cultivo do café, com transição
antecipada para a mão-de-obra livre, estimulou o crescimento econômico
em geral e uma demanda crescente por tecido grosseiro de algodão
para ensacar café, açúcar, cereais, etc. e para vestir
os escravos e trabalhadores. Mas o que é provavelmente mais importante
é que os cafeicultores começaram cedo a diversificar sua
carteira de investimentos, aplicando lucros em ações de
ferrovias, empresas de serviços públicos e bancos e instalações
fábricas têxteis de algodão. (SUZIGAN, 2000, p. 145-146)
Nos anos de 1860 a 1880 as fábricas de tecidos de algodão
instaladas em São Paulo foram fundadas por cafeiculturas, ou tiveram
expressivas contribuições destes.
Nos anos de 1885 a 1895 foram os de maiores avanços no desenvolvimento
da indústria brasileira que registra “pelos menos 47 novas
fábricas que foram instaladas no país e algumas das existentes
foram expandidas” (SUZIGAN, 2000, p. 147) notável nesse avanço
é a ampliação do tamanho das novas fabricas.
Na verdade, a maioria das fábricas fundadas nesse período
era muito maior do que as instaladas anteriormente, e algumas delas, com
quinhentos e mil teares, seriam as maiores do país por muitos anos.
Os dados sobre o equipamento e a força de trabalho dessas fábricas,
embora incompletos, mostram que, em média, eram equipadas com 14.015
fusos (catorze fábricas) e 317 teares (28 fábricas), e empregavam
355 pessoas (dezenove fábricas em 1885: 3.325 fusos (com base em
dados para vinte fábricas), setenta teares (trinta) e 138 empregados.
As novas fábricas eram também mais bem equipadas para gerar
energia, a maioria a vapor (dados de vinte fábricas mostram uma
média de 562 H.P por fábrica). Outra característica
importante dessa novas e maiores fábricas é que elas começam
a desenvolver a produção interna de tipos mais finos de
tecidos de algodão em cores e também a instalar estamparias.
(SUZIGAN, 2000, p. 147)
No período, ainda, houve distribuição regional de
mais de 22 novas fábricas de tecidos de algodão instaladas
em várias localizações, sendo duas em São
Paulo em que a mais importante a de Votorantin fundada em 1892 por um
banco controlado por fazendeiros de café.“Inicialmente, ela
operou para tingir e estampar, mas subseqüentemente foi equipada
com 14.000 fusos e 624 teares. A outra fábrica era menor; em 1901,
dizia-se que operava 180 teares”. (SUZIGAN, 2000, P. 149)
Na ótica da relação capital e trabalho é outro
aspecto relevante sobre o desenvolvimento da indústria têxtil,
em São Paulo discutido por Ribeiro (1988) em condições
de trabalho na indústria têxtil paulista (1870-1930). Acentua
que na relação capital e trabalho há contradições
que o setor têxtil algodoeiro é construído no curso
do processo de acumulação capitalista que cumpre o papel
fundamental: suprir de bens de consumo corrente as massas confinadas nas
zonas rurais e os contingentes de trabalhadores assalariados urbanos;
cria emprego, gera renda, lucros e salários.
Esse conjunto de fatores oriundos do setor têxtil, como produtor
de bens de consumo, assume uma relevância expressa no fato de que
ela implica necessariamente uma nova rearticulação da divisão
internacional do trabalho, na qual as nações capitalistas
avançadas se redefinem como exportadoras de bens de produção
tais como: máquinas, acessórios mecânicos, insumos
químicos (anilinas, tintas, corantes). A instalação
da indústria têxtil envolve, portanto, uma nova rearticulação
do capitalismo a nível internacional, significando que nas economias
capitalistas desenvolvidas as indústrias de bens de produção
mecânica e siderúrgica assumiam a dianteira do processo de
acumulação, redefinindo assim uma nova divisão internacional
do trabalho.
A formação do ramo têxtil algodoeiro sob o ponto de
vista do processo de trabalho implica privilegiar a fábrica, onde
as formas de sujeição do trabalho ao capital se manifestam.
A relação de subordinação e oposição
entre o capital e o trabalho expressa-se também no processo de
trabalho, e por isso mesmo, este não constitui apenas uma técnica
de fazer produtos, mas a forma pela qual se estabelecem as relações
do homem com os elementos materiais da produção, e dos homens
entre si. É neste espaço que a dominação do
capital sobre o trabalho se desenvolve e adquire concretude, por meio
da qual suas artimanhas e mecanismos se explicitam na imposição
de uma nova divisão de trabalho, na desqualificação
do trabalho, na determinação do salário, e na duração
do tempo de trabalho. Por sua vez, é neste espaço que o
trabalhador cria suas formas de resistência e insubordinação
aos ditames do capital.
As ferrovias Paulistas e o desenvolvimento econômico regional
Saes (1981) analisa através do contexto histórico e das
condições da economia paulista as ferrovias: Paulista; mojioana
e a Sorocabana entre 1870-1940 enfatizando que no ano de 1892 atingiam
78% da rede ferroviária do Estado.
Olhadas sob a ótica do seu funcionamento e como elementos de sistema
econômico as ferrovias revelam grande sensibilidade com respeito
às flutuações nas fases de prosperidade e de recessão.
Nos fluxos de tarifas que confirmam a importância do café
e suas crises, que não desestimulam o crescimento de suas culturas
foram impulsionadas pelas ferrovias.
Nos primeiros vinte anos da implantação e funcionamento
das ferrovias, coexistia perfeita solidariedades entre o mercado cafeeiro
e a prosperidade ferroviária, que se comprava pela proporcionalidade
entre os dividendos e o montante transportado em toneladas de café.
A partir da década dos 90, a violenta queda da taxa cambial, o
processo inflacionário desde os primeiros anos da Republica, repercutem
intensamente sobre as ferrovias, ao mesmo tempo em que se tornam mais
vulneráveis ao caráter cíclico do mercado cafeeiro.
Estabelece-se, deste modo, nos anos 90, nítida contradição
entre os interesses dos produtores de café , que se favoreciam
com o aumento do preço do produto no mercado interno, provocado
pela desvalorização da moeda, e os interesses das empresas
ferroviárias, pesadamente oneradas pelo maior custo do material
importado, indispensável à sua atividade, pelo serviço
de dívida no exterior, com a elevação dos salários
sob a pressão inflacionara. Ainda que significantemente cresça
– a Sorocabana também se torna uma ferrovia do café
– ao volume de mercadorias transportadas não se pode mais
atribuir o sentido subjacente de prosperidade estável. (SAES, 1981,
p. 9)
Nos anos de 1890 há uma nova consciência que emerge quanto
à necessidade de diversificar a economia e que a própria
ferrovia vinha servir o seu próprio desenvolvimento, significou
novos rumos para a economia paulista e que veio a tona nos anos 30. Na
década de 90 finda o período áureo da rentabilidade
das ferrovias.
No plano legislativo a ferrovia no Brasil surge em 1835, quando a primeira
lei, autoriza a concessão de privilégios para a sua construção.
Tais privilégios contemplavam a construção das linhas
férrea entre Rio de Janeiro com as províncias da Bahia,
Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
De acordo com ( Apud. CHROCKATT, 1981, p.20 – 21):
Em 31 de Outubro de 1835, exatamente quando aumentavam as hesitações
e oposições nos Estados Unidos da América do Norte,
França de Bélgica, um grande impulso foi dado aos caminhos
de ferro pela promulgação da primeira lei no Brasil , autorizando
o Governo a conceder privilégio, por quarenta anos, para companhias
que construiriam linhas férreas do Rio de Janeiro às capitais
de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. Era uma lei corajosa e patriótica,
embora não oportuna.
O Brasil se tornara independente da metrópoles em 1822 e tinha
apenas treze anos de vida autônoma, era desconhecida sem recursos.
Esta primeira tentativa certamente não seria bem sucessiva.
Segundo Saes (1981) essa legislação, por si só, não
foi suficiente para a efetivação da construção
da estrada de ferro. Somente em 1854 foi concluído o primeiro passo
na construção nos objetivos recomendados da lei de 31 de
Outubro de 1835, quando foram construído 14,5 Km da primeira seção
da Estrada de ferro em Mauá.
Anterior a essa construção houve duas tentativas, que falharam.
Uma através da Companhia de Aguiar, Viúva, Filhos &
Comp. e Palatt e e Reid, cuja construção iniciava-se em
Santos até a zona central do Estado de São Paulo, no ano
de 1838.
Na segunda concessão dada pelo governo imperial para Thomaz Cochrane
a tentativa de construção da estrada de ferro, no ano de
1840 estendia do Rio de Janeiro para a província de São
Paulo. Nessa tentativa também houve falha ocasionando a perda da
concessão. Nesse impasse nas duas tentativas da construção
da estrada de ferro através de Cochrane levantou-se uma questão
relevante para o contexto: a rentabilidade do investimento pedido por
Cochrane, em 1849, não sendo aceito pela Câmara dos Deputados.
Tal concessão só veio ocorrer através da Lei n. 641
de 26 de junho de 1852 em que foram estabelecidos vários favores
dentre eles a garantia de juros de 5% sobre o capital empregado nas linhas
férreas.
Esse sistema de garantia de juros vai vigorar até o inicio do século
XX e marca, portanto, o período de implantação de
grande parte das estradas de ferro no Brasil. Além da garantia
de juros, as concessões implicavam em isenção de
impostos na importação de materiais para a estrada de ferro
e no privilegio da zona de cinco léguas de cada lada da linha férrea.
A garantia de juros de 5% concebida pelo governo Imperial somaram-se,
quase sempre, diferenciais pagos pelas Províncias (em geral da
ordem de 22%) (SAES, 1981, p. 22)
Após a promulgação dessa lei, de acordo com (SAES,
1981), foram implantadas varias linhas férreas em São Paulo.
A primeira, a Estrada de Ferro D. Pedro II, que liga Rio de Janeiro a
Canhoneira em São Paulo, essa construção esteve por
conta do Tesouro Nacional em 1855. A segunda é datada de 1856 sendo
sua concessão feita ao Barão de Mauá, Marquês
de Monte Alegre e J.A. Pimenta Bueno para a construção da
estrada de ferro de Santos a São Paulo e a Jundiaí. Ambas
as construções tinham os privilégios habituais previstos
por lei, inclusive garantia dos juros 7% sendo 5% do governo federal e
2% dos governos das provinciais.
Essas construções têm como fato marcante o inicio
da ligação ferroviária do Oeste paulista ao porto
de Santos que continua na década de 1870, com as ferrovias paulistas
e a rede ferroviária do Brasil.
A continuidade da construção das ferrovias paulistas mostra
a sua relevância vistas sob a sua extensão, por quilometro,
do Brasil e de São Paulo desde 1854 até 1940, quando ocorre
nesse período um crescimento percentual representada pela extensão
das estradas de ferro de São Paulo dentro do Brasil que não
foi menor do que 20%. Limitando esse aspecto quantitativo para a década
de 1870-80 verifica-se que só nesse período houve um crescimento
de 35%, o que revela a importância das ferrovias paulistas, para
o Brasil, de um lado e as restrições de ampliação
das ferrovias em outros Estados, de outro.
{...} o rápido crescimento da rede de ferrovias em São Paulo
tenderia a alcançar um limite imposto pela área de seu território.
Tal limite para o Brasil como um todo deve representar restrição
pouco atuante. A penetração de estradas de ferro nascidas
em São Paulo no território de outros Estados – como
a mojiana em Minas Gerais e a Noroeste em Mato Grosso – dá
a medida de como a participação das ferrovias paulistas
na extensão total das estradas de ferro do Brasil aumentaria se
o critério adotado fosse, não territorial, mas outro que
considerasse os casos citados. (SAES, 1981, P.. 23).
Outro fato marcante na análise de (SAES, 1981) foi a distinção
feita das ferrovias paulistas das outras do Brasil. Encontra-se nas respectivas
regiões do Brasil uma população ativa e produtiva.
No Caso das estradas de ferro em São Paulo os problemas encontrados
foram: na tipografia que oferecia problemas especiais, as chuvas nas estações
tornavam a sua construção e a manutenção das
estradas onerosas, a vasta vegetação tropical que cobria
boa parte do país, a febre amarela e outras doenças tropicais
que consumiam as vidas e a energias dos trabalhadores e só uma
mercadoria – o café – como relevante para dar a base
da prosperidade ferroviária. O café, o mais importante item
atual do tráfico das ferrovias brasileiras, crescia então
em pequena escala. O Brasil passando a ser o maior produtor mundial do
café tornando um grande exportador e o elemento principal de transporte
para as ferrovias. Como regra geral, aquelas estradas que transportam
grandes quantidades de café são prósperas e aquelas
que transportam pequenas quantidades de café têm receita
líquida baixa ou déficits.
Um outro aspecto a ser considerado por Saes (1981) sobre as três
redes ferroviárias é sua relevância no aspecto da
extensão e na posição estratégica para o Estado.
Embora, na geografia paulista, identifica-se outras ferrovias importantes,
lembramos que segundo (Prado 1979, p. 115-116)
A rede de estradas de ferro paulistas, bem como a de rodagem, desenha-se
na carta de S. Paulo 'como uma vasta mão espalmada', para repetir
a expressão feliz que Teodoro Sampaio empregou quando se referiu
aos predecessores destas vias modernas na antiga capitania. Para nordeste,
servindo o Vale do Paraíba, é a Central do Brasil, para
a zona de Atibaia e Bragança, a Bragantina; para NNO, percorrendo
a faixa que fica ao norte do Tietê, e onde se concentra a maior
população e riqueza do Estado, as Companhias Paulistas e
Mojiana; entre o Tietê e o Aguapeí, a Noroeste do Brasil
(designação esdrúxula e sem sentido real), entre
este último rio e o do Peixe, a chamada Alta Paulista (que sendo
um simples ramal sem nome próprio, recebeu esta denominação
convencional para se diferenciar da estrada a que pertence, a Paulista);
e finalmente, entre o Peixe e o Paranapanema, a Sorocabana. Estas estradas
são quase independentes entre si, e não se articulam efetivamente
senão na região central do Esta. do, onde está a
Capital. Além elas se separam cada vez mais, a ponto de nenhum
ramal, a não ser excepcionalmente, permitir a passagem de uma para
outra, fato este que reflete muito bem o caráter de faixas bem
diferenciadas em que se distribui o povoamento que margeia as suas linhas
respectivas.
Nos termos de extensão somadas as três linhas encontramos
a partir de 1880 cerca de 50% das companhias.
Nos anos de 1892 há um salto de 78%, que decorrem de dois fatos:
“a compra da Companhia Rio Claro (que ligava Rio Claro a Araraquara)
pela Companhia Paulista; e a fusão da Sorocabana e Ituana em uma
única Companhia, fato que se reflete no dado de 1895” (SAES,
1981, p. 28).
Nos termos quantitativos verifica-se que nos anos de 1910 há esgotamento
de áreas para a expansão em São Paulo o que remete
Companhia após 1915 a procurar área do sul de Minas Gerais,
que para a linha férrea Sorocabana a implantação
da linha férrea araraquarense, na ultima década do século
XIX, e da Noroeste na primeira década do século XX proporcionou
o transito direto das tentativas de desenvolvimento da Paulista e da Sorocabana
rumo ao oeste paulista, nos sentidos adotados pela araraquarense e Noroeste.
Um outro argumento de Saes (1981) para verificar a importância dessas
vias férreas foi a posição estratégica que
elas ocupam no Estado em relação às transportes do
interior para a Capital e o litoral do Estado.
Se tomarmos como base a divisão regional estabelecida por Sergio
Milliet em sete zonas: Norte, Central, Mojiana, Paulista, Araraquarense,
Noroeste e Alta Paulista e Sorocabana, apenas uma delas independe totalmente
das ferrovias em estudo: a Zona Norte que engloba o Vale do Paraíba
e o litoral Norte. Na zona Central apenas Jundiaí e a região
de Bragança não se servem daquelas estradas (já que
se ligam à Capital e a Santos pela Bragantina e Santos--Jundiaí).
As demais zonas ou estão diretamente vinculadas àquelas
ferrovias (Mojiana, Paulista, Alta Paulista e Sorocabana) ou delas dependem
- caso da Noroeste e Araraquarense - porque o fluxo de mercadorias no
sentido da capital (e vice-versa) terá de ser feito pela Paulista
ou Sorocabana, pois Araraquara e Bauru são pontos terminais dessas
ferrovias. (SAES, 1981, p. 28-29)
Sorocaba na rota do algodão e do trilho
Segundo Straforini (2001) a rota do algodão e seu cultivo em Sorocaba
incidem ao século XVII quando, seus fundadores trouxeram de Santana
do Parnaíba e São Paulo o algodão arbóreo
e da sua manufatura. Cultivados acima das montanhas que se estendiam para
o leste da cidade sua produção, nesse período, era
de baixa qualidade e produzia um linho grosso que encontrava na região
de Curitiba e na província de Rio Grande do Sul um seguro consumo.
Na cidade de Sorocaba as primeiras mudas de algodão herbáceo
foram introduzidas em 1861 pelo agricultor José Ferreira Braga
e não visava atender a demanda interna, mas atingir um mercado
internacional, principalmente o inglês em pleno crescimento.
Com a Guerra Civil Americana (1860-1865) e a crise no abastecimento internacional
do algodão, principalmente, para as tecelagens inglesas o que possibilitou
a inserção do seu cultivo para novos lugares, no caso Sorocaba,
como fornecedor dessa matéria-prima. Nesse período, da Guerra,
a cotonicultura em Sorocaba conhece um tempo de elevado crescimento agrícola
chegando à safra a 4.000 arrobas. Em seus vários municípios
em 1864/5 contata-se a elevada soma de 300.000 arrobas. Esse tempo de
crescimento foi golpeado com o fim da Guerra Civil americana com a retomada
da produção algodoeira no Sul dos Estados Unidos.
Esse fato fez com que os pequenos produtores de algodão de Sorocaba
retomassem à produção dos gêneros da terra
e o abastecimento interno dos tropeiros. Segundo Silva (1995), a produção
de algodão em 1874 havia diminuído tanto que, nesse ano,
as encomendas da importadora Luiz Matheus Maylasky & Cia com a Petropolitana
no Rio de Janeiro, não puderam ser remetidas para a Inglaterra
devido a insuficiência do produto.
A falta de mercado consumidor fez com que alguns produtores continuassem
a produzir, o que teria gerado a “consciência de que não
havia outra saída para a crise a não ser transformar também
em pano e vendê-lo no mercado interno.” (Apud. Straforini,
2001, p. 105).
{...} a produção de algodão estava baseada em pequenas
propriedades de trabalho familiar. Com o fim da Guerra Civil Americana,
estas voltaram para a produção de alimentos, pois não
foram as mais beneficiadas nessa economia agroexportadora, mas sim os
intermediários e exportadores; {...} o período que compreende
o aparecimento das primeiras sementes do algodão herbáceo,
até a sua crise produtiva, foi muito curto, muito embora tenha
promovido certa articulação da sociedade. {...} (STRAFORINI,
2001, p. 105-106)
De acordo com (Saes;1981; Straforini, 2001; Bonadio, 2004), através
de abordagens diferenciadas esclarecem que a melhor contribuição
do capital algodoeiro foi para o investimento em uma de suas partes para
a compra de máquinas descaroçadoras, gerando a gênese
da indústria do beneficiamento; a construção da ferrovia
em Sorocaba e, muito mais além, de empresas racionalmente organizadas.
A instalação da Estrada de Ferro Sorocabana imprimiu no
espaço um tempo ainda não experimentado por aquela sociedade,
onde o tempo da circulação passava a ser ditado pela velocidade
da “maria-fumaça” e não mais pelo trotar das
mulas e burros. Vindo a encorajar a difusão da cotonicultura e
oferecendo aos lavradores transporte seguro e rápido a custos vantajosos
em relação ao das tropas cargueiras. (BONADIO, 2004)
Tendo inicio a sua construção em junho de 1872 só
é inaugurada três anos após, em 1875 sendo que para
o momento só a produção de algodão não
arcaria com os custos da ferrovia o que é somado ao interesse econômico,
baseado no capital agroexportador, o que possibilitou ser chamada de estrada
do algodão.
Outro aspecto que está presente nessa construção
é o papel do poder local, exercido tanto pelo governo, como pela
classe mais abastada.
A construção da Sorocabana só pode ser entendida
pela ótica do jogo de interesses políticos locais, que não
mediram esforços para arrecadar dinheiro suficiente para a construção
da ferrovia, estabelecendo relações em várias escalas,
chegando a obter capital interno e externo. Um dos caminhos foi usar a
Fábrica de Ferro de Ipanema para levantar capital junto ao Imperador,
pois este tinha "boas intenções" com a Fábrica,
tanto que a ferrovia se chamava "Companhia Sorocabana, Estrada Real
de Ferro de Ypanema a São Paulo.” (STRAFORINI, 2001, p.106)
Embora tenha tido em sua construção a pretensa econômica
logo após sua inauguração, de acordo com (SILVA,
1995, 55), começou apresentar sinais de falência “em
1876 já havia projeto da Estrada de Ferro Sorocabana ser encampada
pela Cia Ituana. Havia até mesmo uma proposta de arrancar os trilhos
da Estrada”. Em 1880 uma nova diretoria assumiu a estrada de ferro
desacreditada e com grandes dívidas.
Posteriormente, o algodão arbóreo foi substituído
pelo algodão herbáceo de qualidade superior ao nativo, plantado
em pequena pelos lavradores e, poucas vezes em larga escala. A produção
ampliada levou segundo Ribeiro (1998) à outra experiência
na cidade de Sorocaba, com o fazendeiro de algodão Manuel Lopes
de Oliveira: a instalação de uma fábrica para descaroçar,
cordar, fiar e tecer algodão, que deveriam constituir-se em tecidos
grossos empregados nas roupas dos escravos. Com o atraso da chegada das
máquinas inglesas e sua montagem, a fábrica iniciou o seu
funcionamento em 1857 operou com apenas “quatro operários
(escravos) que produziam trezentas onças de fio por dia”.
A utilização da mecanização com as máquinas
de descaroçar algodão segundo Canabrava (1984) identifica
Sorocaba como uma das primeiras cidades interioranas a fazer uso desse
recurso.
Em 1870, a inauguração da Estrada de Ferro Sorocabana ligando
a capital paulista à Presidente Epitácio, estendeu trilhos
e dormentes por 800 km pelo interior do estado cortando costurando mais
de 50 municípios.
Na verdade, a Sorocaba surgiu em função de uma dissidência
de interesses entre grupos econômicos locais, que alijados de um
ramal ferroviário que ligasse Sorocaba a Itu e Jundiaí e
conseqüentemente ao Porto através da Santos-Jundiaí,
desenvolveram esforços para a construção de uma ferrovia
que atendesse aqueles interesses. A idéia era chegar ao porto de
Santos, viabilizar uma economia de exportação e garantir
o mercado inglês ressentido da falta de algodão por causa
da guerra civil americana. (...) A ferrovia além dos lucros de
sua exploração, deveria servis como forma de incentivo para
que os agricultores continuassem produzindo algodão. (SILVA:1995,p.35).
A via férrea proporcionou com isso início ao ciclo de industrialização
da cidade com as tecelagens, cuja técnica era manufatureira e que
já estavam dentro da lógica capitalista de produção.
Vale lembrar que esse processo de industrialização, em Sorocaba,
está articulado como lembra Fausto (1976), ao processo de industrialização
de São Paulo e de outras regiões.
{...} Sob todos os aspectos, na década de 1870 estavam assentadas
as condições para o surgimento da indústria algodoeira;
a abundância de matéria-prima (algodão) a preços
acessíveis, a facilidade no recrutamento de força de trabalho
especializada e em importar maquinismos, a melhoria nos transportes, a
disponibilidade de mão-de-obra e a presença de um crescente
mercado consumidor. Foi por esta época que começavam a serem
instaladas as primeiras fábricas têxteis no Estado de São
Paulo. (RIBEIRO, 1978, p.27)
Em 1873 com a recuperação das exportações
norte-americanas para a Europa o que fez com que se interrompesse o boom
algodoeiro, criando uma situação favorável ao estabelecimento
de outras fábricas nacionais nos centros produtores de algodão
o que facilitou o recrutamento de trabalhadores especializados que, na
contingência de se verem desempregados, eram obrigados a emigrar.
Revelando a tecelagem como tradição, Almeida (2002) registra
que, no começo do século 20, houve uma comercialização
industrial pequena que coexistia com as fábricas de tecido, a fabricação
doméstica das redes, tecidas no interior das casas, prática
usual desde o começo do povoamento. Para Frioli (2003) as primeiras
fábricas na área urbana de Sorocaba, tiveram no século
XIX em 1841com Simão Raszl da fabricação de chapéus,
que no ano de 1848 passou para o chapeleiro Antonio Rogick. Essa fábrica
foi para as mãos do médico inglês João Henrique
Adams que mais tarde a vendeu para o industrial Francisco de Souza Pereira,
em 1901. Com a morte de Pereira em 1908 seu filho vendeu para a Companhia
Paulista que a fechou em 1932.
No ano de 1882 o comerciante Manoel José da Fonseca colocou em
funcionamento a Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte trabalhando
os teares e a fiação por meia hora, o que marca o segundo
ciclo industrial de Sorocaba.
Cabe lembrar a instalação da Fábrica de Cerveja Garibaldi,
no início do século XX, a instalação de outras
fábricas de bebidas da região e também a Fábrica
de Enxadas Nossa Senhora Aparecida.
No ano de 1890, o Banco União de São Paulo sobre a presidência
do Senador Antonio Lacerda Franco comprou a fazenda de Votorantim que
marcou o início de uma nova etapa industrial em Sorocaba com a
construção de uma estamparia destinada a tingir o tecido
que seria importado crú da Inglaterra. Essa aquisição
proporcionou a construção da estrada férrea para
o transporte do pessoal encarregado das edificações, dos
materiais e equipamentos, em 1893.
No Brasil, como também, no Estado de São Paulo, com essa
nova situação econômica, criam-se novas condições
para as indústrias, um mercado consumidor de máquinas e
equipamentos importados, a facilitação de comunicações
através de estrada de ferro para o porto marítimo originária
da economia cafeeira e o favorecimento de um mercado livre de trabalho
excedente.
De 1890 e 1900 foram fundadas na cidade de Sorocaba, as Fábricas
Santa Rosália, N. Sª da Ponte, Santa Maria. Fundada em 1895,
pelo Alemão Jorge Oeterer e seu genro Frank Speers a Fábrica
Santa Rosália que “destinava-se a fiar e tecer algodão,
possuindo 250 teares e 24 fiandeiras ring frames e ocupava 350 operários”.(Ribeiro
1998, p. 39) A fábrica Nossa Senhora da Ponte de propriedade de
Manuel José Fonseca obtinha “quarenta tares e 1.500 fusos
movidos a vapor por uma maquina de 40 cavalos.” (ib., id., p. 40)
O que caracteriza, do ponto de vista produtivo, o estabelecimento dessas
fábricas de fiar e tecer, nas últimas três décadas
do século XIX é o emprego do maquinismo o que torna a produção
mecânica.
A mecanização condicionou que o capital aplicado nestas
fábricas fosse vultoso. Não se tratava mais da construção
de pequenas oficinas ou da improvisação de cômodos
para desenvolver uma atividade manufatureira, senão tratava-se
da construção de edifícios apropriados à acomodação
de numerosas máquinas, muitas vezes de grandes dimensões,
como os batedores usados para a limpeza do algodão, as fiadeiras
compostas de mais de seiscentos fusos. Não se tratava também
da importação de ferramentas simples, senão de maquinismos
que, por sua vez, para funcionar, exigiam não mais a força
humana, mas sim a instalação de usinas hidrelétricas
ou de outras formas de obtenção de energia que implicavam
investimentos adicionais. (RIBEIRO, 1998, p.39).
No ano de 1904, com a estamparia de chitas houve a ampliação
das atividades de fiação e tecelagem, que já contavam
com 14.000 fusos e 624 teares, que foram interrompidas com a falência
do Banco União em 1917. Com a falência do Banco esse acervo
industrial foi comprado por um grupo de sorocabanos, no ano de 1918 vindo
a chamar-se Sociedade Anônima de Indústrias Votorantin.
A educação de ofícios nos primórdios
do desenvolvimento econômico sorocabano
A sociedade brasileira, como também, a Sorocabana ao buscar o seu
desenvolvimento econômico tendo como base a indústria constatou
a problemática do analfabetismo, que apresentavam em termos brasileiros
a redução representativa de 10 pontos em 20 anos, mas mantinham
dados alarmantes em termos percentuais: em 1890 85% da população
era analfabeta; em 1920 mesmo a porcentagem caindo para 75%, era identificador
da grande parte dos brasileiros desprovidos dos componentes básicos
de leitura e escrita (Instituto Nacional de Estatística do Brasil,
ano II, 1936, p.43). Os indicadores são frios na emissão
dos números, não explicitando, por exemplo, que, numa sociedade
agrária leitura e escrita eram consideradas dispensáveis
para as práticas de cultivo. A população brasileira,
rural em sua concentração, não conseguia abstrair
no cotidiano de suas responsabilidades, nem a importância da aprendizagem,
nem o direito ao acesso às escolas rurais que mesmo instituídas
legalmente, não completavam o cenário das grandes propriedades
agrícolas.
Entretanto, as dificuldades geradas pela falta de escolarização
e de cultura se fizeram sentir num ambiente que trazia novas exigências
e perspectivas até então pouco usuais e desconhecidas pela
maioria da população.
Nesse contexto campanhas proclamando a necessidade da expansão
e difusão do ensino escolar se tornaram freqüentes fazendo
surgir as escolas-modelo e os grupos escolares. A pesquisa de Menon (2000)
observa que os grupos escolares foram criados pelo Decreto nº 248
de 26 de julho de 1894, prevendo inclusive as características que
deveriam defini-los como número de salas de aula, salas ambiente
e organização funcional. Apesar de provocar iniciativas
particulares e governamentais na implantação de escolas,
a oferta de escolarização era insuficiente para atender
à demanda fazendo com que apenas 1/3 da população
fosse atendida.
O ensino profissionalizante, crescente, mas de diminuta clientela, nunca
foi devidamente valorizado, pois, já desde seu nascedouro se caracterizara
como destinado às classes populares, àquelas que não
teriam acesso aos níveis superiores de escolarização.
Com uma população dividida genericamente em dois segmentos:
uma pequena classe abastada e o restante formado de cidadãos muito
pobres, Sorocaba não escapava do padrão nacional. Com as
fábricas foram se instalando serviços sociais de ordem diversa
no conjunto das melhorias urbanas: ampliação do sistema
de iluminação, melhorias no abastecimento de água,
hospitais, casas para funcionários, igreja, empresa telefônica,
cinema, carros de aluguel (de tração animal, inicialmente).
Em termos de instituição escolar formal, a época
registrava a atuação do poder público estadual e
municipal, da iniciativa privada civil, confessional e ações
distintas das instituições de serviços. Configuraram
esse quadro, logo nos primeiros anos do séc. XX, a reabertura do
Liceu Municipal em 1901 e a chegada das Irmãs Beneditinas de Tutzing,
Alemanha, em 1905 dando início às atividades educacionais
que, em Sorocaba permanecem até hoje e de Sorocaba se ramificaram
para outras localidades do país. O Ginásio Sorocabano, também
particular, instalado em 1909, mas fechado em 1911; o Grupo Escolar Antonio
Padilha, estadual, que começou a funcionar em 1913, com mais de
600 alunos matriculados; também eram da competência do poder
estadual as instalações do Grupo Escolar Visconde de Porto
Seguro, em 1914 e, do Grupo Escolar Senador Vergueiro, em 1919. O funcionamento
“Senador Vergueiro”, veio atender aos anseios da população
do bairro “Além Ponte”, constituída em sua maioria
por trabalhadores da indústria têxtil Santa Maria. A instalação
dos grupos escolares se constituiu em eventos saudados ipoeticamente pela
imprensa local: (...) “fundou-se o desejado Grupo Escolar; em pouco
tempo as clumnatas de luzes, aclareando o róseo porvir (...) formou-se
uma phalenge de marcos que nos exames de dezembro conquistarão
palmas e glórias”. (Jornal O 15 de Novembro, nº415,
11/02/1897,p.01)
A Escola de Comércio instalou-se em 1924 e, 1929 a cidade passou
a contar com seu Ginásio do Estado. (SILVA: 1995, p.64). Como a
disponibilidade dos três grupos escolares não era suficiente
para o atendimento, foram criadas com autorização do poder
público, duas escolas isoladas, particulares no centro da cidade:
uma de 4ª série do Prof. José de Azevedo Antunes e
outra de 2ª série do Prof. Joaquim Izidoro Marins. ( MENON:
2000,p. 157).
Silva (1995) lembra ainda que, em 1912 era de 820 o número dos
alunos matriculados na instrução pública municipal,
dos quais 372 eram meninos e 448 meninas. Esses números colocavam
a cidade entre aquelas do interior paulista com maior número de
alunos matriculados. Números do mesmo ano mostravam que o curso
noturno era essencialmente masculino, mantido pelo governo do estado e
era oferecido aos 130 alunos que o freqüentavam, em 4 escolas.
{...} as escolas criadas e mantidas pelo governo do Estado (...) devem
abrir-se as 6 horas da tarde fechando-se às nove da noite. Eis
aqui o ponto capital da nossa queixa, não do horário (...)
mas da dificuldade que daí advém para os operários
a freqüentarem devido ao adiantado da hora em que largam o serviço.
As Fábricas de Tecidos Santa Maria e Santa Rosália trabalham
até as oito e meia da noite(!!!), a de chapéus até
as cinco e meia da tarde. Diante de um horário tão cômodo
como rendoso para os patrões, nenhum operário poderá
freqüentar as escolas noturnas...”.(Jornal O Operário,
Ano II, nº 53, de 2/10/1910,p.01).
As escolas recebiam predominantemente os filhos de brasileiros naturais
ou naturalizados. Os filhos dos imigrantes, eram em sua maioria alunos
das escolas instaladas pela comunidade estrangeira de origem que, além
de manter as práticas culturais do próprio, país
eram gratuitas, como as escolas italianas Dante Alighieri e Scuella Serale,
funcionando logo no começo do século XX. Outra, a escola
Colonial Grabriele D’Annunzio, pelos dados de Menon (2002), oferecia
as primeiras letras, o secundário e preparava para a escola Techina,
Commercial e Gymnasial, de São Paulo.
A elite sorocabana estudava com mais freqüência nas instituições
particulares que, mesmo recebendo seus alunos desse segmento social, enfrentavam
dificuldades para manutenção dos trabalhos educativos. Esse
problema atingia de maneira pontual as escolas particulares isoladas,
fazendo com que fechassem rapidamente, apesar da facilidade de abertura
e instalação. Somente aquelas em que a experiência
e organização caracterizaram o trabalho, puderam consolidar
sua atuação educativa e manter-se em atividade.
Maçons e presbiterianos tiveram particular destaque na história
da educação em Sorocaba. Trabalhando separadamente ou, muitas
vezes unindo esforços por interesses recíprocos e experiências
comuns como o regalismo imperial, o confronto com a Igreja Católica,
os posicionamentos políticos afins, registraram sua marca educativa.
Menon (2002) identifica a participação da Igreja Presbiteriana
na vida escolar brasileira a partir da segunda metade do século
XIX, com a fundação de um pequeno seminário no Rio
de Janeiro. Nesse seminário estudou o reverendo Antonio
Pedro Cerqueira Leite que ao chegar à Sorocaba em 1876 acompanhado
de esposa e sobrinha, fundou uma escola junto à igreja, onde os
três atuavam como professores. A escola localizada à Rua
das Flores (hoje Monsenhor João Soares), tinha como objetivo atender
as crianças das famílias não católicas que,
por não professarem o catolicismo, religião oficial, eram
discriminadas e coagidas nas escolas públicas. Por princípio
era aberta a todos, sem discriminação de qualquer ordem.
Na prática seus alunos eram brancos, protestantes, filhos de maçons
detentores de certo poder aquisitivo, pois a escola não era gratuita.
Mesmo com um trabalho estruturado, pedagogicamente inovador e recebendo
subsídios financeiros 11dos Estados Unidos à escola presbiteriana
não conseguiu sobreviver aos problemas que precisou enfrentar,
funcionando até o final do século XIX na cidade.
A atuação maçônica teve na Loja Maçônica
Perseverança III sua maior referência. Foi ela a pioneira
na introdução da escola noturna para analfabetos adultos
e adolescentes trabalhadores. Mesmo criticada pelos mais diversos motivos,
de ser atéia, de ser protestante, de fazer proselitismo, funcionou
até 1950, quando foi oficialmente desativada depois de, por 80
anos ser a única disponível àqueles que precisavam
trabalhar desde crianças. Para os maçons da Perseverança,
o advento oficial dos cursos supletivos liberava a Loja continuar cumprindo
essa responsabilidade social que se havia imposto.
Merece atenção especial, no âmbito do desenvolvimento
econômico Paulista e regional a criação do curso de
ensino sistemático de ofícios para as ferrovias, no ano
de 1924. Juntamente com esse curso deu inicio a Escola Profissional Mecânica
no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Segundo Cunha
(2000) a criação desse curso foi estratégico ao dar
uma "resposta técnica" para a conquista operária
da jornada de 8 horas de trabalho, com a aplicação do taylorismo
na formação profissional.
Com essa criação houve acordos estabelecidos com outras
escolas tais como: Estrada de Ferro Sorocabana, a São Paulo Railway,
a Companhia Paulista de Estradas de Ferro e a Companhia Mogiana de Estradas
de Ferro, que sustentavam o curso, que contava, também, com subsídios
do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Duas inovações marcaram a criação desse curso
a utilização de séries metódicas de aprendizagem
idealizada por Roberto Mange, que como diretor do curso enfatizava ser
“muito mais do que um meio de aquisição de técnicas
de trabalho, mas também um instrumento disciplinador e formador
do caráter dos jovens aprendizes”. (CUNHA, 2000, p. 132)
O método de ensino utilizado era individual no estudo dos ofícios
industriais e desenvolvia as seguintes operações, por tarefas:
As tarefas consideradas típicas de cada ofício eram decompostas
em operações simples, compreendendo quatro fases, a saber:
estudo da tarefa, demonstração das operações
novas, execução da tarefa pelo educando e avaliação.
As tarefas eram atribuídas aos aprendizes de acordo com o grau
crescente de complexidade e conforme o ritmo individual de aprendizado.
Os conhecimentos de caráter geral (científicos e tecnológicos)
eram ministrados na medida da necessidade das tarefas praticadas, e à
medida que elas eram executadas. Como apoio ao aprendiz, produzia-se material
didático específico, compreendendo, principalmente: folhas
de tarefa, que diziam o que fazer; folhas de operação, que
diziam como fazer; e folhas de informação tecnológica,
com a indicação dos conhecimentos de matemática,
física, química e outros, necessários à realização
de cada tarefa. (CUNHA, 2000, p. 132)
A segunda inovação foi para aplicação de testes
psicológicos para seleção e orientação
dos candidatos aos diversos cursos, combinados ao taylorismo, cuja finalidade
era para eliminar os desperdícios oriundos no processo de trabalho.
Para eliminar os desperdícios e obter o rendimento máximo,
era indispensável encontrar-se o trabalhador certo para o trabalho
certo, o que exigia o estudo das aptidões físicas e psíquicas
dos operários, o que valia, também, para o encaminhamento
dos aprendizes para os ofícios tidos como os mais adequados a cada
um. (CUNHA, 2000, p. 133)
Na ótica taylorista, nesse processo de seleção, havia
vantagens que exigiam apenas um instrutor para orientar todo um grupo
de aprendizes, o que possibilitava o preparo de maior número de
profissionais em menor período de tempo.
As oficinas, então criadas para fins específicos de aprendizagem,
proporcionavam, também, ambiente propício ao menor dispêndio
de energia e maior aproveitamento da força de trabalho disponível.
O sistema tradicional de aprendizagem, até então utilizado
nas ferrovias do país, consistia na admissão de um jovem
menor de idade como praticante ou como aprendiz, escolhido por recomendação
pessoal ou por outro motivo estranho à eventual capacidade do candidato.
O preparo desse jovem processava-se em geral sem o necessário aperfeiçoamento
cultural e técnico-científico, dependendo de uma improvisação
técnico-didática dos mestres de oficina, da boa ou má
vontade de oficiais e resultava em aquisição de vícios
e defeitos. (CUNHA, 2000, p. 133-134)
Desde a sua inauguração, em 1924, a Escola Profissional
Mecânica, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo,
a Companhia Paulista de Estradas de Ferro iniciou estudos para a criação
de uma escola própria de aprendizes. Até que isso viesse
ocorrer foram instituídos Cursos de Preparo Técnico, por
correspondência, organizados pelos engenheiros da empresa, cujo
efeito foi multiplicador.
Com a criação da Estrada de Ferro Sorocabana, pelo governo
estadual, cujo objetivo era melhorar os resultados econômicos da
empresa para enfrentar a concorrência dos transportes rodoviários
o que resultou, posteriormente, no ano de 1930 a organização
do Serviço de Ensino e Seleção Profissional (SESP),
que teve a estreita colaboração da escola profissional da
rede estadual. De acordo com (CUNHA, 2000, p. 134), inicialmente, as “aulas
teóricas do curso eram ministradas na Escola Profissional de Sorocaba
e os trabalhos práticos realizados em oficina de aprendizagem,
que foi construída para esse fim, na mesma cidade.” E estavam
destinados ao preparo dos ferroviários, cuja duração
era de quatro anos, nas oficinas de mecânica, com as seguintes especialidades:
ajustador, torneiro-fresador, caldeireiro, ferreiro, caldeireiro-ferreiro,
eletricista, operador mecânico. A didática, a pedagógica
e o conteúdo programático tinha as seguintes características:
As aulas teóricas eram ministradas no período da manhã,
distribuídas num total de 10 horas semanais para as duas primeiras
séries, de 8 e de 5 horas para a 3ª e a 4ª Séries,
respectivamente. O período da tarde era reservado para a realização
de trabalhos práticos, distribuindo-se a carga horária em
28 horas para as duas primeiras séries, 32 e 40 para as seguintes.
Em resumo, os alunos estariam ocupados pelo menos 40 horas semanais entre
aulas teóricas, trabalhos práticos e exercícios físicos.
A 1ª série do curso de aprendizagem tinha capacidade para
receber trinta alunos. (CUNHA, 2000, p. 135)
A SESP oferecia, também, outros cursos de aperfeiçoamento
destinados para o pessoal das oficinas ferroviárias compreendendo
disciplinas como “português, matemática, desenho técnico,
higiene, prevenção de acidentes, e outras”. (CUNHA,
2000, p. 135). Vindo cumprir o caráter multiplicador tendo em vista
não só atender a concorrência rodoviária, mas
também reproduzir socialmente a mão-de-obra para o trabalho.
Um curso de tração, para foguistas e para maquinistas. Um
curso de telégrafo e iluminação, para os aprendizes
que já possuíssem formação profissional mecânica
equivalente à 3ª série do curso de ferroviários,
completando-a com mais um ano de aprendizagem. Um curso de tráfego,
visando à especialização do pessoal dos departamentos
de movimento e telégrafo, ensinando desenho e matemática.
Nos seus dez anos de existência, o SESP ministrou ensino profissional
a 2.400 trabalhadores, em seus diversos cursos. (CUNHA, 2000, p. 135)
O sistema de avaliação que foi empregado, para a verificação
da eficiência dos métodos empregados na aprendizagem, foi
chamado peça de prova, “que constava de um dos desenhos utilizados
na formação profissional dos alunos da primeira série
do curso de ferroviários”. (CUNHA, 2000, p. 136).
O desenho escolhido era o de uma das peças efetuadas no curso para
ajustadores, por oferecer as condições necessárias
para averiguar a realização de operações básicas
em dificuldade crescente. Oferecia, também, a possibilidade de
apresentação de resultados semelhantes à curva de
Gauss, de distribuição simétrica e atribuição
de freqüência máxima nos valores médios. Os dados
assim expressos eram necessários ao tratamento estatístico,
realizado posteriormente, de correlação de notas obtidas
no exame e na prova psicotécnica. (CUNHA, 2000, p. 136)
Esse processo de avaliação era classificatório e
viabilizava a comparação com outros métodos.
No caso da Estrada de ferro Sorocabana, no desenvolvimento, há
expansão dos padrões de aprendizagem o que gera pela diretoria
da própria empresa, uma proposta para reduzir os custos para o
transporte ferroviário e combater a concorrência com o transporte
rodoviário sendo aprovada pelo governo estadual resultando na criação
do Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional
(CFESP).
O CFESP foi formado pelas ferrovias do Estado de São Paulo, com
fundos próprios e vida autônoma tendo a colaboração
sob vários aspectos do governo do Estado podendo ter a participação
conveniada de outras empresas ferroviárias.
O governo do estado colaborou com o aparelhamento especializado existente
na EF Sorocabana que, por sua vez, passou a funcionar com rendimento máximo.
Além disso, o governo contribuiu com professores para as aulas
de instrução geral e preparatória, instalações
materiais de estabelecimentos existentes e assistência das Diretorias
de Ensino e Serviço Sanitário. Para normatizar o apoio governamental,
foi baixado o Decreto (SP) n.6.537, em 4 de julho de 1934. Um elemento
característico da concepção do CFESP, contido no
próprio decreto estadual, era a possibilidade de adesão
de empresas ferroviárias situadas fora do Estado de São
Paulo.O decreto fixava, também, a forma de participação
das empresas ferroviárias conveniadas, na forma de uma contribuição
financeira, e o compromisso de, uma vez aderido ao CFESP, dele só
se desligarem após aviso prévio de um ano.
A administração do CFESP era realizada por uma Comissão
Superior, composta de representantes do governo estadual e das companhias
ferroviárias participantes, e tinha como presidente nato o diretor
de Viação. (CUNHA, 2000, p. 137)
A instalação do CFESP foi da Estrada de Ferro Sorocabana,
que incorporou, também, o serviço de formação
profissional dessa ferrovia - o SESP - dando prosseguimento aos cursos
e às pesquisas psicotécnicas em andamento sendo aproveitadas
as séries metódicas já existentes e os estudos psicotécnicos.
De acordo com (CUNHA, 2000, p. 138-139) em dez anos após a sua
criação o CFESP atingiu o atendimento, no ano de 1942, de
83% do total da força de trabalho ferroviária do país,
correspondente a 73% da extensão das vias férreas. Nesse
ano havia dezesseis escolas profissionais nas ferrovias paulistas, todas
ligadas ao Centro. Nesse período de tempo e posterior a ele houve
um acréscimo do número de empresas que participaram do CFESP
ocasionando que “deixasse de ministrar cursos diretamente, passando
a exercer um papel de orientação, assistência técnica
e padronização dos cursos oferecidos pelas próprias
empresas” (id., Ib., p. 139).
Criado em 1934, o CFESP foi extinto dez anos depois, em proveito do Senai,
entidade à qual veio a se incorporar, além de fornecer quadros
dirigentes e a tecnologia de aprendizagem sistemática.
Teve no seu quadro de aprendizes, em principio, uma clientela restrita
dos filhos de ferroviários, e a formação restrita
para as estradas de ferro. “Nas escolas de aprendizes artífices,
os alunos eram, invariavelmente, órfãos e outros "desvalidos",
oriundos do lumpemproletariado, mais interessados na comida gratuita do
que no aprendizado propriamente”. (CUNHA, 2000, p. 140).
Considerações finais
Retomando a idéia do desenvolvimento econômico com a educação
e suas implicações com a economia industrial de Sorocaba
seria possível afirmar que:
O capital agroexportador, no espaço da sociedade sorocabana agregou
um tempo técnico ainda não vivenciado e articulado no comércio
e nas manufaturas. A presença das máquinas na indústria
de beneficiamento do algodão e das ferrovias não foram capaz
de sustentar uma economia baseada na indústria têxtil o que
vem sendo caracterizada, pelos estudiosos da economia regional, desde
os últimos anos do século XIX até os dias atuais
como a cidade do algodão.
Com a criação do CFESP, em 1934, formou técnico para
varias especializações de produção da ferrovia:
fundição, modelagem, carpintaria, pintura, mecânica
de precisão, eletricidade, recuperação de composição
de trens e locomotivas, praticas de tráfego e recuperação
de linhas, etc. Vale destacar que o tempo de curso era computado posteriormente
para fins de aposentadoria, quando os jovens alunos ingressavam como profissional
ferroviário. A alta especificidade da formação profissional,
permitia uma transferência de aprendizado para outros setores da
atividade industrial. Era comum aos ferroviários produzir extra
oficial e empriricamsnte, objetos de bronze, aço inox e alumínio.
Comum também, depois de aposentados serem procurados para montagem
de setores industriais, gerenciamento de metalúrgicas, organização
de oficinas, instalação e conserto de fornos e, serviços
de precisão. Até hoje, egressos do antigo curso ferroviário,
ainda que na faixa dos 60/70 anos, atuam como técnicos de minúscula
miniatura artesanal em diversas frentes tais como: marcenaria, modelagem,
fundição de matais.
Por fim, podemos afirmar que a formação técnica,
no âmbito das relações capitalistas assume uma atividade
teleológica, em que a formação do indivíduo
visa um fim que no sentido geral é fazer do sujeito um membro útil
para a comunidade caracterizando a dependência operária aos
donos dos meios de produção. A ideologia taylorista do trabalho
é incorporada pelo trabalhador e familiares, submetidos à
disciplina rígida do trabalho fabril ultrapassando os muros da
fábrica e se fazendo sentir nas vilas operárias, nas escolas,
nas creches das crianças e nas igrejas.
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Jornal O Operário, Ano II, nº 53, de 2/10/1910,p.01