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  TEARES E TRILHOS: A EDUCAÇÃO DE OFÍCIOS EM SOROCABA

Jefferson Carriello do Carmo – UNISO
Vânia Boschetti - UNISO

Gênese e desenvolvimento da indústria têxtil no Brasil (São Paulo)
De acordo com Suzigan (2000) os fatores que contribuíram para o desenvolvimento da indústria têxtil brasileira, a partir da metade do século XIX, foram: a presença do algodão, como matéria-prima relevante para a produção cuja maior concentração estava nas regiões Norte e Nordeste e por algum tempo, nas décadas de 1860 e 1870, também na província de São Paulo. A demanda por vestuários, por sacaria para o café, para o açúcar e cereais, etc., foram fatores de contribuição, juntamente e a partir do desenvolvimento econômico relacionado com os vários produtos básicos regionais, tais como: borracha, no Norte; algodão; açúcar e fumo, no Nordeste; café nas provinciais do Rio de Janeiro e de São Paulo e a criação de gado no Sul. Outros fatores geradores do desenvolvimento da indústria têxtil foram: a mão-de-obra barata e não treinada a proteção contra a concorrência estrangeira, inicialmente, feita por elevados impostos de importação e, a partir do fim do século XIX, por uma combinação que alternava de algumas vezes da desvalorização da taxa cambial e altos impostos de importação.
Na província de São Paulo o seu desenvolvimento foi constituído em 1780 pela Real Junta do Comércio, que sobreviveu até 1820. Este desenvolvimento só veio afirmar, em São Paulo, por volta do fim da década de 1860.“Dessa época até a metade da década de 1880 foram instaladas na província dezesseis fábricas têxteis de algodão, mas algumas delas foram fechadas depois. Os dados sobre essas fábricas são escassos, mas (...) a maioria era de fábricas pequenas”. (SUZIGAN, 2000, p. 145)
Essas instalações foram, durante o boom do algodão, atreladas à disponibilidade da matéria-prima e a existência de um mercado local protegido por elevados direitos aduaneiros estimulando o desenvolvimento da indústria têxtil do algodão. Mas provavelmente o estimulo mais forte foi o boom do café na província.
A expansão do cultivo do café, com transição antecipada para a mão-de-obra livre, estimulou o crescimento econômico em geral e uma demanda crescente por tecido grosseiro de algodão para ensacar café, açúcar, cereais, etc. e para vestir os escravos e trabalhadores. Mas o que é provavelmente mais importante é que os cafeicultores começaram cedo a diversificar sua carteira de investimentos, aplicando lucros em ações de ferrovias, empresas de serviços públicos e bancos e instalações fábricas têxteis de algodão. (SUZIGAN, 2000, p. 145-146)
Nos anos de 1860 a 1880 as fábricas de tecidos de algodão instaladas em São Paulo foram fundadas por cafeiculturas, ou tiveram expressivas contribuições destes.
Nos anos de 1885 a 1895 foram os de maiores avanços no desenvolvimento da indústria brasileira que registra “pelos menos 47 novas fábricas que foram instaladas no país e algumas das existentes foram expandidas” (SUZIGAN, 2000, p. 147) notável nesse avanço é a ampliação do tamanho das novas fabricas.
Na verdade, a maioria das fábricas fundadas nesse período era muito maior do que as instaladas anteriormente, e algumas delas, com quinhentos e mil teares, seriam as maiores do país por muitos anos. Os dados sobre o equipamento e a força de trabalho dessas fábricas, embora incompletos, mostram que, em média, eram equipadas com 14.015 fusos (catorze fábricas) e 317 teares (28 fábricas), e empregavam 355 pessoas (dezenove fábricas em 1885: 3.325 fusos (com base em dados para vinte fábricas), setenta teares (trinta) e 138 empregados. As novas fábricas eram também mais bem equipadas para gerar energia, a maioria a vapor (dados de vinte fábricas mostram uma média de 562 H.P por fábrica). Outra característica importante dessa novas e maiores fábricas é que elas começam a desenvolver a produção interna de tipos mais finos de tecidos de algodão em cores e também a instalar estamparias. (SUZIGAN, 2000, p. 147)
No período, ainda, houve distribuição regional de mais de 22 novas fábricas de tecidos de algodão instaladas em várias localizações, sendo duas em São Paulo em que a mais importante a de Votorantin fundada em 1892 por um banco controlado por fazendeiros de café.“Inicialmente, ela operou para tingir e estampar, mas subseqüentemente foi equipada com 14.000 fusos e 624 teares. A outra fábrica era menor; em 1901, dizia-se que operava 180 teares”. (SUZIGAN, 2000, P. 149)
Na ótica da relação capital e trabalho é outro aspecto relevante sobre o desenvolvimento da indústria têxtil, em São Paulo discutido por Ribeiro (1988) em condições de trabalho na indústria têxtil paulista (1870-1930). Acentua que na relação capital e trabalho há contradições que o setor têxtil algodoeiro é construído no curso do processo de acumulação capitalista que cumpre o papel fundamental: suprir de bens de consumo corrente as massas confinadas nas zonas rurais e os contingentes de trabalhadores assalariados urbanos; cria emprego, gera renda, lucros e salários.
Esse conjunto de fatores oriundos do setor têxtil, como produtor de bens de consumo, assume uma relevância expressa no fato de que ela implica necessariamente uma nova rearticulação da divisão internacional do trabalho, na qual as nações capitalistas avançadas se redefinem como exportadoras de bens de produção tais como: máquinas, acessórios mecânicos, insumos químicos (anilinas, tintas, corantes). A instalação da indústria têxtil envolve, portanto, uma nova rearticulação do capitalismo a nível internacional, significando que nas economias capitalistas desenvolvidas as indústrias de bens de produção mecânica e siderúrgica assumiam a dianteira do processo de acumulação, redefinindo assim uma nova divisão internacional do trabalho.
A formação do ramo têxtil algodoeiro sob o ponto de vista do processo de trabalho implica privilegiar a fábrica, onde as formas de sujeição do trabalho ao capital se manifestam. A relação de subordinação e oposição entre o capital e o trabalho expressa-se também no processo de trabalho, e por isso mesmo, este não constitui apenas uma técnica de fazer produtos, mas a forma pela qual se estabelecem as relações do homem com os elementos materiais da produção, e dos homens entre si. É neste espaço que a dominação do capital sobre o trabalho se desenvolve e adquire concretude, por meio da qual suas artimanhas e mecanismos se explicitam na imposição de uma nova divisão de trabalho, na desqualificação do trabalho, na determinação do salário, e na duração do tempo de trabalho. Por sua vez, é neste espaço que o trabalhador cria suas formas de resistência e insubordinação aos ditames do capital.
As ferrovias Paulistas e o desenvolvimento econômico regional
Saes (1981) analisa através do contexto histórico e das condições da economia paulista as ferrovias: Paulista; mojioana e a Sorocabana entre 1870-1940 enfatizando que no ano de 1892 atingiam 78% da rede ferroviária do Estado.
Olhadas sob a ótica do seu funcionamento e como elementos de sistema econômico as ferrovias revelam grande sensibilidade com respeito às flutuações nas fases de prosperidade e de recessão. Nos fluxos de tarifas que confirmam a importância do café e suas crises, que não desestimulam o crescimento de suas culturas foram impulsionadas pelas ferrovias.
Nos primeiros vinte anos da implantação e funcionamento das ferrovias, coexistia perfeita solidariedades entre o mercado cafeeiro e a prosperidade ferroviária, que se comprava pela proporcionalidade entre os dividendos e o montante transportado em toneladas de café. A partir da década dos 90, a violenta queda da taxa cambial, o processo inflacionário desde os primeiros anos da Republica, repercutem intensamente sobre as ferrovias, ao mesmo tempo em que se tornam mais vulneráveis ao caráter cíclico do mercado cafeeiro. Estabelece-se, deste modo, nos anos 90, nítida contradição entre os interesses dos produtores de café , que se favoreciam com o aumento do preço do produto no mercado interno, provocado pela desvalorização da moeda, e os interesses das empresas ferroviárias, pesadamente oneradas pelo maior custo do material importado, indispensável à sua atividade, pelo serviço de dívida no exterior, com a elevação dos salários sob a pressão inflacionara. Ainda que significantemente cresça – a Sorocabana também se torna uma ferrovia do café – ao volume de mercadorias transportadas não se pode mais atribuir o sentido subjacente de prosperidade estável. (SAES, 1981, p. 9)
Nos anos de 1890 há uma nova consciência que emerge quanto à necessidade de diversificar a economia e que a própria ferrovia vinha servir o seu próprio desenvolvimento, significou novos rumos para a economia paulista e que veio a tona nos anos 30. Na década de 90 finda o período áureo da rentabilidade das ferrovias.
No plano legislativo a ferrovia no Brasil surge em 1835, quando a primeira lei, autoriza a concessão de privilégios para a sua construção. Tais privilégios contemplavam a construção das linhas férrea entre Rio de Janeiro com as províncias da Bahia, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
De acordo com ( Apud. CHROCKATT, 1981, p.20 – 21):
Em 31 de Outubro de 1835, exatamente quando aumentavam as hesitações e oposições nos Estados Unidos da América do Norte, França de Bélgica, um grande impulso foi dado aos caminhos de ferro pela promulgação da primeira lei no Brasil , autorizando o Governo a conceder privilégio, por quarenta anos, para companhias que construiriam linhas férreas do Rio de Janeiro às capitais de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Bahia. Era uma lei corajosa e patriótica, embora não oportuna.
O Brasil se tornara independente da metrópoles em 1822 e tinha apenas treze anos de vida autônoma, era desconhecida sem recursos. Esta primeira tentativa certamente não seria bem sucessiva.
Segundo Saes (1981) essa legislação, por si só, não foi suficiente para a efetivação da construção da estrada de ferro. Somente em 1854 foi concluído o primeiro passo na construção nos objetivos recomendados da lei de 31 de Outubro de 1835, quando foram construído 14,5 Km da primeira seção da Estrada de ferro em Mauá.
Anterior a essa construção houve duas tentativas, que falharam. Uma através da Companhia de Aguiar, Viúva, Filhos & Comp. e Palatt e e Reid, cuja construção iniciava-se em Santos até a zona central do Estado de São Paulo, no ano de 1838.
Na segunda concessão dada pelo governo imperial para Thomaz Cochrane a tentativa de construção da estrada de ferro, no ano de 1840 estendia do Rio de Janeiro para a província de São Paulo. Nessa tentativa também houve falha ocasionando a perda da concessão. Nesse impasse nas duas tentativas da construção da estrada de ferro através de Cochrane levantou-se uma questão relevante para o contexto: a rentabilidade do investimento pedido por Cochrane, em 1849, não sendo aceito pela Câmara dos Deputados. Tal concessão só veio ocorrer através da Lei n. 641 de 26 de junho de 1852 em que foram estabelecidos vários favores dentre eles a garantia de juros de 5% sobre o capital empregado nas linhas férreas.
Esse sistema de garantia de juros vai vigorar até o inicio do século XX e marca, portanto, o período de implantação de grande parte das estradas de ferro no Brasil. Além da garantia de juros, as concessões implicavam em isenção de impostos na importação de materiais para a estrada de ferro e no privilegio da zona de cinco léguas de cada lada da linha férrea. A garantia de juros de 5% concebida pelo governo Imperial somaram-se, quase sempre, diferenciais pagos pelas Províncias (em geral da ordem de 22%) (SAES, 1981, p. 22)
Após a promulgação dessa lei, de acordo com (SAES, 1981), foram implantadas varias linhas férreas em São Paulo. A primeira, a Estrada de Ferro D. Pedro II, que liga Rio de Janeiro a Canhoneira em São Paulo, essa construção esteve por conta do Tesouro Nacional em 1855. A segunda é datada de 1856 sendo sua concessão feita ao Barão de Mauá, Marquês de Monte Alegre e J.A. Pimenta Bueno para a construção da estrada de ferro de Santos a São Paulo e a Jundiaí. Ambas as construções tinham os privilégios habituais previstos por lei, inclusive garantia dos juros 7% sendo 5% do governo federal e 2% dos governos das provinciais.
Essas construções têm como fato marcante o inicio da ligação ferroviária do Oeste paulista ao porto de Santos que continua na década de 1870, com as ferrovias paulistas e a rede ferroviária do Brasil.
A continuidade da construção das ferrovias paulistas mostra a sua relevância vistas sob a sua extensão, por quilometro, do Brasil e de São Paulo desde 1854 até 1940, quando ocorre nesse período um crescimento percentual representada pela extensão das estradas de ferro de São Paulo dentro do Brasil que não foi menor do que 20%. Limitando esse aspecto quantitativo para a década de 1870-80 verifica-se que só nesse período houve um crescimento de 35%, o que revela a importância das ferrovias paulistas, para o Brasil, de um lado e as restrições de ampliação das ferrovias em outros Estados, de outro.
{...} o rápido crescimento da rede de ferrovias em São Paulo tenderia a alcançar um limite imposto pela área de seu território. Tal limite para o Brasil como um todo deve representar restrição pouco atuante. A penetração de estradas de ferro nascidas em São Paulo no território de outros Estados – como a mojiana em Minas Gerais e a Noroeste em Mato Grosso – dá a medida de como a participação das ferrovias paulistas na extensão total das estradas de ferro do Brasil aumentaria se o critério adotado fosse, não territorial, mas outro que considerasse os casos citados. (SAES, 1981, P.. 23).
Outro fato marcante na análise de (SAES, 1981) foi a distinção feita das ferrovias paulistas das outras do Brasil. Encontra-se nas respectivas regiões do Brasil uma população ativa e produtiva. No Caso das estradas de ferro em São Paulo os problemas encontrados foram: na tipografia que oferecia problemas especiais, as chuvas nas estações tornavam a sua construção e a manutenção das estradas onerosas, a vasta vegetação tropical que cobria boa parte do país, a febre amarela e outras doenças tropicais que consumiam as vidas e a energias dos trabalhadores e só uma mercadoria – o café – como relevante para dar a base da prosperidade ferroviária. O café, o mais importante item atual do tráfico das ferrovias brasileiras, crescia então em pequena escala. O Brasil passando a ser o maior produtor mundial do café tornando um grande exportador e o elemento principal de transporte para as ferrovias. Como regra geral, aquelas estradas que transportam grandes quantidades de café são prósperas e aquelas que transportam pequenas quantidades de café têm receita líquida baixa ou déficits.
Um outro aspecto a ser considerado por Saes (1981) sobre as três redes ferroviárias é sua relevância no aspecto da extensão e na posição estratégica para o Estado. Embora, na geografia paulista, identifica-se outras ferrovias importantes, lembramos que segundo (Prado 1979, p. 115-116)
A rede de estradas de ferro paulistas, bem como a de rodagem, desenha-se na carta de S. Paulo 'como uma vasta mão espalmada', para repetir a expressão feliz que Teodoro Sampaio empregou quando se referiu aos predecessores destas vias modernas na antiga capitania. Para nordeste, servindo o Vale do Paraíba, é a Central do Brasil, para a zona de Atibaia e Bragança, a Bragantina; para NNO, percorrendo a faixa que fica ao norte do Tietê, e onde se concentra a maior população e riqueza do Estado, as Companhias Paulistas e Mojiana; entre o Tietê e o Aguapeí, a Noroeste do Brasil (designação esdrúxula e sem sentido real), entre este último rio e o do Peixe, a chamada Alta Paulista (que sendo um simples ramal sem nome próprio, recebeu esta denominação convencional para se diferenciar da estrada a que pertence, a Paulista); e finalmente, entre o Peixe e o Paranapanema, a Sorocabana. Estas estradas são quase independentes entre si, e não se articulam efetivamente senão na região central do Esta. do, onde está a Capital. Além elas se separam cada vez mais, a ponto de nenhum ramal, a não ser excepcionalmente, permitir a passagem de uma para outra, fato este que reflete muito bem o caráter de faixas bem diferenciadas em que se distribui o povoamento que margeia as suas linhas respectivas.
Nos termos de extensão somadas as três linhas encontramos a partir de 1880 cerca de 50% das companhias.
Nos anos de 1892 há um salto de 78%, que decorrem de dois fatos: “a compra da Companhia Rio Claro (que ligava Rio Claro a Araraquara) pela Companhia Paulista; e a fusão da Sorocabana e Ituana em uma única Companhia, fato que se reflete no dado de 1895” (SAES, 1981, p. 28).
Nos termos quantitativos verifica-se que nos anos de 1910 há esgotamento de áreas para a expansão em São Paulo o que remete Companhia após 1915 a procurar área do sul de Minas Gerais, que para a linha férrea Sorocabana a implantação da linha férrea araraquarense, na ultima década do século XIX, e da Noroeste na primeira década do século XX proporcionou o transito direto das tentativas de desenvolvimento da Paulista e da Sorocabana rumo ao oeste paulista, nos sentidos adotados pela araraquarense e Noroeste.
Um outro argumento de Saes (1981) para verificar a importância dessas vias férreas foi a posição estratégica que elas ocupam no Estado em relação às transportes do interior para a Capital e o litoral do Estado.
Se tomarmos como base a divisão regional estabelecida por Sergio Milliet em sete zonas: Norte, Central, Mojiana, Paulista, Araraquarense, Noroeste e Alta Paulista e Sorocabana, apenas uma delas independe totalmente das ferrovias em estudo: a Zona Norte que engloba o Vale do Paraíba e o litoral Norte. Na zona Central apenas Jundiaí e a região de Bragança não se servem daquelas estradas (já que se ligam à Capital e a Santos pela Bragantina e Santos--Jundiaí). As demais zonas ou estão diretamente vinculadas àquelas ferrovias (Mojiana, Paulista, Alta Paulista e Sorocabana) ou delas dependem - caso da Noroeste e Araraquarense - porque o fluxo de mercadorias no sentido da capital (e vice-versa) terá de ser feito pela Paulista ou Sorocabana, pois Araraquara e Bauru são pontos terminais dessas ferrovias. (SAES, 1981, p. 28-29)

Sorocaba na rota do algodão e do trilho
Segundo Straforini (2001) a rota do algodão e seu cultivo em Sorocaba incidem ao século XVII quando, seus fundadores trouxeram de Santana do Parnaíba e São Paulo o algodão arbóreo e da sua manufatura. Cultivados acima das montanhas que se estendiam para o leste da cidade sua produção, nesse período, era de baixa qualidade e produzia um linho grosso que encontrava na região de Curitiba e na província de Rio Grande do Sul um seguro consumo.
Na cidade de Sorocaba as primeiras mudas de algodão herbáceo foram introduzidas em 1861 pelo agricultor José Ferreira Braga e não visava atender a demanda interna, mas atingir um mercado internacional, principalmente o inglês em pleno crescimento.
Com a Guerra Civil Americana (1860-1865) e a crise no abastecimento internacional do algodão, principalmente, para as tecelagens inglesas o que possibilitou a inserção do seu cultivo para novos lugares, no caso Sorocaba, como fornecedor dessa matéria-prima. Nesse período, da Guerra, a cotonicultura em Sorocaba conhece um tempo de elevado crescimento agrícola chegando à safra a 4.000 arrobas. Em seus vários municípios em 1864/5 contata-se a elevada soma de 300.000 arrobas. Esse tempo de crescimento foi golpeado com o fim da Guerra Civil americana com a retomada da produção algodoeira no Sul dos Estados Unidos.
Esse fato fez com que os pequenos produtores de algodão de Sorocaba retomassem à produção dos gêneros da terra e o abastecimento interno dos tropeiros. Segundo Silva (1995), a produção de algodão em 1874 havia diminuído tanto que, nesse ano, as encomendas da importadora Luiz Matheus Maylasky & Cia com a Petropolitana no Rio de Janeiro, não puderam ser remetidas para a Inglaterra devido a insuficiência do produto.
A falta de mercado consumidor fez com que alguns produtores continuassem a produzir, o que teria gerado a “consciência de que não havia outra saída para a crise a não ser transformar também em pano e vendê-lo no mercado interno.” (Apud. Straforini, 2001, p. 105).
{...} a produção de algodão estava baseada em pequenas propriedades de trabalho familiar. Com o fim da Guerra Civil Americana, estas voltaram para a produção de alimentos, pois não foram as mais beneficiadas nessa economia agroexportadora, mas sim os intermediários e exportadores; {...} o período que compreende o aparecimento das primeiras sementes do algodão herbáceo, até a sua crise produtiva, foi muito curto, muito embora tenha promovido certa articulação da sociedade. {...} (STRAFORINI, 2001, p. 105-106)
De acordo com (Saes;1981; Straforini, 2001; Bonadio, 2004), através de abordagens diferenciadas esclarecem que a melhor contribuição do capital algodoeiro foi para o investimento em uma de suas partes para a compra de máquinas descaroçadoras, gerando a gênese da indústria do beneficiamento; a construção da ferrovia em Sorocaba e, muito mais além, de empresas racionalmente organizadas.
A instalação da Estrada de Ferro Sorocabana imprimiu no espaço um tempo ainda não experimentado por aquela sociedade, onde o tempo da circulação passava a ser ditado pela velocidade da “maria-fumaça” e não mais pelo trotar das mulas e burros. Vindo a encorajar a difusão da cotonicultura e oferecendo aos lavradores transporte seguro e rápido a custos vantajosos em relação ao das tropas cargueiras. (BONADIO, 2004)
Tendo inicio a sua construção em junho de 1872 só é inaugurada três anos após, em 1875 sendo que para o momento só a produção de algodão não arcaria com os custos da ferrovia o que é somado ao interesse econômico, baseado no capital agroexportador, o que possibilitou ser chamada de estrada do algodão.
Outro aspecto que está presente nessa construção é o papel do poder local, exercido tanto pelo governo, como pela classe mais abastada.
A construção da Sorocabana só pode ser entendida pela ótica do jogo de interesses políticos locais, que não mediram esforços para arrecadar dinheiro suficiente para a construção da ferrovia, estabelecendo relações em várias escalas, chegando a obter capital interno e externo. Um dos caminhos foi usar a Fábrica de Ferro de Ipanema para levantar capital junto ao Imperador, pois este tinha "boas intenções" com a Fábrica, tanto que a ferrovia se chamava "Companhia Sorocabana, Estrada Real de Ferro de Ypanema a São Paulo.” (STRAFORINI, 2001, p.106)
Embora tenha tido em sua construção a pretensa econômica logo após sua inauguração, de acordo com (SILVA, 1995, 55), começou apresentar sinais de falência “em 1876 já havia projeto da Estrada de Ferro Sorocabana ser encampada pela Cia Ituana. Havia até mesmo uma proposta de arrancar os trilhos da Estrada”. Em 1880 uma nova diretoria assumiu a estrada de ferro desacreditada e com grandes dívidas.
Posteriormente, o algodão arbóreo foi substituído pelo algodão herbáceo de qualidade superior ao nativo, plantado em pequena pelos lavradores e, poucas vezes em larga escala. A produção ampliada levou segundo Ribeiro (1998) à outra experiência na cidade de Sorocaba, com o fazendeiro de algodão Manuel Lopes de Oliveira: a instalação de uma fábrica para descaroçar, cordar, fiar e tecer algodão, que deveriam constituir-se em tecidos grossos empregados nas roupas dos escravos. Com o atraso da chegada das máquinas inglesas e sua montagem, a fábrica iniciou o seu funcionamento em 1857 operou com apenas “quatro operários (escravos) que produziam trezentas onças de fio por dia”.
A utilização da mecanização com as máquinas de descaroçar algodão segundo Canabrava (1984) identifica Sorocaba como uma das primeiras cidades interioranas a fazer uso desse recurso.
Em 1870, a inauguração da Estrada de Ferro Sorocabana ligando a capital paulista à Presidente Epitácio, estendeu trilhos e dormentes por 800 km pelo interior do estado cortando costurando mais de 50 municípios.
Na verdade, a Sorocaba surgiu em função de uma dissidência de interesses entre grupos econômicos locais, que alijados de um ramal ferroviário que ligasse Sorocaba a Itu e Jundiaí e conseqüentemente ao Porto através da Santos-Jundiaí, desenvolveram esforços para a construção de uma ferrovia que atendesse aqueles interesses. A idéia era chegar ao porto de Santos, viabilizar uma economia de exportação e garantir o mercado inglês ressentido da falta de algodão por causa da guerra civil americana. (...) A ferrovia além dos lucros de sua exploração, deveria servis como forma de incentivo para que os agricultores continuassem produzindo algodão. (SILVA:1995,p.35).
A via férrea proporcionou com isso início ao ciclo de industrialização da cidade com as tecelagens, cuja técnica era manufatureira e que já estavam dentro da lógica capitalista de produção. Vale lembrar que esse processo de industrialização, em Sorocaba, está articulado como lembra Fausto (1976), ao processo de industrialização de São Paulo e de outras regiões.
{...} Sob todos os aspectos, na década de 1870 estavam assentadas as condições para o surgimento da indústria algodoeira; a abundância de matéria-prima (algodão) a preços acessíveis, a facilidade no recrutamento de força de trabalho especializada e em importar maquinismos, a melhoria nos transportes, a disponibilidade de mão-de-obra e a presença de um crescente mercado consumidor. Foi por esta época que começavam a serem instaladas as primeiras fábricas têxteis no Estado de São Paulo. (RIBEIRO, 1978, p.27)
Em 1873 com a recuperação das exportações norte-americanas para a Europa o que fez com que se interrompesse o boom algodoeiro, criando uma situação favorável ao estabelecimento de outras fábricas nacionais nos centros produtores de algodão o que facilitou o recrutamento de trabalhadores especializados que, na contingência de se verem desempregados, eram obrigados a emigrar.
Revelando a tecelagem como tradição, Almeida (2002) registra que, no começo do século 20, houve uma comercialização industrial pequena que coexistia com as fábricas de tecido, a fabricação doméstica das redes, tecidas no interior das casas, prática usual desde o começo do povoamento. Para Frioli (2003) as primeiras fábricas na área urbana de Sorocaba, tiveram no século XIX em 1841com Simão Raszl da fabricação de chapéus, que no ano de 1848 passou para o chapeleiro Antonio Rogick. Essa fábrica foi para as mãos do médico inglês João Henrique Adams que mais tarde a vendeu para o industrial Francisco de Souza Pereira, em 1901. Com a morte de Pereira em 1908 seu filho vendeu para a Companhia Paulista que a fechou em 1932.
No ano de 1882 o comerciante Manoel José da Fonseca colocou em funcionamento a Fábrica de Tecidos Nossa Senhora da Ponte trabalhando os teares e a fiação por meia hora, o que marca o segundo ciclo industrial de Sorocaba.
Cabe lembrar a instalação da Fábrica de Cerveja Garibaldi, no início do século XX, a instalação de outras fábricas de bebidas da região e também a Fábrica de Enxadas Nossa Senhora Aparecida.
No ano de 1890, o Banco União de São Paulo sobre a presidência do Senador Antonio Lacerda Franco comprou a fazenda de Votorantim que marcou o início de uma nova etapa industrial em Sorocaba com a construção de uma estamparia destinada a tingir o tecido que seria importado crú da Inglaterra. Essa aquisição proporcionou a construção da estrada férrea para o transporte do pessoal encarregado das edificações, dos materiais e equipamentos, em 1893.
No Brasil, como também, no Estado de São Paulo, com essa nova situação econômica, criam-se novas condições para as indústrias, um mercado consumidor de máquinas e equipamentos importados, a facilitação de comunicações através de estrada de ferro para o porto marítimo originária da economia cafeeira e o favorecimento de um mercado livre de trabalho excedente.
De 1890 e 1900 foram fundadas na cidade de Sorocaba, as Fábricas Santa Rosália, N. Sª da Ponte, Santa Maria. Fundada em 1895, pelo Alemão Jorge Oeterer e seu genro Frank Speers a Fábrica Santa Rosália que “destinava-se a fiar e tecer algodão, possuindo 250 teares e 24 fiandeiras ring frames e ocupava 350 operários”.(Ribeiro 1998, p. 39) A fábrica Nossa Senhora da Ponte de propriedade de Manuel José Fonseca obtinha “quarenta tares e 1.500 fusos movidos a vapor por uma maquina de 40 cavalos.” (ib., id., p. 40)
O que caracteriza, do ponto de vista produtivo, o estabelecimento dessas fábricas de fiar e tecer, nas últimas três décadas do século XIX é o emprego do maquinismo o que torna a produção mecânica.
A mecanização condicionou que o capital aplicado nestas fábricas fosse vultoso. Não se tratava mais da construção de pequenas oficinas ou da improvisação de cômodos para desenvolver uma atividade manufatureira, senão tratava-se da construção de edifícios apropriados à acomodação de numerosas máquinas, muitas vezes de grandes dimensões, como os batedores usados para a limpeza do algodão, as fiadeiras compostas de mais de seiscentos fusos. Não se tratava também da importação de ferramentas simples, senão de maquinismos que, por sua vez, para funcionar, exigiam não mais a força humana, mas sim a instalação de usinas hidrelétricas ou de outras formas de obtenção de energia que implicavam investimentos adicionais. (RIBEIRO, 1998, p.39).
No ano de 1904, com a estamparia de chitas houve a ampliação das atividades de fiação e tecelagem, que já contavam com 14.000 fusos e 624 teares, que foram interrompidas com a falência do Banco União em 1917. Com a falência do Banco esse acervo industrial foi comprado por um grupo de sorocabanos, no ano de 1918 vindo a chamar-se Sociedade Anônima de Indústrias Votorantin.

A educação de ofícios nos primórdios do desenvolvimento econômico sorocabano
A sociedade brasileira, como também, a Sorocabana ao buscar o seu desenvolvimento econômico tendo como base a indústria constatou a problemática do analfabetismo, que apresentavam em termos brasileiros a redução representativa de 10 pontos em 20 anos, mas mantinham dados alarmantes em termos percentuais: em 1890 85% da população era analfabeta; em 1920 mesmo a porcentagem caindo para 75%, era identificador da grande parte dos brasileiros desprovidos dos componentes básicos de leitura e escrita (Instituto Nacional de Estatística do Brasil, ano II, 1936, p.43). Os indicadores são frios na emissão dos números, não explicitando, por exemplo, que, numa sociedade agrária leitura e escrita eram consideradas dispensáveis para as práticas de cultivo. A população brasileira, rural em sua concentração, não conseguia abstrair no cotidiano de suas responsabilidades, nem a importância da aprendizagem, nem o direito ao acesso às escolas rurais que mesmo instituídas legalmente, não completavam o cenário das grandes propriedades agrícolas.
Entretanto, as dificuldades geradas pela falta de escolarização e de cultura se fizeram sentir num ambiente que trazia novas exigências e perspectivas até então pouco usuais e desconhecidas pela maioria da população.
Nesse contexto campanhas proclamando a necessidade da expansão e difusão do ensino escolar se tornaram freqüentes fazendo surgir as escolas-modelo e os grupos escolares. A pesquisa de Menon (2000) observa que os grupos escolares foram criados pelo Decreto nº 248 de 26 de julho de 1894, prevendo inclusive as características que deveriam defini-los como número de salas de aula, salas ambiente e organização funcional. Apesar de provocar iniciativas particulares e governamentais na implantação de escolas, a oferta de escolarização era insuficiente para atender à demanda fazendo com que apenas 1/3 da população fosse atendida.
O ensino profissionalizante, crescente, mas de diminuta clientela, nunca foi devidamente valorizado, pois, já desde seu nascedouro se caracterizara como destinado às classes populares, àquelas que não teriam acesso aos níveis superiores de escolarização.
Com uma população dividida genericamente em dois segmentos: uma pequena classe abastada e o restante formado de cidadãos muito pobres, Sorocaba não escapava do padrão nacional. Com as fábricas foram se instalando serviços sociais de ordem diversa no conjunto das melhorias urbanas: ampliação do sistema de iluminação, melhorias no abastecimento de água, hospitais, casas para funcionários, igreja, empresa telefônica, cinema, carros de aluguel (de tração animal, inicialmente).
Em termos de instituição escolar formal, a época registrava a atuação do poder público estadual e municipal, da iniciativa privada civil, confessional e ações distintas das instituições de serviços. Configuraram esse quadro, logo nos primeiros anos do séc. XX, a reabertura do Liceu Municipal em 1901 e a chegada das Irmãs Beneditinas de Tutzing, Alemanha, em 1905 dando início às atividades educacionais que, em Sorocaba permanecem até hoje e de Sorocaba se ramificaram para outras localidades do país. O Ginásio Sorocabano, também particular, instalado em 1909, mas fechado em 1911; o Grupo Escolar Antonio Padilha, estadual, que começou a funcionar em 1913, com mais de 600 alunos matriculados; também eram da competência do poder estadual as instalações do Grupo Escolar Visconde de Porto Seguro, em 1914 e, do Grupo Escolar Senador Vergueiro, em 1919. O funcionamento “Senador Vergueiro”, veio atender aos anseios da população do bairro “Além Ponte”, constituída em sua maioria por trabalhadores da indústria têxtil Santa Maria. A instalação dos grupos escolares se constituiu em eventos saudados ipoeticamente pela imprensa local: (...) “fundou-se o desejado Grupo Escolar; em pouco tempo as clumnatas de luzes, aclareando o róseo porvir (...) formou-se uma phalenge de marcos que nos exames de dezembro conquistarão palmas e glórias”. (Jornal O 15 de Novembro, nº415, 11/02/1897,p.01)
A Escola de Comércio instalou-se em 1924 e, 1929 a cidade passou a contar com seu Ginásio do Estado. (SILVA: 1995, p.64). Como a disponibilidade dos três grupos escolares não era suficiente para o atendimento, foram criadas com autorização do poder público, duas escolas isoladas, particulares no centro da cidade: uma de 4ª série do Prof. José de Azevedo Antunes e outra de 2ª série do Prof. Joaquim Izidoro Marins. ( MENON: 2000,p. 157).
Silva (1995) lembra ainda que, em 1912 era de 820 o número dos alunos matriculados na instrução pública municipal, dos quais 372 eram meninos e 448 meninas. Esses números colocavam a cidade entre aquelas do interior paulista com maior número de alunos matriculados. Números do mesmo ano mostravam que o curso noturno era essencialmente masculino, mantido pelo governo do estado e era oferecido aos 130 alunos que o freqüentavam, em 4 escolas.
{...} as escolas criadas e mantidas pelo governo do Estado (...) devem abrir-se as 6 horas da tarde fechando-se às nove da noite. Eis aqui o ponto capital da nossa queixa, não do horário (...) mas da dificuldade que daí advém para os operários a freqüentarem devido ao adiantado da hora em que largam o serviço. As Fábricas de Tecidos Santa Maria e Santa Rosália trabalham até as oito e meia da noite(!!!), a de chapéus até as cinco e meia da tarde. Diante de um horário tão cômodo como rendoso para os patrões, nenhum operário poderá freqüentar as escolas noturnas...”.(Jornal O Operário, Ano II, nº 53, de 2/10/1910,p.01).
As escolas recebiam predominantemente os filhos de brasileiros naturais ou naturalizados. Os filhos dos imigrantes, eram em sua maioria alunos das escolas instaladas pela comunidade estrangeira de origem que, além de manter as práticas culturais do próprio, país eram gratuitas, como as escolas italianas Dante Alighieri e Scuella Serale, funcionando logo no começo do século XX. Outra, a escola Colonial Grabriele D’Annunzio, pelos dados de Menon (2002), oferecia as primeiras letras, o secundário e preparava para a escola Techina, Commercial e Gymnasial, de São Paulo.
A elite sorocabana estudava com mais freqüência nas instituições particulares que, mesmo recebendo seus alunos desse segmento social, enfrentavam dificuldades para manutenção dos trabalhos educativos. Esse problema atingia de maneira pontual as escolas particulares isoladas, fazendo com que fechassem rapidamente, apesar da facilidade de abertura e instalação. Somente aquelas em que a experiência e organização caracterizaram o trabalho, puderam consolidar sua atuação educativa e manter-se em atividade.
Maçons e presbiterianos tiveram particular destaque na história da educação em Sorocaba. Trabalhando separadamente ou, muitas vezes unindo esforços por interesses recíprocos e experiências comuns como o regalismo imperial, o confronto com a Igreja Católica, os posicionamentos políticos afins, registraram sua marca educativa.
Menon (2002) identifica a participação da Igreja Presbiteriana na vida escolar brasileira a partir da segunda metade do século XIX, com a fundação de um pequeno seminário no Rio de Janeiro. Nesse seminário estudou o reverendo Antonio
Pedro Cerqueira Leite que ao chegar à Sorocaba em 1876 acompanhado de esposa e sobrinha, fundou uma escola junto à igreja, onde os três atuavam como professores. A escola localizada à Rua das Flores (hoje Monsenhor João Soares), tinha como objetivo atender as crianças das famílias não católicas que, por não professarem o catolicismo, religião oficial, eram discriminadas e coagidas nas escolas públicas. Por princípio era aberta a todos, sem discriminação de qualquer ordem. Na prática seus alunos eram brancos, protestantes, filhos de maçons detentores de certo poder aquisitivo, pois a escola não era gratuita. Mesmo com um trabalho estruturado, pedagogicamente inovador e recebendo subsídios financeiros 11dos Estados Unidos à escola presbiteriana não conseguiu sobreviver aos problemas que precisou enfrentar, funcionando até o final do século XIX na cidade.
A atuação maçônica teve na Loja Maçônica Perseverança III sua maior referência. Foi ela a pioneira na introdução da escola noturna para analfabetos adultos e adolescentes trabalhadores. Mesmo criticada pelos mais diversos motivos, de ser atéia, de ser protestante, de fazer proselitismo, funcionou até 1950, quando foi oficialmente desativada depois de, por 80 anos ser a única disponível àqueles que precisavam trabalhar desde crianças. Para os maçons da Perseverança, o advento oficial dos cursos supletivos liberava a Loja continuar cumprindo essa responsabilidade social que se havia imposto.
Merece atenção especial, no âmbito do desenvolvimento econômico Paulista e regional a criação do curso de ensino sistemático de ofícios para as ferrovias, no ano de 1924. Juntamente com esse curso deu inicio a Escola Profissional Mecânica no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo. Segundo Cunha (2000) a criação desse curso foi estratégico ao dar uma "resposta técnica" para a conquista operária da jornada de 8 horas de trabalho, com a aplicação do taylorismo na formação profissional.
Com essa criação houve acordos estabelecidos com outras escolas tais como: Estrada de Ferro Sorocabana, a São Paulo Railway, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro e a Companhia Mogiana de Estradas de Ferro, que sustentavam o curso, que contava, também, com subsídios do Ministério da Agricultura, Indústria e Comércio.
Duas inovações marcaram a criação desse curso a utilização de séries metódicas de aprendizagem idealizada por Roberto Mange, que como diretor do curso enfatizava ser “muito mais do que um meio de aquisição de técnicas de trabalho, mas também um instrumento disciplinador e formador do caráter dos jovens aprendizes”. (CUNHA, 2000, p. 132)
O método de ensino utilizado era individual no estudo dos ofícios industriais e desenvolvia as seguintes operações, por tarefas:
As tarefas consideradas típicas de cada ofício eram decompostas em operações simples, compreendendo quatro fases, a saber: estudo da tarefa, demonstração das operações novas, execução da tarefa pelo educando e avaliação. As tarefas eram atribuídas aos aprendizes de acordo com o grau crescente de complexidade e conforme o ritmo individual de aprendizado. Os conhecimentos de caráter geral (científicos e tecnológicos) eram ministrados na medida da necessidade das tarefas praticadas, e à medida que elas eram executadas. Como apoio ao aprendiz, produzia-se material didático específico, compreendendo, principalmente: folhas de tarefa, que diziam o que fazer; folhas de operação, que diziam como fazer; e folhas de informação tecnológica, com a indicação dos conhecimentos de matemática, física, química e outros, necessários à realização de cada tarefa. (CUNHA, 2000, p. 132)
A segunda inovação foi para aplicação de testes psicológicos para seleção e orientação dos candidatos aos diversos cursos, combinados ao taylorismo, cuja finalidade era para eliminar os desperdícios oriundos no processo de trabalho.
Para eliminar os desperdícios e obter o rendimento máximo, era indispensável encontrar-se o trabalhador certo para o trabalho certo, o que exigia o estudo das aptidões físicas e psíquicas dos operários, o que valia, também, para o encaminhamento dos aprendizes para os ofícios tidos como os mais adequados a cada um. (CUNHA, 2000, p. 133)
Na ótica taylorista, nesse processo de seleção, havia vantagens que exigiam apenas um instrutor para orientar todo um grupo de aprendizes, o que possibilitava o preparo de maior número de profissionais em menor período de tempo.
As oficinas, então criadas para fins específicos de aprendizagem, proporcionavam, também, ambiente propício ao menor dispêndio de energia e maior aproveitamento da força de trabalho disponível. O sistema tradicional de aprendizagem, até então utilizado nas ferrovias do país, consistia na admissão de um jovem menor de idade como praticante ou como aprendiz, escolhido por recomendação pessoal ou por outro motivo estranho à eventual capacidade do candidato. O preparo desse jovem processava-se em geral sem o necessário aperfeiçoamento cultural e técnico-científico, dependendo de uma improvisação técnico-didática dos mestres de oficina, da boa ou má vontade de oficiais e resultava em aquisição de vícios e defeitos. (CUNHA, 2000, p. 133-134)
Desde a sua inauguração, em 1924, a Escola Profissional Mecânica, no Liceu de Artes e Ofícios de São Paulo, a Companhia Paulista de Estradas de Ferro iniciou estudos para a criação de uma escola própria de aprendizes. Até que isso viesse ocorrer foram instituídos Cursos de Preparo Técnico, por correspondência, organizados pelos engenheiros da empresa, cujo efeito foi multiplicador.
Com a criação da Estrada de Ferro Sorocabana, pelo governo estadual, cujo objetivo era melhorar os resultados econômicos da empresa para enfrentar a concorrência dos transportes rodoviários o que resultou, posteriormente, no ano de 1930 a organização do Serviço de Ensino e Seleção Profissional (SESP), que teve a estreita colaboração da escola profissional da rede estadual. De acordo com (CUNHA, 2000, p. 134), inicialmente, as “aulas teóricas do curso eram ministradas na Escola Profissional de Sorocaba e os trabalhos práticos realizados em oficina de aprendizagem, que foi construída para esse fim, na mesma cidade.” E estavam destinados ao preparo dos ferroviários, cuja duração era de quatro anos, nas oficinas de mecânica, com as seguintes especialidades: ajustador, torneiro-fresador, caldeireiro, ferreiro, caldeireiro-ferreiro, eletricista, operador mecânico. A didática, a pedagógica e o conteúdo programático tinha as seguintes características:
As aulas teóricas eram ministradas no período da manhã, distribuídas num total de 10 horas semanais para as duas primeiras séries, de 8 e de 5 horas para a 3ª e a 4ª Séries, respectivamente. O período da tarde era reservado para a realização de trabalhos práticos, distribuindo-se a carga horária em 28 horas para as duas primeiras séries, 32 e 40 para as seguintes. Em resumo, os alunos estariam ocupados pelo menos 40 horas semanais entre aulas teóricas, trabalhos práticos e exercícios físicos. A 1ª série do curso de aprendizagem tinha capacidade para receber trinta alunos. (CUNHA, 2000, p. 135)
A SESP oferecia, também, outros cursos de aperfeiçoamento destinados para o pessoal das oficinas ferroviárias compreendendo disciplinas como “português, matemática, desenho técnico, higiene, prevenção de acidentes, e outras”. (CUNHA, 2000, p. 135). Vindo cumprir o caráter multiplicador tendo em vista não só atender a concorrência rodoviária, mas também reproduzir socialmente a mão-de-obra para o trabalho.
Um curso de tração, para foguistas e para maquinistas. Um curso de telégrafo e iluminação, para os aprendizes que já possuíssem formação profissional mecânica equivalente à 3ª série do curso de ferroviários, completando-a com mais um ano de aprendizagem. Um curso de tráfego, visando à especialização do pessoal dos departamentos de movimento e telégrafo, ensinando desenho e matemática. Nos seus dez anos de existência, o SESP ministrou ensino profissional a 2.400 trabalhadores, em seus diversos cursos. (CUNHA, 2000, p. 135)
O sistema de avaliação que foi empregado, para a verificação da eficiência dos métodos empregados na aprendizagem, foi chamado peça de prova, “que constava de um dos desenhos utilizados na formação profissional dos alunos da primeira série do curso de ferroviários”. (CUNHA, 2000, p. 136).
O desenho escolhido era o de uma das peças efetuadas no curso para ajustadores, por oferecer as condições necessárias para averiguar a realização de operações básicas em dificuldade crescente. Oferecia, também, a possibilidade de apresentação de resultados semelhantes à curva de Gauss, de distribuição simétrica e atribuição de freqüência máxima nos valores médios. Os dados assim expressos eram necessários ao tratamento estatístico, realizado posteriormente, de correlação de notas obtidas no exame e na prova psicotécnica. (CUNHA, 2000, p. 136)
Esse processo de avaliação era classificatório e viabilizava a comparação com outros métodos.
No caso da Estrada de ferro Sorocabana, no desenvolvimento, há expansão dos padrões de aprendizagem o que gera pela diretoria da própria empresa, uma proposta para reduzir os custos para o transporte ferroviário e combater a concorrência com o transporte rodoviário sendo aprovada pelo governo estadual resultando na criação do Centro Ferroviário de Ensino e Seleção Profissional (CFESP).
O CFESP foi formado pelas ferrovias do Estado de São Paulo, com fundos próprios e vida autônoma tendo a colaboração sob vários aspectos do governo do Estado podendo ter a participação conveniada de outras empresas ferroviárias.
O governo do estado colaborou com o aparelhamento especializado existente na EF Sorocabana que, por sua vez, passou a funcionar com rendimento máximo. Além disso, o governo contribuiu com professores para as aulas de instrução geral e preparatória, instalações materiais de estabelecimentos existentes e assistência das Diretorias de Ensino e Serviço Sanitário. Para normatizar o apoio governamental, foi baixado o Decreto (SP) n.6.537, em 4 de julho de 1934. Um elemento característico da concepção do CFESP, contido no próprio decreto estadual, era a possibilidade de adesão de empresas ferroviárias situadas fora do Estado de São Paulo.O decreto fixava, também, a forma de participação das empresas ferroviárias conveniadas, na forma de uma contribuição financeira, e o compromisso de, uma vez aderido ao CFESP, dele só se desligarem após aviso prévio de um ano.
A administração do CFESP era realizada por uma Comissão Superior, composta de representantes do governo estadual e das companhias ferroviárias participantes, e tinha como presidente nato o diretor de Viação. (CUNHA, 2000, p. 137)
A instalação do CFESP foi da Estrada de Ferro Sorocabana, que incorporou, também, o serviço de formação profissional dessa ferrovia - o SESP - dando prosseguimento aos cursos e às pesquisas psicotécnicas em andamento sendo aproveitadas as séries metódicas já existentes e os estudos psicotécnicos.
De acordo com (CUNHA, 2000, p. 138-139) em dez anos após a sua criação o CFESP atingiu o atendimento, no ano de 1942, de 83% do total da força de trabalho ferroviária do país, correspondente a 73% da extensão das vias férreas. Nesse ano havia dezesseis escolas profissionais nas ferrovias paulistas, todas ligadas ao Centro. Nesse período de tempo e posterior a ele houve um acréscimo do número de empresas que participaram do CFESP ocasionando que “deixasse de ministrar cursos diretamente, passando a exercer um papel de orientação, assistência técnica e padronização dos cursos oferecidos pelas próprias empresas” (id., Ib., p. 139).
Criado em 1934, o CFESP foi extinto dez anos depois, em proveito do Senai, entidade à qual veio a se incorporar, além de fornecer quadros dirigentes e a tecnologia de aprendizagem sistemática.
Teve no seu quadro de aprendizes, em principio, uma clientela restrita dos filhos de ferroviários, e a formação restrita para as estradas de ferro. “Nas escolas de aprendizes artífices, os alunos eram, invariavelmente, órfãos e outros "desvalidos", oriundos do lumpemproletariado, mais interessados na comida gratuita do que no aprendizado propriamente”. (CUNHA, 2000, p. 140).

Considerações finais
Retomando a idéia do desenvolvimento econômico com a educação e suas implicações com a economia industrial de Sorocaba seria possível afirmar que:
O capital agroexportador, no espaço da sociedade sorocabana agregou um tempo técnico ainda não vivenciado e articulado no comércio e nas manufaturas. A presença das máquinas na indústria de beneficiamento do algodão e das ferrovias não foram capaz de sustentar uma economia baseada na indústria têxtil o que vem sendo caracterizada, pelos estudiosos da economia regional, desde os últimos anos do século XIX até os dias atuais como a cidade do algodão.
Com a criação do CFESP, em 1934, formou técnico para varias especializações de produção da ferrovia: fundição, modelagem, carpintaria, pintura, mecânica de precisão, eletricidade, recuperação de composição de trens e locomotivas, praticas de tráfego e recuperação de linhas, etc. Vale destacar que o tempo de curso era computado posteriormente para fins de aposentadoria, quando os jovens alunos ingressavam como profissional ferroviário. A alta especificidade da formação profissional, permitia uma transferência de aprendizado para outros setores da atividade industrial. Era comum aos ferroviários produzir extra oficial e empriricamsnte, objetos de bronze, aço inox e alumínio. Comum também, depois de aposentados serem procurados para montagem de setores industriais, gerenciamento de metalúrgicas, organização de oficinas, instalação e conserto de fornos e, serviços de precisão. Até hoje, egressos do antigo curso ferroviário, ainda que na faixa dos 60/70 anos, atuam como técnicos de minúscula miniatura artesanal em diversas frentes tais como: marcenaria, modelagem, fundição de matais.
Por fim, podemos afirmar que a formação técnica, no âmbito das relações capitalistas assume uma atividade teleológica, em que a formação do indivíduo visa um fim que no sentido geral é fazer do sujeito um membro útil para a comunidade caracterizando a dependência operária aos donos dos meios de produção. A ideologia taylorista do trabalho é incorporada pelo trabalhador e familiares, submetidos à disciplina rígida do trabalho fabril ultrapassando os muros da fábrica e se fazendo sentir nas vilas operárias, nas escolas, nas creches das crianças e nas igrejas.

REFERÊNCIAS

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Fonte Primária

Jornal O Operário, Ano II, nº 53, de 2/10/1910,p.01

 
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