Laura Noemi Chaluh - GEPEC/FE/UNICAMP
Carla Helena Fernandes - GEPEC/FE/UNICAMP
Guilherme do Val Toledo Prado - GEPEC/FE/UNICAMP
O objetivo deste artigo é refletir sobre uma prática
de pesquisa na escola, apresentando dois processos ainda em andamento,
desenvolvidos em uma escola de Ensino Fundamental da Rede Municipal de
Campinas, a Escola Padre Francisco Silva.
Os projetos estão vinculados ao GEPEC - Grupo de Estudos e Pesquisa
em Educação Continuada, que tem como princípio pensar
a escola como um espaço de produção de conhecimentos
e de formação, valorizando o que produzem os professores
e demais sujeitos, tanto individualmente como de forma coletiva.
Uma das pesquisas - O coletivo dos professores na escola: possibilidades
e limitações da formação continuada - tem
como eixo a compreensão dos processos de apropriação
das políticas públicas de formação continuada
pelos sujeitos da escola, partindo do discurso político sobre formação
continuada indo até o espaço e o tempo de formação
na escola, procurando ter nessa passagem, nessa brecha, uma compreensão
dos sentidos que essas políticas têm para o coletivo da escola.
Assumindo a pesquisa como uma relação entre sujeitos, a
interação assume um papel fundamental na constituição
das subjetividades daqueles que participam: pesquisados e pesquisador.
A segunda pesquisa - O Discurso docente: dizer e escrita na formação
do sujeito-professor e do sujeito-pesquisador/a – tem como foco
a relação entre a formação do sujeito-professor,
as práticas escolares e pedagógicas vividas por ele, individual
e coletivamente, e seus dizeres e escritas, apontando para a interlocução
entre os pares e a heterogeneidade dos discursos como importantes aspectos
da constituição dos sujeitos.
Este artigo constitui-se de duas partes que apresentam a trajetória
das referidas pesquisas e os eixos centrais de cada uma delas: 1. o coletivo
de professores na escola como potencializador da formação
continuada; 2. os dizeres e escrita docentes como constituintes do sujeito-professor.
Ambas as pesquisas voltam-se, também, ao processo de investigação
em si, à prática de pesquisa construída com os professores
da escola e às relações que estão sendo vivenciadas
entre os pesquisadores e os professores da escola.
1.O coletivo dos professores na escola: possibilidades e limitações
da formação continuada.
A nossa inquietação parte da seguinte questão:
quais os sentidos que assumem as políticas públicas de formação
continuada quando chegam à escola? Essa pergunta revela a nossa
crença de que a escola é um espaço de possibilidade
de produção de novos sentidos.
Para contextualizar o desenvolvimento de nossa pesquisa, apresentamos
a seguir algumas idéias centrais da política da Secretaria
de Educação de Campinas (SME) (2001-2004) , lembrando que
neste trabalho focamos a nossa prática de fazer pesquisa na escola.
Algumas idéias centrais dessa Secretaria: favorece e acredita na
gestão democrática e no coletivo, concebe o professor em
contínuo aprendizado, respeita os saberes profissionais, acredita
em um profissional da educação com capacidade para agir
(Boletim SME Nº 1, fevereiro 2001). Em função disso,
consideramos necessário olhar para o espaço e o tempo de
formação na escola para perceber como é que esse
coletivo vai se constituindo, como recria e se apropria das políticas
de formação continuada na escola.
A entrada na escola aconteceu no segundo semestre de 2003 acompanhando
de forma sistemática o Trabalho Docente Coletivo (TDC) de 1ª
a 4ª série. Segundo consta na resolução da Secretaria
Municipal de Educação e da Fundação de Educação
Comunitária (SME/FUMEC Nº 03/2003), o Trabalho Docente (TD)
é considerado como espaço formativo, de elaboração
do pensamento e de fortalecimento da equipe pedagógica, entre outras
considerações. Segundo essa resolução, o TD
deve ser composto por o Trabalho Docente Coletivo (TDC) e pelo Trabalho
Docente Individual (TDI) (cf. Diário Oficial de Campinas, 25 de
fevereiro de 2003). O TDC é realizado durante 02 horas/aula semanais
consecutivas, sendo coordenado pela orientadora pedagógica (OP).
A partir de 2005 o TDC de 1ª a 4ª série foi subdivido
em dois grupos (participamos hoje desses dois grupos) e um deles optou
pelo rodízio na coordenação. Em ambos grupos, existe
um caderno coletivo de registro, onde é feito o registro do encontro
por um dos participantes, segundo um rodízio já estabelecido.
Importa destacar que dos TDC participam as professoras de Arte, Educação
Física, Educação Especial, a diretora e a vice-diretora
da escola.
A partir do ano de 2004, além de participar do TDC de 1ª.
a 4ª. série, começamos a participar do Grupo de reflexão
sobre Alfabetização (GA) de 1ª e 2ª séries.
A constituição desse Grupo surge a partir de uma proposta
da SME, que assegura 2 horas/aula semanais como suplementação
da jornada, para as professoras se dedicarem ao estudo das especificidades
desse trabalho pedagógico (cf. Diário Oficial de Campinas,
07 de novembro de 2003). A proposta foi pensada para ter inicio a partir
do ano letivo de 2004. A mesma traz a idéia de um trabalho de formação
dos professores de 1ª, 2ª e 5ª, dentro do espaço
da mesma escola cujo objetivo é reduzir o número de retenções
de alunos com dificuldade de aprendizado. (Boletim SME, 04 fevereiro de
2004). Na escola Padre Francisco Silva, os professores de 1ª e 2ª
séries decidiram, juntamente com a OP, aceitar a proposta da Secretaria.
Neste espaço, o grupo decidiu que a coordenação pode
ser assumida por qualquer um dos participantes. Importa destacar que a
diretora também participa desse encontro. Existe um caderno coletivo
de registro, onde é feito o registro do encontro por um dos participantes,
segundo um rodízio já estabelecido.
No ano de 2004, também acompanhamos o trabalho pedagógico
em sala de aula de duas professoras da escola (2ª série e
4ª série). No ciclo letivo de 2005, continuamos na escola
, inseridos e participando dos dois TDC de 1ª a 4ª série
e do GA.
Entrar na escola estando no lugar de pesquisador/a fez surgir em nós
algumas inquietações: O que seria ocupar o lugar de pesquisador/a
na escola, quando a escola tem sido durante tantos anos o nosso lugar
de ser/estar professor/a? Por quê e para quê fazer pesquisa
na escola?
Começamos a participar do TDC em agosto de 2003, algumas lembranças:
a pauta do dia escrita na lousa, as cadeiras formando uma roda, a aprendizagem
feita para lembrar os nomes das professoras, fazer registros no caderno
de anotações, acabado o encontro registrar no caderno as
nossas impressões, estar atento/a as falas, e fundamentalmente
descobrir aos poucos o movimento do grupo. Implicou também olhar
sobre nós, perceber o nosso movimento nesse grupo e compreender
quais os sentidos que para nós tinha estar em um espaço
e um tempo no qual as professoras se reuniam para refletir, sendo um espaço
que compartilhávamos com elas, mas que “ainda” não
era o nosso espaço.
Para compreender o processo de formação do grupo era importante
entrarmos no movimento do grupo, o que implicou de nossa parte uma especial
atenção das relações que estávamos
construindo com os “outros”. Escutar os comentários,
perceber os olhares, e dar sentido a alguns gestos, movimentos, brincadeiras
e frases das professoras. O nosso lugar dentro do grupo de professoras
foi sendo construído nas relações, no envolvimento,
no estar com os “outros”. Consideramos que esse processo possibilitou
que a nossa participação nos encontros fosse legitima, o
nosso lugar de pesquisador/a foi se ganhando no percurso. Estar na escola
“com” os outros, facilitou e promoveu a construção
das relações, dos vínculos; construção
fundamental para o desenvolvimento do nosso trabalho posterior na escola.
O respeito pelo outro e a confiança no outro nos abrem caminhos,
caminhos que possibilitam o diálogo e a interlocução.
Segundo Maturana (2002), o respeito nas relações sociais
é um aspecto fundamental para o surgimento da linguagem:
Em outras palavras, digo que só são sociais
as relações que se fundam na aceitação do
outro como um legítimo outro na convivência, e que tal aceitação
é o que constitui uma conduta de respeito. Sem uma história
de interações suficientemente recorrentes, envolventes e
amplas, em que haja aceitação mútua num espaço
aberto ás coordenações de ações, não
podemos esperar que surja a linguagem (MATURANA, 2002:24).
Acreditamos que a palavra e o diálogo são
instâncias valiosas na constituição das subjetividades
dos sujeitos. Compreendemos a escola como espaço de possibilidade
de produção de novos sentidos, sendo que estes serão
possíveis de existir, de se pronunciar, enquanto exista o diálogo,
lembrando que Bakhtin (1992:345) diz que “quando não há
palavras, não há língua, não pode haver relação
dialógica”, sendo que “a relação dialógica
é uma relação (de sentido) que se estabelece entre
enunciados na comunicação verbal”.
Assim, pensamos no espaço da escola como um espaço propício
para o exercício da palavra, que implica em se posicionar, participar,
decidir, ser responsável, assumir um compromisso, ou seja, pensamos
na possibilidade dos professores assumir sua própria formação:
“los hombres no se hacen en el silencio, sino en la palabra, en
el trabajo, en la acción, en la reflexión” (FREIRE,
1973:104).
A entrada na escola não considerava antecipadamente toda e qualquer
intervenção planejada. As nossas colocações,
observações, comentários, propostas, surgiam/surgem
no momento mesmo de estar com as professoras, em função
das inquietações que essas conversas nos provocavam, ou
a partir das relações que conseguíamos fazer com
outros acontecimentos surgidos dentro desse espaço/tempo de formação.
Uma questão que nos preocupava era como fazer pesquisa na escola
sem “inventar uma situação” a ser pesquisada,
sem indicar a priori as variáveis que iriam guiar o nosso caminho
na escola. Consideramos oportuno trazer as falas de Bakhtin (1992), quem
faz uma critica da analise científica que a maioria das vezes busca
“descobrir o que já estava dado e pronto” e nos mostra
a pesquisa como um processo criador:
As coisas estão ali, inteiramente prontas: o objeto,
os recursos lingüísticos de sua representação,
o próprio artista, com sua visão do mundo. Então,
mediante recursos já prontos, à luz de uma visão
do mundo já pronta, o poeta reflete um objeto já pronto.
Ora, a verdade é que o objeto vai edificando-se durante o processo
criador, e o poeta também se cria, assim como sua visão
do mundo e seus meios de expressão (BAKHTIN,1992:349).
Por outro lado, Freitas (2003) enfatiza a pesquisa como
uma relação entre sujeitos. A autora destaca que uma pesquisa
desde uma perspectiva sócio-histórica orienta-se para a
compreensão dos fenômenos na sua complexidade, no seu acontecimento
histórico; o foco central da atividade do pesquisador está
no processo de transformação em que se desenvolvem os fenômenos
humanos; o pesquisador sendo parte da investigação, pode
compreender a partir do lugar social no qual se encontra e a partir das
relações subjetivas que estabeleceu com os sujeitos da pesquisa.
Assim, a participação tanto do pesquisador como do pesquisado
é um critério fundamental nessa forma de pesquisa, já
que ambos refletem, aprendem e se re-significam no processo.
Retomamos o nosso percurso na escola. A partir de nossa participação
no TDC como no GA, fomos percebendo que colocamos na nossa fala o que
as professoras gostariam de falar e não o fazem por diferentes
motivos; ou as falas que acreditamos que teriam que ser colocadas por
algum dos participantes e não aparecem; às vezes percebemos
como as professoras poderiam se sentir e, em função disso,
falamos. Essa forma de agir tinha um objetivo claro para nós: provocar,
mobilizar, fazer perguntas que as professoras poderiam fazer desde o seu
lugar e não o fazem. Aprendemos que esse é um exercício
que permite-nos deslocar, vamos ao lugar do pensar/sentir das professoras
para logo voltar ao nosso lugar.
Esse movimento de deslocação, nos remete a Bakhtin (1992),
quando ao falar em excedente de visão nos diz que temos que nos
identificar com o outro e ver o mundo através do seu sistema de
valores: “devo colocar-me em seu lugar, e depois, de volta ao meu
lugar, contemplar seu horizonte com tudo o que se descobre do lugar que
ocupo fora dele; devo emoldurá-lo, criar-lhe um ambiente que o
acabe, mediante o excedente de minha visão, de meu saber, de meu
desejo e de meu sentimento” (BAKHTIN, 1992:45).
Ampliamos com Amorim (2003) o conceito bakhtiniano de “exotopia”
- desdobramento de olhares a partir de um lugar exterior. Segundo a autora,
esse lugar exterior permite que se veja do sujeito algo que ele próprio
não pode ver: “é dando ao sujeito outro sentido, uma
outra configuração, que o pesquisador, assim como o artista,
dá de seu lugar, isto é, dá aquilo que somente de
sua posição, e portanto como seus valores, é possível
enxergar” (AMORIM, 2003:14, itálico da autora).
Segundo Freitas (2003) o pesquisador está “com” os
sujeitos produzindo sentidos dos acontecimentos observados, por isso a
autora fala em uma observação caracterizada pela dimensão
alteritária. Ou seja, o pesquisador ao participar da situação
observada, ele mesmo se constitui em parte dessa situação,
por outro lado, o pesquisador ao manter uma posição exotópica
tem a possibilidade do encontro com o outro: “é este encontro
que ele procura descrever no seu texto, no qual revela outros textos e
contextos” (FREITAS, 2003:32).
Gostaríamos de finalizar explicitando que ser pesquisador/a na
escola tem sido (continua sendo) uma aprendizagem para nós e por
isso também a importância que outorgamos a inter-relação
com os outros para a nossa constituição como pesquisador/a.
2. O discurso docente – dizer e escrita na formação
do sujeito-professor e do sujeito-pesquisador/a
Homens, nascidos na história e constrangidos pela
história, vamos construindo soluções (que a cada
vez não se querem paliativas), conscientes de que o que se vai
tecendo, a pouco e pouco, em cada ponto, em cada nó, é uma
resposta marcada pela eleição de postos de observação
possíveis que somente uma sociologia do conhecimento e uma história
do conhecimento poderão explicar. Navegantes, navegar é
preciso viver. Nossos roteiros de viagens dirão de nós o
que fomos: de qualquer forma estamos sempre definindo rotas – os
focos de nossas compreensões (GERALDI, 1991:4).
A pesquisa que aqui apresentamos - O discurso docente:
dizer e escrita na formação do sujeito-professor e do sujeito-pesquisador/a
- tem como referência uma perspectiva investigativa que se caracteriza
por localizar e indicar a escola, entendida como produtora de saberes,
como espaço privilegiado para a formação dos professores.
Nesse sentido, com Kramer (1999) aprendemos que “formação”
é ressignificação de conceitos e práticas,
é recriar de significados e reflexão, o que só pode
se dar com a participação e envolvimento dos professores.
Significa reescrever uma história, relacionar presente e passado
percebendo como a trajetória individual - da pessoa e do profissional
- se inscreve na prática cotidiana e na história coletiva,
no caso desta pesquisa, dos professores e pesquisadora.
Assim, seu encaminhamento decorre da trajetória dos pesquisadores,
sobretudo das experiências como docentes em cursos superiores de
formação de professores e como participantes do GEPEC -
Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação Continuada; decorre,
portanto, das relações estabelecidas com outros sujeitos-professores
que objetivaram o estabelecimento de proximidade e de parcerias.
Nesse “estar na escola”, como professores e, mais recentemente,
como pesquisadores, fomos construindo aprendizagens que apontaram para
a importância, no cotidiano escolar, dos dizeres e da escrita docentes
nos processos de formação profissional. Essas experiências
- nossos saberes - levaram à construção do projeto
de pesquisa desenvolvido no Programa de Pós-graduação
da Faculdade de Educação da UNICAMP e que, em função
das muitas aprendizagens construídas com os professores da Escola
Pe. Chico se materializou também na constituição
(que se refaz continuamente...) dos pesquisadores.
Nesta pesquisa, buscou-se por identificar como os discursos se constituem,
e aos sujeitos-professores, a partir dos estudos de Bakhtin sobre dialogismo
e das idéias de Pêcheux (1969) acerca das condições
de produção dos discursos, sobretudo das imposições,
no processo discursivo, das imagens de si, do outro e dos outros discursos.
O princípio do dialogismo, como constructo de todo discurso, pressupõe
a relação com o discurso do outro, por meio da exotopia
que permite que o eu e o outro se completem em sua incompletude. Em uma
pesquisa, como aprendemos com Amorim (2001), o pesquisador pode constituir-se
pelo seu outro - nesse caso, pelos professores da escola, ou, ao contrário,
permanecer como uma voz solitária.
Para Pêcheux (1969) os processos discursivos são formados
por formações imaginárias que designam os lugares
que os sujeitos do discurso se atribuem e ao outro. Essas formações
imaginárias são “a imagem que eles se fazem de seu
próprio lugar e do lugar do outro” (PÊCHEUX, 1969:82).
Em função do objeto e objetivos da pesquisa, o processo
de investigação tomou como espaços-tempos: as aulas
de uma professora de primeira série (no primeiro semestre de 2004);
os encontros (para as entrevistas) entre os professores e os pesquisadores-professores;
os coletivos escolares (Trabalho Docente Coletivo, de 1 e 2 série
e de 5 a 8 série) dos quais participam os professores e também
os pesquisadores-professores.
O acompanhamento às aulas teve como objetivo propiciar a “entrada”
dos pesquisadores no universo escolar, bem como estabelecer relações
e o partilhar de experiências. A participação nos
coletivos refere-se, além do compartilhar de práticas escolares
cotidianas, a promover a reflexão advinda do movimento do grupo,
da construção do próprio processo narrativo, do diálogo
entre as participantes desses encontros, das reflexões que se realizam.
Estando os grupos já constituídos, a escrituração
dos encontros - prática que já ocorre - propicia observar
esses objetivos: cada semana um dos professores narra o encontro e, no
início do próximo encontro, essa narrativa é lida
para o grupo que indica mudanças, complementações
e/ou insere outros argumentos.
Os instrumentos de investigação são os discursos
orais e escritos, individuais (entrevistas ou conversas) e coletivos.
Nesta pesquisa, as entrevistas são entendidas, e realizadas, como
conversas no sentido a que se referem Jobim e Souza e Kramer (1996:27):
“entrefalas, entretextos e conversas”, através das
quais se criam situações de diálogo sobre uma prática
escolar comum - a prática dos professores partilhada com os pesquisadores,
sendo os professores convidados a falarem sobre seu trabalho, participação
nos coletivos escolares e escrita e reflexão das práticas
docentes, entre outros temas. Os discursos orais serão gravados.
As experiências vividas na escola até o momento (abril de
2004/junho de 2005) têm indicado para a importância das relações
de interlocução entre os professores e seus pares no processo
de narrativa (oral e escrita) das práticas docentes, o que levou
à seguinte problematização:
• o discurso docente (oral e escrito) pode ser entendido e valorizado,
sobretudo pelos próprios professores, como espaço-tempo
de reflexão sobre suas práticas e, em conseqüência,
contribuem na formação profissional e na constituição
do sujeito-professor?
• como se constitui o sujeito-professor? Como se constitui o sujeito-pesquisador-professor?
A leitura das experiências vividas e dos discursos docentes têm
indicado uma heterogeneidade discursiva reveladora do “dito e do
não dito” (também do que não pode ser dito),
das relações entre poder e saber e, para além da
instituição pedagógica e imposições
do discurso pedagógico, para uma possibilidade: a experiência
de si na constituição do sujeito-professor.
Para que se construa como tal, o sujeito, também o professor, precisa
de instrumentos lingüísticos e políticos que lhe possibilitem
representar e expressar sua realidade para que, refletindo sobre ela,
nela possa intervir e transformar. Porém, tolhidos em sua autonomia
e criação por discursos ditos oficiais e científicos,
os professores foram submetidos, e se submeteram a esses discursos e,
também, às análises e interpretações
feitas à sua prática por “especialistas” externos
à escola. Para Foucault (1970:44-45, o acréscimo é
nosso)
O que é afinal um sistema de ensino (também
o que ensina a ser professor...) senão uma ritualização
da palavra; senão uma qualificação e uma fixação
de papéis para os sujeitos que falam; senão a constituição
de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma distribuição
e uma apropriação do discurso com seus poderes e seus saberes?
A sociedade capitalista, e a escola inserida nessa sociedade,
reduziu o homem a mero consumidor, também dos discursos oficiais.
A liberdade, segundo Larrosa (2000), emerge como um apelo para recusar
identidades opressivas e exige dos professores que encontrem formas para
refletir sobre si próprios e sobre suas práticas docentes.
A resistência - ou num outro sentido, a re-existência (VARANI,
2005) é um desafio ético, epistemológico, político
e pedagógico.
Na escola, o discurso docente - o que dizem e escrevem os professores
- pode constituir-se em importante instrumento de reflexão, possibilitando
o resgate da capacidade de narrar, transformando-se e à realidade,
também por meio do estabelecimento de relações com
seus pares, aceitando a diferença como elemento do diálogo
- o que é significativo para a formação profissional
e constituição como sujeito-professor.
Uma pesquisa pode, também, representar, para os sujeitos envolvidos,
sobretudo para os pesquisadores, as mudanças e transformações
necessárias à sua prática, uma vez que, para Amorim
(2001), todo o processo investigativo, incluindo sua escrita, implica
um encontro com o outro, a busca por um interlocutor. O processo investigativo
pode, nesse sentido, valorizar os muitos encontros ocorridos na escola
ou se utilizar de métodos e convenções, também
em sua escrita, que façam diluir, cair no esquecimento, a presença
do outro - o outro também do pesquisador.
Na perspectiva de pesquisa e formação que assumimos enquanto
participantes do GEPEC, cremos que quando os pesquisadores assumem a postura
de caminhar com, de estar junto, contribui de forma significativa nesse
processo sua própria trajetória como professores que, estando
pesquisadores, deslocam seu olhar para um outro lugar (e de um outro lugar)
e outra prática - a prática docente de outros professores
com quem deseja dialogar. Dessa feita, uma pesquisa pode significar o
processo de formação do sujeito-pesquisador.
No caso da pesquisa aqui apresentada, muito ainda é preciso “navegar”
e essas são apenas considerações provisórias,
embora muito inquietantes. Deixo as palavras de Marques que traduzem,
nos traduzem, nesse processo de nos fazermos e de nos constituirmos professores
e pesquisadores outros - outros lugares, pois navegar, e escrever, é
preciso para se viver professor!
Escrever é preciso e nisso está o contraponto
do dito português, “viver não é preciso”,
porque viver é entender-se consigo mesmo, dizendo-se a si ao dizer-se
a outrem na fala do face-a-face. Viver sem saber não é viver.
Entender as razões do apelo a essa segunda forma de reconciliar-se
consigo mesmo, a do escrever, é assunto para posterior análise
mais profunda. Entender agora o escrever como princípio de vida,
impulso vital irresistível, este meu problema, meu: existencial.
Mas também, pragmaticamente, meu problema profissional: de professor
interessado em aprender a pesquisar ensinando a pesquisa, desde que entendo
que enturmar-se com quem busca aprender é a melhor forma de fazê-lo
(MARQUES, 2001:16).
Considerações
Pensar, acreditar e realizar outros modos de fazer “pesquisa
na e com a escola” implica procurar os sentidos que essa prática
tem para nós. Dentre esses, gostaríamos de destacar: a importância
de agenciar conhecimentos junto com os professores, subsidiar suas conquistas
profissionais, favorecer e potencializar as discussões surgidas
nos grupos instituídos na escola, contribuir com a construção
na universidade de um outro olhar para as questões da escola.
Uma preocupação presente em nossas discussões é
saber se o desenvolvimento de nossas pesquisas realmente contribui com
os aspectos e reflexões citados. Nesse sentido, trazemos as colocações
de Freitas, Jobim e Souza e Kramer (2003) já que as autoras explicitam
claramente a nossa inquietação: “até que ponto
as pesquisas realizadas nas instituições acadêmicas
estão, de fato, voltadas para encontrar soluções
para os problemas enfrentados no cotidiano, e que dizem respeito aos modos
de vida individuais e coletivos?” (2003:7).
Para as autoras, os indivíduos e os grupos podem conquistar uma
consciência crítica cada vez mais aprofundada sobre sua experiência
quando permitem que os diferentes gêneros de discurso (desde o discurso
acadêmico até as formas cotidianas de expressão) “possam
interagir, transformando e re-significando mutuamente as concepções,
sobre o conhecimento e as experiências humanas que circulam entre
as pessoas num determinado espaço sociocultural, e num dado momento
histórico” (Freitas, Jobim e Souza e Kramer, 2003:8).
Em função do que aqui apresentamos, acreditamos fortemente
na interação e no diálogo entre a escola e universidade;
e entre professores e pesquisadores, diálogos esses que se realizam
nos encontros promovidos na escola, nos quais os conhecimentos adquirem
outros sentidos.
Referências bibliográficas
AMORIM, M. O pesquisador e seu outro: Bakhtin nas Ciências
Humanas. São Paulo: Musa, 2001.
------ A contribuição de Mikhail Bakhtin: a tripla articulação
ética, estética e epistemológica. In: FREITAS, M.
T., JOBIM e SOUZA, S. e KRAMER, S. (orgs.). Ciências humanas e pesquisa:
leitura de Mikhail Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2003.
BAKHTIN, M. (1979). Estética da criação verbal. São
Paulo: Martins Fontes, 1992.
CHALUH, L. Como me constitui pesquisadora estando na escola. In: CUNHA,
R. B.; PRADO, G. V. T (orgs.) Percursos de autoria: exercícios
de pesquisa. (aguardando publicação).
DIARIO OFICIAL DE CAMPINAS. 25 de Fevereiro de 2003 e 07 DE Novembro de
2003.
FOUCAULT, M. (1970). A ordem do discurso. 9ª. ed. trad. Laura Fraga
de Almeida Sampaio. São Paulo: Loyola, 2003.
FREIRE, P. Pedagogía del oprimido. Tradução de Jorge
Mellado. 7ª. ed. Buenos Aires: Siglo Veintinuno Argentina Editores,
1973.
FREITAS, M. T. A perspectiva sócio-histórica: uma visão
humana da construção do conhecimento. In: FREITAS, M. T.,
JOBIM e SOUZA, S. e KRAMER, S. (orgs.).Ciências humanas e pesquisa:
leitura de Mikhail Bakhtin. São Paulo: Cortez, 2003.
FREITAS, M. T., JOBIM e SOUZA, S. e KRAMER, S. Apresentação.
In: FREITAS, M. T., JOBIM e SOUZA, S. e KRAMER, S. (orgs.).Ciências
humanas e pesquisa: leitura de Mikhail Bakhtin. São Paulo: Cortez,
2003.
GERALDI, J. W. Portos de Passagem. 4ª ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1997.
JOBIM e SOUZA, S., KRAMER, S. Experiência humana, histórias
de vida e pesquisa: Um estudo da narrativa, leitura e escrita de professores.
In: KRAMER, S. JOBIM e SOUZA, S. (orgs.). Histórias de professores:
leitura, escrita e pesquisa em educação. São Paulo:
Ática, 1996. p. 13- 42.
KRAMER, S. Leitura e escrita de professores em suas histórias de
vida e formação. Cadernos de pesquisa. Fundação
Carlos Chagas. São Paulo, nº 106, p.129 -216, março,
1999.
LARROSA, J. Tecnologias do eu e educação. In: SILVA, Tomás
Tadeu (org.). O sujeito da educação. Estudos foucaultianos.
4 ed. Petrópolis: Vozes, 2000 (Ciências sociais da educação).
p. 35-86.
MARQUES, M. O. Escrever é preciso. O princípio da pesquisa.
Ijuí: Unijuí, 2001.
MATURANA R. H. Emoções e linguagem na educação
e na política. 3ª reimpressão. Ed. UFMG: Belo Horizonte,
2002.
PÊCHEUX, M. (1969). Análise automática do discurso
In: GADET, F.; HAK, T. (orgs). Por uma Análise Automática
do Discurso. Uma introdução à Obra de Michel Pêcheux.
3 ed. Campinas: UNICAMP,1997. p. 61-162.
SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DE CAMPINAS. BOLETINS SME,
N°1, 02 de fevereiro de 2001. Acesso junho de 2001.
http://www.campinas.sp.gov.br/smenet/boletins/boletins.htm
------BOLETINS SME, 04 de fevereiro de 2004. Acesso março de 2004.
http://www.campinas.sp.gov.br/smenet/noticias/noticia_indice.htm
VARANI. A. Da constituição do trabalho docente coletivo:
re-existência docente na descontinuidade das políticas educacionais,
2005. Tese (Doutorado) – FE, UNICAMP, Campinas