Maria Alice Coelho - Escola Comunitária
de Campinas - ECC
Resumo: Com o objetivo de promover a formação
de professores críticos, que reflitam sobre suas ações
e que produzam os saberes necessários em suas práticas pedagógicas,
desenvolveu-se, junto a professores de primeira à quarta série,
o que se chamou de “exercício de escrita do professor”.
Os professores foram incentivados e orientados a registrar as situações
didáticas propostas para a intervenção no texto do
aluno, detalhando-as, buscando apoio teórico que fundamentasse
o uso de estratégias, analisando possibilidades, avaliando deslocamentos
e dificuldades no processo. O trabalho contribuiu para a auto-imagem do
professor, do professor-pesquisador de sua prática e possibilitou
melhoria qualitativa no texto do aluno, com intervenções
coerentes com a concepção de língua que a escola
defende.
Quem vive o dia-a-dia da escola sabe que nem sempre é fácil
encontrar um tempo para reflexão, para estudo, para encontro entre
os professores, aquele tempo necessário para que eles compartilhem
práticas, discutam encaminhamentos, avaliem procedimentos, estudem,
busquem alternativas, enfim, que possam refletir sobre os saberes e experiências,
quanto mais que tenham tempo para um interlocutor, no caso, o coordenador
de área.
Na nossa experiência, a escola propôs um tempo de trabalho
para o coordenador de área que inclui, a participação
nas reuniões de planejamento e avaliação, encontros
semanais por período para parcerias com os professores (individual
e/ou de grupo série), reuniões com a equipe de professores
(mensal, nas reuniões pedagógicas), além de ter definido
um tempo específico para que o coordenador se dedique a leitura
e análise de documentos (planejamentos, projetos, propostas de
situações didáticas, obras literárias, produções
escritas dos alunos, etc). Dessa maneira, possibilitou a participação
e o envolvimento do coordenador de área com o projeto pedagógico
e com a equipe de professores, promovendo um espaço para reflexão,
troca e estudo, sem comprometer o tempo do professor, mas otimizando-o.
Nessa ação diversificada e muito próxima do professor,
o coordenador vai construindo um vínculo essencial com os professores,
vínculo este pautado na ética, no respeito e na valorização,
sem o qual muito do trabalho se tornaria inválido. Isto porque
o coordenador, ao mesmo tempo em que mobiliza o professor para uma ação
cada vez mais reflexiva e consciente, também o questiona, sem,
contudo, negar a sua prática. Nesses encontros, muitos assuntos
importantes são abordados, tais como as características
discursivas da língua, o texto – o que propor, como intervir,
o que e como corrigir, estudo da ortografia, análise e escolha
de obras literárias, o trabalho com poesia e com o jornal, o uso
da biblioteca escolar e a de classe, a leitura do aluno e a leitura do
professor, dentre outros.
Num desses encontros, o coordenador de área solicitou aos professores
os registros de suas ações no texto do aluno. Pensou-se
no registro da intervenção no texto por “compreendemos
que a unidade básica de ensino da língua escrita só
pode ser o texto” (Coelho, 2002). Cada professor decidiu seu foco
de intervenção no texto e, como não foi dado um modelo,
os registros revelaram uma diversidade de estilos. O coordenador, em reuniões
individuais e ou de grupo, procurou incentivar a continuidade e o aprofundamento
dos registros, direcionando a escrita do professor para que, através
de suas escritas, eles pudessem identificar as informações
e as atividades que permitiriam aos alunos avançar no patamar do
conhecimento, de um já conquistado para outro mais evoluído.
A busca da teoria que fundamentasse a prática passou a ser entendida
como necessária, fazendo com que o estudo se fizesse presente.
Os registros foram revelando anseios, conflitos, possibilidades, encaminhamentos
e depois, resultados observados nas produções escritas dos
alunos, inclusive com o registro delas, para que outros pudessem verificar
os deslocamentos conseguidos pelos alunos.
Ao escrever os registros, os professores tiveram que organizar as idéias,
buscar a articulação entre elas e, assim, conseguiram avançar
no conhecimento sobre o próprio fazer em sala de aula. Conscientes
de sua ação, os professores passaram a gerenciar as situações
de conflitos, mediando a aprendizagem do aluno, diminuindo as contradições
entre a concepção de língua que se quer que os professores
trabalhem com seus alunos e os procedimentos didáticos usados para
a realização dessa concepção.
Assim, os registros possibilitaram aos professores a reflexão crítica
sobre o fazer pedagógico, na medida em que possibilitou descrever,
analisar e rever posturas e ainda buscar novos procedimentos para intervir
com maior segurança na escrita do aluno. Os registros contribuíram
também para a auto-estima do professor que, diante dos avanços
observados nos textos dos alunos, aliado ao sentimento de valorização
e realização profissional que o registro permitiu, passaram
a se sentir pesquisadores de sua prática, tornado-se mais reflexivos,
críticos e coerentes.
Acreditamos que ao solicitar a escrita do professor e nela intervir, a
coordenação de área atenda um de seus objetivos que
é contribuir para com a idéia da formação
do professor como profissional reflexivo (Schön, 1997; Zeichner,
1998), produtor de um saber próprio (Tardif et al., 1991), que
se contrapõe-se à idéia de um professor mero transmissor
de saberes produzidos por outros.
BIBLIOGRAFIA
COELHO, M.A. A produção de textos escritos
e suas relações com processos cognitivos. Faculdade de Educação,
Universidade Estadual de Campinas. Campinas, 2002.
SCHÖN, D. Formar professores como profissionais reflexivos. In: NÓVOA,
A. (Coord.). Os professores e a sua formação. 3. ed. Lisboa:
Dom Quixote, 1997.
TARDIF, M. et al. Os professores face ao saber; esboço de uma problemática
do saber docente. Teoria & Educação, Porto Alegre, n.
4, p. 215-234, 1991.
ZEICHNER, K. Para além da divisão entre professor pesquisador
e pesquisador acadêmico. In: GERALDI, C. et al. Cartografias do
trabalho docente: professor pesquisador. Campinas: Mercado de Letras;
ALB, 1998.