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AS POTENCIALIDADES PEDAGÓGICAS DAS INVESTIGAÇÕES MATEMÁTICAS NO DESENVOLVIMENTO DO PENSAMENTO ALGÉBRICO DE ALUNOS DA 6a SÉRIE

 

Fernando Luís Pereira Fernandes - Faculdade de Educação – Unicamp
Eliane Matesco Cristóvão - Faculdade de Educação – Unicamp
Dario Fiorentini - Faculdade de Educação – Unicamp

 

Resumo: Este artigo é resultado de uma pesquisa com  Investigações Matemáticas (IM) realizada junto a duas classes de 6ª Série de uma escola estadual de Americana-SP. O objetivo do estudo era investigar as potencialidades pedagógicas das IM no ensino de álgebra elementar, sobretudo, indícios de formação e desenvolvimento da linguagem e do pensamento algébricos. Serão apresentados os resultados de uma tarefa/atividade investigativa que buscou explorar e desenvolver o processo de generalização. O material de análise é constituído de registros escritos dos alunos, de diários de campo dos pesquisadores e gravações em áudio e vídeo. A análise dos dados mostra as contribuições das IM na mobilização do pensamento algébrico dos alunos.

 

Introdução

 

Este trabalho refere-se a uma pesquisa de iniciação científica [1] realizada pelo primeiro autor, em 2004, com a parceria da segunda autora e a orientação do terceiro autor. O seu desenvolvimento foi junto a duas classes de 6a série do Ensino Fundamental de uma escola pública estadual de Americana – SP.

O seu objetivo principal era promover um contexto exploratório-investigativo que favorecesse o desenvolvimento da linguagem e do pensamento algébricos em uma fase introdutória ao ensino de álgebra com alunos da 6a série.

Foram planejadas e aplicadas duas tarefas investigativas nas duas classes, num total de oitenta alunos. O material de análise é formado basicamente de registros e relatórios escritos pelos alunos e questionários aplicados a eles, diários de campo dos pesquisadores e registros em áudio e vídeo de episódios de sala de aula.

Em relação ao planejamento das tarefas investigativas e à análise dos registros de campo, pudemos contar com a colaboração do Grupo de Sábado (GdS) [2] , do qual somos membros efetivos. A primeira tarefa visava explorar o processo de generalização e introduzir os alunos à prática das IM. A segunda tarefa visava trabalhar a álgebra como estudo de relações entre grandezas variáveis, isto é, introduzir o aluno às primeiras noções de função.

Neste texto, descrevemos e analisamos os resultados obtidos a partir da realização da primeira tarefa investigativa, pois esta buscou explorar o desenvolvimento da linguagem e do pensamento algébricos, sobretudo, o processo de generalização e a percepção de regularidades, além de introduzir os alunos a uma nova dinâmica de trabalho nas aulas de Matemática. Antes disso, porém, tecemos algumas considerações sobre IM nas aulas de matemática e as principais concepções de educação algébrica, destacando, principalmente, os elementos caracterizadores do pensamento algébrico. 

 

As Investigações Matemáticas em Sala de Aula

 

O uso de tarefas investigativas nas aulas de Matemática é uma perspectiva de trabalho pedagógico que o professor pode lançar mão para a realização de um ensino significativo da Matemática. Uma aula que promove um ambiente de investigação matemática, segundo Castro (2004), pode ser chamada de aula investigativa, isto é, “as aulas investigativas supõem o envolvimento dos alunos com tarefas investigativas que permita a eles realizar atividade matemática” (p. 34).

Para melhor compreender o que diferencia uma tarefa investigativa de outros tipos de tarefas matemáticas, Ponte (2003) distingue, em um diagrama, quatro tipos diferentes: exercícios, problemas, explorações e investigações.

 

 

 

 

 

 

 

 Os limites que diferenciam uma exploração de uma investigação nem sempre são claros. Há atividades, que apesar de apresentarem um caráter exploratório, propiciam também o aparecimento de questões investigativas, as quais têm um caráter mais divergente e podem demandar de um tempo relativamente longo de trabalho. Mas, em síntese, podemos dizer que as IM diferenciam-se das demais por serem situações-problema desafiadoras e abertas, permitindo aos alunos várias alternativas de exploração e investigação. 

O conceito de investigação matemática, como atividade de ensino e aprendizagem

 

ajuda a trazer para a sala de aula o espírito da atividade matemática genuína, constituindo, por isso, uma poderosa metáfora educativa. O aluno é chamado a agir como um matemático, não só na formulação de questões e conjecturas e na realização de provas e refutações, mas também na apresentação de resultados e na discussão e argumentação com os seus colegas e o professor (PONTE, BROCADO, OLIVEIRA, 2003, p. 23).

 

Concepções de Educação Algébrica

        

           De acordo com Fiorentini et al (1993), há três concepções de educação algébrica que, historicamente, vem exercendo maior influência no ensino de matemática elementar. A primeira, chamada de lingüístico-pragmática, foi predominante durante o século XIX e estendeu-se até a metade do século XX. A segunda concepção, a fundamentalista-estrutural, predominante nas décadas de 1970 e 1980, trouxe consigo uma nova forma de interpretar a álgebra no ensino, tendo por base as propriedades estruturais, que serviam para fundamentar e justificar as passagens do transformismo algébrico. A terceira concepção - a fundamentalista-analógica - procura fazer uma síntese entre as duas anteriores, pois tenta recuperar o valor instrumental da álgebra e preserva a preocupação fundamentalista, só que não com base nas propriedades estruturais, mas, sim, através do uso de modelos analógicos geométricos (blocos de madeira ou mesmo figuras geométricas) ou físicos (como a balança) que visualizam ou justificam as passagens do transformismo algébrico.

           O ponto problemático e comum entre essas três concepções, segundo Fiorentini et al. (1993), é que elas praticamente reduzem o ensino da álgebra aos seus aspectos lingüísticos e transformistas. As três concepções enfatizam o ensino de uma linguagem algébrica já constituída, priorizando o domínio, por parte do aluno, de habilidades manipulativas das expressões algébricas. Não que isso não seja importante, mas essa não é a principal função do ensino de álgebra.

Para os autores, os elementos caracterizadores do pensamento algébrico são os seguintes: “percepção de regularidades, percepção de aspectos invariantes em contraste com outros que variam, tentativas de expressar ou explicitar a estrutura de uma situação-problema e a presença de generalização”(p. 87). Assim, para eles, existem outras formas mais significativas de ensinar álgebra, tendo em vista o desenvolvimento do pensamento matemático do aluno. Acreditam que o pensamento algébrico se desenvolve gradativamente, antes mesmo da existência de uma linguagem algébrica simbólica. 

           Neste estudo, consideraremos os elementos acima como aqueles que caracterizam o pensamento algébrico em mobilização e em desenvolvimento. Tendo em vista o desenvolvimento desse pensamento, os autores propõem que o ensino de álgebra seja iniciado mediante a exploração de situações-problema ou a problematização de fatos tidos como aritméticos ou geométricos (Fiorentini et. al., 1993, p.33-34), os quais poderiam favorecer esse desenvolvimento. Uma segunda etapa seria percorrer o caminho inverso; partindo de uma expressão algébrica, tida como pura, o aluno tentaria dar sentidos e significações possíveis a ela. Então, o transformismo algébrico apareceria na terceira etapa, dando atenção ao modo como as expressões algébricas podem ser transformadas em expressões equivalentes e aos procedimentos que validam tais transformações.

Para a realização de nossa pesquisa de campo, envolvendo tanto o planejamento das tarefas quanto à realização das atividades em classe, procuramos contemplar os pressupostos relativos à concepção de educação algébrica desses autores.

 

A tarefa proposta aos alunos

 

Abaixo, segue a primeira tarefa investigativa, desenvolvida com as classes:

 

Tarefa I: Investigando e Descobrindo Seqüências

 

A tarefa tem como objetivos:

·         Desenvolver a atividade de forma colaborativa em equipes;

·         Iniciar o aluno ao desenvolvimento da linguagem e do pensamento algébricos de forma investigativa, onde o aluno é levado a fazer explorações, descobertas, a levantar e formular conjecturas e a comunicar-se e argumentar matematicamente;

·         Utilizar-se da escrita na elaboração de relatórios, além de dar significado àquilo que o aluno está descobrindo e encontrando nas investigações. Além dos relatórios escritos, as apresentações orais também constituirão as formas de avaliação.

·         Utilizar-se da Generalização da Aritmética, uma das Funções da Álgebra para desenvolver a tarefa;

·         Analisar a dinâmica da sala de aula, os papéis dos alunos e do professor diante de uma tarefa investigativa e a produção matemática dos alunos.

 

Instruções:

Os grupos serão constituídos por quatro pessoas, de tal forma que sejam divididas as obrigações de cada um. Escolham:

·         Um Coordenador: responsável pela organização do trabalho e pela resolução de possíveis conflitos;

·         Um Redator: responsável pela redação final do registro a ser entregue.

·         Dois Relatores: serão dois membros do grupo, responsáveis pela apresentação (para toda a classe) dos resultados encontrados pela equipe.

Apesar da divisão acima, todos deverão participar das etapas de produção do estudo.

 

A Tarefa:

Hoje, vamos trabalhar com seqüências de bolinhas e suas formas. Que tal descobrir relações entre a forma como a seqüência é construída, a quantidade de bolinhas em determinada posição e a sua posição na seqüência? Desafio vocês a investigar e descobrir as próximas posições da seqüência!

 

Dê uma olhada nas duas primeiras posições da seqüência de bolinhas abaixo:

...

O grupo achou complicado? A seguir, encontram-se algumas questões para a orientação do estudo.

1. Continue a seqüência, desenhando até a 10ª posição.

2. O grupo seria capaz de encontrar outras maneiras de continuar essa seqüência? Quais seriam?

3. Se o grupo pensou em mais de um tipo de seqüência, escolha a que mais lhe agrada para encontrar um jeito de dizer por escrito como seria a sua 100ª posição. Além disso, seria capaz de dizer quantas bolinhas terá a 100ª posição? 

4. Vocês conseguem agora escrever uma regra que pudesse representar o número de bolinhas ou a forma de uma posição qualquer (indefinida) da seqüência?

 

Descrevendo e analisando algumas resoluções, representações e interpretações produzidas pelos grupos

 

         Para o item 1 da primeira tarefa,  como era esperado, a seqüência que mais apareceu foi a seguinte:

 

Apesar da seqüência acima ser a mais freqüente, cada grupo, ao escrevê-la, usou forma e maneira próprias de verbalizar seu pensamento. Nesse momento, podemos identificar alguns raciocínios que evidenciam um pensamento algébrico em constituição, embora isso fique mais evidente nos itens 3 e 4.                     Alguns grupos construíram seqüências que não imaginávamos nem esperávamos. Uma delas, despertou o nosso interesse (Fernando e Eliane). A seqüência é essa:

 

 

 

Eles foram construindo triângulos de tal forma que eles pudessem encontrar o número de bolinhas de uma posição qualquer, seguindo “A regra é diminuir os números”. Ao analisar o raciocínio dos alunos, levantamos algumas interpretações e hipóteses que podem ajudar a explicar e compreender a generalização estabelecida pelo grupo. A ilustração, a seguir, feita por nós, para explicar o raciocínio utilizado pelo grupo, nos dá algumas pistas para isso:

 

 

        

Diante disso, conjeturamos a seguinte hipótese interpretativa para a regra “diminuir os números”: para calcular o número de bolinhas da 100a posição da seqüência, basta tomar como referência inicial o número 100 e somar seus (dois) números anteriores (expressão equivalente a diminuir os números). Ou seja, embora de forma incompleta, podemos dizer que, em termos algébricos, o grupo conseguiu chegar a uma forma generalizada de calcular o número de bolinhas de uma posição qualquer da seqüência. Por se tratar de alunos com grande dificuldade em aprendizagem de Matemática, os seus resultados nos surpreenderam.

Uma seqüência muito criativa - e também não esperada por nós - é a que se encontra abaixo. Ela mostra, como a anterior, como as aulas investigativas estimulam a criatividade dos alunos.

 

A explicação do grupo para saber a quantidade de bolinhas da 100a posição foi a seguinte:

 

“Nossas bolinhas seguiu a tabuada do 3, mais em cada um dos ramos há 1 bolinha atrasada... Então, não vai dar o resultado exato da tabuada, sempre vai ficar uma bolinha. Agora, veja como chegamos na 100a posição: 99 x 3 = 297. Como há uma bolinha atrasada não ‘irá ter a 100a exata’ então fizemos 99 . 3 para chegar no resultado da ‘100a posição’, que deveria ter o resultado de 300 bolinhas, mas como tem uma atrasada teremos o resultado é  de 297 bolinhas”. 

        

Quando o grupo fala em uma bolinha atrasada, refere-se aos três agrupamentos realizados com as bolinhas de uma determinada posição. Como a figura presente no relatório do grupo não estava nítida, fizemos uma ilustração, a qual se encontra abaixo, reproduzindo-a:

 

 

Um fato interessante a ser observado entre esta seqüência e a anterior, é que ambas possuem termos correspondentes com o mesmo número de bolinhas, embora seus padrões geométricos sejam diferentes.

 

Manifestações de pensamento algébrico dos alunos durante a atividade investigativa

 

Foi observado que, ao redigir o relatório, nenhum grupo utilizou uma expressão literal para representar seus raciocínios ou a regra solicitada no último item da tarefa. Acreditamos que isso tenha ocorrido em virtude de seu enunciado, o qual pedia uma regra que pudesse representar o número de bolinhas ou a forma de uma posição qualquer indefinida da seqüência. Em alguns grupos, sugerimos que isso fosse realizado, mas, em contrapartida, os alunos diziam: “Ah, professor! Eu já expliquei!” Quer dizer, eles mesmos já se sentiam satisfeitos com a própria resposta.

Ao escrever uma regra, o aluno poderia expressar-se em linguagem matemática simbólica ou retórica. Além disso, o objetivo desta tarefa era promover um contexto exploratório-investigativo que favorecesse o desenvolvimento da linguagem e do pensamento algébrico em uma fase introdutória ao ensino de álgebra. Por isso, não poderíamos exigir que os alunos utilizassem a linguagem simbólica em suas resoluções. Isso deveria acontecer aos poucos, à medida que os alunos fossem percebendo a necessidade de usar uma linguagem mais sincopada para expressar ou justificar seus raciocínios e elaborações, diferente da segunda tarefa, a qual buscava, de forma intencional, analisar o uso da linguagem simbólica.

Analisamos, a seguir, a presença dos elementos caracterizadores do pensamento algébrico dos alunos durante o desenvolvimento da atividade investigativa.

         Podemos dizer que os alunos, em geral, mostraram ser capazes de pensar algebricamente, perceberam regularidades e conseguiram fazer algumas generalizações. Porém, nem todos atingiram o mesmo nível de generalização. Por exemplo, um dos grupos que construiu a seqüência, em formato de L, fez o seguinte desenho para representar a 100a posição da seqüência, demonstrando ainda não ultrapassar um pensamento ligado à Aritmética.

 

Assim, podemos classifica-lo como sendo um pensamento aritmético ou pré-algébrico.

Um outro grupo, apresentou um estágio mais adiantado que o anterior, pois encontrou uma forma interessante de representar a quantidade de bolinhas da 100a posição, ou seja, a estrutura matemática da situação.

 

 

Um outro grupo, após redigir o relatório, escreveu, no final, algumas regras que eles encontraram:

 

 -Todos os números de bolinhas são ímpares.

-Sempre acrescentando duas bolinhas.

Para chegar a conclusão de que a posição 100 [100a] teria 199 bolinhas nós somamos a posição vertical mais a diagonal [3] que teria um número a mais que anterior.

 

As duas últimas interpretações apresentadas anteriormente denotam um pensamento de transição do aritmético ao algébrico.

A princípio, poderíamos imaginar que uma tarefa exploratório-investigativa, que inter-relaciona aspectos aritméticos, geométricos e algébricos, poderia ser um obstáculo a um trabalho produtivo dos alunos. Entretanto, o que percebemos na prática, foi o contrário, pois todos os grupos conseguiram desenvolver, pelo menos, boa parte da tarefa. Avaliamos que a tarefa investigativa atingiu seus objetivos e permitiu a exploração de assuntos não previstos por mim e pela professora parceira, Eliane. Para um pontapé inicial no estudo de Álgebra, essa tarefa proporcionou ao aluno uma visão diferente da Matemática.

Um fator favorável ao desenvolvimento de trabalho em equipes é a possibilidade de membros de um mesmo grupo, ajudarem e colaborarem entre si de forma colaborativa. Aqueles que têm maior dificuldade, ou tenham o pensamento algébrico pouco desenvolvido, pode, com a interlocução e apoio do colega e sem a presença do professor, mobilizar seu pensamento nessa direção. Não queremos desmerecer ou privar o professor de seu trabalho, que é de ensinar, mas, dentro dessas comunidades menores, os alunos se conhecem melhor e apresentam suas próprias estratégias de ensinar e aprender. O professor, que já possui seu pensamento algébrico desenvolvido e o domínio de uma linguagem simbólica, pode não ser o melhor interlocutor nesta fase inicial de aprendizagem.

Além disso, a produção de conhecimento matemático acompanha o nível de abstração, conhecimento matemático e, principalmente, o nível de aprendizagem do aluno. Uma resposta mais elaborada denota um pensamento mais desenvolvido, um aluno crítico e intelectualizado. Já uma produção mais simples ou incompleta pode indicar um autor em fase ou estágio inicial de desenvolvimento do pensamento matemático.

Três grupos chegaram à seqüência dos chamados números triangulares, mas só um deles conseguiu encontrar uma forma de saber quantas bolinhas teriam a 100a posição e também de justificar (ou demonstrar geometricamente) esta quantidade.

Mostraremos, a seguir, as primeiras posições da seqüência construída e a explicação dada pelo grupo:

 

 

 

 Essa justificação nos surpreendeu pela criatividade e, principalmente, por ter sido produzida por uma aluna de 6a série. Podemos dizer que sua interpretação denota um pensamento algébrico mais desenvolvido.

 

Fazendo um balanço do processo de aprender a investigar realizado pelos alunos

 

         Ao realizar esta pesquisa, pudemos perceber uma evolução dos alunos, no que diz respeito ao envolvimento dos mesmos com as aulas investigativas. Esses alunos nunca haviam trabalhado nessa perspectiva e, certamente, num primeiro momento, foi provocado um estranhamento. Entretanto, essa etapa foi superada e sentimos um amadurecimento dos alunos, até mesmo daqueles que ofereceram, inicialmente, resistência à proposta.

Para melhor descrever essa evolução, apresentamos, a seguir, algumas etapas do processo de aprender a investigar vivenciado pelos alunos durante as aulas investigativas. 

 

1a Etapa: Descoberta de um outro jeito de trabalhar com a matemática

        

A primeira etapa refere-se, principalmente, ao desenvolvimento da primeira tarefa. Os alunos não conheciam a dinâmica de uma aula investigativa e, só viriam a conhecê-la se eles, realmente, se envolvessem e viessem a trabalhar de forma exploratório-investigativa. O trabalho em grupo, para eles, não foi um fato novo, mas a divisão de tarefas e responsabilidades foi novidade e, em especial, motivador na relação sujeito-conhecimento. Embora os relatórios produzidos e as apresentações orais tenham ficado aquém do esperado, a realização da primeira tarefa contribuiu para introduzir os alunos na prática de investigar em matemática.

         Por ser a primeira vez que os alunos se envolvem com uma investigação, a elaboração da tarefa foi especial, trazendo nos primeiros itens alguns exercícios que levassem os alunos a mobilizarem-se na atividade investigativa.

 

2a Etapa: Reconhecimento de um novo contrato didático

 

         Nesta etapa, os alunos, após descobrirem um novo jeito de trabalhar a matemática, começam a reconhecer as regras e procedimentos próprios de uma aula investigativa. Isso significa o estabelecimento de um novo contrato didático. Com efeito, nas instruções presentes em ambas as tarefas, nada foi mudado, com quatro pessoas por grupo e a divisão de tarefas e responsabilidades. As tarefas podem ser menos estruturadas, privilegiando uma abertura de possibilidades. No nosso caso, optamos por manter a estrutura da tarefa anterior, mas, após a familiarização com a dinâmica dessas aulas, a formulação da tarefa pode ser mais flexível e aberta.

Notamos que o tempo para a escolha das funções foi muito menor, o grau de dificuldade foi aumentado e sem prejuízo da aprendizagem dos alunos. Além disso, os relatórios e as apresentações foram muito mais organizados, com explicações mais detalhadas, denotando um aprimoramento no relato dos resultados da investigação do grupo.

Portanto, esta etapa refere-se, principalmente, ao que foi realizado e observado durante o desenvolvimento da segunda tarefa. É claro que alguns grupos já haviam percebido a dinâmica e os procedimentos característicos de uma investigação matemática no desenvolvimento da primeira tarefa. 

 

3a Etapa: Autonomia Investigativa

        

Nesta última fase, alguns grupos mostraram possuir elementos que os caracterizam e justificam estar nessa fase. Estes grupos foram independentes e autônomos ao desenvolver a segunda tarefa. A formulação de hipóteses e a conjecturação foram presenças confirmadas, pois o aluno, nesse estágio, sabia da importância de ser mais rigoroso e atencioso com as múltiplas possibilidades que surgem ao investigar.

Além disso, os relatórios entregues foram confeccionados com mais detalhes e cuidados, onde as passagens e as justificações foram mais freqüentes. Isso ocorreu, não somente por ter sido solicitado, que assim fosse feito, mas, notamos que houve uma compreensão da importância de ser mais detalhista e atencioso em um trabalho de investigação. As apresentações orais foram mais bem desenvolvidas, contando com a participação crítica dos outros alunos.

A função do professor foi de orientar os grupos, mediar idéias, argumentos e conflitos. Foi um gestor da aula, ao contrário de um maestro, que passa aos músicos as notas a serem tocadas, para que todos estejam afinados. Numa sala de aula, o desafino ocorre e sempre ocorrerá, e são nesses momentos que encontramos momentos de aprendizagem e reflexão. O trabalho de investigação fluiu mais naturalmente que no momento inicial. Acreditamos que isso, com o passar do tempo, torne-se tão natural que, talvez, não será perceptível quando todos estiverem envolvidos.

 

Considerações Finais

 

Ver os alunos produzindo matemática e vibrando com suas criações e descobertas é muito gratificante para o professor. Os alunos passam a experimentar uma outra relação com a matemática; uma relação mais prazerosa e motivadora, semelhante ao que experimentam os matemáticos, quando criam e produzem novos conhecimentos. Uma fase que envolve o uso de intuição e criatividade na exploração de idéias e na formulação de conjecturas, estando o formalismo e o rigor, parcialmente presentes.

         A análise da experiência de ensino desenvolvida através de tarefas exploratório-investigativas mostra que este é um contexto rico de mobilização e desenvolvimento do pensamento algébrico dos alunos. Além disso, pudemos perceber o entusiasmo e o envolvimento dos alunos neste tipo de trabalho. É claro que, num primeiro momento, houve um estranhamento. Entretanto, essa fase foi superada e todos passaram a se envolver com as tarefas, mesmo aqueles que ofereceram, inicialmente, resistência à proposta.

Embora tenhamos, neste estudo, mostrado as potencialidades pedagógicas das IM para o desenvolvimento da linguagem e do pensamento algébricos, convém destacar algumas dificuldades para sua inclusão na prática escolar. A primeira delas é o número de alunos em classe [4] . Mesmo contando com dois docentes em classe, um deles tinha, também, a função de coletar informações, fazer registros escritos ou gravação em áudio e/ou vídeo das atividades realizadas em classe.

Outro problema recorrente é o tempo disponível para a realização de IM em sala de aula. Esse é o vilão de todo professor que prepara uma tarefa à sua classe e determina um tempo limitado para seu desenvolvimento em classe. Vimos que o planejamento é importante, todavia, interromper ou apressar a produção dos alunos pode representar um retrocesso e uma ameaça a uma efetiva inclusão das IM no currículo escolar.

Em relação às dificuldades apresentadas pelos alunos, destacamos: o estranhamento inicial em trabalhar com investigações matemáticas; a organização e registro dos resultados obtidos com a investigação, ou seja, a produção do relatório (os alunos geralmente não estão acostumados em registrar por escrito seus pensamentos e justificativas matemáticas. Esta, entretanto, não foi uma dificuldade muito presente nas classes investigadas, pois a professora Eliane tinha o hábito de solicitar registros escritos de seus alunos); a socialização e discussão/negociação dos resultados com toda a classe (para evitar a socialização de resultados parecidos ou repetitivos na fase final de uma IM, João Pedro da Ponte, em um Seminário realizado na Unicamp, sugeriu reduzir o número de grupos que apresentarão seus resultados, procurando alterná-los de uma tarefa para outra)

Sobre o problema da indisciplina no contexto de aulas investigativas, é preciso, primeiramente, re-conceituá-la, pois os alunos quando estão investigando, principalmente em uma sala de 40 alunos, agem como as abelhas que produzem mel. Todos querem falar e colocar suas idéias e interpretações e defender seus pontos de vista em relação às tarefas. Esse processo produtivo pode parecer bagunça aos olhos de quem está de fora, mas, para quem está acompanhando o que efetivamente acontece em classe, este é um modo disciplinado de estudar e produzir conhecimento.

Em síntese, o estudo por nós desenvolvido, apresenta indícios de que o desenvolvimento de Investigações Matemáticas em sala de aula representa um contexto rico e desafiador de aprendizagem tanto para o aluno quanto para o professor. Para o aluno, porque este passa a constituir-se em sujeito de conhecimento, isto é, alguém que sente o prazer de participar da produção/criação das idéias matemáticas. Para o professor, porque pode encontrar nas Investigações Matemáticas um modo significativo de ensinar, compreender, trabalhar e estabelecer relação com a Matemática, levando os alunos a se interessarem pelas aulas de álgebra, fato pouco comum, atualmente, em nossas escolas.

 

Referências Bibliográficas

 CASTRO, J. F. Um estudo sobre a própria prática em um contexto de aulas investigativas de Matemática. 2004. 197 p. Dissertação (Mestrado em Educação: Educação Matemática). Campinas: FE/Unicamp.

FIORENTINI, D., MIORIM, M. A., MIGUEL, A. Contribuição para um Repensar... a Educação Algébrica Elementar, In: Pro-Posições, Revista Quadrimestral da Faculdade de Educação – Unicamp. Vol. 4, nº 1 [10]. Campinas: Cortez Editora, 1993, p.78-91.

PONTE, J.P. Investigar, Ensinar e Aprender. Actas do ProfMat, 2003 (CD-ROM, p. 25-39). Lisboa: APM.

PONTE, J. P., BROCADO, J., OLIVEIRA, H. Investigações Matemáticas na Sala de Aula. Belo Horizonte: Autêntica, 2003, 149p.

 

 

[1] Título do projeto: “Investigações Matemáticas no Ensino de Álgebra: Estudo de suas Potencialidades Pedagógicas”. Período: Janeiro/2004 a Dezembro/2004.

Financiamento: Fapesp – Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo.

[2] O GdS é constituído por professores da rede pública e particular da região de Campinas, SP, por alunos da Licenciatura em Matemática e da pós-graduação em Educação Matemática da FE/Unicamp e por professores universitários, tendo como coordenador geral o Professor Dario Fiorentini. Este Grupo reúne-se quinzenalmente, aos sábados pela manhã, com o objetivo de realizar eituras, reflexões e investigações sobre a prática de ensino de matemática nas escolas, focalizando principalmente os problemas e experiências da prática pedagógica dos próprios docentes.

[3] Acreditamos que houve um descuido do grupo ao usar a palavra diagonal, quando eles se referiam à palavra horizontal. 

[4] As duas classes em que foram desenvolvidas as IM possuíam em torno de 40 alunos cada uma. Mesmo dividindo cada classe em dez grupos, contendo cada um quatro alunos e tendo cada grupo um roteiro de trabalho cuidadosamente elaborado, foi difícil atender a todos com a atenção e a orientação necessárias.

 
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