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  JOGOS E BRINCADEIRAS NA EDUCAÇÃO INFANTIL POSSIBILITANDO REFLEXÕES SOBRE A PRÓPRIA PRÁTICA DE PROFESSORES QUE ENSINAM MATEMÁTICA

Luana Toricelli - USF
Regina Célia Grando - USF

A presente pesquisa foi desenvolvida em um grupo de formação continuada de professores da Educação Infantil. O tema a ser abordado no curso era a Matemática nesse nível de ensino e tinha por objetivos: (1) oportunizar situações que levassem o professor a explicitar a sua prática docente evidenciando suas crenças e concepções sobre o ensino/aprendizagem de matemática; (2) discutir com o professor o processo de desenvolvimento cognitivo da criança, a partir das teorias existentes, confrontadas com sua prática pedagógica; (3) discutir a necessidade de um ensino contextualizado e a importância das interações na produção de sentidos matemáticos; (4) desenvolver a compreensão de que a matemática é também uma construção histórico/cultural; (5) ampliar os recursos didático-metodológicos que o professor pode utilizar em sala de aula para permitir ao aluno uma compreensão significativa da Matemática; (6) elaborar, em conjunto com o professor, projetos interdisciplinares visando integrar diferentes áreas do conhecimento. A perspectiva de formação de professores subjacente a esse curso buscava romper com o modelo da racionalidade técnica na qual os professores são meros reprodutores de teorias prontas, oferecidas pelos formadores. Nesta perspectiva, entende-se o professor como um produtor de teorias, refletindo e investigando sobre a sua própria prática, mediado pelas reflexões no grupo de formação, pelas contribuições das formadoras (agentes externos) e leituras teóricas.

Desta forma, partindo de leituras e discussões sobre cada tema, era promovido o confronto teoria/prática, tentando inserir o professor em um processo reflexivo de sua prática pedagógica. Para tanto, em cada encontro houve um momento de discussão/reflexão teórica e outro de produção/análise de materiais e atividades para a sala de aula.

Os professores participantes desenvolveram projetos voltados para a sala de aula, que compuseram as horas complementares do curso de extensão e toda a produção no grupo se constitui em material de pesquisa das professoras formadoras e da aluna-pesquisadora de iniciação científica.

O curso aconteceu, durante o segundo semestre de 2004, quinzenalmente, com duas horas de duração, na sala do NEPEM (Núcleo de Estudos e Pesquisas em Educação Matemática), no prédio intercentros da USF, totalizando 30 horas (20 horas presenciais e 10 horas de atividades complementares). Era composto inicialmente por 27 participantes, todos residindo em Itatiba, sendo que 23 participantes eram da rede de ensino do município de Itatiba, 1 representante da coordenadoria de educação e 3 alunas da graduação. Contava também com 2 professoras formadoras e a aluna-pesquisadora do programa iniciação científica.

A formação dessas participantes era diversificada: Pedagogia, Normal Superior, Magistério, desenho e plástica, Matemática, Psicopedagogia e Pós-graduação em educação especial. O tempo de magistério era diversificado entre quatro anos a trinta anos.

A pesquisa a ser apresentada, representa um recorte da pesquisa de Iniciação Científica intitulada “Jogos e brincadeiras como prática social na Educação Infantil: relações entre a matemática e as atividades corporais” . A análise qualitativa foi processada a partir de uma triangulação dos dados. André (1983, p. 69) define o processo de triangulação dos dados da seguinte forma

Triangulação significa a combinação de múltiplas fontes de dados, vários métodos de coleta e diferentes perspectivas de investigação. Comparar e chegar a convergência das informações fornecidas por diferentes informantes, diferentes métodos e diferentes investigadores é uma forma de verificar a propriedade do esquema de classificação dos dados.

Desta forma, foram utilizadas na pesquisa, várias fontes de dados, constituindo a seguinte documentação: questionário inicial (caracterização dos sujeitos); registros reflexivos das professoras participantes; trabalho de investigação; diário de campo da aluna-pesquisadora, avaliação final, entrevista coletiva realizada com duas professoras do grupo. Além disso, a produção do diário de campo era compartilhada pelas professoras formadoras, o que possibilitou múltiplos olhares sobre as atividades realizadas.

A análise processada possibilitou a identificação de quatro categorias: (1) o papel do registro de jogo e da brincadeira; (2) socialização / discussão coletiva entre todos os alunos e professora; (3) jogo e corpo em movimento (ação vivenciada corporalmente); (4) reflexão e investigação dos professores sobre a sua própria prática.

No presente estudo buscamos investigar as concepções de professores que ensinam matemática quanto à utilização de jogos e brincadeiras na Educação Infantil e as possíveis reflexões sobre a sua própria prática. Para tanto, analisaremos as categorias 1 e 3.

A interdisciplinariedade na Educação Infantil

As atividades lúdicas na Educação Infantil promovem uma educação integral da criança, uma educação de “corpo inteiro”. Freire (1997,p12) aponta: “Corpo e mente devem ser entendidos como componentes que integram um único organismo. Ambos devem ter assento na escola, não um (a mente) para aprender e o outro (o corpo) para transportar, mas ambos para se emancipar.”

Para a criança aprender globalmente ela tem que sentir, vivenciar e tornar significativo esse conhecimento, contribuindo para a formação da sua autonomia.

Os jogos e brincadeiras envolvem aspectos sociais, motores, cognitivos, afetivos e morais, sendo de caráter interdisciplinar. Não é possível separar o lúdico do aprendizado e nem classificar se, enquanto se joga ou brinca, está aprendendo Matemática, Português ou Educação Física. Le Bouch (1982, p. 129) aponta que:

 

No estágio escolar, a primeira prioridade constitui a atividade motora lúdica, fonte de prazer, permitindo à criança prosseguir a organização de sua “imagem do corpo” ao nível do vivido e de servir de ponto de partida para sua organização práxica em relação com o desenvolvimento das atividades de análise perceptiva (grifo nosso)

Na Educação Infantil, a criança tem a necessidade de explorar, aprender com seu próprio corpo, sentir os objetos, rolar, saltar, correr, gritar; “neste estágio, a atividade motora, em relação com o adulto ou com outras crianças, traduz a expressão de uma necessidade fundamental do movimento, de investigação e de expressão que deve ser satisfeita.”( LE BOUCH,1982, p.130)

Talvez a melhor forma de satisfazer esse desejo, de explorar e conhecer o novo seja com as atividades que fazem parte da vida das crianças como as lúdicas. As brincadeiras estão muito presentes na Educação Infantil, onde a criança se entrega ao jogo e começa a se sentir parte do mundo, realizando o seu trabalho que é o brincar. A criança cria, imagina, se desenvolve integralmente. “Daí a importância primordial do jogo de nossas crianças. Uma criança que não quer brincar/jogar é uma criança cuja personalidade não se afirma, que se contenta com ser pequena e fraca, um ser sem determinação, sem futuro” (CHATEAU, 1987, p.29). Kishimoto (2000,p. 37) também aponta as potencialidades do jogo educativo desde a Educação Infantil, defendendo que: “utilizar o jogo na educação infantil significa transportar para o campo do ensino aprendizagem condições para maximizar a construção do conhecimento, introduzindo as propriedades do lúdico, do prazer, da capacidade de iniciação e ação ativa e motivadora.”

Quando uma criança brinca, ela está se desenvolvendo tanto cognitivamente quanto em suas habilidades motoras. A criatividade desenvolvida no ato de brincar, a imaginação -que é o primeiro encontro com o mundo abstrato- as negociações que a brincadeira envolve, as experiências corporais; tudo isso se evidencia como favorável ao desenvolvimento de conceitos e habilidades para a expressão e comunicação da criança nas diferentes linguagens, incluindo a alfabetização matemática. Le Bouch (1982,p.130-131) aponta que :

se esta criatividade se expressa inicialmente a um nível dos comportamentos motores e afetivos, ela se traduzirá, mais tarde, pela atitude do organismo de efetuar sínteses novas e explorar no plano mental o que tem experimentado na vivência corporal.

Podemos destacar durante o jogo a criatividade das crianças. Elas criam brincadeiras, situações lúdicas, e por outro lado, quando jogam, criam estratégias.

Nas escolas, esses momentos de criatividade que os jogos e brincadeiras proporcionam ainda não são levados tão a sério por professores, como aponta Grando (1995, p.73) “ Na verdade, elas apreciam as experiências criativas e o seu prazer incomoda aos professores, pois a escola, a princípio, existe para o “trabalho” e este não pode ser brincadeira, jogo.”

Os jogos e as brincadeiras promovem o desenvolvimento da criança, segundo as três estruturas que Piaget definiu (apud MACEDO, 1993): exercício, símbolo e regra.

Os jogos de exercício são os jogos de repetição, em que se tem prazer em realizar aquela função. São as primeiras atividades prazerosas que a criança experimenta com o corpo: repetir movimentos, lançar repetidamente um objeto. A repetição é importante para o desenvolvimento da criança para formar os hábitos, e é fundamental para a criança reconhecer a regularidade, para o aprendizado, inclusive da matemática. A assimilação nesse tipo de jogo é funcional onde a criança aprende pela repetição de uma determinada função no objeto.

Os jogos simbólicos representam o encontro que a criança tem com o mundo da imaginação. A criança “transforma” objetos em carrinhos e pessoas, cria histórias, fantasia. A criança passa a criar e começa a compreender as convenções sociais, por exemplo, se ela brinca de fazer a boneca dormir ela imita a mãe nessa ação, não segura a criança pela perna, mas segura no colo como um bebê. O jogo simbólico é importante para o desenvolvimento da criança, pois essa já começa a argumentar, mesmo que seja pura fantasia; começa a criar e imaginar, começa a fazer relações com o mundo abstrato onde estará todo o seu aprendizado intelectual. A assimilação é deformante, onde os objetos são “deformados” para representar novas coisas na brincadeira. Assim, um cabo de vassoura passa a ser um cavalo.

Os jogos de regra são aqueles em que a criança começa a combinar como será o jogo, quais os objetivos, quem será o vencedor. Se antes se jogava apenas pelo prazer, os jogos de regra já têm mais um objetivo: ganhar. E para se tornar o vencedor a criança tem que começar a fazer antecipações, ser mais estratégico, concentrar-se. O jogo se torna competitivo. Grando (1995, p.71) aponta que “a competição nos jogos garante o dinamismo, o movimento do jogo, propiciando um interesse e envolvimento naturais do aluno e contribuindo para o desenvolvimento social, intelectual e afetivo”.

Quando o grupo de formação continuada da Educação Infantil se constituiu, as participantes possuíam uma concepção diferente sobre como ensinar matemática. Muitas não sabiam o quanto os jogos e as brincadeiras poderiam proporcionar o desenvolvimento integral de seus alunos, de uma forma prazerosa tanto para o aluno quanto para o professor.

No decorrer das atividades pudemos notar que as professoras começaram a perceber o aspecto interdisciplinar possibilitado pelos jogos e brincadeiras. Tal fato se evidencia pelas falas das professoras:

Percebi a importância da matemática na Educação Infantil e que ela não pode ser trabalhada isoladamente, e sim, de uma forma mais ampla indo ao encontro do cotidiano das crianças. Consegui enxergar a matemática em atividades que outrora passara despercebido. (J.A. – af. )

Considero que a participação neste curso me levou a repensar muitas práticas da sala de aula, principalmente com relação ao jogo e suas possibilidades.(...) Percebi o quanto ficamos presas ao contar e registrar quantidades (nem sempre significativas para as crianças) e o quanto podemos trabalhar com o pensamento probabilístico, as diferentes linguagens (gráficos, tabelas..), os registros, as situações problema. (D.F.- r.r. )

Essa perspectiva interdisciplinar foi explorada por várias professoras nos trabalhos finais. A professora C.G. realizou um trabalho interdisciplinar em uma brincadeira de pega-pega, que foi desenvolvida por várias semanas, produzindo um livro coletivo com textos escritos coletivamente sobre a regra do jogo e os registros pictóricos da brincadeira produzidos pelas crianças. Essa produção envolveu interdisciplinarmente a ação motora na brincadeira, marcada pelos movimentos e ação vivenciada corporalmente; a alfabetização em Língua materna a produção, leitura escrita e (re) escrita das regras; e a Matemática na exploração do espaço do papel para a realização da representação pictórica da brincadeira, bem como no controle de variação de quantidades e representação numérica dessas quantidades. Para a professora que, até então não acreditava que seria possível explorar interdisciplinarmente esses conceitos, a realização do trabalho final possibilitou o reconhecimento pedagógico de atividades com jogos e brincadeiras na prática escolar, bem como a possibilidade de realização de um trabalho coletivo e socialização, mesmo em um grupo de Educação Infantil, com crianças de 4 anos.

O papel pedagógico do registro de jogo e da brincadeira

Um dos fatores que contribuiu para a mudança de concepção das professoras do grupo de formação continuada da Educação Infantil foi o registro de jogo e brincadeira elaborado pelas crianças.

Essa mudança partiu de uma atividade que as professoras tiveram que registrar uma brincadeira, desconhecida a elas, e se colocaram no lugar de seus alunos. A partir do registro, elas perceberam a potencialidade desse instrumento para o professor e para a criança e sua aplicabilidade desde a Educação Infantil. A socialização dos registros também foi um ponto forte onde as professoras começaram a “dar a voz” aos seus alunos, sendo que as crianças se sentiram mais motivadas e as professoras compartilhando as atividades com o grupo também se envolveram mais.

Entendemos que na prática da Educação Infantil, os registros podem, na maioria das vezes, se apresentam de três formas: registro oral, registro pictórico e registro textual.

O registro oral (SMOLE et al., 2000) é o registro mais natural da criança, pois ela utiliza sua língua materna. Nesse registro, a criança tem que explicar argumentando logicamente ao professor e colegas o que ela pensou, qual foi sua estratégia.

O registro pictórico - desenho da brincadeira - pode ter diversas funções como: memória do jogo, contar para alguém como foi a brincadeira (comunicação de idéias), controlar quantidades.

O registro textual, em que o professor assume o papel de escriba construindo um texto coletivo das regras e estratégias que sugiram durante a brincadeira a partir do registro oral, é utilizado como memória das regras e pode ser retomado em diversos momentos.

Na prática pedagógica entendemos que os registros assumem papel duplo, pois são importantes para os alunos e também para os professores. O registro pictórico faz a criança tomar consciência de sua ação, desenvolver a noção espacial e também a noção de proporcionalidade. O registro é a expressão da criança, seu olhar do mundo e da brincadeira que realizou. Smole et al. (2000,p18) apontam que “este é um recurso adequado para podermos auxiliar a criança a registrar o que fez, o que foi significativo, tomar consciência de suas percepções”. No desenho muitos aspectos interessantes acontecem. Quando a criança começa a desenhar uma brincadeira, o movimento é muito notado, representado por “rabiscos circulares” sendo que “a ponta do lápis funciona como uma ponte de comunicação entre o corpo e o papel” (Smolle,2000, p. 18). Além disso, o desenho pode se tornar um jogo para a criança, sendo prazeroso. Então, porque o professor não utiliza desse prazer como uma ”ponte” para um aprendizado mais significativo para as crianças? Chateau (1987, p.58) aponta que : “uma das manifestações mais vivas desse amor à repetição encontra-se no desenho infantil que é um jogo de um gênero especial.” Um jogo que possibilita (re)viver a brincadeira, ou seja, jogar novamente.

Outro fator importante para o registro das crianças é o momento de socialização, onde as crianças questionam umas às outras sobre seus desenhos, sendo críticas.

Para o professor, os registros podem se tornar um meio de avaliação para compreender o que a criança está pensando, analisando a evolução dos seus registros. Para Smole et al. (2000, p.25), “as representações pictóricas realmente evoluem se os alunos tiverem chance de brincar muitas vezes, conversar sobre a brincadeira e sobre seus próprios registros”.

Podemos observar na fala da professora SI, a mudança de concepção quanto ao registro da brincadeira e a importância do registro para professor e aluno:

Também compreendi a importância do registro após a brincadeira, pois faz com que os alunos reflitam sobre suas ações e permite ao professor perceber se os alunos observaram, aprenderam e se apropriaram dos aspectos mais relevantes que foram estabelecidos como meta ao planejar a brincadeira (S.I.- a. f.)

As professoras realizaram atividades com suas salas de aula e perceberam essa evolução dos registros das crianças. A fala da professora AM reforça o quanto o registro proporcionou momentos de reflexão sobre a sua própria prática:

Achei importante ter conhecido melhor o significado do registro, tanto feito pelos alunos como do próprio professor, tudo isso me fez refletir sobre a minha prática. (AM, a.f.)

Já o registro dos pontos de um jogo se mostrou interessante para ambos: aluno e professor. Para o aluno é importante para haver um controle sobre o jogo, quem está ganhando; e para o professor para analisar os tipos de registros, os símbolos utilizados. As representações matemáticas começam a aparecer de maneira mais significativa.

Uma outra professora, ao analisar os registros das crianças, refletiu sobre sua prática em sala de aula e com o acompanhamento das discussões do grupo e leitura teórica, pôde perceber onde ela poderia melhorar:

Após a brincadeira [amarelinha] pedi que fizessem o registro da mesma e socializamos os registros durante a roda [discussão coletiva]. (...) Realizamos a brincadeira por algumas semanas consecutivas sempre conversando sobre como foi a brincadeira. Então, pedi novamente que fizessem o registro da mesma atividade através do desenho. As crianças começaram a acrescentar elementos, desenhando as crianças na brincadeira, além de representar a jogada, desenhando a pedrinha na casa. Acredito que se tivesse realizado também o registro durante todas as semanas em que brincaram, este pudesse ter evoluído mais. Percebo que esta foi uma falha minha, já que é através do registro que a criança tem a tomada de consciência. (IA,t.i.)

Os registros das crianças foram analisados nos trabalhos finais (trabalho de investigação) das professoras. Selecionamos alguns desses registros e análises realizadas pelas professoras como objeto de estudo dessa pesquisa.

Um dos registros que se destacou, foi de uma brincadeira de “bola ao cesto”. Nesse registro, a professora ressaltou que o mais importante para a criança foi destacar o movimento que a bola executou nessa brincadeira. Nesse caso, tanto o movimento da bola, desenhando várias bolas em uma trajetória parabólica até o cesto, quanto a disposição espacial das crianças em fila e a distância da fila ao cesto, foram considerados pela criança.

Um outro registro que nos chamou a atenção foi de uma brincadeira “pega caxixi”. Ao analisar esse registro, a professora destacou que, nessa brincadeira, em que as crianças ficam separadas em dois grupos e numeradas e devem pegar um objeto (caxixi) no centro, quando a professora falava o número respectivo das crianças (duas crianças, uma de cada fila), a criança, em um primeiro registro, valorizou a disposição espacial das filas e sua “vista de cima”, bem como a quantidade de crianças em cada grupo. Em um outro registro dessa mesma brincadeira, a criança passa a valorizar outros aspectos, como a contagem dos pontos. Neste segundo registro, a professora analisou a evolução do registro da brincadeira pela criança, quando passa a valorizar a contagem dos pontos do jogo e, não mais, a disposição espacial das crianças na brincadeira.

Além disso, a professora destacou que os símbolos matemáticos surgiram para registrar a memória dos pontos naquela brincadeira. Sendo assim, conclui que a criança começou a depurar seus registros e perceber quais eram os fatores importantes e significativos para registrar.

Quanto aos registros textuais produzidos pelas professoras (escribas) durante as situações de jogos e brincadeiras, notamos que estes passaram a ser vistos como interdisciplinares com o processo de alfabetização em Língua materna das crianças. As professoras escreviam as regras e estratégias desenvolvidas pelas crianças, após esta prática, liam com os alunos os registros escritos para que pudessem depurar o texto, produzindo um texto coletivo que considerassem mais significativo, tudo isso em um processo de socialização e negociação de idéias e significados.

Conforme descrito anteriormente, o trabalho de investigação desenvolvido pela professora C.G. que, estando participando de um curso sobre alfabetização em Língua Materna (PROFA), construiu com as crianças um livro coletivo com as brincadeiras prediletas dessas (levantamento estatístico com as crianças), descrevendo: as regras das brincadeiras (texto coletivo que passou por várias (re)escritas, tendo a professora como escriba) e registros pictóricos de algumas crianças (selecionados pelo grupo de crianças como os mais significativos para representar a brincadeira). Vale ressaltar que, no momento da escrita das regras, algumas foram modificadas pelas próprias crianças no sentido de tornar o jogo mais justo e adequado à realidade daquele grupo. Nota-se, com essa atitude, os aspectos morais que podem ser considerados em situações com jogos e brincadeiras.

Portanto, observamos que os registros dos jogos e brincadeiras, desde que sejam realizados com um objetivo específico e educacional, se mostraram de grande importância para a (re) significação pelas professoras dos saberes matemáticos envolvidos na prática com jogos.

Jogo e “corpo em movimento”

Os jogos e brincadeiras envolvem ludicamente aspectos matemáticos e corporais de diferentes formas. A criança quando explora atividades com o seu próprio corpo atribui um maior significado para essa atividade visto que se relaciona com ela e aprende / apreende a partir de seus sentidos: tocando, cheirando, vendo, ouvido e, conseqüentemente, experimentando e experienciando. Não podemos pensar que a criança é apenas um cérebro sem corpo e que ela aprende só por um ou dois sentidos, a criança para se desenvolver integralmente tem que estar em movimento, trabalhando todo o seu corpo e mente simultaneamente como aponta Emerique (2003,p 47): “o corpo é a nossa historia, nos acompanha, muda com os nossos movimentos que, se mecânicos, podem também levar à alienação dos automatismos, na rotina e na mesmice das ações”.

Em alguns jogos podemos identificar aspectos matemáticos que também podem ser explorados, como o jogo das ilhas e a dança das cadeiras . Nesses está implícito o construto de correspondência um a um, que é fundamental para a criança desenvolver o conceito de número. Conforme o desenvolvimento do jogo, a criança tem que ter raciocínio lógico e tomada de decisões rápidas para poder saber qual o momento certo de poder parar na ilha, qual o movimento corporal que ela tem que realizar entre outras atitudes que ela tem que tomar durante o jogo.

Quando uma pessoa joga, os movimentos corporais estão implícitos nesse ato. Ás vezes, o corpo não é muito notado, mas sem ele, o jogo não aconteceria.

Até nos jogos de tabuleiro, o corpo está presente, na ação que o jogador realiza com as peças, como, por exemplo, na busca por um melhor “ângulo de visão” do tabuleiro para poder elaborar uma melhor estratégia, além da movimentação relacionada às diferentes formas de expressão das emoções e sentimentos no jogo.

Nas brincadeiras, o envolvimento do lúdico com o corpo é muito maior, pois para acontecer, ambos tem que estar presentes.

Desde os jogos de exercício, definidos por Piaget, notamos que o corpo está envolvido nesse prazer: em realizar movimentos repetitivos, em testar novos possibilidades de movimentar e dominar essa “máquina” que é o nosso corpo. Quando a criança inicia nos jogos simbólicos, o “faz de conta”, o corpo se torna a ferramenta principal para realizar seus desejos. Quando uma criança brinca de escolinha, por exemplo, ela representa a interpretação que ela dá à vida real, com os mesmos movimentos, gestos e ações que uma professora, no seu entender, realizaria.

Nesse movimento da brincadeira, a “energia do jogo” (FREIRE, 2002) é muito grande, pois as crianças brincam o dia todo e parecem que nunca se cansam. Freire aponta que: “o que nos cansa não é o esforço físico, é a angústia (p19)”. Nesse aspecto, a criança não se cansa tão facilmente, pois o seu mundo é totalmente lúdico, ela está brincando, jogando quase a maior parte do dia. Mas, quando a criança começa a crescer, as responsabilidades do mundo real começam a surgir e ela vai se separando do mundo do jogo, podendo jogar apenas quando tem um tempo livre. Então, nesse tempo, ela usa toda a sua energia acumulada para jogar e criar, como aponta Freire (2002, p. 29):

Há uma imensa sobra de energia que precisa ser gasta, mas não apenas porque está sobrando, mas porque precisa ser transformada na matéria mais importante de nossa existência: a cultura humana. Ora, se quando escapamos à realidade produzimos cultura, sem dúvida alguma essa cultura é sempre produzida na atividade lúdica.

No grupo de formação continuada da Educação Infantil, também notamos a “energia do jogo” quando realizamos jogos e brincadeiras com as professoras. Em um encontro realizado na quadra de esportes, as professoras vivenciaram brincadeiras corporais. Durante a brincadeira, jogo das ilhas, cada professora ficou em pé em cima de uma folha de jornal, correspondência termo a termo. Depois, foram retiradas algumas folhas e quando parava a música elas tinham que se agrupar conforme fosse solicitado: pelo menos duas pessoas, pelo menos três... Após o desenvolvimento dessa atividade, discutimos a questão da linguagem: “pelo menos...”, e por que elas não ficaram todas juntas desde o começo se distribuindo nas ilhas. Uma respondeu: “Porque gostamos de brincar...”(D.C .).

O jogo foi interessante visto que não houve exclusão de ninguém e a cada nova proposta de agrupamento elas já estavam elaborando estratégias de como colocariam todas as participantes na ilha.

Realizamos uma outra atividade com os professores: uma dança circular denominada Irish Mandala. A dança circular é uma dança tradicional com origem na Escócia e acontece em grandes praças públicas.

Nas danças, muitos símbolos estão presentes, o mais evidente é o círculo que representa a totalidade, não destaca ninguém, de forma que ao partirmos de algum lugar sempre retornamos a ele. Além disso, a dança reúne pessoas diversificadas “numa experiência de convivência e de interesses comuns em valores humanos, tanto na vida pessoal como na coletiva.”(COELHO, 2004, p.225). Segundo Carvalho (apud COELHO, 2004, p.225):

- a dança está presente em todas as culturas, porque é parte essencial da vida dos povos;

- através dela, fundimos os estímulos externos com os nossos próprios e, assim, falamos a sincera linguagem do corpo;

- por sua força de manifestação de vida, as Danças antigas resistiram ao tempo e chegaram aos nossos dias: danças sentidas e realizadas em sua forma mais pura, e que são a síntese perfeita entre corpo e espírito;

- através das danças, irmanamo-nos com povos distantes no tempo, e com o significado de seus rituais e celebrações.


Além da dança ser uma prática social de diversas comunidades, podemos observar que durante a dança realizada com as professoras do grupo de formação, foram realizados gestos e sentimentos de prazer de estar dançando e de estarem participando de uma atividade que as levou à imaginação. Muitas diziam: “Há ,me sinto uma princesa com aqueles vestidos enormes”, dando significado para o prazer do jogo simbólico, do “faz de conta”, que é tão fundamental para o contato da criança com momentos que propiciam a imaginação. De certa forma, a aprendizagem em Matemática depende de processos imaginativos, que envolvem, por exemplo, a imagem mental de um objeto matemático, o estabelecimento de regularidades, a representação de objetos e relações matemáticas, etc.

Depois da dança, sentamos em roda para discutir o que foi mais marcante nesse jogo cooperativo que compartilha os sentimentos. Disseram que se soltaram, distraíram, que era o que elas precisavam para finalizar o dia; que na atividade teria que tomar cuidado para não errar para não prejudicar o colega e que o erro não era tratado como algo ruim, pois o erro faz parte e todos tentaram e que o “todo” ficou harmonioso não sendo prejudicado pelo erro. Todos se ajudaram, houve cooperação para que a dança fosse realizada. Algumas até tiveram a auto estima melhorada dizendo: “ Eu nunca acerto, mas no final eu acertei”.

Essa prática de se sentar em rodas, conversar sobre os sentimentos é uma prática da Educação Infantil, que possibilita às crianças lidar com o jogo e a brincadeira de forma afetiva, identificando os diferentes pontos de vista e sentimentos relacionados a uma mesma atividade. Defendemos que esta também deva ser uma dinâmica a ser adotada nos cursos de formação de professores que envolvem jogos, visto que, como aponta Emerique (2003, p.9):

penso que o impacto desses cursos se deve, em grande parte, ao fato de integrar, em suas apresentações, os momentos de jogar/brincar, sentir e pensar: a cada encontro, às atividades lúdicas propostas seguia-se a roda de conversa, sempre acolhedora, para expressão das emoções vivenciadas (quaisquer que fossem), e discussão das aplicações na vida e na prática de cada um e de todos.

Todas essas características são marcantes na atividade lúdica, onde a atividade se faz pelo prazer em si mesma. Na dança, o jogo de exercício foi presente no movimento de repetição. O jogo de exercício não foi o mesmo durante a atividade. Mesmo tendo a regularidade, ele não foi “chato”, os passos mudavam conforme o parceiro.

Para a matemática o jogo de exercício é importante devido à sua regularidade. A busca por padrões e regularidades é uma característica sócio-cultural do ser humano. Por isso somos capazes de identificar beleza e nos interessamos, por exemplo, em objetos que sejam simétricos e fenômenos que sejam regulares. Quando percebemos a regularidade na Matemática, podemos generalizar.

Também foi percebida, na dança, a presença do jogo simbólico. Por exemplo, o vestido imaginário que não podia “amassar”. A criança depende do jogo simbólico para o desenvolvimento cognitivo e moral. Quando a criança brinca, por exemplo, com uma vassoura fazendo de conta que é um cavalo, além da deformação do objeto (assimilação deformante), sua imaginação vai além, sendo o primeiro contato com o mundo abstrato, onde se encontra a Matemática.

O jogo de regras foi apresentado na atividade como o ritmo, seqüência de movimentos, formação em círculo. As regras estão implícitas na nossa sociedade. Aprender a ouvir o outro, buscar soluções, é uma produção matemática coletiva de resolução de problemas, como aponta Riccetti ( p 19):

Fazer matemática é expor idéias próprias, escutar as dos outros, formular e comunicar procedimentos de solução de problemas, confrontar, argumentar e procurar validar seu ponto de vista, antecipar resultado de experiências não realizadas, aceitar erros, buscar dados que faltam para resolver problemas, entre outras coisas.

Em uma outra atividade, foi proposto às professoras que “escrevessem” com o corpo, letras. Foi proposto para que elas formassem, todas juntas, a letra M. Ouvimos discussões sobre que a “perninha” do M estava menor de um lado, que desse lado é W do outro é M – identificando o ponto de referência de quem estava propondo a brincadeira.

Depois, elas teriam que formar outras letras como o P, o S e o R. Percebemos que para formar a letra P não houve problema, pois não tiveram preocupação com a simetria da letra; já a letra S houve um conflito enorme entre as participantes, pois a letra estava saindo espelhada; já a letra R não apresentou problema.

Depois de realizada a atividade, discutimos sobre o que aconteceu. Mostraram as diversas estratégias que foram necessárias como: referencial de quem está olhando a letra, proporcionalidade e simetria, não desmanchar a letra inteira para formar outra, pensar antes de ir fazendo. Foi perguntado se todo mundo palpitou, então algumas disseram que não, pois já havia alguém comandando então não haveria como todo mundo falar. Esse é o processo de negociação para resolver um problema em grupo.

Também foi realizado o jogo de boliche e relacionado com a matemática (registro e ação no jogo). A noção espacial, o movimento com o corpo e com a bola, as investigações que ocorreram na hora de lançar a bola: mais fraco, mais forte, mais para a direita, foram fundamentais para desenvolver a lateralidade, desenvolvimento motor com o corpo, em movimento. O cálculo mental também ocorreu nesse jogo, na contagem dos pontos das garrafas derrubadas.

O registro desse jogo mostrou o que era mais significativo: a contagem de pontos (durante o jogo), a representação no espaço da folha de papel, o movimento do jogo, a quantidade de crianças brincando (após o jogo).

Se toda essa criatividade está ativa durante uma atividade lúdica, o aprendizado integral da criança com brincadeiras se torna mais significativo e prazeroso. Isso também ocorre para o professor que se envolve, brinca junto, aprendendo e ensinando. Motiva-se ao ver seus alunos resolvendo problemas que surgem durante a brincadeira.

Freire (2003) discute a motricidade humana, que é a mais caótica e menos completa do que dos outros animais. Quando nascemos, temos que aprender todos esses movimentos com o nosso corpo. Ainda na Educação Infantil, os movimentos estão em pleno desenvolvimento; a coordenação motora desenvolvida nesse período acompanhará até o fim de sua vida. Com o jogo, esses movimentos poderão se aperfeiçoar, como aponta Freire (2002): o jogo ajuda a não deixar esquecer o que foi aprendido; o jogo faz manutenção do que foi aprendido; o jogo aperfeiçoa o que foi aprendido.

Esse aprendizado motor pode ser desenvolvido através das brincadeiras. Notamos esse movimento na fala da professora M:

“(...) a gente foi brincar de pular corda e eu achei que eles sabiam pular corda, era 1ª vez que eu ia brincar com eles e a maioria não sabia pular corda, eles nunca haviam aprendido, ninguém os ensinou a pular corda. Então eu tive que ensina-los como pular corda, então um vem com outro dando dica, você tem que fazer assim porque você não consegue ver o tempo da corda; tudo isso, porque nunca teve ninguém que ensinasse como é que brincava de pular corda “ (profª. M-e.c .)

Esse movimento do professor interagir com seus alunos, arriscando-se, experimentando novas formas de ensinar, acontece com o uso de jogos no ensino. Se o professor não se arrisca, perde a possibilidade de aprender junto com seus alunos. O processo de “ensinagem” (EMERIQUE,1999), não acontece. Para esse autor, ensinar e aprender fazem parte do mesmo processo e ocorrem de forma dialética, daí o termo “ensinagem”. Esse mesmo autor aponta que:

Considerando o vínculo que abrange o pensar, o sentir e o agir, acreditamos que ao educador está posto o desafio de imaginar novas metodologias e pesquisar estratégias alternativas para uma ensinagem mais abrangente, envolvente, participativa, multidisciplinar e inserida na realidade, vendo, no lúdico, uma possibilidade de construir essa ponte entre o real e o imaginário(...) (EMERIQUE,1999,p.188)

Após as professoras vivenciarem diversas atividades lúdicas, elas colocarem-se no lugar de seus alunos e perceberam que o jogo pode se tornar uma “ferramenta” prazerosa para a aprendizagem integral da criança, principalmente na Educação Infantil. Este fato se evidencia na fala das professoras:

“O aprender com o corpo e não apenas com a cabeça, a tomada de consciência de si próprio aprimorando outros aprendizados como a noção de espaço, força e perceber-se como “ser” no mundo. ” (profª. C. - r.r)

“O jogo é uma maneira lúdica de se trabalhar noções/ conceitos importantes dentro da matemática, pois permite que a criança se envolva de corpo inteiro, estabelecendo relações espaciais, tomando consciência do seus próprios limites e dificuldades e procurando supera-los.” (profª. D.-r.r.)

“É através dos jogos que a criança usa não só a mente, mas também o corpo inteiro como: brincando, expressando seus sentimentos, movimentando,...

Quanto mais brincadeiras eu der para os meus alunos, mais vou desenvolvendo as relações espaciais, as formas, o tempo, etc.” (profª. A.- r.r.)

“(...) as brincadeiras são uma excelente ferramenta de trabalho para que o professor desenvolva com as crianças não só os conhecimentos matemáticos, como também a motricidade, noção espacial, leitura e escrita (reescrita das regras), convivência social, e vá saindo do seu egocentrismo, próprio dessa fase, caminhando para a sua autonomia.” (profª. C. a.f..)

 

Dessa forma, os jogos e brincadeiras proporcionaram momentos de aprendizagem interdisciplinar, envolvendo diversos conhecimentos sem haver uma separação.

Durante a brincadeira, as crianças movimentam-se, interagem com as outras, desenvolvem-se e “(..) vai aproximando cada vez mais pensamento e ação, e tanto mais hábil se torna, até um ponto em que ambos ocorrem praticamente ao mesmo tempo” (FREIRE,2002 p.98)

A mudança de concepção das professoras sobre a Matemática

Após a vivência com jogos e brincadeiras em que as professoras puderam brincar entre elas, analisar os seus jogos, aplicar com seus alunos da Educação Infantil, analisar as brincadeiras desses alunos, registrar impressões sobre as atividades desenvolvidas, realizar leituras teóricas sobre o assunto e discutir no grupo de formação os resultados obtidos, ocorreu a avaliação final do curso. Nesse momento, as professoras manifestaram um novo “olhar” para a Matemática, possibilitando:

• uma mudança de concepção em relação à natureza da Matemática:

Nos foi permitido conceber a matemática na Educação Infantil com um novo olhar onde o jogo e as brincadeiras, principalmente, passaram a ser ferramentas importantes de trabalho e não apenas uma opção de lazer e entretenimento (RA, a.f.)

Sendo a Matemática uma área difícil de se trabalhar, com o curso ficaram claras algumas questões como a utilidade dos jogos, do lúdico, das hipóteses e tentativas dos alunos, enfim, da importância de oferecer oportunidades de acertos e erros aos discentes, refletindo junto com eles sobre as dificuldades e descobertas.(AA;a.f.)

Outro aspecto que se destacou foi a troca de experiências e as diferentes possibilidades de trabalhar a alfabetização matemática com os alunos. Percebi o quanto ficamos presas ao contar e registrar quantidades (nem sempre significativas para as crianças) e o quanto podemos trabalhar com o pensamento probabilístico, as diferentes linguagens (gráficos, tabelas...), os registros, as situações-problema. Penso que os encontros quinzenais oportunizaram momentos de revisão e replanejamento da prática e possibilitaram a realização de trabalhos com os alunos para posterior discussão nos encontros seguintes (DF;a.f.)

Após as atividades do grupo, as professoras refletiram sobre suas práticas, mudando o olhar sobre a matemática, ampliando o seu ponto de vista, ou seja, que esta Ciência não é composta apenas por números e quantidades. Muitos outros aspectos, da própria rotina de atividades da Educação Infantil, podem ser momentos de aprendizagem matemática, como a seqüência lógica de uma história, a organização na sala de aula – disposição de mesas e cadeiras -, as brincadeiras e jogos na aula de Educação Física, retirar e guardar os brinquedos do armário, o controle do tempo no calendário, o tamanho do papel para fazer um desenho, o levantamento estatístico quanto a preferências de animais, comidas, esporte, brincadeira, etc.

Outro aspecto evidenciado pela avaliação final foi de que as professoras passaram de “reprodutoras” de teoria, para professoras capazes de construir teoria, juntamente com seus alunos. Podemos observar esse movimento no depoimento da professora CG:

agora é um novo olhar sobre a teoria que a gente já viu em outras situações, o meu olhar com a teoria, é isso que eu notei, o meu olhar para aquilo que eu estou estudando é outro. Tá sendo legal, porque é aquela coisa, hoje eu sou professora pesquisadora, há um tempo atrás eu incorporava uma prática dos cursos, e que faltava só confirmar se tal coisa acontecia realmente do jeito que estava escrito no livro. Eu lia o texto e observava, questionava para confirmar aquilo que eu li. Aqui eu tô percebendo que eu posso construir também esse tipo de coisa. Outras coisas vão surgindo quando se está pesquisando. Eu posso construir uma teoria a partir da minha prática. (CG;d.c.) (grifo nosso)

Portanto, nas atividades realizadas no grupo de formação, pudemos nos envolver com a prática com jogos e brincadeiras tanto corporais quanto com jogos de tabuleiro. Além disso, dinâmica do professor vivenciar as atividades lúdicas, apoiado em leituras teóricas e discussão no grupo, aplicando atividades com seus alunos, analisando e refletindo sobre sua própria prática, evidenciou que a teoria e a prática podem fazer sentido para o professor.

As professoras foram se envolvendo e acreditando cada vez mais a partir da dinâmica de elaboração, aplicação e análise das atividades desenvolvidas pelas crianças, bem como pela análise dos registros produzidos pelas crianças. Tais aspectos possibilitaram às professoras refletirem e mudarem “seus olhares” sobre atividades com jogos e brincadeiras, considerando-os como uma “ferramenta” para a aprendizagem mais significativa da criança.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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BOULCH, Le. O desenvolvimento psicomotor: do nascimento até os 6 anos. Porto Alegre, Artmed, 1982, 220p.

CHATEAU, Jean. O jogo e a criança. São Paulo, Summus, 1987,139p.

COELHO, Sonia Regina. Educação matemática e corpo In Etnomatemática: papel, valor e significado. São Paulo, Zouk , 2004.

EMERIQUE, Paulo Sérgio. Isto e aquilo: jogo e “ensinagem” matemática In: BICUDO, Maria Aparecida Viggiani (Org.). Pesquisa em Educação Matemática: Concepções & Perspectivas. São Paulo, Editora da UNESP, 1999, 313p.

EMERIQUE, Paulo Sérgio. Brincaprende: dicas lúdicas para pais e professores. Campinas, Papirus, 2003, 64p.

FREIRE, João Bastista. Educação de corpo inteiro: teoria e prática da educação física. São Paulo, Scipione, 1997, 224p.

FREIRE, João Batista. O jogo entre o riso e o choro. Campinas, Autores Associados, 2002,125p.

FREIRE, João Batista. Educação como prática corporal. São Paulo, Scipione, 2003, 183 p.

GRANDO, Regina Célia. O jogo e suas possibilidades metodológicas no processo ensino-aprendizagem da matemática. Dissertação (Mestrado em educação) FE/UNICAMP. Campinas, SP, 1995,175 p.

GRANDO, Regina Célia. O jogo e a matemática no contexto da sala de aula. São Paulo, Paulus, 2004, 115p.

MACEDO, Lino de. A importância dos jogos de regras para a construção do conhecimento na escola. São Paulo, USP/ Instituto de Psicologia, 1993.

KISHIMOTO, Tizuko Morchida. O jogo e a educação infantil. São Paulo, Cortez, 2000.

RICCETTI, Vanessa Pugliese. Jogos em grupo para educação infantil. In: SBEM. Educação matemática em revista, número 11, ano 8 p. 18 – 25.

SMOLE, Kátia Stocco; DINIZ, Maria Ignez; CÂNDIDO, Patrícia. Brincadeiras infantis nas aulas de matemática. Porto Alegre, Artmed, 2000, 84 p.

 
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