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  A FORMAÇÃO CONTINUADA DE EDUCADORES E PROFESSORES DE JOVENS E ADULTOS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO JOÃO DEL-REI

Maria Lúcia Monteiro Guimarães - Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ

Resumo
A Universidade Federal de São João del-Rei desenvolve um projeto de formação continuada de educadores e professores que atuam na educação de jovens e adultos através de um projeto de extensão aprovado pelo PROEXT/ MEC/ SESu desde 2003, voltado para a formação desses educadores dos municípios da Região das Vertentes. Além de aulas presenciais, realizamos visitas técnico-pedagógicas aos locais onde a EJA acontece e procuramos sensibilizar os dirigentes municipais para implementação de políticas públicas. Tais ações possibilitaram a criação do Núcleo Vertentes de EJA e culminaram na implantação do Fórum Vertentes de EJA.

Introdução

O Brasil inicia o século XXI com uma grande dívida social. Em contrapartida, vê-se um esforço da sociedade para promover a diminuição dos desequilíbrios sociais. No que se refere à educação, além de garantir o ensino fundamental a todos os brasileiros, é necessário implementar políticas públicas de Educação de Jovens e Adultos com a finalidade de promover a igualdade de condições sócio-educativas aos excluídos do alfabetismo em tempos de avanços de tecnologia informacional.
Parceira no processo de amenização dessa dívida, a universidade pública tem como função desenvolver ações que contemplem à indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. Nesse sentido, a universidade precisa transpor seus muros acadêmicos e interferir nos espaços sociais que a circundam, ao mesmo tempo em que é questionada por estes para dar respostas mais efetivas e eficazes às suas demandas, construindo assim o conhecimento sobre os fatos sociais, juntamente com os atores envolvidos.
Fundamentados nesta premissa, duas professoras do Departamento das Ciências da Educação – Deced, duas técnicas administrativas, com formação no curso de Pedagogia e oito acadêmicos da Universidade Federal de São João del-Rei – UFSJ, elaboraram o Projeto de Extensão denominado Formação continuada de educadores e professores que atuam na educação de jovens e adultos dos municípios da Região das Vertentes que, após ter sido selecionado internamente na Instituição, foi submetido à apreciação do MEC/SESu, PROEXT 2003, tendo sido aprovado nessa instância e novamente obtido aprovação para a continuidade em 2004/2005.
Para realização do referido Projeto, foram estabelecidas parcerias com quinze municípios mineiros, pertencentes à Associação dos Municípios da Microrregião do Campo das Vertentes – AMVER, além de entidades como a Superintendência Regional de Ensino de São João del-Rei, as Associações de Moradores das Águas Santas e de César de Pina e o Fórum de Desenvolvimento Comunitário dos Municípios da AMVER e do Projeto CLAREAR uma organização não governamental.
Objetivou-se com esse projeto o desenvolvimento da formação continuada de educadores e professores dos municípios envolvidos, possibilitando aos educadores o acesso e interpretação das políticas públicas de EJA; a aquisição de habilidades específicas a sua prática educativa; a reflexão sobre as ações desenvolvidas nas salas de aula. Além desses objetivos, o Projeto apresentou, como uma de suas principais metas, a de estreitar relações entre a universidade e a comunidade, constituindo-se num espaço de socialização e democratização dessa modalidade de ensino na região, visando à criação do Fórum Vertentes de EJA.
Vale ressaltar a importância de se construir políticas públicas para pessoas jovens e adultas considerando-se a participação de diferentes setores da sociedade civil e governo, entrecruzando-se olhares múltiplos e singulares dos sujeitos envolvidos.
O Projeto teve início em setembro de 2003, com contatos iniciais e reuniões para implantação e implementação das ações, inicialmente no município de Ritápolis e Lagoa Dourada, por solicitação dos dirigentes municipais de educação, que possuíam um número considerável de pessoas não escolarizadas. Nesses municípios, foram realizadas visitas in loco e assessorias pedagógicas aos professores alfabetizadores subsidiando as atividades desenvolvidas, bem como a aprendizagem dos alunos e o planejamento de atividades alternativas.
Em 10 de fevereiro de 2004, realizou-se um seminário, na UFSJ, com a presença do Reitor, da Pró-Reitora de Extensão, do presidente da Associação dos Municípios da Região do Campo das Vertentes - AMVER, da representante da Superintendência Regional de Ensino de São João del-Rei - SRE e do Professor Doutor Leôncio José Gomes Soares, da UFMG, que proferiu palestra sobre a história de EJA no Brasil para os dirigentes municipais das quinze cidades parceiras, professores, educadores e alunos de graduação interessados na temática.
Após o seminário, foram realizadas oito reuniões mensais das quais participaram diretamente cerca de 70 educadores comprometidos com o ensino de EJA, que atenderam a aproximadamente 1.200 alunos.
De forma geral, para os municípios envolvidos, este Projeto possibilitou o aperfeiçoamento dos educadores, o enriquecimento de suas práticas pedagógicas, além de ter promovido a articulação, socialização e interferência nas políticas públicas por meio da sensibilização da maioria dos dirigentes municipais. Cabe ressaltar a participação de professores dos municípios envolvidos em quatro reuniões do Fórum Mineiro de EJA em Belo Horizonte.
Através dos encontros, verificamos que em cinco municípios já havia ações mais efetivas de EJA, cabendo-nos a implementação dessas por meio de intervenções pedagógicas que visassem à consecução dos objetivos e metas previstos pelo Projeto.
Foi solicitada, a partir das discussões ocorridas nos encontros, assessoria a seis dos 15 municípios participantes, para elaboração de projetos com vistas à adesão ao Programa Brasil Alfabetizado, financiado pelo FNDE/2004, pleiteando e obtendo os recursos financeiros para implantação e implementação das atividades em EJA. Nossa meta, nesses seis municípios, foi dar continuidade às ações educativas deste projeto, no que se referem à formação de alfabetizadores e ao próprio processo de alfabetização e letramento. Fez-se necessário uma ação política mais efetiva nos outros quatro municípios, uma vez que ainda não estavam sensibilizados o suficiente para implantação e implementação dessa modalidade de ensino.
Como resultado, efetivamos um encontro com os prefeitos e secretários de educação recém-eleitos, em janeiro deste ano de 2005, para firmarmos um compromisso de apoio às iniciativas já existentes nesses municípios. Por meio de relatos de experiências bem sucedidas nos municípios, tentamos ainda sensibilizar os novos dirigentes municipais para a continuidade dos projetos e a importância da adesão a projetos governamentais, enquanto os seus municípios não assumem a EJA como uma efetiva política pública de educação.
Segundo Leitão (2003), é necessário instigar o desejo e adesão daqueles que tecem em seu cotidiano o fazer educacional, em especial no da Educação de Jovens e Adultos acendendo a vontade política de mudanças nesse cenário. Acreditamos, contudo, que não basta sensibilizar os protagonistas de EJA, é necessário dar continuidade às reflexões, aos investimentos e às discussões sobre modos de gestão para que as iniciativas dessa modalidade de ensino se consolidem como política pública na região, com reflexos na política nacional. É papel imprescindível da universidade construir juntamente com os atores de EJA as especificidades dessa modalidade de ensino, buscando nessa parceria com a sociedade estratégias que visem à desnaturalização dos tradicionais currículos, métodos, espaços e tempos por meio do desenvolvimento de pesquisa/ação que busque respostas para questões como: ? quem são os alunos de EJA? – que trajetórias marcam suas histórias de vida? – que relações estabelecem com o mundo letrado e o mundo do trabalho? – quem é o educador/a de EJA? – que saberes o circundam? – o que fazem e como fazem? – que papel exerce o professor de EJA na construção, reconhecimento e valorização da subjetividade dos educandos?

Objetivos

O objetivo geral traçado para o projeto é prosseguir com os processos de formação continuada dos educadores e professores que atuam na EJA nos municípios das Vertentes de Minas Gerais.
Como objetivos específicos desse Projeto estão:
• ampliar as discussões teórico-metodológicas que perpassam o processo de alfabetização e letramento dos alfabetizandos da EJA, enriquecendo o capital cultural dos atores envolvidos, fornecendo aos educadores/professores estratégias para diagnosticar o nível de letramento de seus educandos, na fase inicial da escrita e criando oportunidades de leitura e escrita que ampliem os conhecimentos dos educadores e educandos envolvidos;
• estabelecer espaços para reflexão por parte dos educadores e professores do seu papel como profissional articulado a sua inserção social e cultural e na ampliação do acesso dos alfabetizandos aos bens culturais, organizando possibilidades de acesso das professoras, educadoras e alunos a eventos culturais;
• propiciar o desenvolvimento de competências e estratégias para construção de currículos e métodos condizentes com as especificidades de EJA, possibilitando a discussão das práticas pedagógicas de EJA, nos espaços educativos, entre os participantes do Projeto, com vistas à elaboração de currículos;
• possibilitar discussões sobre as políticas referentes a EJA para implantação e implementação dessa modalidade de ensino nos municípios do Campo das Vertentes, facilitando o entendimento dos participantes quanto à articulação com os sistemas municipal, estadual e federal;
• contribuir na implementação, fortalecimento e acompanhamento das políticas públicas, por meio da socialização de reflexões e ações gestadas no Fórum Vertentes de EJA, favorecendo o funcionamento das ações do Fórum Vertentes de EJA;
• fazer emergir os saberes dos professores, na perspectiva de construção do conhecimento em rede, por meio de uma metodologia de pesquisa-ação, proporcionando aos educadores/professores de EJA uma intervenção na realidade da qual são protagonistas na condição de pesquisadores;
• ampliar os conhecimentos teórico dos acadêmicos e demais participantes envolvidos no projeto, com vistas à produção de conhecimento científico, orientando as inserções em campo, a categorização dos dados coletados na pesquisa-ação e o processo de escrita dos textos acadêmicos.

Metodologia

Este Projeto tem como fio condutor a formação continuada que privilegia “a presença de saberes, tecidos nas redes de conhecimento que constituem o cotidiano de diversas instituições” fazendo emergir em diferentes momentos uma série de alternativas de ação (Paiva, 2003, p. 9).
São propostos momentos em que os professores/educadores têm a oportunidade de falar, registrar suas práticas e experiências e, dessa forma, podem tentar compreender o que revelam/ocultam.
A EJA, como modalidade da Educação Básica, não pode ser pensada como uma oferta menor e menos importante. Segundo Paiva (2002), ela, como modalidade, é um modo próprio de fazer a educação básica, modo esse determinado pelos sujeitos que recebe: pessoas jovens e adultas.
Os temas abordados nas aulas presenciais, nos seminários e nas reuniões setoriais não são discutidos apenas nesses momentos, mas visam a um desdobramento dos temas pelos professores/educadores em suas escolas/espaços educativos, produzindo novos momentos de discussão, ampliando as perspectivas e enfrentando os conflitos teóricos e práticos.
O processo metodológico é desenvolvido com base na pesquisa-ação concebida como uma pesquisa sobre a prática diária dos sujeitos, pois é na realidade que usam e recriam cotidianamente os conhecimentos produzidos a partir de sua inserção social e de classe. Essa intervenção do professor torna-o produtor-autor, exigindo dele esse reconhecimento.
As considerações, reflexões, proposições e conhecimentos produzidos pelos professores/educadores servem de base para a conformação das questões dos próximos encontros formativos.
O Projeto de Educação de Jovens e Adultos é desenvolvido em quatro etapas: aulas presenciais, atividades extramurais, encontros setoriais e seminário. As aulas presenciais têm a duração de 64 horas distribuídas em oito dias para cada turma, com 35 alunos em cada, perfazendo um total de 70 alunos. As ações extramurais têm a duração de 48 horas, destinadas às visitas aos municípios.
Na etapa presencial, os seguintes eixos foram privilegiados: aspectos históricos, sociais e políticos de EJA; identidade, formação e profissionalização do professor/educador de EJA; experiências exitosas; processos de letramento; destacando-se a alfabetização em sua fase inicial e na fase continuada; políticas públicas referentes à EJA na busca de articulação com os sistemas municipal, estadual e federal e construção do conhecimento em rede na formação da identidade do professor.
O conceito de letramento vai ao encontro da teoria freireana uma vez que “procura compreender a leitura e a escrita como práticas sociais complexas, desvendando-se sua diversidade, suas dimensões políticas e implicações ideológicas’’. (Ribeiro, 2003, p. 12)”.
Concordamos com Paiva (2003) ao afirmar que a base da aprendizagem se sustenta primordialmente na leitura e escrita, e de como são formados leitores e escritores para esse mundo, utilizando-se de variados suportes de texto, capazes de uma leitura crítica e seletiva no que devem ler em função dos usos da escrita. Dessa forma, os alfabetizandos tornam-se produtores de sentidos, de sujeitos em experiência com o mundo e com os textos.
Como continuidade das orientações relativas às políticas públicas de EJA, são abordadas discussões sobre as Diretrizes Curriculares de EJA, a fundamentação legal relativa aos projetos governamentais do Brasil Alfabetizado e às formas de financiamento oferecidas a projetos dessa natureza, buscando atingir os mais diferentes espaços e comunidades, estimulando uma conscientização nos alfabetizandos com relação à importância da EJA no campo educacional, efetivando laços entre os vários segmentos sociais e educacionais, capazes de produzir mobilização social.
Trabalhamos nessa proposta, devido às diversidades desta modalidade de ensino, atuando com o conceito de rede entendendo-a como espaços de articulação política e mobilização social que se unem em torno de campos de construção de identidade, de produção simbólica e de ação política. Uma rede, segundo Prazeres (2004) é um espaço por onde se transita, emitindo, recebendo informações ou fazendo-as circular.
Devido às características de nossas comunidades escolares, utilizamos as redes como uma metodologia adequada para investigar ações na perspectiva coletiva e buscar articulá-las com outras neste mundo globalizado visando a influenciar as políticas públicas.
Assim, as propostas de formação incluem as condições que fomentam formas de organização dos próprios professores em cada unidade educativa, possibilitando a reflexão sobre suas práticas. Torna-se necessário, nessas trocas, uma constante ressignificação de cada sujeito a partir do que é vivido e elaborado coletivamente. Os professores, que conduzem o cotidiano da educação, contribuem participando na formulação e implantação de políticas de formação, revelando o que sabem e o que não sabem, o que querem e o que não querem, o que precisam ou não precisam. Ao se apropriarem dos seus saberes de que são portadores também trabalham do ponto de vista teórico e prático.
A construção do conhecimento em rede é tecida a partir de saberes da vida cotidiana dos sujeitos alunos com outros saberes de aprendizagens formais, constituindo-se num processo que cada sujeito desenvolve dentro ou fora da escola. Segundo Paiva (2002), os conhecimentos, fios, passam a se integrar quando se juntam aos próprios fios da rede de saberes do sujeito. A rede, por se ligar aos primitivos fios ganha significações particulares e singulares. Na sala de aula, tanto os professores quanto os alunos, tecem alternativas práticas com os fios que as suas próprias atividades cotidianas dentro e fora da escola lhes fornecem.
A etapa extramural, com a duração aproximada de 48 horas, é executada por meio de um trabalho de assessoria técnico-pedagógica nos diversos municípios pertencentes ao Projeto. Esta ação é executada por monitores, estagiários dos cursos de licenciatura da UFSJ e pelos professores envolvidos no processo. A freqüência das visitas é condicionada às necessidades de cada município.
Os encontros setoriais têm a duração de três horas quinzenais, em função de conteúdos didáticos mais específicos e são realizados no espaço da UFSJ. As propostas de temas surgem das discussões advindas dos resultados das reflexões do fazer pedagógico de educadores e professores, principalmente no que se refere aos processos de letramento/alfabetização.
Os encontros setoriais são previstos para uma abrangência de grupos de aproximadamente oito municípios, divididos em duas turmas, em função da especificidade do trabalho que é desenvolvido: alfabetização em fase inicial e continuada e no segundo segmento do ensino fundamental, num total de 16 encontros, perfazendo um total de 48 horas.
Os seminários foram previstos para ter a duração de 8 horas cada um. O ocorrido em fevereiro de 2005, teve um caráter de instalação da nova proposta do Projeto e o próximo seminário, previsto para agosto, acontecerá com a presença de representantes de alunos e professores de EJA dos municípios participantes caracterizando-se por atividades representativas de natureza sócio/artístico/cultural dando início ao evento denominado “NOITEJA”.
Esses objetivos são cumpridos por meio de atividades como a construção de instrumentos e registros para avaliação dos níveis de letramento; oficinas de produção de textos em função de sua tipologia; encontros pedagógicos, participação em teatro, cinema/vídeo, dança, shows e concertos musicais; discussão da concepção de legislações ordinárias nacionais e do direito constitucional a EJA; contatos com membros do Fórum para a viabilização dos encontros e suporte logístico para o seu funcionamento; elaboração e execução de uma proposta de intervenção dialógica da realidade educativa e produção de textos e socialização dos mesmos na prática pedagógica dos docentes.

Resultados

Uma das propostas extensionistas desse projeto é proporcionar aos alunos bolsistas e colaboradores a ampliação de seus conhecimentos curriculares a partir da participação no desenvolvimento da atividade de extensão e na elaboração de projetos de pesquisa que contemplem as questões apontadas acima, com possibilidades de publicação dos resultados em revistas específicas e nos meios eletrônicos. Propicia também o desenvolvimento de outras iniciativas interinstitucionais como parcerias com a Unitrabalho e a Incubadora Tecnológica de Coletivos Populares (ITCP), por meio da criação de subprojetos com vistas à educação para o trabalho e geração alternativa de renda; oportunidade de educação para grupos organizados por outros projetos extensionistas da UFSJ, como os Catadores de Papéis e O Coletivo de Mulheres de Águas Santas e César de Pina; parcerias com empresas locais para o oferecimento de oportunidades de elevação da escolarização de seus funcionários, além do oferecimento da disciplina de EJA na grade curricular para o 2º semestre/2004 do curso de Pedagogia e a criação de um espaço físico para sediar o Núcleo Vertentes de EJA na UFSJ.
Um dos resultados ainda do nosso projeto foi a criação de uma sala-laboratório. Esta abriga cerca de dez alunos em um projeto de alfabetização inicial, com uma faixa etária de trinta a setenta e dois anos, todos moradores de uma comunidade próxima ao Campus Dom Bosco da UFSJ. A maioria deles reside na mesma rua e estudam à noite em uma sala da universidade, fato que os deixa orgulhosos por estarem estudando no mesmo ambiente que os universitários e que, além disso, proporciona-lhes segurança em transitar por diferentes espaços, diminuindo a timidez e tornando-os mais auto-confiantes e mais à vontade para se relacionarem em suas comunidades e em outros ambientes socioculturais. Utilizamos a metodologia freireana, na qual a leitura da palavra, da frase, da sentença só acontece depois da leitura que fazem da “palavramundo” (Freire, 1982, p.17). Estudam e trabalham sempre fatos da realidade em que vivem. Acreditamos que esse método possibilita a conquista e a autonomia dos alunos, na medida em que esses jovens e adultos se habituam com o registro de suas vivências e com a exposição de seus pontos de vista. Suas aulas tiveram seu início em maio desse ano e pretende-se uma ampliação do número de alunos atendidos no momento.
Com a aprovação de alguns municípios das Vertentes, como Ritápolis, Lagoa Dourada e Coronel Xavier Chaves no Programa Brasil Alfabetizado 2004, o Projeto estabeleceu parcerias, visando consolidar a formação de educadores e professores que atuaram como alfabetizadores nesse programa. As questões que nortearam esse trabalho referem-se a como levar esse educador a reconhecer as diversas visões de aluno e conseqüentes concepções de ensino e aprendizagem da EJA. Os estudos de Machado (2000) apontam para a existência de dificuldades enfrentadas pelos professores que atuam na EJA, primando pela articulação teoria/prática, que inclua a superação da desarticulação entre as propostas pedagógicas de formação e os objetivos específicos da EJA.
Com a realização deste projeto, que está em continuidade, conseguiu-se mobilizar os municípios enfatizados para uma atenção maior a EJA. As aulas tiveram início em novembro de 2003 com três turmas em Lagoa Dourada e quatro em Ritápolis, totalizando 80 e 52 educandos em cada município, respectivamente, sendo que, em Lagoa Dourada, a prefeitura já mantinha uma turma de 1ª a 4ª série. As estagiárias do curso de Pedagogia fizeram um diagnóstico e formaram mais duas turmas. Depois de um tempo de trabalho, as professoras passaram a conhecer melhor os alunos e as turmas foram reagrupadas de acordo com o nível de aprendizagem dos alunos. Com isso, a prática educativa em sala melhorou e a evasão diminuiu. No município de Coronel Xavier Chaves, as aulas iniciaram-se com aproximadamente 45 alunos, em agosto de 2004.O trabalho pedagógico desenvolveu-se em três turmas divididas de acordo com o nível de aprendizagem. Para que o processo das práticas pedagógicas não fosse interrrompido, as professoras assumiram voluntariamente até que seja novamente aprovado o Programa de 2005. Nesta cidade, com a instalação de turmas da EJA pelo sistema estadual de Minas Gerais, alguns alunos egressos do Brasil Alfabetizado puderam ingressar neste programa dando continuidade aos seus estudos no segundo segmento do Ensino Fundamental (5ª a 8ª série).
A qualidade da prática educativa e repercussão em EJA nesses municípios vêm se tornando a cada dia mais expressivas. Em Lagoa Dourada, depois que o estágio terminou em março de 2004, o trabalho tornou-se voluntário. No mês de maio daquele ano, a prefeitura assumiu uma turma de 5ª a 8ª séries do Ensino Fundamental e uma das voluntárias assumiu esta turma como professora efetiva. Os alunos estão tendo agora a oportunidade de continuar seus estudos e os jovens e adultos que tinham concluído a 4ª série do Ensino Fundamental puderam retornar à escola. Também, os alunos das três salas confeccionaram um Jornal Mural intitulado Jovens e Adultos unidos por um ideal: a educação, utilizando como referência o Jornal Estado de Minas. A escola, na qual funciona a EJA, não possui um espaço para uma biblioteca. Os livros didáticos, de leitura e revistas ficam na sala da diretoria. Mesmo assim, as professoras e os alunos realizam com freqüência atividades relacionadas à leitura. Elas levam os livros para a sala de aula, fazem leituras compartilhadas, e disponibilizam os livros para empréstimo. Já trabalharam com o livro de Marcos Linhares, da editora Paulus – Vamos fazer um livro – e com as coleções Literatura em minha casa, da editora Ática, Clássicos Universais, da editora Rideel e Ler e Descobrir: Educação para Jovens e Adultos, do Instituto Técnico para a Educação e a Cultura.
Em Ritápolis, a prefeitura também assumiu a EJA e, em maio, foi elaborado, juntamente com a Secretaria de Educação, o primeiro Boletim Informativo da EJA desse município. Ele contém notícias sobre a implementação da EJA, o trabalho desenvolvido pelas professoras e a formação continuada das mesmas. A fim de proporcionar práticas de leitura aos alunos, as professoras fazem uso semanalmente da biblioteca comunitária Professora Zélia de Almeida. Os alunos têm a oportunidade de um contato direto com todos os livros, jornais e revistas proporcionando a proximidade com a diversidade textual e com as mais variadas informações. A prefeitura resolveu assumir, após o término do Programa Brasil Alfabetizado, assim como Lagoa Dourada, os gastos financeiros com as professoras, através de um decreto municipal que tramitou na Câmara dos Vereadores que foi muito debatido, inclusive, por toda a população e os alunos interessados.
Como uma das ações do projeto aprovado pelo MEC/SESu, acontece o Curso de Formação de Educadores. Lagoa Dourada, Ritápolis e Coronel Xavier Chaves participam e, em alguns seminários, socializam suas experiências e mostram os trabalhos produzidos com seus alunos. Esses municípios participaram de encontros do Fórum Mineiro de EJA.
Também como resultado das análises e discussões, destaca-se o crescimento profissional das docentes e educadoras. Elas perceberam que a escola e os demais espaços educativos da EJA se configuram como oportunidade de construção de relações humanas significativas, desenvolvendo as potencialidades de jovens e adultos (Sarti, 1999), e que há necessidade da articulação entre o pedagógico e o político na ação educativa que aproxime da realidade da escola (Machado, 2000). Essas educadoras estão buscando compreender o jovem e o adulto (Correa, 2003), enxergando-o como pessoa capaz de viver, atuar e modificar o seu espaço vivencial a partir do momento em que se apodera do ato da leitura e escrita, sendo um ato eminentemente político (Freire, 1994).
No município de São João del-Rei, a prefeitura municipal assume a educação de jovens e adultos dando atendimento, no horário noturno, em três escolas, com legislação própria aprovada pelo Conselho Estadual de Educação. A freqüência dos educadores e professores ao Projeto se restringia inicialmente aos professores alfabetizadores. Entretanto, atualmente, nota-se maior interação com os dirigentes do órgão municipal de ensino com os demais professores e pedagogos do Projeto. Em uma das escolas, está sendo desenvolvido um trabalho de avaliação da proposta de EJA, tendo em vista a reformulação e adaptação dos currículos escolares.
Estamos realizando com a equipe de alunas bolsista uma pesquisa para definir o perfil do professor de EJA participantes do Projeto Todas as Letras, que abrange todo o município de São João del-Rei, instalado em 28 salas. Tal Projeto é desenvolvido pela equipe da Secretaria Nacional de Formação da CUT em parceria com a Petrobrás, MEC/FNDE, Brasil Alfabetizado, com apoio Unesco.
Os jovens e adultos que participam das ações do Projeto Clarear, projeto apoiado pelo Núcleo, são residentes nas comunidades rurais de Águas Santas e de César de Pina, do município de Tiradentes, situado a apenas 11 Km do município de São João del-Rei. “Entretanto, essas comunidades rurais são separadas geograficamente do município de Tiradentes pela imponente Serra de São José, que contribui não apenas como um isolamento físico, mas acabando por se tornar um tipo de isolamento social, pois os moradores sabem que a cidade está próxima, porém, do outro lado da serra e que, para usufruírem dos seus bens e serviços, não basta escalar os obstáculos geográficos, faz-se necessário ultrapassar a barreira da escuridão que o mundo iletrado lhes impõe” (Guimarães, 2004, p.3). Estamos nos reportando a comunidades nas quais a oralidade é a linguagem predominante, sendo assim, a escrita não se constitui como uma necessidade, não estabelecendo, por isso, uma condição de familiaridade com textos escritos.
A Educação de Jovens e Adultos, desenvolvida no Projeto Clarear, atende a pessoas que se encontram na faixa etária de 18 a 50 anos, cursando o segundo segmento do Ensino Fundamental. As aulas acontecem na Escola Municipal João Pio, na comunidade de Águas Santas, de segunda a sexta-feira, de 18 horas a 21horas e são ministradas por professores, educadores aposentados voluntários e estagiários do curso de Pedagogia, Química e Física, sob a coordenação de professores do Deced, da UFSJ. As disciplinas estudadas são Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia e História. As aulas são orientadas observando uma metodologia elaborada por coordenadores do Projeto de Extensão Universitária e conta também, esporadicamente, com a utilização de fitas e livros didáticos do Telecurso 2000, cedidos, temporariamente, ao Projeto Clarear pela Secretaria Municipal de Educação de Tiradentes, além do uso das dependências da Escola Municipal João Pio e do transporte escolar que conduz alguns dos alunos que residem a cerca de 3 Km da escola. Trata-se de uma parceria significativa, pois possibilita aos alunos desfrutar da estrutura física de uma escola, bem como, vivenciar todo o simbolismo que a cerca.

Conclusão

Acreditamos que uma das situações pedagógicas fundamentais que favorecem a familiarização com a escrita consiste na utilização didática de diferentes portadores de textos, uma vez que exigem variadas formas e habilidades de interpretação. Devido à inexistência de fontes de informação escritas nas comunidades, exceto os folhetos religiosos, apelamos para o recurso da leitura de diversos jornais. Essa prática proporciona, na sala de aula, o acesso à informação de diferentes assuntos da realidade e fomenta o aparecimento de espaços de discussão e desenvolvimento de opinião crítica, contribuindo assim para as práticas de leitura e escrita. Os primeiros jornais utilizados foram os jornais da própria UFSJ e jornais da cidade de São João del-Rei e de outros municípios próximos. Interessante notar que, com o passar do tempo, os alunos tomaram gosto por esse contato com a leitura. Para incentivá-los a manter o hábito, foi desenvolvido durante as aulas a criação e elaboração de um boletim informativo chamado O Clarear. Essa atividade se tornou significativa por possibilitar não apenas a integração entre o ato de ler e escrever, mas também a oportunidade de experimentar todo o processo de elaboração, construção e montagem características de um informativo. Eles puderam se reconhecer como autores, ao mesmo tempo em que figuravam como personagens das notícias. Tiveram assim oportunidade de fazer a transposição de leitor/autor, escrevendo reportagens e reescrevendo suas trajetórias de vida. O ato da escrita não significa apenas o ato mecânico de desenhar palavras, mas, realizar, inclusive, a leitura delas, construir o sentido, experimentar o gosto provocado pelo saber, oportunizando um início significativo do domínio da leitura e da escrita do mundo. Acreditamos que o desenvolvimento de ações educativas, como produções de textos confeccionados pelos educandos, contribui para a conquista e o fortalecimento da autonomia dos mesmos, na medida em que os jovens e adultos se habituam a registrar suas vivências ou a expor pontos de vista. Tornam-se, dessa maneira, sujeitos reconhecidos e capazes de articular a linguagem oral, tão familiar, à linguagem escrita de características tão mais complexas.
Por outro lado, não podemos deixar de mencionar a ação transformadora que a continuidade desse projeto proporciona não só aos professores/educadores, mas também à população com baixa escolaridade dos municípios vinculados ao projeto, criando possibilidades de inclusão social para esses atores, ampliação de oportunidades educacionais, acesso aos processos de formação e qualificação para o trabalho, desenvolvimento de meios e processos de geração de renda.
Dessa forma, a partir das múltiplas relações estabelecidas, os conhecimentos apropriados, criados, recriados, promoveram a trans(formação) dos sujeitos envolvidos, confrontando e ampliando as redes de saberes já existentes.
A repercussão deste Projeto extrapolou a Região do Campo das Vertentes, pois comparecem aos encontros professores e interessados de outros municípios como Conselheiro Lafaiete, São Braz de Suaçuí, Barroso e Dores de Campos. Esses professores e dirigentes vêm em busca de sugestões e soluções para a prática educativa em EJA em seus municípios. Porém, o ponto mais positivo foi a instalação, em agosto de 2004, do Fórum Vertentes de EJA, que possibilita espaços de discussão e socialização das iniciativas. A cada encontro para a realização do Fórum, esse movimento se consolida e se afirma como um espaço de luta constante pela garantia de direitos intervindo na elaboração de políticas e ações para uma efetiva educação para pessoas jovens e adultas.

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