Maria Lúcia Monteiro Guimarães -
Universidade Federal de São João del-Rei - UFSJ
Resumo
A Universidade Federal de São João del-Rei desenvolve um
projeto de formação continuada de educadores e professores
que atuam na educação de jovens e adultos através
de um projeto de extensão aprovado pelo PROEXT/ MEC/ SESu desde
2003, voltado para a formação desses educadores dos municípios
da Região das Vertentes. Além de aulas presenciais, realizamos
visitas técnico-pedagógicas aos locais onde a EJA acontece
e procuramos sensibilizar os dirigentes municipais para implementação
de políticas públicas. Tais ações possibilitaram
a criação do Núcleo Vertentes de EJA e culminaram
na implantação do Fórum Vertentes de EJA.
Introdução
O Brasil inicia o século XXI com uma grande dívida
social. Em contrapartida, vê-se um esforço da sociedade para
promover a diminuição dos desequilíbrios sociais.
No que se refere à educação, além de garantir
o ensino fundamental a todos os brasileiros, é necessário
implementar políticas públicas de Educação
de Jovens e Adultos com a finalidade de promover a igualdade de condições
sócio-educativas aos excluídos do alfabetismo em tempos
de avanços de tecnologia informacional.
Parceira no processo de amenização dessa dívida,
a universidade pública tem como função desenvolver
ações que contemplem à indissociabilidade entre ensino,
pesquisa e extensão. Nesse sentido, a universidade precisa transpor
seus muros acadêmicos e interferir nos espaços sociais que
a circundam, ao mesmo tempo em que é questionada por estes para
dar respostas mais efetivas e eficazes às suas demandas, construindo
assim o conhecimento sobre os fatos sociais, juntamente com os atores
envolvidos.
Fundamentados nesta premissa, duas professoras do Departamento das Ciências
da Educação – Deced, duas técnicas administrativas,
com formação no curso de Pedagogia e oito acadêmicos
da Universidade Federal de São João del-Rei – UFSJ,
elaboraram o Projeto de Extensão denominado Formação
continuada de educadores e professores que atuam na educação
de jovens e adultos dos municípios da Região das Vertentes
que, após ter sido selecionado internamente na Instituição,
foi submetido à apreciação do MEC/SESu, PROEXT 2003,
tendo sido aprovado nessa instância e novamente obtido aprovação
para a continuidade em 2004/2005.
Para realização do referido Projeto, foram estabelecidas
parcerias com quinze municípios mineiros, pertencentes à
Associação dos Municípios da Microrregião
do Campo das Vertentes – AMVER, além de entidades como a
Superintendência Regional de Ensino de São João del-Rei,
as Associações de Moradores das Águas Santas e de
César de Pina e o Fórum de Desenvolvimento Comunitário
dos Municípios da AMVER e do Projeto CLAREAR uma organização
não governamental.
Objetivou-se com esse projeto o desenvolvimento da formação
continuada de educadores e professores dos municípios envolvidos,
possibilitando aos educadores o acesso e interpretação das
políticas públicas de EJA; a aquisição de
habilidades específicas a sua prática educativa; a reflexão
sobre as ações desenvolvidas nas salas de aula. Além
desses objetivos, o Projeto apresentou, como uma de suas principais metas,
a de estreitar relações entre a universidade e a comunidade,
constituindo-se num espaço de socialização e democratização
dessa modalidade de ensino na região, visando à criação
do Fórum Vertentes de EJA.
Vale ressaltar a importância de se construir políticas públicas
para pessoas jovens e adultas considerando-se a participação
de diferentes setores da sociedade civil e governo, entrecruzando-se olhares
múltiplos e singulares dos sujeitos envolvidos.
O Projeto teve início em setembro de 2003, com contatos iniciais
e reuniões para implantação e implementação
das ações, inicialmente no município de Ritápolis
e Lagoa Dourada, por solicitação dos dirigentes municipais
de educação, que possuíam um número considerável
de pessoas não escolarizadas. Nesses municípios, foram realizadas
visitas in loco e assessorias pedagógicas aos professores alfabetizadores
subsidiando as atividades desenvolvidas, bem como a aprendizagem dos alunos
e o planejamento de atividades alternativas.
Em 10 de fevereiro de 2004, realizou-se um seminário, na UFSJ,
com a presença do Reitor, da Pró-Reitora de Extensão,
do presidente da Associação dos Municípios da Região
do Campo das Vertentes - AMVER, da representante da Superintendência
Regional de Ensino de São João del-Rei - SRE e do Professor
Doutor Leôncio José Gomes Soares, da UFMG, que proferiu palestra
sobre a história de EJA no Brasil para os dirigentes municipais
das quinze cidades parceiras, professores, educadores e alunos de graduação
interessados na temática.
Após o seminário, foram realizadas oito reuniões
mensais das quais participaram diretamente cerca de 70 educadores comprometidos
com o ensino de EJA, que atenderam a aproximadamente 1.200 alunos.
De forma geral, para os municípios envolvidos, este Projeto possibilitou
o aperfeiçoamento dos educadores, o enriquecimento de suas práticas
pedagógicas, além de ter promovido a articulação,
socialização e interferência nas políticas
públicas por meio da sensibilização da maioria dos
dirigentes municipais. Cabe ressaltar a participação de
professores dos municípios envolvidos em quatro reuniões
do Fórum Mineiro de EJA em Belo Horizonte.
Através dos encontros, verificamos que em cinco municípios
já havia ações mais efetivas de EJA, cabendo-nos
a implementação dessas por meio de intervenções
pedagógicas que visassem à consecução dos
objetivos e metas previstos pelo Projeto.
Foi solicitada, a partir das discussões ocorridas nos encontros,
assessoria a seis dos 15 municípios participantes, para elaboração
de projetos com vistas à adesão ao Programa Brasil Alfabetizado,
financiado pelo FNDE/2004, pleiteando e obtendo os recursos financeiros
para implantação e implementação das atividades
em EJA. Nossa meta, nesses seis municípios, foi dar continuidade
às ações educativas deste projeto, no que se referem
à formação de alfabetizadores e ao próprio
processo de alfabetização e letramento. Fez-se necessário
uma ação política mais efetiva nos outros quatro
municípios, uma vez que ainda não estavam sensibilizados
o suficiente para implantação e implementação
dessa modalidade de ensino.
Como resultado, efetivamos um encontro com os prefeitos e secretários
de educação recém-eleitos, em janeiro deste ano de
2005, para firmarmos um compromisso de apoio às iniciativas já
existentes nesses municípios. Por meio de relatos de experiências
bem sucedidas nos municípios, tentamos ainda sensibilizar os novos
dirigentes municipais para a continuidade dos projetos e a importância
da adesão a projetos governamentais, enquanto os seus municípios
não assumem a EJA como uma efetiva política pública
de educação.
Segundo Leitão (2003), é necessário instigar o desejo
e adesão daqueles que tecem em seu cotidiano o fazer educacional,
em especial no da Educação de Jovens e Adultos acendendo
a vontade política de mudanças nesse cenário. Acreditamos,
contudo, que não basta sensibilizar os protagonistas de EJA, é
necessário dar continuidade às reflexões, aos investimentos
e às discussões sobre modos de gestão para que as
iniciativas dessa modalidade de ensino se consolidem como política
pública na região, com reflexos na política nacional.
É papel imprescindível da universidade construir juntamente
com os atores de EJA as especificidades dessa modalidade de ensino, buscando
nessa parceria com a sociedade estratégias que visem à desnaturalização
dos tradicionais currículos, métodos, espaços e tempos
por meio do desenvolvimento de pesquisa/ação que busque
respostas para questões como: ? quem são os alunos de EJA?
– que trajetórias marcam suas histórias de vida? –
que relações estabelecem com o mundo letrado e o mundo do
trabalho? – quem é o educador/a de EJA? – que saberes
o circundam? – o que fazem e como fazem? – que papel exerce
o professor de EJA na construção, reconhecimento e valorização
da subjetividade dos educandos?
Objetivos
O objetivo geral traçado para o projeto é
prosseguir com os processos de formação continuada dos educadores
e professores que atuam na EJA nos municípios das Vertentes de
Minas Gerais.
Como objetivos específicos desse Projeto estão:
• ampliar as discussões teórico-metodológicas
que perpassam o processo de alfabetização e letramento dos
alfabetizandos da EJA, enriquecendo o capital cultural dos atores envolvidos,
fornecendo aos educadores/professores estratégias para diagnosticar
o nível de letramento de seus educandos, na fase inicial da escrita
e criando oportunidades de leitura e escrita que ampliem os conhecimentos
dos educadores e educandos envolvidos;
• estabelecer espaços para reflexão por parte dos
educadores e professores do seu papel como profissional articulado a sua
inserção social e cultural e na ampliação
do acesso dos alfabetizandos aos bens culturais, organizando possibilidades
de acesso das professoras, educadoras e alunos a eventos culturais;
• propiciar o desenvolvimento de competências e estratégias
para construção de currículos e métodos condizentes
com as especificidades de EJA, possibilitando a discussão das práticas
pedagógicas de EJA, nos espaços educativos, entre os participantes
do Projeto, com vistas à elaboração de currículos;
• possibilitar discussões sobre as políticas referentes
a EJA para implantação e implementação dessa
modalidade de ensino nos municípios do Campo das Vertentes, facilitando
o entendimento dos participantes quanto à articulação
com os sistemas municipal, estadual e federal;
• contribuir na implementação, fortalecimento e acompanhamento
das políticas públicas, por meio da socialização
de reflexões e ações gestadas no Fórum Vertentes
de EJA, favorecendo o funcionamento das ações do Fórum
Vertentes de EJA;
• fazer emergir os saberes dos professores, na perspectiva de construção
do conhecimento em rede, por meio de uma metodologia de pesquisa-ação,
proporcionando aos educadores/professores de EJA uma intervenção
na realidade da qual são protagonistas na condição
de pesquisadores;
• ampliar os conhecimentos teórico dos acadêmicos e
demais participantes envolvidos no projeto, com vistas à produção
de conhecimento científico, orientando as inserções
em campo, a categorização dos dados coletados na pesquisa-ação
e o processo de escrita dos textos acadêmicos.
Metodologia
Este Projeto tem como fio condutor a formação
continuada que privilegia “a presença de saberes, tecidos
nas redes de conhecimento que constituem o cotidiano de diversas instituições”
fazendo emergir em diferentes momentos uma série de alternativas
de ação (Paiva, 2003, p. 9).
São propostos momentos em que os professores/educadores têm
a oportunidade de falar, registrar suas práticas e experiências
e, dessa forma, podem tentar compreender o que revelam/ocultam.
A EJA, como modalidade da Educação Básica, não
pode ser pensada como uma oferta menor e menos importante. Segundo Paiva
(2002), ela, como modalidade, é um modo próprio de fazer
a educação básica, modo esse determinado pelos sujeitos
que recebe: pessoas jovens e adultas.
Os temas abordados nas aulas presenciais, nos seminários e nas
reuniões setoriais não são discutidos apenas nesses
momentos, mas visam a um desdobramento dos temas pelos professores/educadores
em suas escolas/espaços educativos, produzindo novos momentos de
discussão, ampliando as perspectivas e enfrentando os conflitos
teóricos e práticos.
O processo metodológico é desenvolvido com base na pesquisa-ação
concebida como uma pesquisa sobre a prática diária dos sujeitos,
pois é na realidade que usam e recriam cotidianamente os conhecimentos
produzidos a partir de sua inserção social e de classe.
Essa intervenção do professor torna-o produtor-autor, exigindo
dele esse reconhecimento.
As considerações, reflexões, proposições
e conhecimentos produzidos pelos professores/educadores servem de base
para a conformação das questões dos próximos
encontros formativos.
O Projeto de Educação de Jovens e Adultos é desenvolvido
em quatro etapas: aulas presenciais, atividades extramurais, encontros
setoriais e seminário. As aulas presenciais têm a duração
de 64 horas distribuídas em oito dias para cada turma, com 35 alunos
em cada, perfazendo um total de 70 alunos. As ações extramurais
têm a duração de 48 horas, destinadas às visitas
aos municípios.
Na etapa presencial, os seguintes eixos foram privilegiados: aspectos
históricos, sociais e políticos de EJA; identidade, formação
e profissionalização do professor/educador de EJA; experiências
exitosas; processos de letramento; destacando-se a alfabetização
em sua fase inicial e na fase continuada; políticas públicas
referentes à EJA na busca de articulação com os sistemas
municipal, estadual e federal e construção do conhecimento
em rede na formação da identidade do professor.
O conceito de letramento vai ao encontro da teoria freireana uma vez que
“procura compreender a leitura e a escrita como práticas
sociais complexas, desvendando-se sua diversidade, suas dimensões
políticas e implicações ideológicas’’.
(Ribeiro, 2003, p. 12)”.
Concordamos com Paiva (2003) ao afirmar que a base da aprendizagem se
sustenta primordialmente na leitura e escrita, e de como são formados
leitores e escritores para esse mundo, utilizando-se de variados suportes
de texto, capazes de uma leitura crítica e seletiva no que devem
ler em função dos usos da escrita. Dessa forma, os alfabetizandos
tornam-se produtores de sentidos, de sujeitos em experiência com
o mundo e com os textos.
Como continuidade das orientações relativas às políticas
públicas de EJA, são abordadas discussões sobre as
Diretrizes Curriculares de EJA, a fundamentação legal relativa
aos projetos governamentais do Brasil Alfabetizado e às formas
de financiamento oferecidas a projetos dessa natureza, buscando atingir
os mais diferentes espaços e comunidades, estimulando uma conscientização
nos alfabetizandos com relação à importância
da EJA no campo educacional, efetivando laços entre os vários
segmentos sociais e educacionais, capazes de produzir mobilização
social.
Trabalhamos nessa proposta, devido às diversidades desta modalidade
de ensino, atuando com o conceito de rede entendendo-a como espaços
de articulação política e mobilização
social que se unem em torno de campos de construção de identidade,
de produção simbólica e de ação política.
Uma rede, segundo Prazeres (2004) é um espaço por onde se
transita, emitindo, recebendo informações ou fazendo-as
circular.
Devido às características de nossas comunidades escolares,
utilizamos as redes como uma metodologia adequada para investigar ações
na perspectiva coletiva e buscar articulá-las com outras neste
mundo globalizado visando a influenciar as políticas públicas.
Assim, as propostas de formação incluem as condições
que fomentam formas de organização dos próprios professores
em cada unidade educativa, possibilitando a reflexão sobre suas
práticas. Torna-se necessário, nessas trocas, uma constante
ressignificação de cada sujeito a partir do que é
vivido e elaborado coletivamente. Os professores, que conduzem o cotidiano
da educação, contribuem participando na formulação
e implantação de políticas de formação,
revelando o que sabem e o que não sabem, o que querem e o que não
querem, o que precisam ou não precisam. Ao se apropriarem dos seus
saberes de que são portadores também trabalham do ponto
de vista teórico e prático.
A construção do conhecimento em rede é tecida a partir
de saberes da vida cotidiana dos sujeitos alunos com outros saberes de
aprendizagens formais, constituindo-se num processo que cada sujeito desenvolve
dentro ou fora da escola. Segundo Paiva (2002), os conhecimentos, fios,
passam a se integrar quando se juntam aos próprios fios da rede
de saberes do sujeito. A rede, por se ligar aos primitivos fios ganha
significações particulares e singulares. Na sala de aula,
tanto os professores quanto os alunos, tecem alternativas práticas
com os fios que as suas próprias atividades cotidianas dentro e
fora da escola lhes fornecem.
A etapa extramural, com a duração aproximada de 48 horas,
é executada por meio de um trabalho de assessoria técnico-pedagógica
nos diversos municípios pertencentes ao Projeto. Esta ação
é executada por monitores, estagiários dos cursos de licenciatura
da UFSJ e pelos professores envolvidos no processo. A freqüência
das visitas é condicionada às necessidades de cada município.
Os encontros setoriais têm a duração de três
horas quinzenais, em função de conteúdos didáticos
mais específicos e são realizados no espaço da UFSJ.
As propostas de temas surgem das discussões advindas dos resultados
das reflexões do fazer pedagógico de educadores e professores,
principalmente no que se refere aos processos de letramento/alfabetização.
Os encontros setoriais são previstos para uma abrangência
de grupos de aproximadamente oito municípios, divididos em duas
turmas, em função da especificidade do trabalho que é
desenvolvido: alfabetização em fase inicial e continuada
e no segundo segmento do ensino fundamental, num total de 16 encontros,
perfazendo um total de 48 horas.
Os seminários foram previstos para ter a duração
de 8 horas cada um. O ocorrido em fevereiro de 2005, teve um caráter
de instalação da nova proposta do Projeto e o próximo
seminário, previsto para agosto, acontecerá com a presença
de representantes de alunos e professores de EJA dos municípios
participantes caracterizando-se por atividades representativas de natureza
sócio/artístico/cultural dando início ao evento denominado
“NOITEJA”.
Esses objetivos são cumpridos por meio de atividades como a construção
de instrumentos e registros para avaliação dos níveis
de letramento; oficinas de produção de textos em função
de sua tipologia; encontros pedagógicos, participação
em teatro, cinema/vídeo, dança, shows e concertos musicais;
discussão da concepção de legislações
ordinárias nacionais e do direito constitucional a EJA; contatos
com membros do Fórum para a viabilização dos encontros
e suporte logístico para o seu funcionamento; elaboração
e execução de uma proposta de intervenção
dialógica da realidade educativa e produção de textos
e socialização dos mesmos na prática pedagógica
dos docentes.
Resultados
Uma das propostas extensionistas desse projeto é
proporcionar aos alunos bolsistas e colaboradores a ampliação
de seus conhecimentos curriculares a partir da participação
no desenvolvimento da atividade de extensão e na elaboração
de projetos de pesquisa que contemplem as questões apontadas acima,
com possibilidades de publicação dos resultados em revistas
específicas e nos meios eletrônicos. Propicia também
o desenvolvimento de outras iniciativas interinstitucionais como parcerias
com a Unitrabalho e a Incubadora Tecnológica de Coletivos Populares
(ITCP), por meio da criação de subprojetos com vistas à
educação para o trabalho e geração alternativa
de renda; oportunidade de educação para grupos organizados
por outros projetos extensionistas da UFSJ, como os Catadores de Papéis
e O Coletivo de Mulheres de Águas Santas e César de Pina;
parcerias com empresas locais para o oferecimento de oportunidades de
elevação da escolarização de seus funcionários,
além do oferecimento da disciplina de EJA na grade curricular para
o 2º semestre/2004 do curso de Pedagogia e a criação
de um espaço físico para sediar o Núcleo Vertentes
de EJA na UFSJ.
Um dos resultados ainda do nosso projeto foi a criação de
uma sala-laboratório. Esta abriga cerca de dez alunos em um projeto
de alfabetização inicial, com uma faixa etária de
trinta a setenta e dois anos, todos moradores de uma comunidade próxima
ao Campus Dom Bosco da UFSJ. A maioria deles reside na mesma rua e estudam
à noite em uma sala da universidade, fato que os deixa orgulhosos
por estarem estudando no mesmo ambiente que os universitários e
que, além disso, proporciona-lhes segurança em transitar
por diferentes espaços, diminuindo a timidez e tornando-os mais
auto-confiantes e mais à vontade para se relacionarem em suas comunidades
e em outros ambientes socioculturais. Utilizamos a metodologia freireana,
na qual a leitura da palavra, da frase, da sentença só acontece
depois da leitura que fazem da “palavramundo” (Freire, 1982,
p.17). Estudam e trabalham sempre fatos da realidade em que vivem. Acreditamos
que esse método possibilita a conquista e a autonomia dos alunos,
na medida em que esses jovens e adultos se habituam com o registro de
suas vivências e com a exposição de seus pontos de
vista. Suas aulas tiveram seu início em maio desse ano e pretende-se
uma ampliação do número de alunos atendidos no momento.
Com a aprovação de alguns municípios das Vertentes,
como Ritápolis, Lagoa Dourada e Coronel Xavier Chaves no Programa
Brasil Alfabetizado 2004, o Projeto estabeleceu parcerias, visando consolidar
a formação de educadores e professores que atuaram como
alfabetizadores nesse programa. As questões que nortearam esse
trabalho referem-se a como levar esse educador a reconhecer as diversas
visões de aluno e conseqüentes concepções de
ensino e aprendizagem da EJA. Os estudos de Machado (2000) apontam para
a existência de dificuldades enfrentadas pelos professores que atuam
na EJA, primando pela articulação teoria/prática,
que inclua a superação da desarticulação entre
as propostas pedagógicas de formação e os objetivos
específicos da EJA.
Com a realização deste projeto, que está em continuidade,
conseguiu-se mobilizar os municípios enfatizados para uma atenção
maior a EJA. As aulas tiveram início em novembro de 2003 com três
turmas em Lagoa Dourada e quatro em Ritápolis, totalizando 80 e
52 educandos em cada município, respectivamente, sendo que, em
Lagoa Dourada, a prefeitura já mantinha uma turma de 1ª a
4ª série. As estagiárias do curso de Pedagogia fizeram
um diagnóstico e formaram mais duas turmas. Depois de um tempo
de trabalho, as professoras passaram a conhecer melhor os alunos e as
turmas foram reagrupadas de acordo com o nível de aprendizagem
dos alunos. Com isso, a prática educativa em sala melhorou e a
evasão diminuiu. No município de Coronel Xavier Chaves,
as aulas iniciaram-se com aproximadamente 45 alunos, em agosto de 2004.O
trabalho pedagógico desenvolveu-se em três turmas divididas
de acordo com o nível de aprendizagem. Para que o processo das
práticas pedagógicas não fosse interrrompido, as
professoras assumiram voluntariamente até que seja novamente aprovado
o Programa de 2005. Nesta cidade, com a instalação de turmas
da EJA pelo sistema estadual de Minas Gerais, alguns alunos egressos do
Brasil Alfabetizado puderam ingressar neste programa dando continuidade
aos seus estudos no segundo segmento do Ensino Fundamental (5ª a
8ª série).
A qualidade da prática educativa e repercussão em EJA nesses
municípios vêm se tornando a cada dia mais expressivas. Em
Lagoa Dourada, depois que o estágio terminou em março de
2004, o trabalho tornou-se voluntário. No mês de maio daquele
ano, a prefeitura assumiu uma turma de 5ª a 8ª séries
do Ensino Fundamental e uma das voluntárias assumiu esta turma
como professora efetiva. Os alunos estão tendo agora a oportunidade
de continuar seus estudos e os jovens e adultos que tinham concluído
a 4ª série do Ensino Fundamental puderam retornar à
escola. Também, os alunos das três salas confeccionaram um
Jornal Mural intitulado Jovens e Adultos unidos por um ideal: a educação,
utilizando como referência o Jornal Estado de Minas. A escola, na
qual funciona a EJA, não possui um espaço para uma biblioteca.
Os livros didáticos, de leitura e revistas ficam na sala da diretoria.
Mesmo assim, as professoras e os alunos realizam com freqüência
atividades relacionadas à leitura. Elas levam os livros para a
sala de aula, fazem leituras compartilhadas, e disponibilizam os livros
para empréstimo. Já trabalharam com o livro de Marcos Linhares,
da editora Paulus – Vamos fazer um livro – e com as coleções
Literatura em minha casa, da editora Ática, Clássicos Universais,
da editora Rideel e Ler e Descobrir: Educação para Jovens
e Adultos, do Instituto Técnico para a Educação e
a Cultura.
Em Ritápolis, a prefeitura também assumiu a EJA e, em maio,
foi elaborado, juntamente com a Secretaria de Educação,
o primeiro Boletim Informativo da EJA desse município. Ele contém
notícias sobre a implementação da EJA, o trabalho
desenvolvido pelas professoras e a formação continuada das
mesmas. A fim de proporcionar práticas de leitura aos alunos, as
professoras fazem uso semanalmente da biblioteca comunitária Professora
Zélia de Almeida. Os alunos têm a oportunidade de um contato
direto com todos os livros, jornais e revistas proporcionando a proximidade
com a diversidade textual e com as mais variadas informações.
A prefeitura resolveu assumir, após o término do Programa
Brasil Alfabetizado, assim como Lagoa Dourada, os gastos financeiros com
as professoras, através de um decreto municipal que tramitou na
Câmara dos Vereadores que foi muito debatido, inclusive, por toda
a população e os alunos interessados.
Como uma das ações do projeto aprovado pelo MEC/SESu, acontece
o Curso de Formação de Educadores. Lagoa Dourada, Ritápolis
e Coronel Xavier Chaves participam e, em alguns seminários, socializam
suas experiências e mostram os trabalhos produzidos com seus alunos.
Esses municípios participaram de encontros do Fórum Mineiro
de EJA.
Também como resultado das análises e discussões,
destaca-se o crescimento profissional das docentes e educadoras. Elas
perceberam que a escola e os demais espaços educativos da EJA se
configuram como oportunidade de construção de relações
humanas significativas, desenvolvendo as potencialidades de jovens e adultos
(Sarti, 1999), e que há necessidade da articulação
entre o pedagógico e o político na ação educativa
que aproxime da realidade da escola (Machado, 2000). Essas educadoras
estão buscando compreender o jovem e o adulto (Correa, 2003), enxergando-o
como pessoa capaz de viver, atuar e modificar o seu espaço vivencial
a partir do momento em que se apodera do ato da leitura e escrita, sendo
um ato eminentemente político (Freire, 1994).
No município de São João del-Rei, a prefeitura municipal
assume a educação de jovens e adultos dando atendimento,
no horário noturno, em três escolas, com legislação
própria aprovada pelo Conselho Estadual de Educação.
A freqüência dos educadores e professores ao Projeto se restringia
inicialmente aos professores alfabetizadores. Entretanto, atualmente,
nota-se maior interação com os dirigentes do órgão
municipal de ensino com os demais professores e pedagogos do Projeto.
Em uma das escolas, está sendo desenvolvido um trabalho de avaliação
da proposta de EJA, tendo em vista a reformulação e adaptação
dos currículos escolares.
Estamos realizando com a equipe de alunas bolsista uma pesquisa para definir
o perfil do professor de EJA participantes do Projeto Todas as Letras,
que abrange todo o município de São João del-Rei,
instalado em 28 salas. Tal Projeto é desenvolvido pela equipe da
Secretaria Nacional de Formação da CUT em parceria com a
Petrobrás, MEC/FNDE, Brasil Alfabetizado, com apoio Unesco.
Os jovens e adultos que participam das ações do Projeto
Clarear, projeto apoiado pelo Núcleo, são residentes nas
comunidades rurais de Águas Santas e de César de Pina, do
município de Tiradentes, situado a apenas 11 Km do município
de São João del-Rei. “Entretanto, essas comunidades
rurais são separadas geograficamente do município de Tiradentes
pela imponente Serra de São José, que contribui não
apenas como um isolamento físico, mas acabando por se tornar um
tipo de isolamento social, pois os moradores sabem que a cidade está
próxima, porém, do outro lado da serra e que, para usufruírem
dos seus bens e serviços, não basta escalar os obstáculos
geográficos, faz-se necessário ultrapassar a barreira da
escuridão que o mundo iletrado lhes impõe” (Guimarães,
2004, p.3). Estamos nos reportando a comunidades nas quais a oralidade
é a linguagem predominante, sendo assim, a escrita não se
constitui como uma necessidade, não estabelecendo, por isso, uma
condição de familiaridade com textos escritos.
A Educação de Jovens e Adultos, desenvolvida no Projeto
Clarear, atende a pessoas que se encontram na faixa etária de 18
a 50 anos, cursando o segundo segmento do Ensino Fundamental. As aulas
acontecem na Escola Municipal João Pio, na comunidade de Águas
Santas, de segunda a sexta-feira, de 18 horas a 21horas e são ministradas
por professores, educadores aposentados voluntários e estagiários
do curso de Pedagogia, Química e Física, sob a coordenação
de professores do Deced, da UFSJ. As disciplinas estudadas são
Língua Portuguesa, Matemática, Ciências, Geografia
e História. As aulas são orientadas observando uma metodologia
elaborada por coordenadores do Projeto de Extensão Universitária
e conta também, esporadicamente, com a utilização
de fitas e livros didáticos do Telecurso 2000, cedidos, temporariamente,
ao Projeto Clarear pela Secretaria Municipal de Educação
de Tiradentes, além do uso das dependências da Escola Municipal
João Pio e do transporte escolar que conduz alguns dos alunos que
residem a cerca de 3 Km da escola. Trata-se de uma parceria significativa,
pois possibilita aos alunos desfrutar da estrutura física de uma
escola, bem como, vivenciar todo o simbolismo que a cerca.
Conclusão
Acreditamos que uma das situações pedagógicas
fundamentais que favorecem a familiarização com a escrita
consiste na utilização didática de diferentes portadores
de textos, uma vez que exigem variadas formas e habilidades de interpretação.
Devido à inexistência de fontes de informação
escritas nas comunidades, exceto os folhetos religiosos, apelamos para
o recurso da leitura de diversos jornais. Essa prática proporciona,
na sala de aula, o acesso à informação de diferentes
assuntos da realidade e fomenta o aparecimento de espaços de discussão
e desenvolvimento de opinião crítica, contribuindo assim
para as práticas de leitura e escrita. Os primeiros jornais utilizados
foram os jornais da própria UFSJ e jornais da cidade de São
João del-Rei e de outros municípios próximos. Interessante
notar que, com o passar do tempo, os alunos tomaram gosto por esse contato
com a leitura. Para incentivá-los a manter o hábito, foi
desenvolvido durante as aulas a criação e elaboração
de um boletim informativo chamado O Clarear. Essa atividade se tornou
significativa por possibilitar não apenas a integração
entre o ato de ler e escrever, mas também a oportunidade de experimentar
todo o processo de elaboração, construção
e montagem características de um informativo. Eles puderam se reconhecer
como autores, ao mesmo tempo em que figuravam como personagens das notícias.
Tiveram assim oportunidade de fazer a transposição de leitor/autor,
escrevendo reportagens e reescrevendo suas trajetórias de vida.
O ato da escrita não significa apenas o ato mecânico de desenhar
palavras, mas, realizar, inclusive, a leitura delas, construir o sentido,
experimentar o gosto provocado pelo saber, oportunizando um início
significativo do domínio da leitura e da escrita do mundo. Acreditamos
que o desenvolvimento de ações educativas, como produções
de textos confeccionados pelos educandos, contribui para a conquista e
o fortalecimento da autonomia dos mesmos, na medida em que os jovens e
adultos se habituam a registrar suas vivências ou a expor pontos
de vista. Tornam-se, dessa maneira, sujeitos reconhecidos e capazes de
articular a linguagem oral, tão familiar, à linguagem escrita
de características tão mais complexas.
Por outro lado, não podemos deixar de mencionar a ação
transformadora que a continuidade desse projeto proporciona não
só aos professores/educadores, mas também à população
com baixa escolaridade dos municípios vinculados ao projeto, criando
possibilidades de inclusão social para esses atores, ampliação
de oportunidades educacionais, acesso aos processos de formação
e qualificação para o trabalho, desenvolvimento de meios
e processos de geração de renda.
Dessa forma, a partir das múltiplas relações estabelecidas,
os conhecimentos apropriados, criados, recriados, promoveram a trans(formação)
dos sujeitos envolvidos, confrontando e ampliando as redes de saberes
já existentes.
A repercussão deste Projeto extrapolou a Região do Campo
das Vertentes, pois comparecem aos encontros professores e interessados
de outros municípios como Conselheiro Lafaiete, São Braz
de Suaçuí, Barroso e Dores de Campos. Esses professores
e dirigentes vêm em busca de sugestões e soluções
para a prática educativa em EJA em seus municípios. Porém,
o ponto mais positivo foi a instalação, em agosto de 2004,
do Fórum Vertentes de EJA, que possibilita espaços de discussão
e socialização das iniciativas. A cada encontro para a realização
do Fórum, esse movimento se consolida e se afirma como um espaço
de luta constante pela garantia de direitos intervindo na elaboração
de políticas e ações para uma efetiva educação
para pessoas jovens e adultas.
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