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HABILIDADES
GERAIS DE LEITURA DE ALUNOS CALOUROS: UM ESTUDO DIAGNÓSTICO
Claudia Finger-Kratochvil- Universidade do Oeste
de Santa Catarina – UNOESC – Joaçaba
Luciane Baretta - Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC
– Joaçaba
Lúcia Klein - Universidade do Oeste de Santa Catarina – UNOESC
– Joaçaba
INTRODUÇÃO
Os resultados divulgados, em 2001, a partir de duas mensurações
sobre o letramento no Brasil - PISA 2000 e INAF -, somados às denúncias
diretas e indiretas da academia a respeito da pauperização
das habilidades dos alunos em língua materna, despertaram alguns
questionamentos relacionados à bagagem trazida pelos calouros para
o contexto universitário, tratando-se de suas habilidades de leitura
e, por sua vez, motivaram a realização desta pesquisa.
De acordo com a avaliação do PISA, o Brasil, dentre os 32
países participantes, apresentou um dos piores escores no que diz
respeito aos conhecimentos, às competências e às habilidades
em leitura necessários em situações da vida real,
ou seja, esperadas de um cidadão contemporâneo.
Os resultados do INAF, em 2001 (confirmados em 2003), apresentam uma nação
em que apenas 26% do total da população, entre 15 e 64 anos,
têm domínio pleno das habilidades avaliadas, ou seja, são
capazes de ler textos mais longos, podendo orientar-se por subtítulos,
comparar textos, localizar mais de uma informação, estabelecer
relações entre diversos elementos do texto e realizar inferências.
Diante de tais dados, nasce a pergunta: estariam chegando, ao ensino superior,
alunos sem condições de dar continuidade à sua formação
acadêmica, ao seu desenvolvimento pessoal e profissional no que
diz respeito às habilidades de leitura? Ao se considerar o ensino
acadêmico – e a possível existência de alunos
com falhas de letramento - percebe-se um problema que compromete o rendimento
e o desempenho no processo ensino-aprendizagem, pois a leitura é
condição sine qua non para o cumprimento das tarefas no
ambiente acadêmico.
Este trabalho dedica-se ao estudo do letramento, em especial às
competências de leitura do aluno universitário que inicia
seu processo de formação teórica e profissional,
ou seja, o aluno calouro, a fim de saber quais as capacidades e habilidades
de leitura que ele traz em sua bagagem para o contexto acadêmico.
1 – LETRAMENTO E HABILIDADES DE LEITURA
1.1 - Ser letrado
Conforme apontam Street (1984), Graff (1987), os relatórios da
OECD (2002a, b), Soares (1992; 2002; 2003), Ridgway (2003) entre outros,
as definições e implicações do ser letrado
têm sido alteradas ao longo da história. As competências
consideradas suficientes em determinada época e/ou sociedade deixaram
de sê-lo em outra, ocorrendo uma ampliação e complexidade
das demandas relativas ao domínio da língua escrita. Afinal,
o processo de letramento é multifacetado e envolve uma gama, relativamente
extensa, de capacidades e habilidades; assim, assume-se, cada dia mais,
a idéia de níveis de letramento. Em outras palavras, o processo
de letramento deixa de ser visto apenas como uma técnica a que
pertence um conjunto de habilidades e passa a ser estudado como um conjunto
de processos e subprocessos que compõem habilidades e capacidades
relativas ao ser letrado em um determinado tempo e contexto social .
Visto desta forma, o letramento é um processo que se inicia, para
alguns, antes mesmo de chegarem à escola; todavia, para a maioria
das pessoas, instaura-se e sedimenta-se por meio dessa instituição,
prolongando-se vida afora pelas competências que irão se
desenvolver nos indivíduos na continuidade do exercício
das habilidades de ler e escrever diante das exigências que se põem,
seja na esfera doméstica, social, pessoal ou do trabalho. Em uma
sociedade cada vez mais grafocêntrica, o domínio das competências
do letramento é sinônimo de inclusão social.
Pelas razões mencionadas, assumir-se-á neste trabalho que
letramento é um processo complexo e multi-facetado que envolve
capacidades e habilidades da lecto-escritura que são construídas
e ampliadas continuamente ao longo da vida dos indivíduos e que
lhes serão necessárias para seu próprio desenvolvimento
e sua participação em sociedade .
1.2 – A compreensão em leitura
Estudos na área de compreensão em leitura têm sido
desenvolvidos com base em uma diversidade de procedimentos para investigar
o que ocorre na mente dos leitores a partir da fixação dos
olhos no texto até que a decodificação e a compreensão
da mensagem sejam alcançadas. Diferentes trabalhos têm demonstrado
que variáveis pertinentes (a) às características
dos leitores, (b) tipos de texto, (c) subseqüente tarefa de leitura
e (d) língua (materna ou estrangeira) influenciam o modo de se
abordar um texto (BROWN & DAY, 1983; WINOGRAD, 1984; AFFLERBACH, 1990;
CARRELL, 1992; WOLF, 1993; TRABASSO et al., 1995; RILEY e LEE, 1996; TOMITCH,
1996; 1999-2000, PERFETTI et al., 1997; ODED E WALTERS, 2001). Na literatura
sobre o tema leitura, no entanto, percebe-se o acordo entre os pesquisadores
sobre a necessidade de se construir uma representação mental
do texto por meio da integração das informações
apresentadas nas sentenças e parágrafos que o compõe
(KINTSCH e VAN DIJK, 1978; VAN DIJK e KINTSCH, 1983; VAN DEN BROEK et
al., 1995). Essa representação mental é obtida pela
congruidade entre a informação oriunda do texto e os diferentes
esquemas (o conhecimento prévio, sob seus vários aspectos)
trazidos pelo leitor (GERNSBACHER, 1990, 1997; Whitney, Ritchie, Clark,
1991; VAN DEN BROEK et al., 1995; LEFFA, 1996; KLEIMAN, 1999). Dessa forma,
“compreender” uma história, livro ou reportagem é
assim definido quando o leitor é capaz de construir uma interpretação
do texto que esteja em harmonia com aquela intencionada pelo autor (LORCH
JR. e O’ BRIEN, 1995).
A partir dos anos 80, em decorrência do entendimento e aceitação
dos modelos psicolingüísticos de leitura (ESKEY e GRABE, 1988),
uma mudança significativa tem ocorrido em relação
às perspectivas teóricas do processo de leitura. Em função
disso, estudos empíricos passam a considerar e mensurar a compreensão
de leitura não apenas como um processo de representação
do texto (textbase – KINTSCH e VAN DIJK, 1978), mas como um processo
de representação daquilo que o texto informa: o modelo mental
ou de situação (GERNSBACHER, 1990, 1997; KINTSCH e FRANZKE,
1995; VAN DIJK, 1996).
De acordo esse modelo, as relações de representação
textual (textbase) compreendem parte da representação mental
do leitor porque são diretamente oriundas do texto, ou seja, para
que o leitor construa a base textual, é suficiente que ele seja
capaz de identificar a relação entre duas ou mais proposições
ligadas por um conectivo ou a relação de subordinação
marcada no texto por alguma pista lingüística. Van Dijk e
Kintsch (1983) e Van Dijk (1996), postulam que essas relações
são estabelecidas com base no conhecimento geral lingüístico
e no conhecimento geral de mundo do leitor. Além disso, para que
a estrutura mental do texto seja construída, as representações
do modelo de situação precisam ser inferidas pelo leitor,
uma vez que não estão explicitamente sinalizadas no texto.
Dessa forma, proposições que não estejam explicitamente
sinalizadas como causa-consequência num texto, por exemplo, podem
ser assim relacionadas no modelo de situação porque o leitor
“sabe” que a segunda é decorrente da primeira. Nesse
caso, o conhecimento específico sobre o assunto abordado no texto
é normalmente necessário para a construção
do modelo de situação (KINTSCH e FRANZKE, 1995).
De acordo com Kleiman (1999) vários são os níveis
de conhecimento acionados ao se ler um texto: (a) o lingüístico,
que compreende desde a pronúncia, vocabulário, regras até
o “como” utilizar-se da língua na comunicação;
(b) o textual que engloba o conjunto de noções e conceitos
sobre os diversos gêneros de texto e (c) o conhecimento enciclopédico
ou de mundo, que pode ser adquirido tanto formal quanto informalmente.
Esse último abrange desde o conhecimento específico que,
por exemplo, tem um eletricista até o tipo de conhecimento de ‘domínio
geral’, como em: gatos são mamíferos (op. cit., p.
20). Considerando-se essas questões, se o leitor não possuir
conhecimento enciclopédico ou de mundo suficientes, dependendo
da especificidade do texto, sua compreensão tenderá a embasar-se
nas relações textuais, podendo ficar parcial ou totalmente
truncada.
Vários estudos empíricos corroboram para com as asserções
anteriormente mencionadas (RICHGELS et al., 1987; TAGLIEBER et al., 1988;
AFFLERBACH, 1990; CARRELL, 1992; TOMITCH, 1995, 1996; KINTSCH e FRANZKE,
1995, GOLDMAN, 1997, dentre outros). Afflerbach (1990) demonstra em sua
pesquisa que leitores proficientes da área da química e
da antropologia obtiveram melhor desempenho na construção
da idéia central daqueles textos, cujos assuntos pertenciam a sua
área de atuação. Os textos que abordavam outros assuntos,
não familiares aos leitores, causaram dificuldades, fazendo com
que os leitores adotassem outras estratégias para construir o significado
daqueles textos. Kintsch e Franzke (1995) ao investigar como universitários,
submetidos a três condições distintas: total conhecimento,
conhecimento parcial e nenhum conhecimento sobre um artigo de revista
sobre a guerra civil no Sri Lanka, observaram que apesar da quantidade
de informações reproduzidas nos protocolos não ter
variado dentre as três condições, houve significativa
diferença de qualidade. De acordo com suas análises, os
leitores que não possuíam conhecimento prévio suficiente
inventaram informações que não se enquadravam à
situação descrita no artigo. Além disso, nas partes
específicas à política envolvida no conflito, os
leitores com nenhum conhecimento não conseguiram formar uma base
textual adequada, pois seu conhecimento geral sobre guerras não
foi suficiente para que eles pudessem estabelecer as relações
necessárias à compreensão (op. cit., p. 331).
Goldman (1997) observa em seu estudo que o interesse individual num tópico
influencia enormemente o aprendizado ou a compreensão de um texto.
Por outro lado, as informações trazidas no texto podem exercer
influência negativa na performance dos leitores. Conforme detectado
pela autora, os leitores de seu estudo demonstraram uma tendência
em selecionar aquelas informações que mais lhes interessavam,
ao invés daquelas classificadas como importantes pelo contexto.
Conforme percebe-se, a tarefa de ler, por si só, é extremamente
complexa. Vários são os fatores que influenciam e direcionam
o nível de processamento das informações oriundas
do texto e daquelas trazidas pelo leitor (GERNSBACHER, 1990, 1997; WHITNEY,
RITCHIE e CLARK, 1991; VAN DEN BROEK et al., 1995; LEFFA, 1996; KLEIMAN,
1999). Dessa forma, para que um indivíduo seja capaz de construir
uma interpretação adequada de um texto, é necessário
que ele seja capaz de ir além da recuperação das
marcas da escrita sobre o papel e das informações explícitas
apresentadas. O estabelecimento de relações entre as diferentes
partes da base textual (KINTSCH e VAN DIJK, 1978) e entre elas e seu conhecimento
prévio, a fim de construir um modelo mental do texto (VAN DIJK
e KINTSCH, 1983; VAN DEN BROEK, et al., 1995), é condição
sine qua non para que se efetive o processo de compreensão e construção
do conhecimento.
2 - METODOLOGIA
Partindo desse pano de fundo e almejando conhecer a bagagem de leitor
do aluno calouro, buscou-se um instrumento que já tivesse sido
testado para poder avaliar, ao menos em parte, o potencial humano que
se coloca para a formação no terceiro grau. Assim sendo,
o conhecimento dos relatórios divulgados pelo PISA desencadeou
a procura pelo teste de leitura aplicado no Brasil. Após contato
com o INEP e obtenção da versão brasileira das unidades
de leitura, doravante ULs, disponibilizadas pela OECD para a análise,
fez-se uma testagem piloto que forneceu dados importantes para a rearranjo
do instrumento utilizado para a coleta dos dados que serão discutidos
adiante. Dentre todas, a de maior relevância foi a extensão
do teste de leitura .
Cento e sessenta (160) alunos calouros, de quatro curso pertencentes a
duas áreas distintas do conhecimento e em três faixas etárias,
ou seja, de 23 a 18 anos, doravante faixa A (84,68%); de 35 a 24 anos,
faixa etária B (11,29%) e de 45 a 36 anos faixa etária C
(4,03%) participaram dessa pesquisa. Dentre estes, 66,67% eram do sexo
feminino e 33,33% do masculino. Do número total de sujeitos, quatro
foram descartados por uma das seguintes razões: não finalizaram
o teste de leitura ou deram respostas descabidas às questões
dissertativas do teste de leitura.
Três foram os instrumentos utilizados: um exame de leitura e dois
questionários, com perguntas sobre o background socioeconômico
e cultural e os hábitos de estudo, advindos do exame PISA 2000
e disponibilizados pelo INEP, mas com pequenas modificações
adaptativas devido ao público-alvo da pesquisa, em especial nos
questionários.
O exame de leitura aplicado nesta testagem foi composto por onze textos,
organizados em seis cadernos diferentes, tendo uma base comum e outra
diversificada de unidades de leitura – doravante ULs – (veja
tabela 1), a fim de ampliar mensuração das habilidades de
leitura, pertencentes a diferentes esferas de letramento (a doméstica,
a do lazer, a da educação, a do trabalho), implicando, assim,
em diversidade de funções e na presença de diferentes
gêneros textuais.
Caderno 1 |
Caderno 2 |
Caderno 3 |
Caderno 4 |
Caderno 5 |
Caderno 6 |
Lago
Chade
Presente
Pichação
Polícia
Gripe
Tênis |
Lago
Chade
Presente
Pichação
Polícia
Trabalho
CANCO |
Lago
Chade
Presente
Pichação
Polícia
Plano
Internacional
Novas
regras |
Lago
Chade
Presente
Pichação
Amanda
CANCO
Plano
Internacional |
Lago
Chade
Presente
Pichação
Amanda
Tênis
Gripe |
Lago
Chade
Presente
Pichação
Amanda
Novas
regras
Trabalho |
Tabela
1 – Composição dos cadernos do teste de leitura
Cada
UL propunha um texto e algumas tarefas que objetivavam avaliar e mensurar
a proficiência em leitura dos sujeitos. As tarefas foram categorizadas
a partir de três domínios relativos à leitura: (a) identificação e recuperação
de informação; (b) interpretação e (c) reflexão – doravante IRI, II e
RA, respectivamente – , desdobradas em cinco níveis de proficiência, que
podem ser visualizados na tabela 2 a seguir. Essa organização buscou,
através dos valores atribuídos às tarefas, dimensionar a complexidade
e dificuldade no interior das ULs. Por conseqüência, as tarefas têm uma
pontuação maior ou menor dentro dos diferentes níveis dos domínios. Observe-se
a figura a seguir, a fim de visualizar os níveis e a janela de pontuação
na subescala.
O QUE MEDEM
OS NÍVEIS DE PROFICIÊNCIA
Recuperação de informações |
Interpretação de textos |
Reflexão e avaliação |
O que está sendo avaliado em cada uma das escalas de
leitura: |
A
recuperação de informação é definida como localização de uma ou
mais partes de informação num texto. |
A
interpretação de textos é definida como a construção de significado
e a elaboração de inferências de uma ou mais partes de um texto.
|
A
reflexão e avaliação é definida como a relação que o leitor faz
de um texto com a sua experiência, conhecimento e idéias. |
Características das tarefas associadas com a dificuldade
crescente em cada uma das escalas de leitura: |
A
dificuldade da tarefa depende do número de partes de informação
que precisam ser localizadas. A dificuldade também depende do número
de condições que precisam ser encontradas para localizar a informação
solicitada e se o que é recuperado precisa estar seqüenciado de
uma determinada maneira. A dificuldade também depende da proeminência
da informação e da familiaridade do contexto. Outras características
relevantes são a complexidade do texto e a presença e a saliência
das informações competitivas. |
A
dificuldade da tarefa depende do tipo da interpretação requerida,
sendo a tarefa mais fácil a identificação da idéia principal num
texto; tarefas intermediárias requerem a compreensão das relações
que são parte do texto, e as tarefas mais difíceis requerem ou a
compreensão do significado da linguagem no contexto ou o raciocínio
analógico. A dificuldade também depende da transparência do texto
em fornecer as idéias ou as informações que o leitor precisa para
completar uma tarefa na proeminência da informação requerida e enquanto
as informações competitivas estão presentes. Finalmente, a extensão
e a complexidade do texto e a familiaridade do seu conteúdo afetam
a dificuldade. |
A
dificuldade da tarefa depende do tipo de reflexão requerida, sendo
que a tarefa mais fácil requer conexões simples ou explicações relacionando
o texto com experiências externas e a mais difícil requerendo uma
hipótese ou avaliação. A dificuldade também depende da familiaridade
do conhecimento que precisa ser trazido de fora do texto; da complexidade
do texto; do nível de compreensão textual exigido;
e da clareza com que o leitor é direcionado a fatores relevantes
tanto na tarefa de leitura quanto no texto. |
5
acima de 625
pontos |
Localizar
e sequenciar ou combinar múltiplas partes de informações profundamente
imbricadas, algumas das quais podem estar fora do corpo principal
do texto. Inferir qual informação do texto é relevante para a tarefa.
Trabalhar com informação competitiva altamente plausível e/ou extensiva. |
Construir
o significado de nuance de língua
ou demonstrar uma completa e detalhada compreensão de um
texto. |
Avaliar
criticamente ou hipotetizar a partir de conhecimento especializado.
Trabalhar com conceitos contrários às expectativas e atingir numa
compreensão profunda de textos extensos e complexos. |
4
de
553
a
625
pontos
|
Localizar
e possivelmente sequenciar ou combinar múltiplas partes de informações
profundamente imbricadas, sendo que cada uma pode necessitar o encontro
de critérios múltiplos num texto com contexto ou forma não familiar.
Inferir que informação textual é relevante para a tarefa. |
Usar
um alto nível de inferência textual para compreender e aplicar categorias
num contexto não familiar e construir o significado de uma seção
do texto considerando o texto como um todo. Trabalhar com ambigüidades,
idéias que são contrárias à expectativa e idéias que são construídas
enfatizando o aspecto negativo do tópico sendo descrito. |
Usar
conhecimento formal ou público para hipotetizar sobre ou avaliar
criticamente um texto. Demonstrar compreensão acurada de textos
longos ou complexos. |
3
de
481
a
552
pontos |
Localizar
e em alguns casos reconhecer a relação entre partes de informação,
sendo que cada uma pode necessitar o encontro de critérios múltiplos.
Trabalhar com informação competitiva proeminente. |
Integrar
diversas partes de um texto para identificar a idéia central, compreender
uma relação ou construir o significado de uma palavra ou grupo.
Comparar, contrastar ou categorizar tendo vários critérios como
fundamento. Trabalhar com informação competitiva. |
Fazer
conexões e comparações ou avaliar uma característica de um texto.
Demonstrar uma compreensão detalhada do texto em relação ao conhecimento
familiar ou baseando-se num conhecimento menos comum. |
2
de
408
a
480 |
Localizar
uma ou mais partes de informação sendo que cada uma pode necessitar
o encontro de critérios múltiplos. Trabalhar com informação competitiva. |
Identificar
a idéia central num texto, compreender as relações, formar ou aplicar
categorias simples, ou construir significado dentro de uma parte
limitada do texto quando a informação não é proeminente e inferências
de baixo nível são requeridas. |
Fazer
uma comparação ou conexões entre o texto e o conhecimento exterior,
ou explicar uma característica do texto através do embasamento em
experiência pessoal e atitudes. |
1
de
335
a
407 pontos |
Considerar
um critério único para localizar uma ou mais partes independentes
de informações explicitamente expostas. |
Reconhecer
o principal tema ou o objetivo do autor num texto sobre um tópico
familiar quando a informação requerida no texto é proeminente. |
Fazer
uma conexão simples entre a informação no texto e o conhecimento
comum, do dia-a-dia. |
Tabela
2 – O que medem os níveis de proficiência (tradução nossa).
As unidades
de leitura aplicadas no teste foram elaboradas inicialmente – no
PISA – prevendo uma população (OECD, 2002b, p.37)
com cerca de 15 anos de idade, cursando a última série do
ensino fundamental ou a primeira do ensino médio. Esses fatores
são, em parte, indicativos da abrangência do domínio
em leitura esperada desses sujeitos nessa faixa etária e escolarização.
Ao se aplicar as mesmas ULs para uma população em nível
universitário, esperava-se que, em grande parte, a complexidade
e dificuldade das tarefas tivessem sido minimizadas, pois, ao longo da
escolarização e dos usos sociais da leitura, ou seja, nas
diferentes esferas (conforme já se mencionou), novas habilidades
haveriam de ter sido construídas. Tal fato gerou a expectativa
de que os sujeitos testados teriam capacidades e habilidades de leitura
que os fariam atingir escores de pontuação em torno dos
500 pontos, o que os situaria no nível 3 de proficiência
e pressuporia as capacidades e habilidades dos níveis anteriores
(nível 1 e 2) .
O fato de não haver tarefas nas ULs que apresentem um escore inferior
a 335 pontos pressupõe um grau mínimo de letramento por
parte dos sujeitos da pesquisa. Entretanto, ao não atingirem o
escore mínimo esperado, não significa que eles não
tenham nenhuma habilidade de leitura internalizada, ou sejam totalmente
iletrados.
Trataram-se os dados obtidos na pesquisa quantitativa e qualitativamente.
A abordagem quantitativa, em relação as ULs, observou o
número de tarefas com respostas possíveis, errôneas
ou ainda não respondidas, recebendo um tratamento percentual. O
tratamento qualitativo seguiu a pontuação estabelecida de
acordo com os critérios do PISA (mencionados previamente) para
cada tarefa proposta, correspondente a um dos níveis em um determinado
domínio (conforme tabela 2), englobando assim as capacidades e
habilidades mais, ou menos complexas.
Desta forma, a análise geral abarcou todos os cadernos e suas ULs
estabelecendo o percentual de desempenho positivo nas tarefas de acordo
com o número de sujeitos que respondeu a cada UL e distribuídos
conforme se pode visualizar pelo gráfico 1.
Paralela
e contrastivamente, buscou-se emparelhar os dados percentuais e os escores
das questões, visando a uma compreensão melhor dos resultados obtidos
pelos sujeitos e, a partir de então, analisados.
3 – DESCRIÇÃO
E ANÁLISE DOS DADOS
A
pergunta mais importante a que essa pesquisa procurou responder foi qual
o grau de proficiência em leitura dos alunos calouros ou, em outras palavras,
quais as capacidades e habilidades de leitura que esses alunos trazem
consigo para o contexto do ensino superior. A comparação das médias dos
escores esperado e obtido, passível de visualização por meio do gráfico
2, revela o nível de proficiência em que se encontram os alunos. Em números,
a informação denota que o escore geral esperado era de 542 pontos, enquanto
que o escore obtido foi de 268 pontos. Os pontos do escore geral situam
a testagem no nível 3 de proficiência, conforme posto anteriormente, sendo
este o índice correspondente ao mínimo almejado para alunos egressos do
ensino médio. Entretanto, o panorama geral que se apresenta é o de uma
grande defasagem apresentada pelos sujeitos no que tange às capacidades
e habilidades de leitura. Há um significativo percentual de alunos que
não domina sequer as habilidades básicas de leitura e apenas um número
pequeno de alunos que teve aproveitamento, permitindo seu posicionamento
no limiar do nível 3 de proficiência em
leitura. Esse quadro ficará mais claro à medida que se
estudar o desempenho dos sujeitos em algumas das ULs e se contrastar índices
quantitativos e qualitativos.
Gráfico
2: Médias gerais de desempenho
Pela
visualização do Gráfico 3 a seguir disposto, das 11 (onze)
unidades de leitura (ULs) trabalhadas, apenas 2 (duas) tiveram indicadores
de compreensão acima de 70% - Tênis, 79%; Polícia 79% - e outras 4 (quatro)
acima de 60% - Pichação, 63%; Presente, 62%; Lago Chade, 61% e Trabalho,
61%. Dentre as demais, 2 (duas) tiveram índices na casa dos 50% - Gripe,
53% e Plano Internacional, 52% - e as outras três, índices inferiores
a esse percentual - Amanda, 49%, Canco, 45%
Editorial 32%. A partir dessa análise geral de compreensão, buscou-se
entender que fatores poderiam ter gerado esses índices, lembrando que
os textos propunham questões em diferentes domínios de trabalho com a
informação com diferentes níveis de compreensão e proficiência (conforme
se pode visualizar na tabela 2). Convém lembrar ainda que, qualquer que
seja o trabalho proposto, o papel do conhecimento prévio é fundamental
para que se construa uma compreensão adequada e efetiva a respeito do
que se lê (RUMELHART, 1981; KLEIMAN, 1989, LEFFA, 1996).
Gráfico
3: Percentual de acertos por ULs.
Em
primeira instância, os índices de dois textos chamam a atenção sobre si,
pois o desempenho geral supera a casa dos 70%: as ULs Tênis e Polícia.
Por que apenas tais textos teriam gerado índices percentuais de desempenho
esperados para a totalidade das ULs, diante da suposta competência de
letramento já construída? A seguir percebe-se a configuração de outros
dois grupos de desempenho: um com quatro ULs, apresentando índices de
acerto de 60% (Pichação, 63%; Presente, 62%; Lago Chade, 61%; e Trabalho,
61%) e o outro com cinco ULs e aproveitamento inferior a 50% (Gripe, 53%;
Plano Internacional, 52%; Amanda, 49%; Canco, 45% e Editorial, 32%).
Ao
aprofundar a análise, percebem-se alguns elementos, e.g. localização no
domínio de leitura, conhecimento do gênero textual, que apontam para possíveis
razões destes resultados. O emparelhamento e o cruzamento dos dados mencionados
anteriormente facilitarão a compreensão do desempenho dos alunos e demonstrarão
que embora o percentual possa ser alto, isso não representa um alto grau
de proficiência em leitura. Essas questões
geram outras hipóteses que se quer discutir.
Além
dos índices percentuais, outros dois aspectos precisam ser observados:
a) o escore geral da UL e o escore médio obtido pelos sujeitos; e, b)
a localização das tarefas propostas, os domínios de trabalho com a informação
e os níveis de complexidade e dificuldade de leitura, pois esses dados
gerarão o desempenho médio dos alunos em cada UL e, por fim, o nível
de proficiência que apresentam. O gráfico 4 ilustra, em parte, o que se
acabou de afirmar.
Gráfico 4: ULs
e médias gerais.
3.1
– Grupo de desempenho 1
O
emparelhamento e o cruzamento dos dados mencionados facilitarão a compreensão
do desempenho dos alunos e demonstrarão que embora o percentual possa
ser alto, isso não representa um alto grau de proficiência em
leitura. Por exemplo, a maior parte das tarefas propostas
nas ULs Tênis e Polícia encontra-se no nível 1 dos três domínios. Seria
esse um dos fatores influentes na construção de índices melhores de desempenho
no desenvolvimento da leitura das ULs? As duas ULs, de que se tratam,
pertencem ao mesmo gênero textual, em uma categorização mais ampla, ou
seja, inserem-se no gênero jornalístico. Essa informação contribui para
e analise de outra forma os resultados apresentados pelos sujeitos? Essas
questões geram outras hipóteses que se quer discutir, por isso, um olhar
mais pontual se faz necessário para que se tente responder aos questionamentos.
Todavia, devido aos limites deste trabalho, serão abordadas duas ULs na
íntegra, pertencentes ao dois primeiros grupos de desempenho para fins
de exemplificação.
|
Recuperação da Informação |
Interpretação da Informação |
Reflexão e Avaliação |
|
|
5 |
|
|
|
|
4 |
|
|
Pichação
(R081Q06B) |
|
|
|
Lago
Chade (R040Q03B) |
|
|
|
|
|
3 |
Polícia
(R100Q04) |
Polícia
(R100Q05) |
|
|
Lago
Chade (R040Q03A) |
Pichação
(R081Q05) |
|
|
|
Lago
Chade (R040Q06) |
|
|
|
|
|
|
2 |
Lago
chade (R040Q02) |
Pichação
(R081Q01) |
Pichação
(R081Q06A) |
|
|
|
|
|
1 |
Tênis
(R110Q05) |
Tênis
(R110Q01) |
Tênis
(R110Q06) |
|
Tênis
(R110Q04) |
Polícia
(R100Q07) |
|
|
|
Polícia
(R100Q06) |
|
|
|
Lago
Chade (R040Q04) |
|
|
|
|
|
|
Tabela 3: Nível e subescala de tarefas das ULs Tênis, Polícia, Pichação e Lago Chade
3.1.1
- Unidade de Leitura Tênis
O
texto desta UL é contínuo, previsto para uma situação de leitura para
instrução/educação em que é indicado pelo professor e o leitor –aluno–
vai em busca da informação como tarefa que faz parte de um processo mais
amplo de aprendizagem. O texto argumenta em favor do uso de calçado adequado
para a prática de esportes a fim de cuidar das articulações. Segundo o
PISA, o texto é um artigo informativo de revista e o tema é familiar.
Observando
a tabela 4, que nos apresenta o nível em que se encontram as tarefas propostas
para cada uma das leituras, verifica-se que as tarefas desta UL estão
no nível um de demanda nos três domínios, com escores que variam entre
356 a
405 pontos. Este aspecto é de grande relevância para a compreensão dos
resultados na UL.
A
questão R110Q01 – domínio II, n.1 – requer dos sujeitos o reconhecimento
do tema principal do artigo, sobre assunto familiar, estando ele sugerido
no subtítulo [subheading] e repetido várias vezes no corpo do texto. Por
essas razões, esta é a questão de escore mais baixo da UL (356 pontos),
considerada a mais fácil de ser resolvida (veja OECD, 2002a para visualização
completa da UL).
O que o autor procura mostrar nesse texto? (R110Q01)
A Que a qualidade de muitos sapatos esportivos tem melhorado muito.
B Que é melhor não jogar futebol se você tem menos
de 12 anos.
C Que muitos jovens estão sofrendo mais e mais ferimentos por causa
de seu preparo físico deficiente.
D Que é muito importante para jovens desportistas calçar
bons tênis adequados ao esporte. (OECD, 2002a)
De fato,
os sujeitos obtêm o melhor índice de acertos (89%) o que
lhes confere uma média de 317 pontos, revelando ainda que há
alunos que encontram problemas para reconhecer o tema principal de um
texto. No domínio RI, duas questões são propostas,
R110Q04 e R110Q05. A primeira, com escore de 392, pede que os sujeitos
localizem uma informação explícita dada no texto:
“De acordo com o artigo, por que os tênis não devem
ser muito duros?” (OECD, 2002a). A informação pode
ser considerada proeminente porque é possível localizá-la
com facilidade por meio da palavra “duros” que se encontra
perto de um dos subtítulos. A segunda, escore 405 – o mais
alto da UL –, requer que os alunos localizem várias informações
dadas explicitamente ao longo do texto para realizar a tarefa: “Uma
parte do artigo diz: “Um bom par de tênis deve atender a quatro
critérios”. Quais são esses critérios?”
(op. cit).
O desempenho dos alunos varia, havendo uma queda de 11% no índice
de acertos entre uma e outra questão. Na R110Q04, houve 80% de
acerto, enquanto, na R110Q05, foram 69% – a questão com menor
índice na UL. O trabalho com mais de uma informação
e com certo grau de competitividade requer habilidades distintas que uma
parcela maior dos sujeitos parece não dominar, não sendo
capaz de se orientar por alguns marcadores dados no texto – e.g.
primeiro, ainda, também, finalmente –, identificando, então,
qual a idéia central do parágrafo, normalmente resumida
na primeira sentença.
Por fim, a questão R110Q06 exige que o leitor seja capaz de fazer
a conexão entre duas partes de uma sentença específica,
percebendo que tipo de relação se estabelece entre elas.
A esta questão atribuiu-se o escore de 402 pontos, o que a aproxima
do limiar do nível 2 no domínio RA. Do escore atribuído
à tarefa, os sujeitos obtiveram uma média de 307, representando
76% de acerto.
“Para
evitar incômodos menores, porém dolorosos, como bolhas, rachaduras
ou mesmo pé de atleta (infecções provocadas por fungos),..." |
(primeira parte) |
“…o
sapato deve permitir a evaporação da transpiração e deve, também,
impedir que a umidade entre.” |
(segunda parte) |
“…o
sapato deve permitir a evaporação da transpiração
e deve, também, impedir que a umidade entre.” (segunda parte)
Qual é a relação entre a primeira e a segunda parte
da frase?
A segunda parte
A contradiz a primeira parte.
B repete a primeira parte.
C exemplifica o problema descrito na primeira parte.
D dá a solução para o problema descrito na primeira
parte. (OECD, 2002a)
Observando
o desempenho dos alunos calouros, sujeitos desta pesquisa (veja gráfico
5), percebe-se que embora tenham tido um bom percentual de acerto, isso
não implica em um nível alto de proficiência, pois
todas as questões têm escores no nível um dos três
domínios. Além disso, em nenhuma das questões, os
sujeitos conseguiram atingir o escore total; ou seja, há uma lacuna
entre o escore esperado e o escore obtido. E, quanto mais alto o escore
e, portanto, maior complexidade na tarefa de leitura, mais se distanciam
os dois índices.
Gráfico 5 – Desempenho na UL Tênis
3.2 –
Grupo de desempenho 2
Observar-se-á a UL Pichação, dentre as ULs que compreendem
este grupo, a fim de ampliar a compreensão do desempenho dos alunos
e suas habilidades de leitura. A observação do posicionamento
das tarefas desta UL nos domínios e níveis de proficiência
em leitura (veja tabela 3) mostra certo aumento na complexidade e dificuldade.
Há tarefas nos níveis 2 e/ou 3 e/ou 4, dos domínios
II e RA. O estudo do desempenho dos sujeitos nessas tarefas auxiliará
na compreensão do nível de proficiência geral apresentado
anteriormente.
3.2.1 - Unidade
de Leitura Pichação
Essa UL apresenta para a leitura duas cartas postadas na internet. Por
esse motivo, a esfera de abrangência (veja item 1.1 e 2.0) é
considerada pública. Considera-se o texto contínuo e as
tarefas simulam atividades comuns em atividades de leitura, pois ao ler,
constantemente, se faz sínteses, se comparam e contrastam idéias
apresentadas em duas ou mais fontes diferentes a partir da argumentação
elaborada para persuadir o leitor. Semelhantemente à UL Tênis,
presume-se que o assunto abordado seja do interesse dos alunos por: a)
inserir-se na discussão se a pichação deve ser tratada
como arte ou vandalismo e, b) mais uma vez, não ser um tema desconexo
da realidade.
Ao visualizar o desempenho nas tarefas realizadas, os sujeitos saíram-se
bem na R081Q01, tendo um índice de 86% de sucesso. Nas demais questões,
R081Q05, R081Q06A, R081Q06B, os percentuais de desempenho foram 47%, 66%
e 54%, respectivamente. Esses resultados necessitam ser contrastados com
as habilidades da tarefa e o nível em que cada uma delas se posiciona
no quadro geral (veja tabela 3 e gráfico 6).
A questão R081Q01 requer que os sujeitos identifiquem o propósito
comum de dois textos curtos, comparando as idéias principais de
cada um. Seu escore era de 421 pontos. A informação não
está posta de forma destacada, sendo necessário se fazer
uma inferência básica. O objetivo é saber se os sujeitos
são capazes de estabelecer uma compreensão global do texto,
reconhecendo seu propósito. Para tal, é necessário
sintetizar cada uma das cartas, entendendo as conexões internas
e externas. A dificuldade se põe ao pedir a comparação
entre os textos. Os resultados mostram que a maior parte dos alunos consegue
inferir o objetivo das cartas, assinalando a alternativa B. A outra resposta
com maior indicação é a D, informação
que está fortemente relacionada às primeiras linhas da primeira
carta e demonstra a dificuldade dos sujeitos, menos proficientes em leitura,
de transcender a idéia apresentada no início de um texto.
Eles formulam uma hipótese sobre o tema, mas não são
capazes de revê-la à medida que a leitura prossegue.
O objetivo
de cada uma dessas cartas é o de (R081Q01)
A. explicar o que é pichação.
B. apresentar uma opinião sobre pichação.
C. demonstrar a popularidade da pichação.
D. informar às pessoas o quanto se gasta para remover a pichação.
A R081Q05
é a segunda tarefa com escore mais alto nessa UL, 542 pontos, o
que a coloca no nível 3 do domínio II. Requer-se dos sujeitos
o estabelecimento de ligações lógicas entre as sentenças
a fim de comparar a publicidade e a pichação. Para responder
com sucesso a pergunta: “Por que Sofia se refere à publicidade?”,
os alunos precisam reconhecer a comparação construída
entre a publicidade e a pichação e a reposta esperada necessita
ser consistente com a idéia de que a publicidade é uma forma
legal de pichação. De fato, eles necessitam entender que
a referência à publicidade é uma estratégia
usada para defender a pichação.
Receberam o escore da questão aqueles que apresentaram respostas
que variaram desde a apresentação de informações
detalhadas ou apenas reconheceram a comparação feita pelo
autor. Todavia, ao se observar o gráfico 6, percebe-se que a média
de pontuação dos sujeitos foi menor (e/ou o índice
de porcentagem) do que o esperado. Mais da metade dos sujeitos não
compreendeu a estratégia utilizada para argumentar em favor da
pichação como uma forma de expressão e/ou comunicação.
Gráfico
6: Desempenho na UL Pichação.
A distância
entre o escore dos sujeitos e o escore esperado diminui na questão
R081Q06A. O primeiro compreende 471 pontos, enquanto o segundo atinge
um escore de 310. Em termos de habilidades, espera-se que os alunos sejam
capazes de comparar os posicionamentos apresentados nos dois textos com
suas atitudes e visão de mundo, sendo necessária a compreensão
geral de ao menos uma das duas cartas. Os alunos devem responder ao seguinte
enunciado: “Com qual das duas autoras você concorda? Explique
sua resposta usando suas próprias palavras para referir-se ao que
é dito em uma ou em ambas as cartas.” Percebe-se um aumento
do sucesso na resolução da tarefa, mas também um
decréscimo no grau de dificuldade: basta a compreensão de
uma das cartas a fim de que se possa justificar um ponto de vista. Entretanto,
os alunos apresentam um desempenho que pode ser considerado insuficiente
ante o tipo de texto – argumentativo –, e o gênero a
que pertence, explicitamente posto no cabeçalho geral que antecede
as tarefas: carta. Desde muito cedo, trabalha-se com tal gênero
na escola. O que teria levado a um índice restrito de sucesso seria
o fato de, diferentemente dessas, as que figuram no contexto escolar não
apresentarem função argumentativa ou, ainda desse aspecto
ser ignorado? Levanta-se essa hipótese pelo fato de, comumente,
se afirmar que a narração tem presença marcante no
gênero carta. Talvez, tenha-se perdido, do espectro do ensino, o
aspecto argumentativo de certas cartas que circulam nas esferas sociais
do letramento.
Não foram aceitas as respostas que apenas apresentaram citações
literais dos textos por se considerá-las muito restritas para dar
respaldo a um ponto de vista.
A última tarefa proposta, a R081Q06B, é a de maior escore
na UL: 581 pontos. Esta tem por objetivo fazer com que o aluno use seu
conhecimento formal para avaliar o trabalho do escritor pela comparação
das duas cartas. Situada no segundo nível mais alto de demanda,
é classificada como tarefa de reflexão e avaliação
porque precisa que os alunos se apóiem em sua própria compreensão
do que constitui um bom texto escrito para, então, avaliar as cartas.
Nós
podemos falar sobre o que a carta diz (seu conteúdo).
Nós podemos falar sobre a forma na qual a carta é escrita
(seu estilo).
Qualquer que seja a carta com a qual você concorda, qual das autoras
escreveu a melhor carta? Explique sua resposta referindo-se ao modo como
a carta escolhida foi escrita (ou como ambas as cartas foram escritas).
(R081Q06B)
O desempenho
dos alunos cai significativamente se compararmos o escore esperado e o
obtido. Tal fato faz pensar que não foram desenvolvidas nos alunos
as habilidades relacionadas à avaliação crítica
da estrutura e do estilo de um texto, lembrando que, no enunciado da tarefa,
se faz menção direta ao aspecto a ser avaliado.
A análise das tarefas dessa UL corrobora para o pensamento que
vem sendo desenvolvido sobre o desempenho dos sujeitos nesta pesquisa.
Percebe-se que a construção de uma reflexão mais
elaborada acerca do texto foge ao escopo de processamento da maioria dos
alunos.
4 –
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este trabalho propõe-se à tessitura de ‘considerações’
(e não conclusões) a respeito do que se discutiu até
o momento. Percebe-se mais do que nunca que há várias facetas
a serem estudadas e diferentes cruzamentos a se fazer a partir do grande
volume de informações levantado no momento da testagem.
Os dados aqui apresentados descortinam apenas parte do cenário
que compõe o letramento dos alunos calouros desta pesquisa e, ousar-se-ia
afirmar que a parte mais animadora, pois não entraram na análise
as ULs em que os sujeitos obtiveram as menores percentagens de sucesso
e os escores mais restritos de aproveitamento. Entretanto, há mais
luzes a serem lançadas nessa complexa e intrigante configuração,
pois além de outros cruzamentos e comparações que
precisam ser feitas a partir do estudo das ULs, há também
as informações dos dois questionários – socioeconômico
e de hábitos de estudo – que permitirão ampliar ainda
mais o conhecimento dos sujeitos, na tentativa de encontrar melhores caminhos
para a transformação, que se crê, necessária.
Por ora, as considerações que seguem revelam a necessidade
de se olhar para o letramento com maior atenção.
Um dos aspectos que os dados tornam evidente é a fragilidade do
desenvolvimento de competências e habilidades de leitura na maior
parte dos sujeitos testados. As tarefas que apresentam desempenho satisfatório,
ante a formação escolar, são as encontradas no nível
1 de proficiência e, mesmo elas, se tomadas em sua média
apresentam debilidade, pois o escore médio geral esperado é
de 391 pontos; ou seja, representa uma pontuação que se
situa no nível 1 de proficiência, mas em um limiar bastante
próximo do nível 2. Contudo, a média dos sujeitos
na resolução das tarefas pertencentes a esse nível
é inferior ao menor índice para o nível 1; isto quer
dizer que os 327 pontos de média obtidos pelos alunos não
alcança a pontuação mínima esperada para o
nível 1 de proficiência que é de 335 pontos.
Mais uma vez, se faz necessário esclarecer que isso não
significa que os alunos sejam iletrados, mas sim que possuem, em seu desenvolvimento,
uma bagagem insuficiente de capacidades e habilidades o que os deixa vulneráveis
na compreensão de textos e, por decorrência, os prejudica
na continuidade de seu desenvolvimento acadêmico.
Diante desse quadro, é notório que ao se computar as tarefas
que envolvem os outros níveis de proficiência, conforme demonstrado
nos gráficos 2 e 4, amplia-se a distância entre o esperado
e o obtido. O aspecto mais contundente é a confrontação
com um escore bem abaixo do que se considera o mínimo necessário
para a cidadania. Fica a pergunta: o que se pode pensar quando os sujeitos
em questão são partícipes do ensino universitário?
Como se poderá dar prosseguimento a formação crítica
de alunos que carecem de habilidades básicas de uma competência
fundamental, o letramento?
Evidencia-se também que a escola de formação básica
tem compreendido apenas parcialmente as necessidades com que se depararão
seus egressos e, basicamente, os tem instruído para lidar com textos
que lhe são próprios. O desempenho dos sujeitos nas ULs
Tênis e Polícia são exemplos do que se coloca. Ambos
são textos esperados em situação educacional, abrindo
a possibilidade de se pensar que os gêneros da mídia impressa
têm penetração maior na esfera escolar em detrimento
de outros. Assim, o conhecimento prévio dos alunos parece ter facilitado
ao menos a resolução das tarefas mais simples, pois grande
parte obteve o escore esperado, demonstrando que foram capazes de construir
o modelo mental do texto (GERNSBACHER, 1990, 1997; WHITNEY, RITCHIE e
CLARK, 1991; VAN DEN BROEK et al., 1995; LEFFA, 1996; KLEIMAN, 1999).
Outra preferência escolar que os dados revelam é a primazia
com o trabalho de recuperar informações. Localizar, identificar,
localizar e combinar informações simples são habilidades
que ela, em princípio, tem desenvolvido com certa eficácia;
todavia, tem, por alguma (ou várias) razão(ões),
negligenciado o trabalho que exige a interpretação, ou seja,
a construção de sentidos, e a reflexão que requer
habilidades de natureza mais abstrata e/ou hipotética. Dessa forma,
restringe a formação e o desenvolvimento de muitos para
quem o acesso ao texto se dá quase que exclusivamente por meio
da escola.
Demonstrações das restrições geradas encontram-se
nos baixos índices de desenvolvimento das tarefas propostas nas
duas categorias que envolvem níveis de processamento mais altos:
interpretação da informação e reflexão
e avaliação. Mas o que estaria gerando esse enfoque tão
restrito de trabalho com o texto? Foge ao escopo deste trabalho responder
a essa questão; entretanto, aponta-se o caminho para outra investigação:
desvendar as razões da preferência escolar por um trabalho
que privilegia o processamento de informações primárias
e literais, essencialmente, ou seja, as relações de representação
textual (KINTSCH & VAN DIJK, 1978).
Ao se considerar o letramento um conceito dinâmico, resultante das
modificações sociais e culturais e, que, por conseqüência,
tem tido seu espectro de abrangência ampliado, percebe-se que a
defasagem, em termos de capacidades e habilidades de leitura, merece profunda
reflexão. O aumento gradativo no elenco de capacidades e habilidades
que compõem as exigências do ser letrado gera, por sua vez,
necessidades de aprendizagem cada vez maiores, diante da sofisticação
dos usos da leitura e da escrita.
Pairam, então, algumas perguntas: o que acontecerá ao longo
da formação do acadêmico na universidade? Quem o auxiliará
a vencer as lacunas de sua formação? Como a universidade
tem tratado e tratará a existência de tal déficit?
Os cursos, através das disciplinas que oferecem, conseguem modificar
a bagagem dos alunos? Os cursos de formação de professores
têm consciência da necessidade do desenvolvimento da competência
do ser letrado? É premente a necessidade de mais pesquisas na área
para que a compreensão desse quadro se amplie.
Por ora, ainda se quer ressaltar que a maior parte dos alunos, em torno
de 70%, nasceu na década de 80 (veja item 1.1), tendo deixado os
bancos da escola faz pouco tempo. Não é possível
atribuir as lacunas apresentadas a uma realidade distante. Faz-se necessário
compreender que a mesma instituição que formou os alunos
que estão chegando à universidade, será a que estará
formando aqueles que estarão ingressando no ensino superior nos
próximos anos. Ao se desejar uma universidade de qualidade, não
há como ignorar os dados que foram aqui discutidos. A qualidade
de quem ingressa dará o tom e as matizes dos cursos acadêmicos.
Por essas razões, duas questões se põem como urgentes:
a) a necessidade urgente de se estabelecer uma parceria com a instituição
de formação básica a fim de transformar a compreensão
do que é tornar um cidadão letrado; e b) a revisão
dos currículos dos cursos de formação dos professores
que precisam contemplar uma formação sólida nas competências
do letramento.
Se a universidade apenas observar essa realidade, sem se posicionar, estará
correndo o risco de ter que interromper o curso da construção
de um profissional qualificado para assumir uma formação
que, em princípio, não lhe compete, mas que é pré-requisito
para sua própria existência.
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