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  INVESTIGAÇÕES MATEMÁTICAS E TECNOLOGIAS DE INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO

Fernando Lorenzo Paschoal - UNICAMP/FE
André Corrêa Lanzoni - UNICAMP/FE

Introdução

A partir do relato e da análise de experiência desenvolvida em turmas de 7.ª e 8.ª séries, este artigo pretende provocar uma discussão a respeito do uso de novas tecnologias em um contexto de investigações matemáticas, usando, em particular o computador e o software Microsoft Excel.

A pesquisa de campo foi realizada no primeiro semestre de 2005 em uma escola particular de Campinas, no Estado de São Paulo. O material de análise é composto por registros e relatórios dos alunos, diários de campos dos pesquisadores e gravações em vídeo.

Inicialmente, em discussão no Grupo de Sábado (GdS ), levantaram-se algumas questões relativas a uma atividade mostrada por Ponte et al. (2003), encorajando-nos a utilizá-la para o desenvolvimento deste trabalho.

Na tarefa proposta, devem ser encontrados padrões envolvendo números, a partir dos quais os alunos elaboram conjecturas, as testam e devem demonstrá-las, estando o uso de computadores envolvido nessas três etapas.

Diante da necessidade de manipular expressões algébricas para desenvolver a demonstração de suas conjecturas, os alunos de 7.ª série explicitaram certa dificuldade, motivo pelo qual a tarefa também foi proposta para a 8.ª série. Na última turma evidenciou-se a importância de saber usar a linguagem algébrica para realizar a última etapa do trabalho.

Os resultados deste trabalho oferecem elementos a partir dos quais procuramos identificar potencialidades e limitações do uso de novas tecnologias (em particular do computador, com uso do software Microsoft Excel) nas investigações matemáticas e que aspectos merecem atenção numa discussão a esse respeito, mantendo em pauta o papel do professor nesse tipo de contexto.

O computador e as investigações matemáticas na sala de aula

Qualquer indivíduo da sociedade atual está sujeito à ação das tecnologias da informação e da comunicação, tornando-se imprescindível estar preparado para “compreender, utilizar e criar conhecimento fundamentado nos recursos propiciados pelas novas tecnologias” (Franco, 2004, p. 1).

Nesse contexto, “a integração das TICs na educação pode efetivamente contribuir para a transformação do contexto escolar, modificando-o para um processo muito mais dinâmico de mudança e melhoria curricular e social” (Franco, 2004, p. 8).

De acordo com os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN, 1998) de 5.ª a 8.ª série, “com o advento da era da informação e da automação e com a rapidez, antes impensada, na realização dos cálculos numéricos ou algébricos, torna-se cada vez mais amplo o espectro de problemas que podem ser abordados e resolvidos por meio do conhecimento matemático” (p. 25).

Entretanto, o uso indiscriminado e não crítico de computadores na educação pode ter efeitos negativos, como apontado em Marques e Caetano (2002): “se a função do computador não for bem compreendida e ele for implementado na escola como virador de páginas de um livro eletrônico, ou um recurso para fixar conteúdo, corremos o risco de informatizar uma educação obsoleta, fossilizando-a definitivamente” (p. 139).

Ponte (1997), citado em Azevedo (2002) deixa claro que é responsabilidade dos educadores determinar como, quando e com que finalidade deve-se utilizar o computador já que este, por si só, não induz uma pedagogia.

O processo de ensino e aprendizagem de Matemática envolve vários elementos. Práticas, conceitos, abordagens e tendências fazem parte desse cenário e exigem um tratamento específico que, alimentando as ações a serem tomadas, pode aprofundar e ampliar as visões que a ele servem de fundantes. A partir dessa perspectiva, a investigação matemática não se coloca como uma “provedora” de fundamentos teóricos a partir da qual, linear e conseqüentemente, a prática poderá realizar-se.

A aprendizagem em Matemática, segundo Gravina e Santarosa (1998), depende de ações que caracterizam o “‘fazer matemática’: experimentar, interpretar, visualizar, induzir, conjecturar, abstrair, generalizar e enfim demonstrar” (p. 1). Para Ponte et al. (2003), o investigar matemática “constitui uma poderosa forma de construir conhecimento” (p.10), caracterizado pela dinâmica conjectura-teste-demonstração, com importância destacada pelos PCNs (1998, p.26): “a partir da observação de casos particulares, as regularidades são desvendadas, as conjecturas e teorias matemáticas são formuladas”.

Um tema em investigação matemática pode, então, adquirir significados mais profundos à medida que também seja olhado atenta, crítica e reflexivamente sob várias perspectivas, sujeitos a novos pontos de vista. A multiplicidade de perspectivas enriquece significativamente o fenômeno do mesmo modo que a variedade de temas a serem enfocados são necessários para que um espectro mais global da investigação matemática seja formado.

A tarefa proposta

Tal como em Ponte et al. (2003, p. 27) foi proposta aos alunos a tarefa abaixo:

EXPLORAÇÕES COM NÚMEROS

Procurem descobrir relações entre os números:

0

1

2

3

4

5

6

7

8

9

10

11

12

13

14

15

16

17

18

19

...

...

...

...

 

Registrem a seguir as conclusões que foram obtendo.

E foram acrescentadas por nós as seguintes orientações:

Orientações

A primeira fase da tarefa é observar a tabela e fazer afirmações (relações entre os números): são as conjecturas. Depois é necessário testar cada conjectura para ver se está correta: é o teste. Por último, quando há certo convencimento de que as conjecturas são válidas, é preciso justificar sua validade, desenvolvendo a demonstração. Façam todos os registros no espaço destinado. Se precisarem, podem anexar outras folhas ao trabalho.

Ao final da primeira etapa (estabelecimento de conjecturas e testes) o material foi recolhido, analisado e devolvido em momento posterior junto com o que segue:

NA SALA DE AULA

1. Releiam o que desenvolveram quando estabeleceram conjecturas na primeira vez que trabalharam com a tarefa “explorando números”.

2. Procurem justificar as afirmações que fizeram. Sejam claros e usem argumentos que garantam sustentação às justificativas.

3. Procurem ajuda do professor sempre que necessário.

4. Havendo tempo, podem procurar novas relações. Sempre é possível ir além!

NO COMPUTADOR

1. Construam a tabela usada para a exploração.

2. Procurem localizar na tabela as relações já estabelecidas por vocês. Usem os recursos oferecidos pela tecnologia (expandir a tabela, copiar e colar, cores, grifos etc.).

3. Usem o trabalho no computador para procurar formas de explorar mais as conjecturas e justificá-las com mais cuidados.

4. Aproveitando o que está na tela, procurem identificar novas relações entre os números. Ficou mais fácil?

5. Verifiquem o que estão desenvolvendo usando o computador e identifiquem facilidades e dificuldades proporcionadas pelo computador. Registrem tudo em suas folhas.

6. Procurem esclarecimentos e troquem idéias com o professor.

7. Gravem o trabalho.

O desenvolvimento das aulas

7.ª série

A turma foi dividida em 7 grupos de 2 ou 3 alunos, orientados para fazer todos os registros na folha fornecida.

Foi necessário esclarecer à turma toda que atividades os alunos fariam diante da tarefa proposta, pois inicialmente não demonstraram clareza a respeito do que iriam desenvolver.

Na lousa, com a tabela reproduzida, professor e turma juntos identificaram algumas relações, como “a primeira coluna tem os múltiplos de 4”; “a primeira e a terceira só têm números pares; as outras só números ímpares”.

Identificadas as primeiras relações, os grupos começaram a trabalhar, continuando a identificar fatos relativamente elementares, sendo necessário estimular cada grupo a elaborar melhor as conjecturas, chegando a, por exemplo, operações entre números da tabela e seus resultados.

Ao final dessa primeira aula, os alunos entregaram suas produções, tendo somente um grupo iniciado a fase da demonstração.

A aula seguinte foi dedicada à socialização das conjecturas. Apesar de não existirem demonstrações, cada grupo foi à lousa e apresentou as relações que descobriram aos amigos, que, intervindo, acabavam por proporcionar, com entusiasmo, o estabelecimento de novas relações, revelando um momento enriquecedor para o trabalho.

No novo encontro foi proposto aos alunos finalizarem o trabalho revendo a conjectura previamente selecionada pelos professores tentando demonstrá-la.

O uso do computador iniciou-se nessa etapa: um grupo por vez foi à sala de informática, acompanhado por Fernando, procurar retomar e ampliar o que fora desenvolvido, continuando seu trabalho. Usaram principalmente o recurso do autopreenchimento para ampliar a tabela, as cores para destacar as relações estabelecidas, ferramenta pincel para repetir as cores seguindo os padrões e fórmulas (simples) para efetuar automaticamente cálculos repetitivos (estas também aliadas ao autopreenchimento, ganhando velocidade).

Os demais alunos, em sala, contavam com a assistência de André, que buscou orientá-los na fase da demonstração das conjecturas, oferecendo o recurso da álgebra como ferramenta importante para o trabalho.

Como será discutido adiante, a demonstração das conjecturas propostas pelos alunos da 7.ª série foi uma etapa bastante difícil, motivando o uso da mesma tarefa com a turma da 8.ª série.

8.ª série

A partir das observações feitas com a turma da 7.ª série, fomos motivados a trabalhar a mesma tarefa com a turma da 8.ª série para averiguar o uso das operações com expressões algébricas na fase da demonstração das conjecturas.

A tarefa foi apresentada aos alunos e, na lousa, Fernando reproduziu parte da tabela, pedindo para que os alunos estabelecessem uma conjectura. Propuseram: “na mesma linha, o primeiro número mais o último dá o mesmo resultado que o segundo mais o terceiro”.

Alguns testes mostraram que a conjectura era válida. Passamos, então, para a demonstração. Foi lançada a pergunta para a turma: “a afirmação vale nestas primeiras linhas, mas como garantir que vale em todas? Como mostrar que não haverá nenhuma linha em que a conjectura falhe?”

Inicialmente de forma não muito organizada houve a sugestão de usar letras: x para o primeiro elemento, y para o segundo, z para o terceiro e w para o quarto elemento da mesma linha, o que não levou à demonstração da conjectura.

Orientamos os alunos que observassem alguma propriedade da tabela para, então, colocar letras que as preservassem. Foi quando surgiu x para o primeiro elemento, x + 1 para o segundo e assim por diante.

Alguns alunos perceberam, imediatamente, que a soma de x e x + 3 resultava na soma de x + 1 e x + 2, garantindo a validade da conjectura em qualquer linha da tabela. A turma mostrou-se familiarizada com a linguagem algébrica e mostrou clareza ao sistematizar a demonstração.

Com a turma dividida em 6 grupos de 2 ou 3 alunos iniciou-se o trabalho de investigação. Foram sendo chamados grupos para ir ao computador continuar sua exploração, elaborar conjecturas e iniciar a demonstração usando os recursos disponíveis com o Microsoft Excel (autopreenchimento, localizar valores, preenchimento com cores etc.).

Recolhido e analisado o material desenvolvido pelos grupos na primeira aula, o encontro seguinte foi de socialização das conjecturas. Mostrando as conjecturas estabelecidas aos amigos, cada grupo teve sugeridas quais delas deveriam cuidadosamente ser retomadas e demonstradas. Mais uma vez a interferência dos colegas ajudou a enriquecer o rol de conjecturas de maneira entusiasmada.

As duas aulas seguintes foram destinadas à finalização do trabalho, quando os grupos, um a um, continuaram a usar o computador, sempre com acompanhamento de Fernando. Os demais permaneciam em sala contando com a assistência de André.

Analisando e interpretando fatos

Embora situados em um mesmo trabalho, sala de aula e sala de informática ofereceram diferentes elementos para análise, que será feita de forma separada.

Havia vários grupos e todos mereceram uma análise detalhada da atividade desenvolvida por seus integrantes. Porém, identificamos vários elementos que podem ser expostos ao leitor através do estudo mais cuidadoso do trabalho de um número reduzido de grupos.

I. Com o computador

Como esperado, cada grupo reagiu de uma forma à tarefa proposta e à idéia de uso do computador em seu trabalho, levantando vários aspectos referentes ao uso de tecnologias num ambiente de investigação matemática.

Na sala de informática, o estudo é baseado em um grupo de 8.ª série, que permitiu, assim como outros grupos (de 7.ª ou 8.ª série), levantar diferentes potencialidades e limitações do uso do computador na tarefa proposta.

Após a tarefa ser apresentada, os grupos da 8.ª série, apesar de não ter contato anterior com tarefas investigativas, mostraram-se entusiasmados com o tipo de trabalho e logo iniciaram a formulação de conjecturas.

Dada essa empolgação, um grupo iniciou a procura pelos quadrados perfeitos, encontrando dificuldades para calculá-los e encontrá-los na tabela, uma vez que precisariam expandi-la consideravelmente para fazer os testes necessários.

O momento foi adequado para uma interferência :

Fernando: O que apareceu por aqui?

Paulo: Estamos procurando números vezes eles mesmos.

Thales: Elevados ao quadrado.

Fernando: Os quadrados perfeitos, certo?

Paulo: Isso mesmo.

Fernando: Acharam alguma coisa?

Paulo: É, aqui dá para ver o 4, o 9 e o 16.

Thales: Mas vamos precisar aumentar a tabela para encontrar outros.

Fernando: Certo.

Prosseguiram alongando manualmente a tabela na própria folha, ficando não muito ogranizado. Após encontrarem mais alguns quadrados perfeitos (25, 36 e 49), o grupo passou a mostrar certo descontentamento:

Thales: Professor, vamos mudar. Está ruim para trabalhar com os quadrados perfeitos. Eles estão ficando grandes, a tabela é pequena e não está sendo fácil observar regularidades.

Fernando: O trabalho de vocês está muito interessante. Como poderia ficar mais fácil?

Paulo: Uma calculadora já está ajudando, mas dá trabalho prolongar a tabela e está ficando muito desorganizada nossa folha.

Fernando: Vamos tentar prosseguir no computador?

Esboçaram ao mesmo tempo estranheza (como se não estivessem crendo que o computador iria ajudá-los) e empolgação (por mudar de ambiente e ir usar o computador).

Segundo Mercado (2002, p. 151), as novas tecnologias contribuem para a aprendizagem pois “muitos alunos mostram mais interesse em aprender e se concentram mais” e “estimulam a busca de mais informação sobre determinado assunto e um maior número de relações entre as informações”.

Evidencia-se, nesse momento, uma potencialidade do computador: aproveitar o tempo, realizando rapidamente procedimentos mecânicos, mantendo organização e limpeza do trabalho e permitindo obter maior quantidade de informações para análise.

Diante da máquina, com o Microsoft Excel aberto e uma planilha em branco, perguntaram o que já era previsto: o que vamos fazer?

Orientados a reproduzir a tabela não hesitaram em reclamar, após algumas linhas preenchidas:

Thales: Está parecendo mais organizado, mas para fazer a tabela assim, posso fazer na mão mesmo. Vai até mais rápido.

Fernando: Ótimo. O computador está aí para ajudar. Vamos usar o recurso de autopreenchimento.

Não conheciam o recurso, mas em instantes foram capazes de utilizá-lo. Após um arrastar de mouse, ficaram empolgados com a tabela prolongada até dezenas de milhares:

 

Determina-se manualmente a seqüência e, arrastando o vértice inferior direito da seleção, ...

... obtém-se a tabela expandida. Acima, a parte que se pode ver na tela com 100% de zoom.

 

 

Com outro recurso simples, o de preencher células com cores, destacaram alguns quadrados perfeitos, notando logo que sem calculadora seria muito demorado prosseguir.

 

 

 

Paulo: Vamos usar a calculador do Windows.

 

Fernando: Vocês poderiam, claro. Mas ainda seria necessário ficar fazendo cálculo por cálculo, certo? Vamos ser mais práticos.

 

 

 

Rapidamente criamos uma tabela auxiliar com números naturais e, ao lado, com uma simples fórmula e o autopreenchimento, calculamos seus quadrados.

 

Feitos os cálculos, passou a ser necessário percorrer a tabela até encontrar cada quadrado perfeito, o que acabou por complicar o trabalho do grupo devido à extensão da tabela.

 

Usaram, então, o recurso localizar. Encontraram facilmente os números e os destacaram.

 

Localizando os números procurados na extensa tabela, os alunos estão também analisando aquilo que já desenvolveram, indicativo de potencialidade da informática.

 

 

 

Fernando: Já está suficiente?

 

Paulo: Acho que sim. Com todos esses números dá para ver alguma coisa.

 

Thales: Mas só dá para ver uma parte da tabela na tela. Ela é muito maior do que isso que estamos vendo.

 

Fernando: Ok. Estão vendo ali, aquela porcentagem? Reduzam.

 

Paulo: Legal, mas não dá para ver os números [porque ficaram muito pequenos com zoom de 25%]. Só as cores.

 

Thales: É, mas já dá para ver que eles estão sempre na primeira e na segunda fileiras [colunas].

 

Fernando: E o que mais?

 

 

 

Após alguma discussão conjecturaram que os quadrados perfeitos aparecem alternadamente na 1.ª e na 2.ª colunas.

 

Mais além de realizar procedimentos repetidos com rapidez e organização e analisar aquilo que foi desenvolvido, os recursos visuais oferecidos pelo computador constituem mais uma potencialidade ao facilitar a construção de conjecturas e realizar testes relacionados.

 

Figura 2 – trecho de
tabela desenvolvida pelos alunos, com quadrados perfeitos calculados ao lado
e destacados com cores.

 

Fernando: Por que isso tudo acontece?

Paulo: Os números da 1.ª coluna são pares e os da 2.ª coluna são ímpares.

Thales: Par vezes par dá par e ímpar vezes ímpar dá ímpar.

Fernando: É, mas e as duas últimas colunas? Não há nenhum quadrado perfeito nelas?

Thales: Parece que não. Com todos os testes que fizemos...

Fernando: Por quê?

Paulo: A primeira coluna só tem múltiplos de 4. Múltiplo de 4 vezes múltiplo de 4 continua sendo múltiplo de 4. Já dá para começar...

Com o tempo esgotado, voltaram para a sala para finalizar a demonstração, desenvolvida com certa facilidade, uma vez que já dominavam recursos algébricos suficientes (principalmente produtos notáveis) para as justificativas.

A demonstração não foi levada ao cabo com o uso de computador, mas o episódio indica que um esboço mental para justificar as conjecturas foi elaborado ao examinar o que foi obtido com auxílio da máquina.

De fato, a finalização da demonstração só pode ocorrer a partir da análise, da reflexão e do raciocínio dos alunos envolvidos. Nesse ponto, a máquina encontra-se limitada ao não substituir o intelecto humano. Pode, se conveniente, substituir o lápis e o papel no momento de registro, mas não na elaboração de justificativas para as conjecturas estabelecidas.

As potencialidades oferecidas pelas novas tecnologias não se limitam somente aos recursos oferecidos pela máquina; eles permitem que a investigação se desenvolva de forma consistente ao evitar que os alunos se mantenham presos a cálculos repetitivos e permitir que analisem com mais clareza seu trabalho.

Mais ainda, o trabalho com o computador “se adapta a distintos ritmos de aprendizagem” (PCN, 1998, p. 44), assim como o das investigações, garantia de que todos os alunos possam se envolver com a atividade.

Não podem deixar de ser analisadas, entretanto, as possíveis limitações inerentes ao uso da informática em investigações matemáticas.

Ao permitir que o computador expandisse a tabela e efetuasse automaticamente todos os cálculos os alunos não precisaram escrever aquilo que ia ser analisado, talvez eliminando parte da reflexão que poderia existir nos detalhes intrínsecos às construções que acabaram sendo feitas pela máquina, pois, segundo Smole (2002), a escrita em matemática encoraja a reflexão, clareia idéias e “escrever ajuda o aluno a aprender o que está sendo estudado”. O aluno Valdir , de outro grupo, apontou em seu questionário:


A necessidade de conhecer os recursos tecnológicos utilizados para realizar o trabalho pode ser analisada sob dois aspectos:

a) como limitação para o uso da informática nas tarefas propostas (sem domínio das ferramentas o professor não tem como usá-las de forma eficaz e, se os alunos não as conhecem, elas precisam ser ensinadas, exigindo acompanhamento grupo a grupo pelo professor, como feito nesta experiência) e

b) como possibilidade de inclusão digital dos alunos envolvidos no trabalho, quando podem adquirir o conhecimento de novas ferramentas tecnológicas, imprescindíveis para a sobrevida na sociedade atual.

Colocando em questionário, os alunos apontaram nitidamente que o computador teve participação fundamental ao efetuar procedimentos repetitivos, como expandir a tabela e calcular valores necessários, mostrar, através das cores, as regularidades existentes nas conjecturas e manter organizado o trabalho (permitindo também novas descobertas):

Mas deixaram claro que lápis e papel são indispensáveis para seus rascunhos, para a escrita (principalmente na demonstração) e para o uso de certos símbolos e diagramas, o que mostra que souberam diferenciar o computador como ferramenta auxiliar na investigação:

As orientações propostas sugeriram aos alunos uma seqüência conjectura – teste – demonstração, nesta ordem. De fato, a demonstração foi a última etapa do trabalho, mas conjectura e teste acabaram por não obedecer a uma ordem cronológica. No grupo analisado, por exemplo, a conjectura chegou a sua fase mais elaborada após os testes realizados com auxílio dos recursos oferecidos pelo computador e pelo software.

II. Sistematizando a investigação em sala de aula

A quase impossibilidade de uma única pessoa ou um único grupo abarcar todas as perspectivas e todos os temas em investigações matemática na sala de aula justifica restringirmos, aqui, o domínio de estudo e optamos por tratar, neste tópico, a questão da linguagem matemática e as dificuldades de demonstrar matematicamente uma conjectura para alunos de 7.ª e de 8.ª série.

7.ª série

Para os alunos da 7.ª série a álgebra foi introduzida desde o ano anterior e retomada durante o ano de desenvolvimento da atividade. Têm noções de generalizações e operações elementares com expressões algébricas.

Num primeiro contato com a atividade, um grupo constituído de 3 alunos apresenta a seguinte conjectura: “a soma de todos os números de uma mesma linha está na 3.ª coluna”.

Para o segundo passo, nomeado teste, era necessário expressar com números da tabela a consistência da respectiva conjectura:

1.ª linha

0 + 1 + 2 + 3 = 6

®

3.ª coluna

2.ª linha

4 + 5 + 6 + 7 = 22

®

3.ª coluna

3.ª linha

8 + 9 + 10 + 11 = 38

®

3.ª coluna

As dificuldades surgiram na generalização necessária para a demonstração. Seguindo orientações do professor, passaram a experimentar escrever:

1.ª coluna

2.ª coluna

3.ª coluna

4.ª coluna

 

 

4x

4x + 1

4x + 2

4x + 3

Soma:

16x + 6

 

Mesmo generalizando, através da álgebra, os elementos de cada coluna, os alunos não conseguiram achar que relação existia entre 16x + 6 e 4x + 2 para comprovar a conjectura, que seria facilmente identificada fazendo 16x + 6 = 16x + 4 + 2 = 4 . (4x + 1) + 2, que é um número da 3.ª coluna por ser múltiplo de 4 acrescido de 2.

Em resposta ao questionário proposto aos alunos após o fim do trabalho essa dificuldade foi bastante apontada: “encontrar as relações entre os números foi o processo mais fácil da atividade, pois só tínhamos que prestar atenção na tabela”.

8.ª série

Um grupo de 3 alunos propôs-se a estudar a conjectura “os quadrados perfeitos estão sempre na primeira ou na segunda colunas da tabela, de forma alternada”.

O teste iniciou-se na sala de aula, passando em seguida para o uso do computador, como descrito acima.

De volta à sala, os alunos dedicaram-se à demonstração, para a qual usaram constantemente a linguagem algébrica:

1.ª coluna

2.ª coluna

3.ª coluna

4.ª coluna

4n

4n + 1

4n + 2

4n + 3

1.ª coluna: (4n)² = 16n², que é múltiplo de 4e, portanto, pertence à primeira coluna.

2.ª coluna: (4n + 1)² = 16n² + 8n + 1, que é múltiplo de 4 somado a 1 e, portanto, pertence à segunda coluna.

3.ª coluna: (4n + 2)² = 16n² + 16n + 4, que é múltiplo de 4 e, portanto, pertence à primeira coluna.

4.ª coluna: (4n + 3)² = 16n² + 24n + 9 = 16n² + 24n + 8 + 1, que é múltiplo de 4 somado a 1 e, portanto, pertence à segunda coluna.

Os alunos mostraram propriedade no uso de operações com expressões algébricas (e em particular dos produtos notáveis) ao desenvolvê-las e interpretá-las (identificando múltiplos de 4 e múltiplos de 4 mais 1), facilitando a demonstração, que ficou bem consolidada com o uso da linguagem algébrica.

Promover comunicação em matemática é dar aos alunos a possibilidade de organizar, explorar e esclarecer seus pensamentos. O nível ou grau de compreensão de um conceito ou idéia está intimamente relacionado à comunicação bem sucedida deste conceito ou idéia.

Quanto mais os alunos têm oportunidade de refletir sobre um determinado assunto, falando, escrevendo ou representando, mais eles compreendem o mesmo.

No decorrer dessa atividade na 7.ª série os professores envolvidos avaliaram a necessidade de um maior domínio da álgebra. A avaliação tem a função de permitir que educador e educando detectem pontos frágeis, certezas e que extraiam as conseqüências pertinentes sobre para onde direcionar posteriormente a ênfase no ensino e na aprendizagem. Ou seja, a avaliação tem caráter diagnóstico, de acompanhamento em processo e formativo.

Ratificando nossa argumentação inicial da necessidade de se trabalhar essa tarefa com alunos que tenham conhecimentos consolidados em álgebra, esse rápido episódio ajuda a explicar os diferentes resultados, em termos de demonstração, obtidos na turma da 8.ª série.

A turma da 7.ª série não finalizou a demonstração por falta de domínio das operações com expressões algébricas, mas mostrou potencial criativo equiparável ao da 8.ª série diante da tarefa proposta.

Considerações finais

Neste trabalho, enquanto houve produção matemática dos alunos, pudemos obter algumas pistas em respeito ao uso de tecnologias num ambiente de investigação.

O entusiasmo dos alunos quando sabem que vão usar o computador é nítido: sair da sala de aula, mudar de ambiente e usar um objeto atrativo é motivo para maior interesse ao desenvolver uma atividade.

Pensando no computador como ferramenta voltada para a investigação matemática (e não simplesmente para editar um texto, por exemplo), foram identificadas potencialidades, principalmente relacionadas ao uso dos recursos gráficos e de cálculos que podem ser exploradas ao planejar uma atividade que prevê a participação de recursos tecnológicos.

Ao diminuir a parte repetitiva da tarefa, os alunos podem dispensar mais energia em identificar regularidades que permitam criar e testar conjecturas. Estando o trabalho organizado e limpo e com a facilidade para usar cores e outros recursos para destacar partes que devem ser observadas, podem também encontrar novas conjecturas somente com o apelo do visual.

Mas uma visão crítica e cuidadosa do professor é indispensável ao analisar a possível existência de limitações implicadas no uso das tecnologias, e em particular do computador, que podem diminuir a eficácia da atividade em desenvolver o saber matemático; é importante saber determinar em que momento o uso do computador, calculadora ou outro recurso deve ser introduzido, não podendo ser abandonados os aspectos da leitura, da escrita e da oralidade.

Não pode deixar de ser analisada a viabilidade de usar a tecnologia para o tipo de investigação que se deseja fazer. Por exemplo, para uma tarefa que prevê dobras e cortes em papel pode não ser indicado o uso do computador, da mesma forma que um software mal empregado pode excluir toda a possibilidade de investigação na aula. Até em uma mesma tarefa, diferentes conjecturas podem ou não ter no computador utilidade.

O professor, nesse contexto, deve procurar dosar adequadamente o uso da tecnologia disponível e das suas interferências no trabalho dos alunos, caminhando em direção à eficácia do fazer matemática.

Dentro do contexto que envolve as tecnologias, fatos inerentes ao saber matemático permanecem presentes e não podem ser excluídos do estudo.

Mesmo tendo como foco o uso de computadores neste trabalho, não nos escapa a análise de fatores “não tecnológicos”. As orientações dadas aos alunos pressupunham a seqüência conjectura – teste – demonstração muito bem definida, mas o trabalho dos alunos mostrou que essas etapas, embora divididas, não precisam obedecer necessariamente à ordem proposta, de forma que o enunciado precisa ser revisto para uma nova utilização.

O domínio da linguagem algébrica é essencial para a investigação proposta, principalmente na fase de demonstração das conjecturas estabelecidas, o que gerou maiores dificuldades para os alunos da 7.ª série, que procuraram usar a linguagem corrente, mas não chegaram, em sua maioria, à formalização. Ao contrário, os alunos da 8.ª série, já detentores de conhecimentos algébricos mais aprofundados, mostraram maior tendência de usá-los de imediato, de forma que vários grupos chegaram à demonstração formal com certa segurança.

O trabalho dos alunos da 7.ª série constitui valioso elemento para o estudo posterior da álgebra, previsto no currículo, em que poderá ser recuperada a questão da generalização e sua importância para facilitar a escrita em matemática.

O computador e a investigação matemática são ferramentas importantes para o estudo de Matemática, mas não nos livram das dificuldades da prática pedagógica.

O início do trabalho dos alunos, marcado pelo “o que é para fazer?” levou sempre à necessidade de explicações mais cuidadosas e individualizadas nos grupos, tomando certo tempo; pode-se aliar esse fato à falta de experiência investigativa das turmas.

As turmas foram divididas, e apenas um grupo por vez foi usar o computador, contando com assistência em tempo integral de Fernando, enquanto André auxiliava a turma em sala de aula. Nem sempre é possível em uma escola particular ou pública esse tipo de dinâmica. Mais ainda: enquanto usavam o computador, não aconteceram trocas de informações entre os grupos que, sem o conhecimento prévio do software, necessitaram da ajuda constante do professor.

Para cada tipo de investigação proposta é necessário também averiguar previamente a carência de conhecimento dos alunos em relação ao recurso que será utilizado (calculadora, software de computador etc.) e preparar a dinâmica adaptada aos objetivos da tarefa proposta.

O fator tempo merece atenção especial quando se trata de investigações matemáticas. Mesmo bem preparado e conhecedor da tarefa proposta aos alunos, o professor não pode prever com exatidão o que vai acontecer nas aulas e o uso do tempo vai se moldando de acordo com o ritmo do trabalho da turma, de forma que fica inviável preparar uma quantidade exata de aulas para um trabalho investigativo.

É verdade também que há escolas, principalmente privadas, que acabam por inibir o uso de investigações em sala de aula devido aos fatores tempo e conteúdo.

Não ficam aqui esgotadas as questões relativas ao tema. Ao contrário, este trabalho levantou alguns pontos que puderam e precisam ser observados sob outros prismas, em diferentes situações de investigações e ambientais.

Referências bibliográficas

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