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  LEITORES JOVENS - SEUS GOSTOS, ESCOLHAS E OS REFLEXOS DA HOMOGENEIZAÇÃO.

Rosana Campos Leite - Universidade Federal De Mato Grosso – IE/UFMT)
Ana Arlinda de Oliveira - Universidade Federal De Mato Grosso – IE/UFMT)

O livro e seus leitores traduzem imagens em épocas distintas. Nesse sentido, a história da leitura e a experiência do leitor podem revelar as modalidades do ler dissolvidas no cotidiano das instituições escolares e, também, nos espaços do particular, do individual. É a pertinência a esses fatores que remetem para a identificação de leitores ditos jovens e sua relação com a leitura. Os espaços e experiências de leitura partilhados por leitores, cuja tônica mais latente e visível é a vinculação a essa fase da vida, a da juventude, permitem a apreensão de um grupo de leitores mediado por gostos, imposições e escolhas ante a relação não só com o livro, mas também com outros materiais impressos.
Segundo Manguel (1997) as histórias de leitura colocadas sob a insígnia do particular e do privado talvez coloquem a história da leitura como a história de cada um dos seus leitores. Nesse sentido, como se configura esse leitor na contemporaneidade e, a escolha de sua leitura no âmbito do privado e das leituras individualizadas apresenta-se como fator de estudo. Este trabalho tem como ponto de referência a análise das experiências de leitura de leitores alunos jovens dos primeiros anos do Ensino Médio de uma escola pública. Os possíveis caminhos assumidos no universo de suas leituras tornam-se objetivo principal de estudo para levantamento e verificação dos dados da pesquisa qualitativa. Práticas de leitura escolares, recreativas, particulares, escolhidas, impostas, constantes, raras, coletivas e, até mesmo leituras afinadas a uma categoria, cujos títulos publicados pelo mercado editorial, acabam por ser elencados como “fenômeno editorial”.
Conforme Abreu (1999), as preferências do público no que tange à leitura, podem ter sido envolvidas por convenções ditadas pelos homens e escola no sentido erudito. E, por conta disso, talvez a difusão de que a leitura não era do interesse de muitos. Para a autora, o descaso com uma obra hoje considerada “canônica” talvez não esteja somente assentada sob o pensamento de que “não se lêem mais os clássicos” ou “que há uma circulação de obras menores”. Para tanto, há de se refletir, em termos de época, sobre a repercussão inicial de obras hoje tratadas como “clássicos”.
Como forma de aproximação da imagem do leitor jovem, num primeiro momento, são delineadas práticas e situações impressas na história cultural e social da juventude. Experiências, condições e histórias da juventude remetem para todo um conjunto de gestos e fazeres representados como do mundo juvenil.
As inclinações e referências ao mundo social da juventude, em épocas distintas, permitem um olhar às práticas da adolescência. Os treinamentos militares para a guerra, a disciplina, a força física e, os atos de bravura surgem, na história mundial da juventude, moldando-se de características, entre outras, como: rebeldia, coragem, arrogância, indisciplina, impetuosidade e excessos juvenis.
Percebe-se, assim, que fatores acima explicitados, tais como a participação de grupos de jovens em exercícios militares conduzem a uma condição de entrelaçamento. Schnapp (1996) acentua que não só os aprendizados para a guerra e sim, toda uma convivência, toda uma mobilidade etária que intensifica as relações, gostos e hábitos de um grupo (o dos jovens militares) que se afina em interesses coletivos ao mesmo tempo que se afasta dos vínculos familiares. A guerra, por sua natureza e condição, é o espaço onde a figura do jovem irá se fazer representar. Os exércitos e sua relação com a juventude não se limitam a um só tempo. No entanto, ainda que em certas épocas o fator idade pouco referenciasse aquele que quisesse se alistar, algumas condições prerrogativas procuravam “regrar” a participação do soldado jovem. A força, representada através do vigor físico, elenca-se como fator de suma importância para o recrutamento de quem quer estar à frente das guerras. Porém, na metade do século XVII, o fator idade começa ser ponto de reflexão e questionamento para os possíveis alistamentos. A juventude, mesmo apresentado o vigor físico da idade tão necessária à guerra, também é cercada de fatores que geram problemas aos exércitos. As mortes, representadas por grandes baixas nas corporações e, até mesmo a indisciplina surgem como ponto de reflexão. Loriga (1996) enfatiza que a validação de uma “idade” certa ou maioridade geravam dúvidas: “Sobre o problema da idade enfrentado na segunda metade do século XVII, começou-se a discutir com freqüência em todos os países europeus no século seguinte, essencialmente por dois motivos: a alta mortalidade dos soldados nas guarnições e as dificuldades dos oficiais para disciplinar a tropa. Em ambos os casos, o problema não dizia respeito apenas aos anciãos, mas também aos mais jovens, os rapazes de quinze ou dezesseis anos.” (Loriga, 1996:22).
Ainda na condição de enredamento da juventude por conta do serviço militar enquanto ato de bravura e coragem aponta-se, por assim dizer, a tristeza causada pelo rompimento de um período com ligações afetivas do jovem a sua casa. Loriga (1996) diz que: “Talvez por isso, o chamado às armas muitas vezes era solenemente celebrado: na Bretanha, os pais acompanhavam os filhos até os limites da aldeia e pediam-lhes que cortassem os cabelos e os colocassem numa caixa” (1996:26).
Diante desse quadro de preparação militar para a guerra, ainda que a indisciplina, fator condizente com a idade do jovem recruta seja notada, faz-se pertinente perceber os atos de solidariedade que os unem por pertencerem a uma faixa etária, a um grupo ligado na composição recíproca de ajuda e proteção.
A rebeldia bem como os excessos juvenis, introduzem-se na história dos jovens ao longo dos séculos. Crouzet-Pavan (1996) irá relatar sobre os jovens na Itália Medieval (séculos XIII-XV) como uma classe etária ligada as incertezas, hesitações e excessos: ”A juventude é o tempo dos apetites e de seu excesso. Assim ela aparece como continuação direta da infância. Após a idade da fragilidade do corpo e das primeiras aprendizagens, vem a da fragilidade da alma e da razão.” (1996:191).
Tanto o juvenis como a figura da mulher colocam-se num mesmo paralelo de representações. Colocados na mesma condição, afetam as estruturas sociais de uma sociedade cristã (século XIII). São tidos como representantes de um mesmo excesso de luxos, roupas, ornamentos e comportamentos a serem corrigidos.
Ao tematizar esse período na Itália Medieval, Crouzet-Pavan coloca a idade juvenil como a das brincadeiras, dos gracejos, dos divertimentos em excesso em contraposição a sociedade dos adultos: “mulheres e jovens voltam a ser condenados pelas mesmas fraquezas, pela mesma falta de disciplina nas palavras, nos comportamentos ou nos divertimentos” (1996:200).
Adentrando mais especificamente no campo de debate da leitura, procuro estampar as práticas de leituras evidenciadas no decorrer dos séculos. Ou seja, as diversas maneiras de ler mediadas por gestos, hábitos e impressos. Leituras tais como as silenciosas ou leituras em voz alta remetem para as condições de leitura mais próximas a determinados leitores em uma época e, mais distantes em outras. No campo das práticas de leitura, Chartier (2001) entra no campo das discussões em torno das “maneiras de ler”. Esse tipo de estudo permite um chegar próximo às praticas do ato de ler e nas imagens referenciadas como sendo a do leitor. As relações entre o leitor e o objeto lido podem ser identificadas em situações várias por entre os séculos. Segundo esse autor, das leituras ditas “intensivas” ou aquelas características das sociedades européias até a metade do século XVIII irão surgir as leituras “extensivas.”. Nas chamadas leituras intensivas, um número reduzido de textos e obras é exposto ao leitor. Este, fica restrito às leituras pessoais recitadas, lidas e relidas em voz alta, no espaço da igreja e da família como forma de memorização. Já nas leituras ditas “extensivas” Chartier (2001) comenta: “Ela é leitura de numerosos textos, lidos em uma relação de intimidade, silenciosa e individualmente. É também leitura laicizada, porque as ocasiões de ler se emancipam das celebrações religiosas, eclesiásticas ou familiares..” (2001:86).
O autor ainda comenta que, no século XVIII, mesmo quando a leitura não é nem feminina nem romanesca, a leitura permanece sendo a de intimidade. Não se retirando do campo do debate do objeto livro e da figura do leitor, o presente trabalho de pesquisa, dirige-se às leituras por curiosidade e gosto. Leituras estas, muitas das vezes, numa estreita ligação com os produtos veiculados por uma cultura midiática. Por essa trajetória podemos confrontar as leituras ditas escolares e compostas por obras, em muitos casos, oriundos de textos clássicos reescritos e endereçados aos estudantes, principalmente aos mais jovens e principiantes. Também as obras “escolhidas” e selecionadas por jovens leitores, tais como “Harry Potter” e “O Senhor dos Anéis” por “atiçar a curiosidade”. Ainda nesse debate entre “gosto” e “escolha” adentra-se pelo conceito de “indústria cultural”, cunhado por Adorno (2002): “E eis o que resta da emoção inerente à obra. E eis por que o estilo da indústria cultural, que não tem mais de se afirmar sobre a resistência do material, é ao mesmo tempo, a negação do estilo. A conciliação do universal e do particular, regra e instância específica do objeto, por cuja única atuação o estilo adquire peso e substância, é sem valor porque já não se cumpre qualquer tensão entre dois pólos extremos que se tocam: eles são traspassados por uma turva identidade, o universal pode substituir o particular e vice-versa” (2002:21).
A pesquisa que ora se apresenta insere-se na área metodológica da investigação qualitativa em educação. Pois, como forma de considerar o indivíduo no seu contexto natural é que adentro nas leituras particulares desenvolvidas por leitores jovens. As atividades sociais de leitura desses sujeitos constituem-se como foco central da pesquisa.
Os sujeitos de pesquisa são alunos jovens (entre 14 e 17 anos) que estudam nos primeiros anos do Ensino Médio de uma escola pública. O critério essencial e central de escolha desses sujeitos foi a de investigar junto aos professores do 1º ano do Ensino Médio a indicação de alunos que eles percebiam serem leitores críticos, que expressam suas opiniões e que demonstravam serem leitores em grande amplitude e potencial.
Assumindo uma reflexão em torno das práticas de leitura de leitores jovens e, mediadas por questões como: leitura de maior prazer e gosto para jovens, leituras particulares que o leitor jovem faz no seu cotidiano, leituras escolares desenvolvidas pelo leitor jovem, leitura enquanto ato de privacidade e leituras ambientadas pelo divertimento; a principal intenção desse pequeno texto é a de chamar a atenção para o jovem leitor antes de concluir em qualquer instância. O que faz-se necessário ressaltar é que a leitura, literária ou não, se faz presente nas falas e no cotidiano de muitos jovens freqüentadores das escolas. A leitura que penetra e que provoca emoções várias precisa ser confiada à escola e também assumida enquanto leitura que precisa vir á tona. Ainda que seja uma leitura particular do jovem leitor e aluno.

 
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