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  PERFIL DOS PROFESSORES PARTICIPANTES DO PROGRAMA DE FORMAÇÃO CONTINUADA DA REGIÃO DAS VERTENTES DE MINAS GERAIS

Mozar Dênio da Costa - Universidade Federal de São João Del Rei - UFSJ
Fabíola Colli Sessa - Universidade Federal de São João Del Rei - UFSJ
Juliana da Silva Pinto - Universidade Federal de São João Del Rei - UFSJ
Júlio César dos Santos - Universidade Federal de São João Del Rei - UFSJ
Larissa Mirelle de Oliveira Pereira - Universidade Federal de São João Del Rei - UFSJ
Taíssa Silva Soares - Universidade Federal de São João Del Rei - UFSJ
Maria do Socorro Alencar Nunes Macedo - Orientadora

INTRODUÇÃO

O Programa de Extensão (PROEXT/MEC/SESu) Formação Continuada da Região das Vertentes, desenvolvido pelo Núcleo de Apóio à Educação Básica (NAEB), tem por objetivo, dentre outros, romper com concepções de formação de professores como aquelas identificadas como “capacitação” e ‘reciclagem”. Esse Programa permitiu um intercâmbio de experiências entre professores cursistas e formadores, o que facilitou a aplicação dos questionários e o retorno de 70,6%.
Não obstante, algumas pesquisas já têm se preocupado em apreender o perfil de professores dos ciclos iniciais do ensino fundamental, incluindo o perfil dos professores da Região das Vertentes. Em estudo ainda não publicado, Macedo e Sessa (no prelo) traçam o perfil dos professores em relação não apenas a aspectos socio-econômicos como também a aspectos da prática pedagógica de ensino da leitura e da escrita. Esse estudo confirma todas as tendências observadas por nós no trabalho aqui apresentado.
Fora da Região das Vertentes, Albuquerque(2002) traçou o perfil de professores das quatro primeiras séries do ensino fundamental, na cidade de Recife, incluindo além de questões socio-econômicas, questões relacionadas a letramento escolar. Em 2004, Macedo traçou o perfil de professores da Rede Municipal de Belo Horizonte, abordando questões socioculturais e questões específicas da prática da sala de aula. Batista (1996) traçou um perfil descritivo dos professores de português de 5 a 8 séries, pertencentes à Rede Estadual de Minas Gerais. Na década de 90, Gatti et al (1994) trabalhou no perfil dos professores do ensino fundamental do Brasil, tomando como amostra professores de São Paulo, Maranhão e Minas Gerais.
Tomando por base os trabalhos supracitados, nos predispomos a traçar o perfil dos professores dos ciclos iniciais do Ensino Fundamental da Região das Vertentes, buscando contrastá-lo com aqueles já citados no texto. A comparação foi influenciada pelo contexto social e político no qual esses educadores, objeto de nosso estudo, estão inseridos. Como afirma Tardif (2002) a questão dos saberes docentes e, consequentemente da formação de professores, situa-se num contexto amplo de estudo da profissão docente relacionando-a à realidade escolar e social nas quais os professores estão inseridos. Deve ser estudada, portanto, no contexto do trabalho docente, considerando-se os lugares em que os professores atuam, suas experiências de trabalho, sua trajetória pessoal e de vida.

METODOLOGIA

Inicialmente, a abordagem foi feita por meio de questionários estruturados aplicados aos participantes do PROEXT edição 2003/04 e, num momento posterior, uma entrevista foi realizada a fim de refinar os dados e as análises do perfil dos professores. O questionário aplicado constituía-se de questões voltadas para a formação profissional, tais como nível de formação, tanto dos professores como de seus pais, renda familiar, dentre outras. Os dados foram tratados utilizando-se o EXCEL.
A entrevista semi-estruturada foi realizada com o objetivo de refinar nossas investigações sobre como uma determinada professora reflete sobre sua própria formação. Assim, as indagações giravam em torno do processo de formação inicial e continuada da professora, buscando relacionar a sua formação teórica com questões da prática pedagógica. Partimos do pressuposto de que o saber docente cotidiano está constituído tanto pelo conhecimento cientifico quanto pelo saber da experiência (Bondia, 2001). É importante destacar que o processo de entrevista, como qualquer processo de interlocução, é condicionado pelo “jogo de imagens” que o entrevistador tem do entrevistado e vice-versa, uma vez que se trata de uma produção discursiva entre sujeitos que possuem expectativas diferenciadas (Pecheux, 1969).
A seguir, apresentamos categorias relacionadas ao perfil dos professores e posteriormente, trataremos das reflexões da professora sobre seu processo de formação.

Traçando o perfil dos professores

1. Gênero, faixa etária e estado civil

Dos 126 professores que responderam ao questionário, menos de 1% é do gênero masculino, conforme também evidenciado pelos estudos já citados, confirmando a feminização do magistério nos primeiros ciclos do ensino fundamental. No Ensino Médio ocorre justamente o inverso, conforme apontam Mafra et al. (1990) apud Batista (1996).
Observa-se no perfil traçado por Macedo (2004), por Macedo e Sessa (no prelo) que a maior parte das professoras da Região das Vertentes é casada, entretanto, nos dados da nossa pesquisa, o número de solteiras é bem expressivo, correspondendo a 45%. Esse dado também é confirmado por Batista (op.cit.) e Albuquerque (op.cit.).

Gráfico I: Faixa etária de professores participantes do PROEXT 2003/04

A faixa etária predominante é entre 31 e 40 anos, correspondente a 47% do total. Entretanto, observa-se uma concentração significativa de professoras entre 41 e 50 anos (20%). As mais jovens correspondem a 30%, entre 21 e 30 anos, conforme gráfico abaixo.
2. Escolaridade dos pais

A escolaridade dos pais apresenta a mesma tendência apontada pelos estudos aqui citados: a grande maioria possui apenas o ensino fundamental até a 4ª série, aproximadamente 53%, sendo que 35% dos pais e 31% das mães completaram o ensino fundamental. Não é expressiva a quantidade de pais que concluíram o ensino médio. Não se constatou, dentre os sujeitos pesquisados, pais que chegaram ao ensino superior, diferentemente do perfil traçado por Macedo (2004) que identificou 6, 2% e 8,3% de mães e pais que concluíram esse grau de
ensino, respectivamente.

Gráfico II: Nível de Formação do pai

Gráfico II: Nível de Formação do pai

Os dados sobre escolarização das famílias das professoras apresentam tendências observadas em todos os estudos de perfis de professores apresentados neste trabalho. Isso significa que os professores da Região das Vertentes pertencem a grupos familiares com baixa escolaridade. São, portanto, a primeira geração de pessoas que chegam ao nível superior, como indicaremos adiante.

3. Formação acadêmica inicial

Do total de professoras que responderam ao questionário em 2003, apenas 24% concluíram o ensino superior. No entanto, 37% estavam freqüentando um curso de graduação. Constatamos que o “ Veredas” , curso de formação inicial semi-presencial oferecido pelo Governo do Estado de Minas Gerais, foi o mais procurado pelas professoras. Considerando que o referido curso está sendo concluído em julho de 2005, uma parcela significativa de professores já possuem nível superior completo. Nos dados mapeados por Macedo e Sessa em 2005, a parcela de professores que concluiu esse nível de ensino e está participando do PROEXT foi reduzida (22%), o que se pode supor que a procura por formação continuada cresceu junto aos professores que ainda não possuem ensino superior. A crescente procura por um curso em nível superior deve-se ao contexto político educacional no Brasil, onde a nova LDB 9394/96 já exige esse grau de escolarização para atuar no Ensino Fundamental. Essa tendência de profissionalização do magistério entre os professores dos ciclos iniciais é observada também em Belo Horizonte, Recife, São Paulo e no Estado de Minas gerais, conforme indicam os estudos aqui citados.

Gráfico IV: Formação inicial dos Cursistas

O estudo de Macedo e Sessa (no prelo) evidencia o impacto do Curso Normal Superior na formação dos professores (48%). Desse total, um parcela significativa participa do programa de formação inicial Veredas, conforme indicado nos nossos questionários. Observa-se, ainda, que 33% dos professores com nível superior cursaram algum curso de pós-graduação lato sensu, tendência também evidenciada por Macedo (2004) junto aos professores da Rede Municipal de Belo Horizonte.

4. Reflexões de uma professora sobre sua formação

Estudos sobre formação de professores têm apontado a complexidade envolvida nesses processos, evidenciando que a formação é constituída de múltiplas dimensões e ocorre em diferentes instâncias. Nilda Alves (1986) enumera 5 esferas onde a formação de professores é pensada e desenvolvida. A esfera da formação acadêmica, a esfera do Estado, das pesquisas em educação, da organização coletiva e a esfera do cotidiano. Essas esferas são constitutivas e não podem ser vistas separadamente.
O estudo realizado por (Gautiher, 1996, apud Luis e Santiago, 1996) aponta que os saberes docentes seriam utilizados como um reservatório de conhecimentos que os professores mobilizam no exercício de sua profissão. Os saberes da ação pedagógica são, especialmente, os saberes sobre o ensino como objeto central de formação docente, na medida em que constituem o saber-fazer do professor. Referem-se ao conhecimento pedagógico sobre os conteúdos, o ensino, a avaliação, a relação pedagógica professor aluno. Os saberes curriculares vão sendo apropriados a medida que o professor desenvolve o seu trabalho, no exercício do planejamento, na definição dos objetivos, nas transposições didáticas que realiza.
Com base nisso, cada vez mais a formação de professores é vista como um processo investigativo e não como um processo de inculcação de conhecimentos teóricos sistematizados pelas disciplinas. Trata-se de formar um profissional investigativo, que possa lidar com a complexidade do mundo, com a multiplicidade de vozes e linguagens, saberes e fazeres muitas vezes silenciados nos processos de formação de professores.
Buscamos compreender a influência de alguns desses aspectos envolvidos na formação e na prática por meio da análise de uma entrevista realizada com uma professora da 4ª série de uma Escola Pública Municipal de Tiradentes- MG, localizada na zona rural. O objetivo principal foi compreender como essa professora reflete sobre sua própria formação. Nesse sentido, tínhamos a expectativa de que a professora apontasse elementos significativos da sua formação teórica bem como de sua prática pedagógica construída ao longo de 4 anos de atuação. Nossa intenção foi compreender como esta professora relaciona teoria-prática, como ela avalia os processos de formação continuada dos quais tem participado e, principalmente, como ela constrói o seu saber-fazer.

Formação inicial e continuada

Sobre as contribuições da formação inicial no curso de magistério, a professora afirma que recebeu embasamento teórico apenas para iniciar sua carreira, o que a fez procurar uma formação mais aprofundada, ingressando no curso de Pedagogia. “Ele [o curso de magistério], pra mim, acho que ele deixou a desejar. Acho que mesmo em função do tempo, é pouco tempo e pra você vê tanta coisa. Você vê pouca coisa que é necessário pra tá dentro da sala de aula”.
Em suas reflexões pode-se observar que o fato de já estar lecionando condiciona os seus modos de participação e de interação com o curso de Pedagogia. “... me vejo inúmeras vezes na aula (...) , imaginando aluno meu, sabe. Tem gente lá na sala que comenta que acha assim que a aula tá meio longe, e normalmente é gente que tá fora de sala de aula. Porque eu que estou trabalhando, eu encaixo direitinho, sabe” .
Isso significa que para professores que já atuam, o curso de graduação pode ser vivenciado com expectativas bastante relacionadas àquelas dos cursos de formação continuada. Isto é, a formação oferecida no curso é compreendida com a lógica de quem já está em sala de aula vivenciando concretamente uma determinada prática pedagógica e buscando reflexões sobre situações concretas da sua prática. Além disso, espera-se que o próprio curso ofereça oportunidades reais de reflexão da prática docente. Nilda Alves (1986) discute a formação de professores nessa perspectiva e busca compreendê-la a partir das análises da práxis cotidiana dos sujeitos, onde os saberes docentes são aprendidos, vividos e transformados nas situações por eles vivenciadas.
Sobre as oportunidades de formação continuada oferecidas pela Rede de Ensino na qual atua, a professora tece algumas considerações tanto em relação aos modos de organização dos professores para participarem desses processos quanto às condições reais de participação que eles têm.
Uma das características importantes é o fato de os processos serem coletivos e diversificados. São oferecidos tanto cursos relacionados a programas governamentais quanto àqueles resultantes da parceria escola-universidade.
Dentre os programas governamentais destacam-se o PROFA, PROAN, o PCN em Ação. O PROEXT está sendo oferecido pela UFSJ, atualmente em sua segunda edição. Os critérios de seleção dos professores participantes desses cursos são diversos, mas predomina o sorteio das vagas oferecidas pela Secretaria Municipal de Educação. Segundo a professora, a freqüência de oportunidades de formação continuada é boa, mas os cursos são realizados fora do horário de trabalho dos professores. No entanto, aqueles que se interessam em participar recebem uma remuneração ou uma ajuda de custos. Por outro lado, esse incentivo não é suficiente para garantir a participação de todos os professores. Há uma parte “completamente desinteressada. Você recebe pra fazer um curso que é bom para sua formação, tá ali na cidade, a maioria acha dificuldade, e não serve. É complicado, mas acho que poderia fazer um esforço” . De acordo com a professora, as pessoas mais desinteressadas são aquelas que não possuem curso superior, supostamente as que mais necessitariam de formação.

Os saberes da experiência

Além da formação inicial e continuada, a experiência de sala de aula é tratada com a mesma relevância pela professora. Em sua palavras ela afirma que “a gente aprende muito estando dentro da sala, eu acho que a base está aí. Depois do meu primeiro ano de experiência com turma, aí foi que eu cresci mais ainda”.
Segundo Gautiher (1996, apud Luis e Santiago, 1996), os saberes docentes seriam utilizados como um reservatório de conhecimentos que os professores mobilizam no exercício de sua profissão. Os saberes da ação pedagógica são os saberes sobre o ensino que constituem o saber-fazer do professor. Referem-se ao conhecimento pedagógico sobre os conteúdos, o ensino, a avaliação, a relação pedagógica professor aluno. Os saberes curriculares vão sendo apropriados à medida que o professor desenvolve o seu trabalho, no exercício do planejamento, na definição dos objetivos, nas transposições didáticas que realiza.
Os saberes da experiência também são apropriados na interação com os colegas de trabalho desde que a escola tenha uma dinâmica de interação que favoreça a isso. No caso da escola desta professora, o tempo de encontro e troca de experiências é um pouco limitado,
“ na hora que eu estou no recreio com meus alunos, as duas outras professoras estão em sala merendando, que é horário de merenda dos alunos delas” . Mesmo assim, sua fala aponta a relevância desta interação para a ampliação das práticas. (...) “ cada um vai colocando aquilo tem feito em sala de aula, o jeito que está dando resultado, a gente comenta, será que vai dar certo na minha também, por que não tentar? Outros comentam aquilo que não foi válido, então a gente começa a pensar será que caminho poderia dar certo ou não”.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os estudos aqui apresentados trazem dados de natureza diferentes porém complementares. Uma abordagem quantitativa na qual traçamos o perfil dos professores e outra qualitativa em que analisamos o discurso de uma das participantes deste grupo. Buscamos mapear aspectos do contexto socio-cultural dos professores tais como faixa etária, nível de escolaridade da família e do professor, questões de formação continuada, dentre outras. Para aprofundar em questões de formação de professores, extraímos do discurso da professora, indícios significativos que evidenciam como essa reflete sobre o seu próprio processo de formação e sua prática. Nesse sentido, tratamos de saberes construídos por ela nos cursos de formação inicial e continuada bem como saberes advindos da sua experiência em sala de aula e da interação com seus pares.
Os professores da Região das Vertentes de Minas Gerais são, em sua maioria, do gênero feminino, casadas, com idade entre 31 e 40 anos, pertencentes a famílias com baixa escolaridade, constituindo-se portanto, a primeira geração que tem acesso ao nível superior.
A análise do discurso da professora, de certo modo, confirma o que os estudos sobre formação de professores e produção de saberes docentes tem apontado nestas duas ultimas décadas, indicando a complexidade envolvida nesses processos. Percebe-se na fala da professora o entrelaçamento de diferentes conhecimentos envolvidos na sua ação pedagógica onde ela destaca a importância tanto dos aspectos teóricos quanto dos saberes construídos na prática de sala de aula.
É nessa perspectiva que foi concebido e está sendo implementado o programa de Formação Continuada de Professores da Região da Vertentes - PROEXT , cujo desafio é romper, na prática, com uma lógica de formação continuada que não percebe o professor como um sujeito de sua própria prática, portanto, produtor de conhecimentos.

 
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