Vanêsa Vieira Silva de Medeiros - Universidade
Federal Fluminense - UFF
Minha voz é o modo como vou buscar a realidade;
a realidade, antes da minha linguagem, existia como um pensamento que
não pensa, mas por fatalidade fui e sou impelida a precisar saber
o que o pensamento pensa. A realidade antecede a voz que procura, mas
como o mar antecede a visão do mar, a vida antecede o amor, a matéria
do corpo antecede o corpo, e por sua vez a linguagem um dia terá
antecedido a posse do silêncio.
Eu tenho à medida que designo – e este é o esplendor
de se ter uma linguagem. Mas eu tenho muito mais à medida que não
consigo designar. A realidade é a matéria-prima, a linguagem
é o modo como vou buscá-la – e como não acho.
Mas é o buscar e não achar que nasce o que eu não
conhecia, e o que instantaneamente reconheço. A linguagem é
meu esforço humano. Pro destino, volto com as mãos vazias.
Mas – volto com o indizível. O indizível só
me poderá ser dado através do fracasso de minha linguagem.
Só quando falha a construção, obtenho o que ela não
conseguiu.
(Lispector, 1997, p. 78)
1 APRESENTAÇÃO DO ESTUDO: ANTECEDENTES E
BASE TEÓRICA
As questões que envolvem a leitura e a escrita
passaram a me chamar a atenção desde a época da Graduação,
quando cursei a disciplina de Alfabetização, o que acabou
também motivando o tema de minha monografia, intitulada “Ponto,
linha, margem e uma interrogação: alfabetizar é vida?”.
Com muita vontade de continuar aprofundando os estudos sobre o aprendizado
da leitura e da escrita nas crianças, dei continuidade através
de um curso de especialização Lato Sensu de Literatura Infanto-Juvenil.
Em outros momentos, buscava outros espaços, dentro e fora da Universidade,
em que pudesse estar discutindo/ dialogando as questões observadas
ora no trabalho, ora nas leituras.
O presente projeto de pesquisa dá seguimento ao movimento mencionado
acima, inserindo-se na temática da Alfabetização
vista na perspectiva do letramento. Especificando melhor, o projeto tem
como tema o processo de produção de textos em linguagem
escrita, na escola. A linguagem é concebida como atividade constitutiva,
do sujeito através da qual nos humanizamos e apropriar-se de uma
linguagem é também construir um sistema de referências
do mundo. Entender a linguagem dessa forma é entender que nós,
sujeitos, agimos sobre a linguagem no mesmo sentido que a linguagem age
sobre nós. Não podemos deixar de trazer Franchi (1992, p.
12), que tão bem desenvolveu essa questão, deixando marcado
seu posicionamento, assumindo que a linguagem:
“é ela mesma um trabalho pelo qual, histórica,
social e culturalmente, o homem organiza e dá forma a suas experiências.
Nela se produz, do modo mais admirável, o processo dialético
entre o que resulta da interação e o que resulta da atividade
do sujeito na constituição dos sistemas lingüísticos,
as línguas naturais de que nos servimos.”
A importância das interações verbais
e do papel da linguagem verbal no processo de aprendizagem vem sendo cada
vez mais observada por estudiosos da linguagem. Hoje, influenciados pela
leitura de Bakhtin, com sua grande contribuição no estudo
das relações entre linguagem e sociedade, aprendemos que
“[...] o centro organizador de toda enunciação de
toda expressão, não é interior, mas exterior: está
situado no meio social que envolve o indivíduo” (1992, p.
121).
Nesse sentido, as pesquisas sobre a produção de linguagem
oral e escrita por alunos nas escolas se mostram relevantes tanto para
compreender os modos como os diferentes sujeitos produzem linguagem, como
também para refletir como deve ser organizado o trabalho com a
linguagem na escola. Nesse contexto, o presente projeto de pesquisa tem
como principal objetivo investigar as marcas de estilo individual em textos
de um determinado gênero do discurso (a definir) elaborados por
alunos de uma escola pública do município do Rio de Janeiro
com base no conceito de gênero do discurso proposto por Bakhtin
(2003).
Vale acrescentar, porém, que o trabalho a que nos propomos não
está sendo principiado por nós. O que temos observado, na
literatura, entretanto, é que há poucos trabalhos sobre
o tema, ainda que alguns autores venham investindo na análise de
textos de alunos, buscando observar se há marcas de autoria na
construção do estilo de produção ao longo
da história individual de aquisição da linguagem
pelo sujeito. Possenti (2001, p.18) vem apontando em seus estudos a possibilidade
e a importância desse tipo de pesquisa para a escola, no sentido
de estar fundamentando as práticas escolares e não só
a análise de textos. Para este autor:
“trata-se de postular não uma espécie de média
estatística entre o social e o individual, mas de tentar captar,
através de instrumentos teóricos e metodológicos
adequados, qual é o modo peculiar de ser social, de enunciar e
de enunciar de certa forma, por parte de um certo grupo e,eventualmente,
de um certo sujeito.”
Outros trabalhos como os de Abaurre (1993), Goulart (2003),
que apresentamos na próxima seção, e Mayrink-Sabinson
(1993; 1998), cada qual com seu foco de interesse, todos partilham a mesma
concepção sócio-histórica de linguagem e nos
apontam como este é um tema promissor e que ainda há muito
a ser pesquisado.
1.1 Estilo, autoria e gêneros do discurso
Para prosseguirmos com a proposta de trabalho a que nos
propomos precisamos antes de tudo repensar o estilo e a autoria fora do
domínio exclusivo da arte-literatura. Devemos retirar o estilo
do domínio exclusivo da concepção romântica,
ou de vê-lo como desvio, ou idiossincrasia. Retornamos a Possenti
(2001, p.16-17) e partilhamos com ele a opção pela concepção
de estilo como marca de trabalho com a linguagem. O autor nos propõe,
ainda, uma forma alternativa de conceber o estilo
“como efeito de uma multiplicidade de alternativas – decorrentes
de concepções de língua como objetos heterogêneos
- , diante das quais escolher não é um ato de liberdade,
mas o efeito de uma inscrição (seja genérica, seja
social, seja discursiva).”
Com esta proposta é possível unir o individual e o social.
Também devemos redefinir o conceito de autoria para que não
se aplique de forma restrita à personalidade. Este conceito também
está fortemente ligado a conotações românticas,
já que são a um autor a que as obras são referidas.
Não é difícil a associação da palavra
autor a um escritor, principalmente aos autores de grandes obras literárias,
conotando quase sempre uma pessoa, um indivíduo, um Eu. Por outro
lado não basta escrever/ falar para ser um autor. Estamos considerando
como autor o sujeito que dá forma ao conteúdo, ele não
é passivo, mas age imprimindo nas suas ações um modo
ser particular.
Outro trabalho que vem nos auxiliando o pensar e o repensar sobre o tema
em questão é desenvolvido por Abaurre (1999), envolvendo
a emergência do estilo como marca da construção da
autoria, em que analisa e observa o material escrito de um único
sujeito desde a pré-escola até o final do 2º grau.
O material coletado foi fruto espontâneo da escrita de uma estudante
em ambiente doméstico e escolar. A autora, em seus estudos, chegou
a conclusões preliminares significativas sobre vários aspectos.
Destacamos, porém, apenas um, no qual relaciona as marcas estilísticas
aos gêneros do discurso: “a questão da emergência
do estilo individual parece estar intimamente relacionada à questão
do que se podem tomar como estilos específicos de gêneros
discursivos particulares [...]” (1999, p.17).
Ressaltamos, ainda, um outro trabalho, desenvolvido por Goulart (2003).
Nesse trabalho, a autora analisa sinopses de livros literários.
Os textos foram elaborados por alunos de 3ª série do ensino
fundamental que, ao longo de um período do ano, vinham trabalhando
com esse gênero discursivo. Ali, nos foram apontadas várias
questões que devem ser consideradas posteriormente em nosso estudo.
Uma delas é no sentido de optarmos por um único gênero
discursivo, o que poderá tornar o trabalho revelador das marcas
textuais. O gênero discursivo escolhido deve ser do conhecimento
dos alunos, para que possam produzir seus textos com competência
e segurança. Outro apontamento interessante feito pela autora,
com base em Possenti, revela-se na perspectiva de ligar a questão
do estilo à questão da autoria, “[...] no sentido
de que os discursos apresentam marcas históricas e sociais, que
os inscrevem na memória social, bem como marcas do próprio
sujeito enunciador, isto é, de alguma singularidade” (p.
78)
Consideramos um importante ponto de partida observar a questão
das marcas estilísticas, buscando relacioná-las à
questão dos gêneros discursivos, com base em Bakhtin e pretendemos
organizar nosso trabalho partindo de alguns aspectos apontados nos estudos
dos autores acima, ligando a questão do estilo individual aos gêneros
do discurso associando estes achados à condição letrada.
Durante nossa leitura percebemos que, em vários momentos, alguns
aspectos da teoria da enunciação de Bakhtin serão
fundamentais para o desenvolvimento de nosso trabalho. Nesse sentido,
faremos agora um pequeno apanhado de alguns elementos de seu estudo que
nos vêm chamando a atenção e que acreditamos serem
norteadores, principalmente no que se refere ao trabalho com os enunciados
e com os gêneros do discurso.
Para Bakhtin, toda atividade humana passa pela linguagem e as formas de
uso dessa atividade humana são multiformes. Sua multiplicidade
de formas não contradiz a unidade nacional de uma língua.
A língua é empregada através de enunciados, sejam
eles produzidos nos discursos orais ou nos discursos escritos. Os enunciados
são concretos, únicos e não se repetem. Segundo Bakhtin
(2003, p. 261):
“Esses enunciados refletem as condições específicas
e as finalidades de cada referido campo não só por seu conteúdo
(temático) e pelo estilo da linguagem, ou seja, pela seleção
dos recursos lexicais, fraseológicos e gramaticais da língua
mas, acima de tudo, por sua construção composicional.”
O conteúdo temático, o estilo, a construção
composicional são elementos determinados pela especificidade de
uso no campo da comunicação. O enunciado particular é
individual, mas os campos de utilização da língua
elaboram seus tipos de enunciados relativamente estáveis, os quais
Bakhtin denomina gêneros do discurso. Logo, sempre que enunciamos,
o fazemos por meio de um gênero discursivo que pode ser tanto oral
como escrito.
O autor salienta a heterogeneidade dos gêneros discursivos, desde
os mais simples diálogos do cotidiano (gêneros primários
do discurso) a formas mais elaboradas (gêneros secundários
do discurso). É importante ressaltar tal divisão de dois
grandes tipos de gêneros do discurso, primários e secundários,
porém essa diferença não deve ser considerada como
funcionalidade.
Os gêneros primários do discurso (simples), em geral, estão
ligados à linguagem do cotidiano. Alguns autores vêm apontando
em seus estudos que os gêneros primários estariam mais presentes
na oralidade. Esta questão está relacionada à discussão
sobre a relação entre oralidade e escrita que pretendemos
aprofundar posteriormente. Os gêneros secundários (complexos)
são fruto das condições de acesso a atividades culturais
mais complexas sendo, relativamente muito desenvolvidas e organizadas,
nas palavras de Bakhtin predominantemente por escrito. Talvez por esse
motivo, a associação de gêneros do discurso primários
à oralidade e gêneros discursivos secundários serem
associados à escrita.
1.2 Letramento
Com alguns avanços e retrocessos, continuamos a
discutir questões relativas à alfabetização
porém, hoje, nos deparamos com um novo termo: letramento. Para
alguns, nome novo para uma coisa antiga. Para outros, uma nova perspectiva
para encarar o contexto do processo de alfabetização escolar.
Por que falamos, hoje, de letramento? Alfabetização e letramento
são sinônimos?
Com relação à primeira questão acima, há
cerca de vinte anos atrás, estamos nos deparando com o termo, porém
alguns estudiosos vêm se mostrando contrários ao uso do termo,
por entenderem que não é possível pensar sobre alfabetização
fora do contexto sócio-político. Em uma sociedade letrada
como a nossa, organizada fundamentalmente por meio de práticas
escritas, encontramos sujeitos não-alfabetizados nela vivendo.
Isto é, mesmo sem saber ler e escrever essas pessoas dão
conta de suas vidas seja trabalhando, pegando condução para
locomoções várias, fazendo compras e isto implica
escolha por produtos, marcas e preço, Seja dando conta da educação
de sues filhos. Tfouni, por exemplo, apercebe-se da falta “[...]
de uma palavra que pudesse ser usada para designar esse processo de estar
exposto aos usos sociais da escrita, sem no entanto saber ler nem escrever”(1997,
p. 7). O letramento designaria, então, os processos envolvidos
na aquisição de um sistema escrito, os usos sociais que
fazemos com o sistema da escrita e as funções sociais que
a linguagem escrita têm nos diferentes espaços e comunidades.
Para Magda Soares (1995, p. 7)
“Na verdade, só recentemente esse termo se tem mostrado necessário,
porque só recentemente começamos a encontrar uma realidade
social em que não basta simplesmente “saber ler e escrever”:
dos indivíduos já se requer não apenas que dominem
a tecnologia do ler e do escrever, mas também que saibam fazer
uso dela, incorporando-a a seu viver, transformando-se assim seu “estado”
ou “condição”, como conseqüência
do domínio dessa tecnologia.”
Em resposta à segunda questão, partilhamos
do posicionamento defendido por teóricos como Magda Soares, Ângela
Kleiman, Leda Tfouni e Cecília Goulart, de que alfabetização
e letramento, designam processos indissoluvelmente ligados entre si, mas
são conceitos diferentes.
Assim, o surgimento do termo letramento estaria inserido também
no contexto de se perceber o sujeito não alfabetizado vivendo numa
sociedade altamente letrada. Muitas outras questões emergem sobre
sua noção e compreensão. Outras tantas questões
nos instigam a pensá-lo: há diferença de níveis
de letramento? O letramento é um processo individual ou coletivo?
Como conceituá-lo? Podemos discutir autoria e letramento com base
na análise de textos dos alunos?
Sobre tais questionamentos, alguns trabalhos têm mostrado resultados
bastante promissores. A pesquisa realizada por Goulart (1997) sobre o
processo de alfabetização de crianças durante dois
anos (CA e 1ª série) mostra resultados instigantes, quais
sejam, os de que, em nenhum momento, foram encontrados textos orais escritos,
isto é, com base no que seria sua produção oral.
No trabalho da mesma autora, em 2003, foram encontradas marcas sociais
e singulares de estilo que devem estar relacionadas à experiência
de vida, visões e interpretações de mundo as quais
vão sendo compostas e recompostas nos enunciados do sujeito com
os outros:
“Os alunos formularão novas perguntas às “outras
formas de ser racional”, a outros modos de ser letrado, que essas
formas/modos nem cogitavam. A formulação de novas perguntas
permite que as formas “alheias” respondam, assumindo faces
novas de sentido. Somente ao formularmos perguntas próprias (próprias
de outras formas de ver o mundo), participamos de uma compreensão
ativa de tudo que é outro e alheio e nos constituímos como
autores”(GOULART, 2003, p. ).
Os resultados daquele trabalho, apesar de bastante promissores,
ficaram limitados, a um restrito material de análise. Assim, pensamos
poder ser possível expandir esta linha de trabalho, desta vez com
material mais amplo, enfocando a questão da autoria. No trabalho
em foco, ao serem depreendidas marcas de estilo na escrita das crianças
investigadas, associamos esse achado com a concepção de
letramento de Tfouni (1997).
A referida autora observou, em sua pesquisa, que, nas sociedades letradas,
o discurso oral de adultos não alfabetizados está perpassado
por características que geralmente encontramos no discurso escrito.
O trabalho desenvolvido pela autora vem contribuindo para a refutação
da teoria da grande divisa. Longe de defender uma posição
romântica, idealista, e muito menos de comparar os recursos estilísticos
utilizados pelos grandes escritores, a pesquisa de Tfouni nos mostra,
em relação a pessoa analfabeta numa sociedade letrada, que:
“Ora, sendo ela analfabeta, e portanto, sem uma história
interacional que inclua práticas de contato direto com textos escritos,
pode-se concluir que seu discurso oral está atravessado por características
que geralmente são atribuídas ao discurso escrito, sendo
a função autoria o critério central que define essa
posição. Ao mesmo tempo esses argumentos funcionam contra
a teoria da grande divisa, quer em sua versão “clássica”,
quer em sua versão “moderna”” (1997, p. 62).
A presença de elementos da escrita no discurso
oral de uma pessoa adulta não alfabetizada contribui para redefinir
a concepção de letramento. A partir de então, a autora
defende a posição de que a explicação para
esses fatos deve ser buscada em uma concepção sócio-histórica
de letramento, tendo como critério central a concepção
discursiva da autoria.
Os temas e as questões acima abordados são a base para o
desenvolvimento do projeto de pesquisa cujos objetivos apresentamos a
seguir.
2 OBJETIVO E JUSTIFICATIVA
Porque é relevante estudar o processo de autoria
e ou estilo nos textos dos alunos? Em que contexto o letramento vem a
contribuir para a construção da autoria? Qual o papel da
oralidade, leitura e autoria num contexto de letramento? O interesse pelas
questões acima explicitadas reside no pressuposto de que, investigando
as marcas e os caminhos percorridos pelo sujeito, encontramos indícios
singulares que jamais serão repetidos. Estes indícios nos
dão pistas de como esses sujeitos autores estão realizando
a interlocução através de seus textos e vêm
se apropriando e fazendo uso da linguagem escrita. Tfouni justifica a
importância de estudos envolvendo a autoria e o letramento por oferecerem
argumentos favoráveis à hipótese de que o discurso
oral, nas sociedades letradas, pode estar trazendo marcas que são
características do discurso escrito. Fazendo emergir esses argumentos
podemos estar contribuindo contra a teoria da “grande divisa”,
que num sentido muito amplo e grosseiro pode ser traduzido como: aquelas
pessoas que não aprenderam a ler e a escrever não tem raciocínio
analítico, abstrato etc.
Pretendemos com a pesquisa ampliar a discussão das questões
que já existem sobre o estilo e a autoria encontradas em estudos
como o de Abaurre, Goulart e Tfouni. Por tratar-se o letramento de uma
questão apenas recentemente posta em evidência no Brasil,
acredito que um estudo exploratório venha a contribuir no fornecimento
de subsídios para a construção de uma teoria que
dê conta do fenômeno nos seus diversos aspectos. A partir
do exposto nos itens anteriores, com base na noção de letramento,
o objetivo geral do presente estudo é compreender como se constrói
o processo de autoria, por meio da caracterização do estilo
dos textos escritos de crianças que serão analisados. Para
tanto, defino o seguinte objetivo específico:
* identificar em um corpus representativo do processo de escrita de alunos
de uma série inicial do Ensino Fundamental, dados significativos
que caracterizem o gênero do discurso selecionado e, nesse contexto,
a caracterização de indícios do estilo individual
que estaremos relacionando à construção da autoria.
Para alcançar o objetivo acima, buscarei conhecimentos sobre as
características do gênero do discurso selecionado; ampliarei
a discussão sobre as noções de estilo e de autoria;
assim como aprofundarei o conhecimento das relações entre
oralidade e escrita na perspectiva de compreender melhor o desenvolvimento
do processo de letramento, conforme já vem sendo discutido em Goulart
et alii (2005). Outras necessidades de estudo poderão ser consideradas
ao longo do caminho da pesquisa.
3 ENCAMINHAMENTO METODOLÓGICO
Sabemos o quão importante é a escolha de
uma metodologia que dê conta do objeto a ser investigado, bem como
o é a revisão bibliográfica que perpassa e orienta
o trabalho. Na leitura que venho realizando a abordagem qualitativa tem
me chamado a atenção principalmente no sentido de que a
“[...] investigação qualitativa exige que o mundo
seja examinado com a idéia de que nada é trivial, que tudo
tem potencial para construir uma pista que nos permita estabelecer uma
compreensão mais esclarecedora do nosso objeto de estudo”
(BOGDAN; BIKLEN, 1999, p. 49). Neste sentido, considerando o objetivo
da pesquisa e as questões envolvidas, o caráter qualitativo
parece essencial.
Continuando a pensar na abordagem qualitativa destaco que na obra de Bogdan
e Biklen, são levantadas cinco características a ela atribuída.
São elas: 1) tendo como fonte direta os dados o ambiente natural,
2) a importância da descrição, 3) o interesse pelo
processo do que simplesmente pelos resultados ou produtos, 4) a analise
dos dados deve ser tratada de forma indutiva e 5) a importância
do significado. Esses cinco pontos levantados por esses autores faz com
que a abordagem qualitativa seja pensada como a metodologia que norteará
a pesquisa.
A proposta é, então, buscar identificar indícios
das marcas de estilo e de autoria nos textos de alunos. Estamos considerando
como indícios as marcas deixadas no texto que aparentemente são
consideradas como “detalhes”, passando em alguns momentos
despercebidas ao olhar do leitor comum. Considerando a dificuldade de
investigar determinados aspectos do processo de produção
de textos por crianças, trazemos o paradigma indiciário
de pesquisa, encaminhado por Ginzburg (1989), em que a busca pelos detalhes
singulares é reveladora para o objeto que se busca conhecer. “Se
a realidade é opaca, existem zonas privilegiadas – sinais,
indícios – que permitem decifra-la” (GINZBURG, 1989,
p. 177). Observamos que nos trabalhos de (ABAURRE, 1999; PACHECO, 1997)
o uso do paradigma indiciário de pesquisa se mostrou produtivo.
Será, em suma, um estudo de caráter qualitativo, exploratório
(em razão de existirem poucos estudos sobre o tema proposto), onde
o tratamento e análise das marcas e indícios levantados
contribuirão para o alcance dos objetivos e para a contextualização
do estudo que estamos pretendendo desenvolver, sobre o estilo, a autoria
e o letramento.
Considerando que, em educação, a dimensão qualitativa
da abordagem é essencial, não se exclui, porém, a
possibilidade de trabalho com alguns dados quantitativos que poderão
vir a ser importante para nossa compreensão.
3.1 Local de realização da pesquisa
Instituto de Aplicação Fernando Rodrigues da Silveira –
IAp/UERJ, localizado num bairro da Zona Norte do município do Rio
de Janeiro. Sendo este o Colégio de Aplicação da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro, são encontradas algumas
peculiaridades tanto de ordem administrativa quanto de procedimentos pedagógicos.
A seleção de professores com graduação completa
é realizada através de concurso. A partir do ano de 2003,
passou-se a exigir o grau de Mestre. O ingresso dos alunos na escola pode
ocorrer de duas formas: sorteio público, realizado para a Classe
de Alfabetização , e para a 5ª série do ensino
fundamental, através prova escrita.
O trabalho pedagógico realizado nessa escola vem se destacando
no Estado do Rio de Janeiro como um trabalho diferente dos encontrados
nas demais escolas. Residindo principalmente, no fato de os professores
pensarem e repensarem continuamente a prática pedagógica
vem contribuindo para que o trabalho seja aprimorado numa perspectiva
de “casamento” da teoria com a prática, contribuindo
no aprimoramento da construção da escola e do ensino.
3.2 Sujeitos envolvidos
Será realizado um estudo transversal com dez alunos de CA, 2ª
e 4ª séries do ensino fundamental e seus professores. Um estudo
com tal característica pode revelar aspectos do processo de construção
do estilo e da autoria. O processo se amplia e se aprofunda ao longo das
séries? Como isso acontece? Ou não acontece?
Penso, como um critério para a escolha dos sujeitos envolvidos
na pesquisa, a seleção de alunos oriundos de diferentes
segmentos sociais. Para tanto, farei um questionário sócio-econômico.
Pretendo estar realizando a seleção desses alunos através
de conversa com as professoras e de consulta às fichas escolares.
3.3 Material de pesquisa
Observação em sala de aula, textos escritos
na escola pelos alunos selecionados, durante o desenvolvimento de um projeto
de trabalho a ser combinado com as professoras; entrevistas com os alunos;
e levantamento das condições de letramento das famílias
em fichas da escola e, se necessário, entrevista com os pais dos
alunos selecionados.
3.4 Procedimentos de coleta dos dados
1) Conversa com as professoras de CA, 2ª e 4ª
séries, para explicar a pesquisa e definição conjunta
de um projeto de trabalho que envolva a produção de textos
pelos alunos de um determinado gênero do discurso;
2) Seleção dos alunos;
3) Observação das aulas com a finalidade de acompanhar o
desenvolvimento das atividades de produção de textos escritos;
4) Levantamento dos dados das crianças em fichas da escola;
5) Entrevistas com os alunos e professores;
6) Conversa com os alunos envolvidos na pesquisa sobre algumas de suas
produções.
Questões iniciais estão sendo consideradas:
Como os gêneros do discurso são construções
sociais, é preciso que os alunos se familiarizem com o gênero
selecionado para que venham a produzir textos neste gênero. Estamos
considerando que, para alcançar o objetivo do estudo, devemos selecionar
um gênero cuja discursividade característica não seja
a narrativa, já que alguns desses gêneros, como os contos,
por exemplo, apresentam uma certa estereotipia. Outra consideração
importante reside no fato de não ter a intenção de
mudar o planejamento de trabalho da turma no sentido de oferecer um tipo
de gênero a ser trabalhado para a pesquisa. Na verdade, escolherei
um tipo de gênero discursivo que será (ou estará sendo)
trabalhado no decorrer do ano letivo. Então, a partir das possibilidades
oferecidas pelas professoras, vou trabalhar com dois gêneros: o
fichamento e o relato.
REFERÊNCIAS
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estilo: as marcas de construção de autoria em textos representativos
da aquisição da linguagem de um mesmo sujeito, da pré-escola
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