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  AS CONCEPÇÕES DE PROFESSORES SOBRE MEDIDA E A RELAÇÃO DESSAS COM A VISÃO DE REALIDADE E O CONCEITO DE NÚMERO

Micheline Rizcallah Kanaan Cunha FE- UNICAMP
Anna Regina Lanner Moura FE- UNICAMP

Resumo: Esta pesquisa tem por objetivo identificar nas elaborações escritas e orais do professor do ensino fundamental, a relação entre medida, número e a concepção de realidade. Este enfoque se justifica pelo fato de a medida ser abordada nos ensino fundamental de forma fragmentada dos conceitos de número e de uma concepção estática da realidade. É entatizado o aspecto tecnológico da medida em detrimento do desenvolvimento histórico conceitual da mesma. A atuação da pesquisadora como professora caracteriza esta como uma pesquisa de intervenção. A análise de caráter qualitativo será feita a partir da coleta de informações com base em episódios de ensino e registro dos alunos em gravações e portifólios. Os pressupostos deste estudo estão amparados nas teorias do conhecimento e baseados no desenvolvimento conceitual e têm em CARAÇA (1974), DAVIDOV (1982) e KOPNIN (1978) alguns de seus representantes. A construção do conhecimento científico, para esses autores, é de natureza dialética. De acordo com pesquisadores em Educação Matemática, os juízos e conceitos de medida e grandeza constituem conexões básicas para a elaboração do conceito de número e são considerados como fundamentais para o desenvolvimento do conhecimento e linguagem matemática. Espera –se portanto uma resignificação por parte dos alunos envolvidos na pesquisa dos conceitos de número e medida.

INTRODUÇÃO

Esta pesquisa tem por objetivo estudar as elaborações orais e escritas dos professores do ensino fundamental sobre a relação medida e número e a concepção de realidade do ponto de vista de sua fluência e permanência. Este enfoque tem sua origem na dissertação de mestrado (Cunha, 2001), em pesquisas correlatas e reflexões sobre a nossa prática pedagógica em matemática e física.

Iniciamos na Dissertação de Mestrado um estudo diagnóstico com o objetivo de investigar primeiramente as dificuldades de aprendizagem dos alunos de 2ª a 5ª série em relação aos números decimais. Constatou-se da análise que, além do aluno não atribuir significado a representação decimal, ele não consegue fazer conexões entre o conceito de medida e o número racional em suas diversas representações, em particular, na representação decimal. O número decimal é em geral trabalhado apenas sob o aspecto operacional em detrimento do aspecto conceitual, (Catalani, 2000). A aprendizagem de técnicas operatórias que, normalmente, ocorre de forma repetitiva e mecânica, não favorece a elaboração tanto dos professores quanto dos alunos, dos nexos de número e medida. O ensino formal dos números, desvinculado da associação com a medida, é um dos fatores da dificuldade da aprendizagem significativa dos números racionais e tem conseqüência na matemática e na física.

A realidade que nos cerca, na maioria das vezes, é entendida de forma estática, como é o caso das contagens de elementos naturais, ou da medição de certos estados instantâneos, como por exemplo, a posição de um móvel numa estrada, ou ainda, do valor da temperatura e outros. No entanto a realidade não é estática, mas está em permanente movimento. A concepção de fluência da realidade já era conhecida pelo filósofo grego Heráclito que definia como elemento comum a toda a realidade existente o movimento, tendo expresso esta idéia numa de suas frases que perpassou o tempo: “ tudo flui, tudo devem”, (Caraça 1974).

A concepção de movimento, por sua vez só pode ser entendida pelo movimento relativo entre duas grandezas. O conceito de grandeza está associado a compreensão da relação qualidade e quantidade. Toda a qualidade tem intensidade. Determinadas intensidades podem ser quantificadas e essa quantificação é obtida pela medida quando lhe é atribuída uma unidade. “A quantidade associada a uma qualidade é denominada de grandeza” (Caraça, 1974).

O mesmo autor discute que a qualidade de um ser corresponde ao conjunto de relações em que um determinado ser se encontra com os outros seres de um agregado. Não se pode falar de em qualidade intrínseca de um ser ou objeto. As qualidades de um ser dependem das relações entre seres. A quantidade é um atributo da qualidade (Caraça, 1998). O termo quantidade no senso comum é sinônimo de número, na linguagem científica e filosófica, por vezes, tem sentido diferente. Aristóteles definiu quantidade como aquilo que é divisível em dois ou mais elementos integrantes, dos quais cada um é por natureza uma coisa una e determinada. Ainda, segundo Caraça, explicar um fenômeno é explicar sua evolução. Essa evolução manifesta-se pela “alteração de suas qualidades”

Sob o ponto de vista da ciência, a visão do mundo depende da compreensão dos fenômenos e das leis que regem esses fenômenos. Esse conhecimento por sua vez, está vinculado ao aspecto qualitativo-quantitativo das grandezas que constituem esses fenômenos. Por toda a parte, em todas as ciências há a tendência para o aspecto quantitativo e, portanto para a “medida”, de modo que se pode afirmar que o estado propriamente científico de cada ramo do conhecimento e que o estudo da variação quantitativa com explicação da evolução qualitativa, só começa quando nele se introduz a medida. Assim, estudar o movimento implica estudar inicialmente, as grandezas nele envolvidas e esse estudo será efetivado com o auxilio da medição.Interessa-nos, em particular, estudar a relação entre sua visão da realidade dos Educadores e suas percepções sobre o aspecto qualitativo-quantitativo, discreto contínuo, estático e movimento

. Ao atuar na formação em Projetos de Educação Continuada para professores da rede estadual e municipal do estado de São Paulo, constatamos que as dificuldades de ensino nas duas áreas se interpenetram , em particular nas conexões conceituais de número e medida.

Nossa experiência tem mostrado que o aluno, em geral, não consegue interpretar a quantidade 8,4 como resultado de medida de grandezas contínuas. Além disso, também não sabe interpretar a parte decimal 0,4 da medida do comprimento 8,4m, do intervalo de tempo 8,4 horas, do deslocamento angular 8,4º, ou ainda no valor da densidade demográfica 8,4 como medida estática ou contínua. Esta dificuldade se explica pela não compreensão que o aluno e, por vezes, o professor têm da relação do número e medida. A dificuldade permanece por longo tempo no decorrer dos anos de escolaridade e tem conseqüências negativas para o aprendizado dos conceitos matemáticos e físicos. No ensino de Física, constatamos que a dificuldade de aprendizagem aparecem, principalmente, no que está relacionada à medição de grandezas físicas fundamentais como comprimento, tempo, massa, temperatura e ao desenvolvimento do conceitos matemáticos como o da fração, medida e número decimal.

Há consenso entre educadores sobre a ineficiência do ensino mecânico, repetitivo, no qual o ensino do número é desvinculado da noção de medida, isto explica a lacuna apontada na compreensão da relação medida, número e realidade. O entendimento pelo aluno do conceito de número, não o impede de operar mecanicamente (Cunha, 2002), no entanto, a não apreensão conceitual do número e como esta vai permanecendo ao longo da formação escolar do aluno, resulta em dificuldades nas elaboração de nexos conceituais tanto para a matemática como para outras áreas de conhecimento como a Física. Os estudos de Catalani ( 2002), Moura (1995), Prado (2000) permitem constatar que o conceito de fração origina-se na inter-relação entre medir e representar numericamente o resultado desta medida.

O presente estudo, possibilitará dar prosseguimento aos estudos iniciados com a dissertação de Mestrado, com uma nova investigação baseada na questão: "Como a elaboração dos nexos conceituais da medida, feita na formação inicial e continuada, contribui para a compreensão da relação do número, da medida e de visão de fluência da realidade? Para respondermos a essa questão, buscaremos apoio nas teorias que tratam da apreensão do conceito numa perspectiva lógico–histórico do conhecimento e sobre a dependência das formas de pensamento com a linguagem (Kopnin, 1978).

Acreditamos que a construção e generalização do conceito de número elaborados pelo aluno,estão extremamente relacionadas com sua concepção de medida e a relação desta com a visão da realidade .Partiremos das seguintes hipóteses: a) o não entendimento dos conceitos matemáticos e físicos resultam da não conexão pelo educador e educando, do conceito de número com os conceitos de medidas.b) o entendimento do conceito da grandeza se dará a partir do momento em que o ensino priorize o lógico- histórico do conhecimento de número e da medida.

Nos procedimentos metodológicos a pesquisa, serão aplicadas, aos alunos, professores e futuros professores, atividades que priorizem o controle de variações quantitativas, partindo de situações nas quais seja possível fazer conexões entre o conceito de medida, de fluência, de grandeza de unidade, tendo em conta que o conceito de medida e de grandeza caracterizam-se como conexões básicas para a elaboração dos conceitos preliminares quer físicos ou matemáticos.

Faremos um estudo preliminar, a partir de questões que intencionam identificar as idéias iniciais dos alunos sobre contagem e medida; os aspectos discreto e contínuo, estático dinâmico da realidade a ser medida. Isto nos possibilitará a elaboração de atividades de ensino que priorizem a medição de grandezas contínuas, e nelas a relação entre número e medida. Essas atividades serão desenvolvidas, em sala de aula em Curso de Pedagogia e de formação continuada dos professores do ensino fundamental.

As atividades de ensino serão elaboradas tendo como fundamento o desenvolvimento lógico-histórico do conceito matemático de número de suas conexões com os conceitos de medidas As informações da pesquisa serão registradas mediante gravação em vídeo, registros escritos dos alunos e da pesquisadora. A análise deste material se fundamentará nos pressupostos do desenvolvimento conceitual interpretando e classificando as elaborações dos alunos sobre medida, número e fluência e permanência da realidade.

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