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DIFICULDADES DOS ALUNOS DO ENSINO FUNDAMENTAL, EM ÁLGEBRA, E SUAS POSSÍVEIS ORIGENS

Nathalia Tornisiello Scarlassari - Mestranda - FE/Unicamp - nathaliats@yahoo.com.br
Anna Regina Lanner de Moura – Orientadora - FE/Unicamp lanner@unicamp.br

Introdução

Este trabalho foi desenvolvido numa escola particular da cidade de Piracicaba na qual realizamos estágio com objetivo principal de verificar os tipos de dificuldades encontradas pelos alunos do ensino fundamental ao estudar álgebra. Nossa expectativa é de contribuir para que o professor se situe frente à natureza das dificuldades mais freqüentes e possa ter ações mais eficazes do que a mera repetição do modelo certo.
As abordagens tradicionalmente veiculadas na prática pedagógica de álgebra elementar, nos diferentes níveis de ensino, têm focalizado principalmente o uso, memorização e repetição de fórmulas, como modo único de aplicação dos conceitos algébricos. Em decorrência desse tipo de abordagem, poderíamos citar algumas dificuldades que os alunos apresentam tais como: a não compreensão da significação em linguagem retórica das fórmulas representadas em linguagem simbólica; a não compreensão das operações elementares; a dificuldade de relacionar ou associar o que está representado; a dificuldade em contextualizar as expressões escritas na linguagem simbólica com relação aos enunciados das questões.
Muitas dessas dificuldades, apresentadas pelos alunos, estão diretamente relacionadas às abordagens do ensino de álgebra elementar assumidas pelos professores em sala de aula. Dependendo do modo como o professor trabalha, as dificuldades tendem a manifestar-se mais em determinados aspectos do que outros. Em vista disso, consideramos que uma abordagem que trabalhe a construção dos nexos conceitos, tendo como referência o enfoque teórico lógico-histórico do conceito, conforme discute Kopnin (1975), possibilitará a significação por parte do aluno das fórmulas que lhe eram incompreensíveis.
Em sua trajetória escolar com relação à matemática, as dificuldades dos alunos se acentuam a partir da 6ª série, onde a maioria das dificuldades é atribuída à incompreensão da álgebra elementar. De modo específico e baseado em nossos estudos, os alunos apresentam maiores dificuldades, sobretudo, em relação ao conceito de variável. Ou seja, vêem a variável como limitada à incógnita e desvinculada de um campo de variação.
A acumulação do não entendimento das regularidades e generalizações numéricas na aprendizagem da aritmética constituem dois fatores associados à problemática do não entendimento da álgebra elementar. Isso ocorre porque, em sala de aula, segundo Sousa (1999), os professores “ensinam os conteúdos matemáticos a partir das concepções que elaboraram enquanto se constituíam professores, na licenciatura”, se restringindo assim ao caráter pragmático da álgebra. Desse modo, a álgebra é introduzida como algo totalmente novo, desvinculada de conhecimentos anteriores que o aluno possa ter desenvolvido e fechado num formalismo simbólico.
Nosso objetivo é aprofundar este fenômeno que vai afastando gradativamente o aluno da matemática, e tentar remover, dessa forma, as dificuldades que apresenta levando em consideração suas origens. Neste sentido, tomamos como pressuposto que as dificuldades e possíveis origens relacionam-se, em parte, à abordagem assumida e trabalhada pelo professor que normalmente desconsidera, por desconhecer, as diferentes linguagens algébricas e seu conteúdo relativo aos movimentos quantitativos da realidade. Assim, torna-se necessário discutir as abordagens de álgebra no ensino, as concepções e os erros ou dificuldades deste conteúdo específico.
A metodologia consistiu de um estudo com alunos de duas 6ª séries do Ensino Fundamental de um colégio da rede particular da cidade de Piracicaba – SP, no qual vínhamos desenvolvendo estágio como plantonista desde 1.999. Para a construção dos dados assistimos a trinta (30) aulas de Matemática nessas turmas e proporcionamos dois (2) plantões de dúvidas nos quais os alunos resolviam alguns problemas propostos por nós e pelo professor das turmas.
Metodologia

Para o levantamento do material empírico da pesquisa de campo usamos: os registros escritos dos alunos, as observações que fazíamos ao assistir as aulas e o diário de campo onde registrávamos o acompanhamento que dávamos aos alunos nos plantões de dúvidas.
O material empírico foi organizado com base na questão de investigação “quais as dificuldades, e suas possíveis origens, apresentadas pelos alunos da 6ª série do ensino fundamental no estudo de álgebra elementar”, e analisado tendo por referência a literatura selecionada para a pesquisa: Smith (1958), Caraça (1975), Booth (1995), Lima (1993) e Kopnin (1975). Com base nestes critérios, organizamos o material construído que consta de:
1- descrição em linguagem natural de situações de variação quantitativa ;
2- resolução de equações com o objetivo de identificar dificuldades em aritmética;
3- formalização em linguagem algébrica das situações de variação quantitativa e do respectivo campo numérico de variação.
Embora tenhamos realizado a análise dos dados relativos aos três itens acima, optamos por apresentar as discussões, os resultados e conclusões relativas ao item da descrição em linguagem natural de situações de variação quantitativa.
Desse modo, organizamos os dados em uma tabela na qual categorizamos as dificuldades segundo regularidades aí encontradas, o que permitiu uma categorização das dificuldades e uma percepção da natureza das mesmas cujas características aprofundamos na análise.
Análise

A categorização e tabulação dos dados em tabela adveio de leituras recorrentes do material empírico com o intuito de identificar e descrever todas as dificuldades manifestas pelos alunos quando solicitados a resolver questões algébricas. Da freqüente leitura dos dados orientada pela questão da pesquisa e pelo referencial teórico que elaboramos, construímos categorias de análise, das quais dificuldades é a mais abrangente por ser foco de nosso interesse e explicitada na questão orientadora. Todavia, para mediar melhor o processo de análise construímos sub-categorias, a saber: 1– Tradução literal¬; 2 – Equivalências de expressões; 3 - Traduções de expressões que indicam movimento ou variação; 4 - Princípio de equivalência; 5 - Significado de operação matemática; 6 - Relação operacional entre as expressões; 7 - Noção de unidade; 8 - Tipos de Linguagem. Essas categorias permitiram um aprofundamento da natureza das dificuldades manifestas pelos sujeitos da pesquisa. Nesta apresentação nos limitaremos a descrever a análise da categoria secundária Tipos de Linguagens devido ao enfoque dado nesse fórum de discussão.

Sub-Categoria 8: Tipos de Linguagem

O desenvolvimento e a repetição de exercícios que solicitam a tradução da linguagem retórica para a linguagem simbólica, não possibilita ao aluno a elaboração do conceito algébrico, de variação numérica e de equação.
Segundo Smith, o desenvolvimento conceitual da álgebra apresenta três fases distintas de sua linguagem simbólica (retórica, sincopada e simbólica) evidenciando com isso que o pensamento de variação não teve de imediato uma linguagem algébrica (simbólica) para sua representação. Desse modo, é necessário todo um processo de formalização que decorre da complexidade das necessidades sociais, que vem exigindo resultados sempre mais precisos a seus problemas. O trabalho da álgebra no ensino pode ser feito primeiramente através de um entendimento e descrição de movimentos quantitativos presentes na realidade natural e social do aluno, em linguagem a ele compreensível. Nossos dados mostraram que apenas a resolução de uma lista de exercícios pode induzir o aluno a uma tradução linear da linguagem retórica para a linguagem formal sem que haja um entendimento do conceito de variação nela implícito.
Mais especificamente nesta categoria, os alunos que apresentam dificuldades em representar os movimentos numa linguagem completamente simbólica, acabam lançando mão de um misto entre as linguagens retórica e simbólica, para expressar os enunciados. Isto constitui uma aproximação do que propõe Smith (1958) em relação ao uso de uma linguagem menos conveniente e que seja do entendimento do aluno. Este tipo de dificuldade constitui um indicativo de que o aluno não tenha compreendido as operações entre os termos, e nem distinguido os termos expressos no enunciado. Exemplo disso é a tradução de “Ana Lúcia andou, hoje, cinco quilômetros a mais do que anda todos os dias” por “A 5 de x + uma U”. Neste exemplo, o aluno está usando as linguagens retórica e simbólica para representar um enunciado, ele associa o termo “mais” do enunciado com o símbolo “+” mas não faz a relação de operacionalidade correta entre os termos da expressão, ele “cria” expressões para tentar dar sentido ao que escreve. Para evitar que essas dificuldades permaneçam, deve-se fazer um trabalho com o aluno que permita o entendimento de variável, da operacionalidade presente, desde a aritmética, entre os termos envolvidos nas operações e, ainda, trabalhar os três tipos de linguagem propostos por Smith.
Conclusão

Para concluir pensamos em responder a questão de pesquisa tecendo algumas suposições sobre o quadro de dificuldades que levantamos e analisamos e discorrendo sobre possíveis contribuições para o ensino de álgebra elementar.
Inicialmente, identificamos oito (8) dificuldades distintas recorrentes nos exercícios desenvolvidos pelos alunos, porém não excludentes. De fato, estas se interpenetram na prática pedagógica deste conteúdo específico. Todavia, buscamos também apoio na literatura revisada, indicações que nos permitissem apontar para as possíveis origens destas dificuldades e, projetar indicações didático - pedagógicas para que o professor encontre aí referências para o ensino de álgebra. Neste ponto, consideramos que a presente investigação avança em relação aos estudos de Booth (1995); Neves (1995) e Pinto (1997).
De modo específico, o avanço apresenta-se ao identificarmos dificuldades de tradução que remetem ao modo como os alunos mobilizam os três tipos de linguagens referidos por Smith (retórica, sincopada e simbólica). Percebemos que as traduções geralmente não expressam o pensamento operacional presente na linguagem retórica. Assim, do ponto de vista do aluno, manifesta-se, dentre outros aspectos, um não entendimento das diferentes expressões lingüísticas que indicam o pensamento subtrativo; a leitura do princípio multiplicativo, sem que se diferencie múltiplo de divisor; não identificam a diferença entre os termos da divisão e desconsideram a igualdade entre as expressões que representam equivalência. Consideramos que possivelmente tais dificuldades vinculam-se à falta de compreensão dos sentidos associados àquelas, bem como na não compreensão do pensamento de variação e de uma representação matemática, relativizando-a a um campo numérico de variação.
Um outro aspecto da origem das dificuldades consideramos ser o de uma dinâmica de sala de aula que não possibilita uma elaboração coletiva dos nexos conceituais da álgebra. Em relação às indicações pedagógicas para um trabalho que venha a superá-lo, indicamos, também, o desenvolvimento de atividades de ensino na tripla dimensão: indivíduo, pequenos grupos e grupo-classe.
Considerando que um dos grandes problemas da álgebra reside no fato que sua natureza requer uma linguagem abstrata e artificial que se rege pelas regras da lógica formal e que pretende ser a expressão do rigor matemático, a mesma é um capítulo do ensino da matemática que requer muito estudo e aprofundamento do que venha a ser a comunicação e a linguagem para a aprendizagem do aluno do ensino fundamental.
Um primeiro entendimento que temos deste problema pedagógico da álgebra é de trabalhá-la mediante uma dinâmica que permita a elaboração individual-coletiva de seus nexos conceituais. Para tanto, assumimos a dinâmica indivíduo-grupo-classe para desenvolver em sala de aula esses nexos.
Nestas sugerimos que se trabalhem: 1) o conceito de correspondência que na visão de Caraça (1975) é o germe do pensamento da equivalência e não está presente imediatamente no número; 2) os termos envolvidos nas operações de adição, subtração, multiplicação e divisão, tanto na aritmética como na álgebra, bem como seus respectivos significados; 3) o conceito de unidade como um número; 4) o pensamento de variação e de uma representação matemática relativizando a um campo de variação; 5) o pensamento operacional presente na linguagem retórica que amplie a compreensão das traduções; 6) os diferentes tipos de linguagens propostos por Smith, no que diz respeito às suas contribuições e limites; 7) as regularidades e generalizações como possibilitadoras de construção do pensamento algébrico; 8) leitura e releitura das traduções das três linguagens, como possibilidade de reconstrução dos enunciados propostos e de entendimento por parte dos alunos.
A visão estática de número; a aritmética centrada exclusivamente em exercícios e exemplos com o número físico, sem que exista um trabalho com expressões que indicam variação quantitativa; expressões abertas que não são definidas por uma igualdade entre números tornam inacessível à compreensão do aluno a natureza da variável. Atividades que solicitam a análise de variações e sua representação em linguagens elaboradas pelo aluno podem contribuir para a diminuição das dificuldades e para o entendimento de variável e respectiva representação algébrica.
A questão fundamental no ensino é que diante de um erro algébrico é ineficaz a repetição do modelo certo, e até mesmo a utilização de algumas analogias como o conceito de equivalência referido à idéia da balança, (NEVES 1995).
Sem o entendimento das raízes aritméticas do erro e de compreensão de movimento e variação numérica o ensino da matemática fica comprometido. Para a Educação Matemática é de fundamental importância um trabalho que leve em consideração as origens dos conteúdos, sua história e os conceitos necessários para um bom entendimento por parte dos alunos.

Referências Bibliográficas

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LANNER DE MOURA, Anna Regina & SCARLASSARI, Nathalia Tornisiello - Dificuldades de alunos do ensino fundamental, em álgebra e suas possíveis origens. Faculdade de Educação, UNICAMP/SP. Relatório final de atividades relativo ao projeto de iniciação científica - CNPQ, 2001-b

LIMA, Luciano. PÉRICLES, Roberto. TAKASAKI, Mário. A variável: Escrevendo o movimento, A linguagem algébrica 1, São Paulo: CEVEC, 1993.

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LINS, Rômulo C.. Álgebra e pensamento algébrico na sala-de-aula. In A Educação Matemática em Revista.

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Faculdade de Educação. UNICAMP/SP. Dissertação de mestrado, 1999.

Anexo

Tabela dos tipos de dificuldades e origens em álgebra elementar (número total de alunos: 67)

Categorias dos tipos de dificuldades

Natureza das dificuldades

Exemplos:

Questões e Respostas

8 - Tipos de Linguagem

Q – Tradução da linguagem retórica para a linguagem algébrica utilizando ambas.

Q.23 - O quádruplo de um número.

Respostas:

A) O 4. de x

 

Q.7 - Um número diminuído de quatro unidades.

Respostas:

A) Um x – 4U

 

Q.22 - Ana Lúcia andou, hoje, cinco quilômetros a mais do que anda todos os dias.

Respostas:

A) A 5 de x + uma U

 
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