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  UMA BIBLIOTECA PARA SEUS LEITORES

Silvana Dias Cardoso Pereira
Unicamp/FE - Grupo ALLE – Alfabetização, Leitura e Escrita

“Na virada deste milênio, a qualidade e a quantidade da oferta de leitura deixa muito a desejar. Muito do passado do ensino de leitura, portanto, vive no presente. Se isso é verdade, muito do ensino da leitura do presente vive, de algum modo, no passado.”

Como despertar interesse pela leitura em um ambiente escolar? É possível desvincular o desenvolvimento do gosto pela leitura, seja ela qual for, da avaliação e atribuição de notas? Como os alunos encaram a ida à biblioteca? O que ela representa para eles?

Estas e tantas outras são perguntas que permeiam a prática docente comprometida com o ensino de leitura e a formação de leitores. No entanto, a resposta para elas não é muito simples e exige a compreensão de um contexto social, econômico e político bastante complexo. Não é a intenção, mesmo porque isso não seria possível, esgotar o assunto em todas as suas vertentes, mas sim procurar responder os questionamentos dentro de um contexto muito particular: o da experiência dentro de uma escola publica da rede estadual de ensino na cidade de Campinas.

Antes, porém, algumas considerações em torno da leitura no contexto escolar. Nem sempre a escola teve essa abundância de livros paradidáticos à disposição. Textos manuscritos, documentos de cartório, cartas, a Constituição, o Código Criminal e a Bíblia eram tomados como manuais de leitura.

O contexto escolar brasileiro também era outro, não se tinha essa mega estrutura dos dias de hoje, em que apenas na cidade de Campinas há oitenta e três escolas divididas entre os ensino fundamental e médio e em que a democratização do ensino possibilita a todos estarem nas escolas.

Com o passar do tempo, a preocupação com a leitura fez surgir livros de leitura com enfoque nas séries iniciais. Precursor, de certa maneira, do que viria a ser o grande mercado das cartilhas. Com o aumento do número de escolas e de seus freqüentadores, várias foram as mudanças no ensino. Essas mudanças, no entanto, não trouxeram reestruturações significativas para a escola em suas práticas cotidianas, o que, aliás, ainda pode ser percebido hoje. Os prédios continuam com aparência de qualquer coisa que não seja escola, suas instalações não permitem um ambiente de estudo e pesquisaos móveis continuam impróprios para seus usuários bem como para o tempo que permanecem sentados e os professores continuam mal remunerados.

É preciso ainda considerar que a leitura no contexto escolar está intimamente ligada ao surgimento da editoras no contexto nacional. Com a instalação de muitas editoras no país, a literatura brasileira se consolidou e aumentou o número de leitores, ainda que proporcionalmente pequeno se considerada a população como um todo. Junto com o surgimento das editoras, novos livros de leitura são editados. Trata-se de impressos de próprios para a escola. Em 1921 surge um livro de leitura que marcou a história da leitura escolar: Narizinho Arrebitado, de Monteiro Lobato. Trata-se de um marco porque instaura-se a idéia de provocar o prazer de ler.

Com o passar do tempo, o desenvolvimento do mercado editorial e as novas teorias pedagógicas em torno da leitura, o material de leitura que circula nas escolas têm se renovado. Junto com este material que podemos chamar de oficial, circulam também outras leitura que sofrem, quase que invariavelmente, o preconceito e a marginalização e, por isso mesmo, permanecem meio escondidas e passam de mão em mão sem o conhecimento da maioria dos professores. No entanto, muito do que era proibido no passado, hoje já não o é.

Feitas essas considerações mais históricas, a atenção pode se voltar para uma preocupação mais recente, específica da Secretaria da Educação do Estado de São Paulo que, por meio de programas tais como o PROGRAMA DE MELHORIA E EXPANSÃO DO ENSINO MÉDIO, BIBLIOTECA DO PROFESSOR e PNLD tem encaminhado para as escolas um número significativo de livros que devem compor a biblioteca escolar.

A questão central, no entanto, é que o espaço físico e o funcionamento efetivo da biblioteca são raridades nas escolas públicas. Em muitas escolas, há o espaço físico para que funcione a biblioteca, mas que são transformados em depósitos dos próprios livros e de outras tantas coisas como material de limpeza etc. Mesmo havendo o espaço físico, não há mobiliário e nem pessoal para fazer a biblioteca funcionar.

Nesse contexto desanimador, surgem bibliotecas que funcionam, mas que são fruto do esforço e prioridades de uma determinada escola, de pessoas que tomam como objetivo pessoal o início e continuidade do projeto de uma biblioteca escolar. Nesses casos, espaços físicos são transformados em lugares de leitura, pesquisa e incentivo à expressividade. É nesse contexto que se percebe “que a leitura é sempre uma prática encarnada em gestos, em espaços, em hábitos.” .

Nessa perspectiva da historia cultural, a experiência com alunos do ensino fundamental e a freqüência quinzenal à biblioteca buscou responder algumas questões, dentre as quais as que iniciaram esse trabalho.

A primeira delas, que diz respeito ao despertamento para o gosto de ler no ambiente escolar perpassou pela consideração de que a leitura “não é somente uma operação abstrata de intelecção; ela é engajamento do corpo, inscrição num espaço, relação consigo e com os outros.” Assim, a leitura foi abordada não apenas como um contato abstrato, mas corpóreo, de relação com o texto, com o livro, com o espaço, com o colega de classe. Informações sobre as impressões de leitura em momentos de descontração foram constantes durante as “aulas de leitura”.

A avaliação não deveria fazer parte desse processo, no entanto, os alunos ainda são impulsionados pelo fazer para obter nota, o que desconstitui em alguma medida a tentativa de despertar o interesse pela leitura e a sua importância para a vida como um todo, independendo nesse quesito as escolhas do indivíduo. Para amenizar um pouco essa característica do contexto escolar, foram feitas leituras de textos jornalísticos para as quais se atribuiu nota em conjunto com produções escritas. Para todas as outras leituras feitas, tentou-se não vincular a palavra avaliação. Nesse processo, no entanto, percebeu-se a preocupação dos alunos com os tais roteiros de leitura e fichamentos de livros, práticas com as quais estão habituados e que, no entanto não quis utilizar por tê-las como uma prática do passado que permanece no presente, fazendo com que, como anuncia a epígrafe deste trabalho, muito do ensino da leitura, no Brasil, viva no passado.

A biblioteca representa, para os alunos, um dia em que se pode mudar a rotina, em que se pode sair da sala de aula para fazer algo diferente. Nessa realidade da escola pública calcada sobre a lousa, o giz e o livro didático, essa ida à biblioteca se transforma num oásis. Cabe ao professor, de forma progressiva, diminuir esse impacto e perceber qual é realmente o significado da biblioteca para o aluno.

E eles lêem. Têm diante de si um universo de opções que, para eles é quase inesgotável durante os anos que permanecem nessa escola, que podem ser sete. Quatro do Ensino Fundamental e três anos do Ensino Médio. Têm ainda à disposição revistas, enciclopédias, material de pesquisa, enfim uma biblioteca que se constituiu por meio dos vários programas da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo, doações de instituições, alunos, professores etc.

Essa experiência mostra que não é nenhum pouco difícil manter uma biblioteca escolar em funcionamento, é apenas uma questão de vontade e prioridade. Livros para que se não estiverem disponíveis? No entanto, se estiverem disponíveis com um mínimo de organização, serão, com toda certeza, lidos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

CHARTIER,Roger. “Comunidade de leitores”. In: _______A ordem dos livros: leitores, autores e bibliotecas na Europa entre os séculos XIV e XVIIIe. Trad. de Mary del Priore. Brasília, Ed. da UnB, 1994, p. 13-17.

GALVÃO, Ana Maria de Oliveira; BATISTA, Antônio Augusto Gomes. “ A leitura na escola primária brasileira” in Presença pedagógica. V.4, n. 24, nov./dez. Belo Horizonte: Dimensão, 1998.

LACERDA, Lílian Maria.”A história da leitura no Brasil: formas de ver e maneiras de ler”.In: Leitura, história e história da leitura. Org. Márcia Abreu. Campinas: Mercado de Letras: Associação de leitura do Brasil; São Paulo: Fapesp, 1999.

 
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