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  A MÍDIA NA AULA DE L E: A LEITURA E A CONSTRUÇÃO DO REAL

Vera Lúcia Crepadi Pereira

Introdução:

Em primeiro lugar, é necessário que se destaque o contexto que serviu como ponto de partida para análise e reflexão da aula de língua estrangeira em questão. O curso pertence ao Centro de Linguagem e Comunicação e destina-se à formação do futuro professor de língua estrangeira (inglês) da faculdade de Letras da PUC-Campinas e tem como objetivo a prática das habilidades de compreensão e produção de textos orais e escritos em língua inglesa, com foco no uso de funções e estruturas complexas da língua alvo.
Os alunos dessa disciplina são agrupados em módulos, havendo uma média de 15 a 20 participantes em cada grupo.
Com base nas condições oferecidas pela instituição, procurou-se desenvolver um projeto que possibilitasse um processo de construção da competência lingüística do futuro professor de inglês.
Para que esse processo fosse bem sucedido, o trabalho em sala de aula apoiou-se em material de leitura de textos da mídia, partindo-se para tarefas de produção oral e de produção escrita relacionadas à apropriação da temática e dos elementos lingüístico – textuais que caracterizam os textos lidos.
Antes de apresentarmos os resultados da proposta desenvolvida utilizando textos da mídia e sua relevância no processo de aprendizagem,pretendemos discutir brevemente o processo de construção de conhecimento lingüístico do professor de línguas no curso de graduação em Letras, atrelado ao desenvolvimento da leitura, e os procedimentos metodológicos adotados.
O desenvolvimento do processo de conhecimento lingüístico do professor de L. E. :
Segundo Vygotsky (1998), a construção de conhecimento é entendida como um processo que se forma no interior das relações sociais e possibilita a ocorrência de processos de significação que vão sendo negociados. Assim, entende-se que nas situações de comunicação lingüística de que os alunos participam, eles constroem e reconstroem o conhecimento da língua alvo, bem como suas concepções sobre a natureza social da linguagem.
Isso nos remete à possibilidade de refletir sobre novas experiências e sobre os princípios que as informam e de rever e reestruturar conhecimentos anteriores, dando origem a novos conhecimentos.
Ora, com base nessas considerações vygotskianas, optou-se por selecionar material didático para a sala de aula, que contemplasse as necessidades acima expostas: reforçar o caráter social da linguagem, participar nas formas de construção de significação e reelaborar conhecimentos anteriores, procedendo a novas formas de conhecimento.
Após o exame de livros didáticos que apresentam textos “ preparados” para a sala de aula e que, muitas vezes, distanciam-se das necessidades e da realidade do participante envolvido no processo de ensino-aprendizagem de desenvolvimento das competências lingüísticas, optou-se por textos autênticos e atuais, de comunicação espontânea e que promovem o direcionamento para assuntos relacionados a diferentes aspectos da complexidade temática do cotidiano da pós-modernidade. Partiu-se, pois, para a adoção e seleção de textos da mídia, cujas características permitem uma variedade de assuntos, que vão desde anúncios e resenhas a reportagens científicas e artigos informativos. Desta forma, possibilita-se a leitura através de diferentes olhares: (a) o de estar em contato com assuntos de relevância, tanto no plano individual, como no geral e (b) de atingir uma variedade de propósitos, dada a diversidade de situações que o instrumento oferece.
Assim, pode-se verificar que a leitura de textos da mídia também fornece base para a habilidade de organização de síntese (para recontar um artigo lido), para a avaliação crítica (para discutir idéias e conceitos) e para posterior formação de opiniões e pontos de vista (Grabe e Stoller, 2001).
Outro princípio cognitivo a ser ressaltado no oferecimento de artigos da mídia é o uso do vocabulário atualizado, incorporando novas propostas de uso e de conceitos, encaminhando o leitor a desenvolver uma competência metalingüística e novas estratégias de aprendizagem.
A grande relevância nesse aspecto está em se adquirir fluência na leitura, vinculada a um contexto no qual o leitor-aluno está inserido e a um “continuum” crescente, haja vista que as informações são inúmeras e intermináveis, integrando o indivíduo a um conteúdo instrucional embasado em situações autênticas e promovendo tarefas comunicativas espontâneas e reais.
Portanto, atingem-se dois objetivos inerentes à proposta de aprendizagem de leitura em uma língua estrangeira: (1) o leitor da LE está integrando-se com os “outros” ( Vygotsky) em seu processo de aprendizagem, bem como (2) está vinculado à complexidade de fatores socioculturais (Grabe e Stoller) que interferem no processo de leitura.
Isto posto, verificou-se que a diversidade das experiências de leitura dos alunos (Grabe e Stoller) levou à proposta de outras atividades em sala de aula, no laboratório, na biblioteca e em casa, ampliando o conhecimento do conteúdo desenvolvido e incentivando a pesquisa para atenção de novos dados e de reflexões e comparações que se fizessem necessárias.

Procedimentos metodológicos:

A aula de leitura de textos da mídia possibilitou o exame e a análise de princípios lingüísticos que compreendem a estrutura, o vocabulário e os aspectos semânticos característicos de títulos, manchetes, ilustrações e seções e que servem para determinar tópicos e para hipotetizar inferências, despertando a curiosidade e a busca, incentivando uma atitude de desafio e de descoberta.
Um outro item de extrema importância alcançado pela redação do texto jornalístico é o de formular hipóteses, o de localizar as idéias básicas, o de selecionar o conteúdo relevante e o de detectar palavras-chaves relacionadas com o tema desenvolvido.
Outro procedimento metodológico utilizado, além da apresentação oral e escrita de resumos do texto – que prevêem enfoques diferentes e o uso de diferentes habilidades lingüísticas – foi o de examinar “emoções” e “atitudes” do autor de textos da imprensa e o tipo de discurso elaborado.
Foram usadas estratégias como:
• organização de gráficos e tabelas.
•mapeamento semântico.
•elaboração da importância dos elementos informativos.
•colocação de perguntas que refletissem questionamentos quanto à organização textual, a escolha do vocabulário e a compreensão da informação apresentada.
•elaboração de textos escritos que demonstrassem a reflexão crítica e a opinião pessoal.
•audição de textos para estabelecer comparações entre o texto lido e o texto escrito.
•discussões orais a partir dos textos lidos e a partir dos textos ouvidos.
•exposição oral de idéias com base nos textos da audição e da leitura.
•localização nos textos respostas às perguntas levantadas durante os debates orais.
•apresentação de resumos e de resenhas escritas.
•audição de entrevistas e de palestras e transcrição dos textos ouvidos.
•gravação de trechos da entrevista para efeito de comparação lingüística do uso da língua alvo.
•formação de um espírito crítico-científico, atentando para definições e significados conotativos e denotativos das palavras.
•expansão do vocabulário tendo como enfoque associações, cognatos, antônimos e sinônimos.
•desenvolvimento de estratégias para entendentimento do significado de ilustrações, de desenhos e de caricaturas.
•análise dos propósito do discurso jornalístico e identificação de “dicas” no texto.
•criação de um arquivo em que fossem colocados artigos (orais e escritos) que apresentassem informações relacionadas com os tópicos discutidos.

Conclusão:

À medida que o curso caminhava, notou-se que os alunos envolvidos no processo passaram a se integrar com os outros alunos e professores, ocupando o espaço social que lhes pertencia.
Verificou-se também que passaram a ter um desenvolvimento fluente da leitura , haja vista a condição de domínio e de familiaridade com o vocabulário, com o material manipulado – estabelecendo mesmo comparação com os materiais em língua materna – e com a elaboração outros textos da mídia. Notou-se uma maior rapidez na velocidade da leitura efetuada e a extensão da leitura a outras fontes – como a rede – e o envolvimento com assuntos que possibilitaram a participação ativa e a atuação do futuro professor.
A motivação e a reação dos alunos frente aos temas e aos materiais utilizados propiciou a realização de oficinas em que eles apresentavam informações e comentários adicionais a temas investigados e a apresentação de painéis e “júris”, em que se tomavam posições e se defendiam idéias.
Com isso, vivenciou-se o desenvolvimento da metodologia da oralidade, que desenvolveu a fluência oral, as situações de negociação comunicativa e a auto-avaliação.
Mas, realmente, o que queremos ressaltar, além do aprendizado das condições de leitura e da oralidade tendo como instrumento-base textos da mídia, é o que se refere à função do aspecto sociocultural e seu papel no processo de transformação. Se entendermos cultura como significando princípios partilhados de vida (Clarke et al, 1976), representações de experiências vividas (Giroux, 1988), escolhas feitas pelos indivíduos e vinculadas a sua própria história, maneira de ser, de pensar e de aprender (Russell e Korthagen, 1995), não será difícil perceber que o texto da mídia favorece o trabalho pedagógico, proporcionando o contato com os elementos culturais que fazem parte do humano e possibilitando o desenvolvimento de uma formação reflexiva contínua.
Através do contato com esse material dinâmica e real, verificaram-se transformações no pensar e no fazer de nossos alunos do curso de formação de professores.

Referências bibliográficas.

CLARKE, J. et al. Subculture, Culture and Class. In: STUART H. E TONYJ. (Orgs). Resistance Through Rituals. Nova York: Hutchinson, 1976.

GRABE, W. STOLLER, F.L. Reading for Academic Purposes: Guidelines for the ESL/EFL Teacher. In: CELCE – MURCIA, M. (ed.) Teaching Enghish as a Second or Foreign Language, 3rd. Edition. U.S.: Iteinle & Heinle, Thomson Learning, 2001.

GIROUX, H.A. Teachers as Intellectuals. Nova York: Bergin & Garvey Publishers, 1988.

RUSSELL, T., KORTHAGEN, F. Teachers Who Teach Teachers: Reflections on Teacher Education. Londres: Falmer Press, 1995.

VYGOTSKY, L. Pensamento e Linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

____________. A Formação Social da Mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.

 
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