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SOCIEDADE, MÍDIA E LITERATURA: O INÍCIO DE UM DIÁLOGO

Bruno Ricardo Pinas - Instituição: Fundação Educacional do Município de Assis – FEMA

Este estudo tem por objetivo observar a partir de estudos teóricos e pragmáticos como se dão em sociedade as relações entre a mídia e a literatura.
Mais especificamente, trata-se de analisar se há influência da mídia sobre as escolhas de obras para leitura eleitas por comunicólogos.
Atualmente, pode-se observar que a mídia utiliza-se do seu poder para influenciar e até definir o que as pessoas devem ler. Isto está se tornando cada vez mais freqüente, a cada dia a mídia age sobre os consumidores, levando-os a consumir um determinado tipo de literatura. Cabe então refletir neste estudo sobre a preocupação de determinações de leitura para comunicólogos. Será que esses profissionais, que já passaram por um ensino superior, e, portanto, têm consciência sobre o poder da mídia, permitem que suas eleições de obras sejam determinadas por ela?
Sendo a mídia uma das principais instituições paradigmáticas em que se concentra o poder simbólico, segundo J. B. Thopson (1998, p.25), ela utiliza-se deste poder para influenciar diretamente o hábito de leitura. Isto acarreta, de maneira significativa, na perda do livre arbítrio para a escolha de obras para leitura e, em um nível mais profundo, acaba por sedar, segundo Norval Baitello Júnior (2001, p.30), toda a liberdade de escolha de um indivíduo em relação à literatura.
Sem perder o foco da questão midiática, podemos considerar tal fenômeno como o resultado da transferência de eleições que a literatura vem sofrendo, pois os leitores deixaram de eleger obras clássicas e passaram a preferir a literatura de massa, como afirma Sodré Muniz (1988, p. 12-13). Assim, a literatura de massa se tornou uma produção da indústria cultural que, segundo Nilto Maciel (2005), é determinada pelo mercado.
Uma possível tentativa de solução para amenizar os efeitos deste problema seria, inicialmente, a identificação do nível em que se encontra o fenômeno e, em segundo momento, a criação de uma peça publicitária que incentivasse a livre escolha, ainda a leitura de obras que possuem um texto literário, ou seja, aquelas consideradas socialmente como canônicas. Um bom exemplo de peça publicitária criada atualmente para incentivar a leitura pode ser vista na TV, mais especificamente no canal MTV (Music Television). Essa peça consiste na apresentação de vários adjetivos pejorativos relacionados à falta de leitura. Ao final, ela ordena que o telespectador desligue a TV e vá ler um livro.
Assim, este estudo encontra sua justificação ao tratar deste fenômeno que existe atualmente entre a mídia e a literatura. Ainda, justifica-se neste estudo a necessidade de inserir a discussão acerca desse fenômeno em um âmbito acadêmico, que permita contribuir para o avanço da ciência e justamente por isso, para a ampliação do conhecimento.
Como este tema é recente, existem poucos estudos realizados sobre ele. Entre estes estudos, encontra-se o trabalho de Reinaldo Laddaga (2002). Nesse estudo, o autor traça um panorama completo entre a literatura e as mídias, chegando a aprofundar-se nas questões do hipertexto e das relações das mídias com a literatura.
Já nos estudos de Nilto Maciel (2005), editor da revista Literatura, temos uma visão da real situação existente na indústria cultural, baseada na determinação do mercado. Em seus estudos, Nilto (2005, p. 02) chega a afirmar que “a mídia não se interessa pela literatura e sim pelos lucros que sua venda pode resultar”. Entretanto, não podemos desconsiderar que, embora desinteressada pelos livros e pelo tipo de obras para leitura, a mídia determina o que deve ser lido, ou seja, consumido.
Esses estudos têm grande valor para o presente estudo, porque comprovam a existência de um fenômeno que ocorre atualmente no âmbito da mídia e da literatura.
Heidrun Krieger Olinto (2002, p. 57) trata da evolução midiática, por meio de um enfoque político, afirmando que ela possibilitou a disseminação da literatura pelo mundo, como a conhecemos hoje.
Dos estudos apresentados, pode-se inferir que o problema entre a mídia e a literatura é objeto de preocupação dos estudiosos, tanto da área literária quanto da área midiática. Assim, o presente artigo pretende contribuir para o enriquecimento destes estudos e para a análise de uma vertente característica: a influência da mídia sobre a escolha da literatura consumida pelos comunicólogos. Como diretiva, este texto adota o conceito de Sodré Muniz (1988, p. 17): “Grande parte da narrativa folhetinesca de nossa época transferiu-se para esses meios (mass-media).”
Assim nos deparamos com o grande poder de manipulação exercido pela mídia, que nos deixa com o seguinte questionamento: Será que o comunicólogo exerce o livre arbítrio ao escolher o livro que irá ler ou a mídia o determina?
Neste texto, constrói-se a hipótese de que a mídia utiliza-se do seu poder simbólico para influenciar e determinar de certa forma o livro que o consumidor elege.
Constrói-se ainda a hipótese de que este fenômeno midiático pode ser alterado ou minimizado por meio da própria mídia, pela apresentação de peças publicitárias que incentivem a livre escolha.
O desenvolvimento deste artigo deu-se a partir da coleta de dados que foram adquiridos com as seguintes ferramentas:
- leitura bibliográfica;
- entrevistas exploratórias qualitativas;
- estudos via Internet;
- criação e produção de peça publicitária.
A coleta de dados procedeu-se da seguinte forma. No período de 01 de março a 10 de junho realizou-se as pesquisas, a leitura bibliográfica e os estudos via Internet, obtendo-se assim uma maior percepção do fenômeno pesquisado.
Após esses primeiros contatos, foi estruturado um roteiro para orientar as entrevistas exploratórias qualitativas com os comunicólogos, estes foram selecionados ao acaso (publicitários e jornalistas) para evitar a criação de um vício de pesquisa. Para levantamento de dados qualitativos, entrevistamos uma amostra de 21 comunicólogos (profissionais formados que atuam na área de Comunicação Social), que representam 42 % dos existentes na cidade de Assis, sendo estes atuantes nas diversas áreas sociais, durante o período de 01 a 12 de junho. Esses sujeitos foram submetidos a entrevistas exploratórias qualitativas, como orienta Philip Kotler (2003, p. 65).
Após o levantamento de dados obtidos pelas pesquisas, foi criada e apresentada aos entrevistados uma peça publicitária com o objetivo de lhes propiciar uma reflexão sobre os efeitos do fenômeno estudado. Veja a peça a seguir:

Figura I – Peça criada a partir de estudos exploratórios e aprovada por 95% dos comunicólogos entrevistados.

Com os dados qualitativos resultantes das entrevistas, foi organizado um SI (Sistema de Informações) no qual se encontram todos os dados coletados até o momento, transformados em informações. Essas informações foram cruzadas e analisadas, criando um panorama geral do fenômeno pesquisado.
Para esclarecer este panorama geral, apresentamos os gráficos gerados a partir dos dados quantitativos e qualitativos coletados. Cada gráfico vem acompanhado de sua respectiva análise.
Entre os entrevistados pôde-se perceber que as idades variam entre 22 e 52 anos, resultando em uma média de 31,14. Observamos então que no mercado assisense, predominam os jovens. Também verificamos que 57% dos entrevistados pertencem ao sexo feminino, demonstrando uma realidade social; a do predomínio de mulheres no mercado de trabalho voltado para a comunicação.

Após analisar a área de atuação da população entrevistada, levantamos que 71% dos comunicólogso são publicitários. Este dado nos revela que Assis tem mais publicitários que jornalistas, conforme demonstrado no gráfico a seguir.

Quando indagados sobre a representabilidade da leitura em seu cotidiano, a maioria (86%) declarou que realiza leitura diária, como se pode observar no seguinte gráfico.

Gráfico II – Representabilidade da leitura no cotidiano dos entrevistados

Apesar da leitura ser parte integrante do cotidiano dos comunicólogos, ao serem indagados sobre uma obra que os marcou, verificamos que consideram primeiramente as obras técnicas e teóricas como por exemplo Apocalípticos e Integrados de Humberto Eco, A Televisão levada a sério de Arlindo Machado, Marca da DPZ, seguidas pelas de narrativas de ficção, e em último lugar, pelos romances baseados em fatos históricos. Assim, observamos que a maior procura ocorre por obras técnicas e teóricas da área.


Gráfico III – Gêneros marcantes para a população

Por conseqüência, os comunicólogos indicam obras técnicas e teóricas para leitura. Esse fato reforça o princípio de que se indica o que mais se conhece. Pôde-se observar ainda que na maioria das indicações, houve o predomínio de obras que foram recomendadas por professores, tais como Princípios de Marketing de Philip Kotler, Planejamento de Mídia do Grupo de Mídia, Administração de Marketing de Philip Kotler, durante o período da graduação. Esse dado revela o medo dos comunicólogos de indicarem obras não aceitas socialmente pela comunidade a que pertencem.

Observamos que, como os comunicólogos lêem mais obras técnicas e teóricas, estas também são as que lhes despertam mais expectativas. Como é grande a expectativ e, proporcionalmente, decepção. Podemos ilustrar com Circo Eletrônico de Daniel Filho, On Câmera Guia da BBC de Watts, Método Científico de Guilherme Galliano.

Gráfico V – Gênero que decepcionou na leitura

Ao indagarmos os comunicólogos acerca de uma obra que não é comentada, mas lhe agradou, obtemos um dado controverso. Apesar dos comunicólogos lerem mais obras técnicas e teóricas, estas empatam na preferência, com as obras de narrativas de ficção, sendo seguidas pelas obras de auto-ajuda (Cinderela de Saia Justa de Chris Linnares). Durante as entrevistas, vários comunicólogos citaram revistas, como obras que adoram, denotando assim a falta de familiaridade que possuem com a leitura.

Gráfico VI – Gêneros não comentados, mas preferidos pela população entrevistada


Com o objetivo de detectar quais obras oferecem um maior grau de dificuldade na leitura, questionamos os entrevistados a esse respeito. Verificamos que a dificuldade encontrada pelos comunicólogos incide sobre as obras narrativas de ficção. Nas respostas, as obras clássicas, tais como O Primo Basílio de Eça de Queiroz, Vidas Secas de Graciliano Ramos, Dom Casmuro de Machado de Assis, foram as mais indicadas como difíceis para a leitura, mais uma vez denotando a falta de leitura literária deste público.

Gráfico VII – Gêneros abandonado durante a leitura

Quando indagados sobre o que leram nos últimos seis meses mais de 50% dos comunicólogos apontaram obras técnicas e teóricas, tais como: A Linguagem em Propaganda de Torben Vestergaard e Kim Schroder, Marketing Social de Hamish Pringle e Marjorie Thompson e Semiótica Aplicada de Lucia Santaella.

Gráfico VIII – Gêneros lidos nos últimos seis meses, pelos entrevistados

Quando questionados em relação ao espaço cedido pelas mídias para a leitura, 70% dos entrevistados afirmaram categoricamente que as mídias não cedem espaço para a prática da leitura.

Gráfico IX – Os espaços da mídia para a leitura

Entre os comunicólogos, há uma análise das mídias, revelando a impressa como a que mais divulga a leitura, com suas colunas e matérias destinadas a isto. A internet aparece em segundo lugar, seguida de perto pela televisão.

Gráfico X – Os veículos que mais divulgam a prática de leitura


Entre os comunicólogos equilibram-se os que já leram um best-seller indicado pela mídia e os que não leram. Geralmente estas obras chegam por meio de campanhas ou polêmicas, veiculadas nos meios de comunicação de massa.

Gráfico XI – Leitura de Best-sellers

Quando questionados de maneira direta sobre a influência da mídia em suas escolhas de leitura, 57% dos comunicólogos revelaram que foram influenciados pela mídia de uma forma ou outra.

Gráfico XII – A influência da mídia nas escolhas de leitura

 

Para traçarmos um panorama acerca da influência da TV sobre o público de massa, indagamos os comunicólogos que, por sua vez, acreditam fielmente (85%) no poder de decisão desta mídia. Apenas 10% acreditam que a TV influencia, mas não decide e 5% não acreditam no poder de decisão desta mídia.

Gráfico XIII – A mídia decide as escolhas do telespectador

Um ponto importante, o comunicólogo afirma que a mídia influencia, mas pouco sobre suas escolhas de leitura. Já quando questionado em um plano pessoal, como consumidor, 90% dos comunicólogos se consideram influenciáveis pela mídia. Aqui derrubamos aquele clichê, de que todo comunicólogo, que conhece as facetas da mídia, se julga acima do bem e do mal. Os dados provam que o comunicólogo é influenciável como qualquer outra pessoa.

Gráfico XIV – O comunicólogo é influenciável

Entre os entrevistados 84% acreditam que o poder simbólico da mídia, pode ser canalizado para a disseminação da prática de leitura no país. Isto é muito bem ilustrado e provado pelo caso da MTV. Entretanto, esta claro que estas campanhas devem ser muito bem dirigidas e planejadas.

Gráfico XV – Campanha de incentivo à leitura

Quando indagamos os comunicólogos acerca da peça que criamos, obtemos um retorno positivo. Segundo eles, a peça os levou a refletir melhor sobre sua prática de leitura. Com 95% de aprovação, temos uma peça que produz um efeito positivo sobre seu público-alvo.


Gráfico XVI – A peça publicitária criada para incentivar a prática de leitura literária

Pelos dados levantados, podemos verificar que os comunicólogos não são leitores. Apenas buscam obras informativas, técnicas e teóricas, porque estas são necessárias para o desenvolvimento de seu trabalho, bem como para sua atualização em relação aos produtos e serviços de mercado. Como explica Maria da Glória Bordini (1989, p.33); “Mesmo nas classes mais abastadas, dá-se preferência a livros de utilidade imediata, como textos sobre a atualidade, livros didáticos ou técnicos, e textos práticos (dietas, culinária etc.), substituindo-se a leitura de entretenimento.”.
Podemos afirmar que a hipótese construída neste estudo, de que a mídia utiliza-se do seu poder simbólico para influenciar e determinar de certa forma o livro que o consumidor elege, é verdadeira e presente na área pesquisada. Também se dá como verdade a hipótese de que este fenômeno midiático pode ser alterado ou minimizado por meio da própria mídia, utilizando-se de peças publicitárias que incentivem a livre escolha.
Assim, uma possível solução para amenizar os efeitos deste problema reside na criação de campanhas que incentivem a livre escolha de obras que possuem um texto literário, ou seja, aquelas consideradas socialmente como canônicas, já que identificamos a falta de leitura destes tipos de obras entre os comunicólogos. Logo, apresenta-se como válida a afirmação de Maria da Glória Bordini (1989, p.34) de que “a convivência da literatura com os meios massivos é possível e permite soluções criativas, em que não há vencedores ou vencidos. Ganha o usuário que se apodera de um valor maior: a capacidade de conhecer e questionar a sua realidade.”
Com mais de 95% de aprovação, temos como comprovada a eficácia da peça publicitária criada com o objetivo de inverter os efeitos causados pelo problema estudado, ou seja, a peça incentiva o comunicólogo a refletir sobre sua prática de leitura, criando a motivação necessária para desenvolver o interesse da leitura literária.
Conseqüentemente, confirma-se que este tema não se aqui esgota, antes pode proporcionar informações para estudos mais aprofundados sobre este tema tão interessante e atual.

BIBLIOGRAFIA

1. BORDINI, Maria da Glória. Guia de Leitura para alunos de 1º e 2º graus. São Paulo: Editora Cortez e INEP, 1989.

2. JUNIOR, Norval Baitello. A mídia e a sedação das imagens. In: A criança na contemporaneidade e a psicanálise: mentes e a mídia, diálogos
interdisciplinares, II. São Paulo: Casa do Psicólogo, 2001.

3. LADDAGA, Reinaldo. Uma fronteira do texto público: literatura e meios eletrônicos. In: Literatura e Mídia. Rio de Janeiro: Editora PUC Rio, Edições Loyola, 2002.

4. KOTLER, Philip. Marketing de A a Z: 80 conceitos que todo profissional precisa saber. São Paulo: Editora Campus, 2003.

5. MACIEL, Nilto. Literatura e mídia. www.kplus.com.br. Acesso em: 18 de março de 2005.

6. OLINTO, Heidrun Krieger. Processos midiáticos e comunicação literária. In: Literatura e Mídia. Rio de Janeiro: Editora PUC Rio, Edições Loyola, 2002.

7. SODRÉ, Muniz. Best-Seller: a literatura de mercado. 2. ed. São Paulo: Editora Ática, 1988.

8. THOPSON, John B. Mídia e Modernidade: uma teoria social da mídia. Petrópolis: Editora Vozes, 1998.

 
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