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DISCURSO
E INTERAÇÃO EM SALA DE AULA
Rosana Ribeiro Ramos - USP INTRODUÇÃO Na apresentação do corpus é possível observar que naquelas aulas de Língua Portuguesa não há êxito na interação entre os professores e seus alunos, no sentido de se estabelecer um diálogo produtivo; quando há diálogo entre eles, o conflito em questão não é solucionado e nem, ao menos, amenizado; ao contrário disto, cria-se um ambiente de insatisfação e até desrespeito; ou, em outra vez, não há o diálogo quando este é esperado por uma das partes. Aqueles alunos, cuja faixa etária é de 16 a 27 anos, já estão na última fase da Educação Básica e enfrentarão (ou já enfrentam) os desafios da sociedade que exigirá deles um conjunto de habilidades supervalorizadas, como: flexibilidade, articulação, autonomia de pensamento e ação etc. Assim, estes alunos precisam (não só pela exigência da sociedade, mas para sua própria formação pessoal) pensar, tomar iniciativas, expressar seus pensamentos e idéias, argumentar, saber ouvir o outro e trabalhar em grupo. Porém, as situações em sala de aula que poderiam ser aproveitadas para o ensino/aprendizado dessas habilidades são desperdiçadas. A meu ver, sendo a conversação a prática social mais comum no dia a dia do ser humano, a sala de aula se torna um lugar privilegiado para ele aprender a falar e, para além disto, aprender sobre o que falar quer dizer (Bourdieu, 77). Diante de tudo isso, alguns questionamentos são inevitáveis: o que leva as interações em situação específica de conflito em sala de aula a serem (ou não) bem-sucedidas? Por que, em determinadas situações, não se consegue ter espaço para negociação. O que leva um aluno a se pronunciar diante de seu professor de maneira desafiadora ou autoritária? Ou, o que leva um professor a se pronunciar de forma autoritária diante de seus alunos? De maneira corriqueira costumamos falar que a maneira de alguém falar causou aquela atitude negativa no outro. Isto é sempre uma verdade? Estamos, então, diante de questões ligadas ao uso da linguagem ou aos poderes da linguagem. Interessa analisar a maneira como os sentidos vão sendo construídos nas seqüências de falas pronunciadas e, ainda, como esses sentidos afetam o outro. O objetivo deste trabalho é refletir sobre as questões abordadas acima, fazendo uso das considerações da Análise do Discurso. Na primeira parte, o corpus será analisado à luz da teoria dos Atos de Linguagem desenvolvida por J. L. Austin, e será também utilizado o modelo de análise de Oswald Ducrot. Na segunda parte, será analisada a Imagem que os interlocutores constroem um do outro e de seu referente em determinada situação, seguindo a perspectiva de Pêcheux, em uma leitura de Osakabe. Na terceira parte, com base nos dados obtidos na primeira e segunda parte, serão feitas algumas considerações sobre a perspectiva do sujeito condicionado à sua situação sócio-histórica; nesta parte serão levados em conta os estudos de Norman Fairclough. E, finalmente, a conclusão procurará esclarecer a inserção deste trabalho em um âmbito maior de pesquisa. Antes ainda de passar às partes do trabalho, é
importante esclarecer que levarei em consideração algumas
contribuições da Análise do Discurso, conforme já
mencionado. Para tanto, estou partindo do trabalho de Osakabe que se preocupou
com a questão da delimitação do discurso e da necessidade
de se esquematizar o sentido que, por consenso, tem sido atribuído
ao termo, dentro da própria lingüística. O autor perpassa
as considerações sobre o problema da delimitação
do discurso feitas por Harris, Pêcheux e Benveniste. “Do ponto de vista de sua natureza, o discurso caracteriza-se
inicialmente por uma maior ou menor participação das relações
entre um eu e um tu; em segundo lugar, o discurso caracteriza-se por uma
maior ou menor presença de indicadores de situação;
em terceiro lugar, tendo em vista sua pragmaticidade, o discurso é
necessariamente significativo na medida em que só se pode conceber
sua existência enquanto ligada a um processo pelo qual eu e tu se
aproximam pelo significado; e, finalmente, o discurso tem sua semanticidade
garantida situacionalmente, isto é, no processo de relação
que se estabelece entre suas pessoas (eu/tu) e as pessoas da situação,
entre seus indicadores de tempo, lugar etc. e o tempo, lugar etc. da própria
situação. PARTE I – OS ATOS DE LINGUAGEM “Se considerarmos a noção de ato ilocucionário, é preciso também considerar as conseqüências, os efeitos que tais atos têm sobre as ações, os pensamentos ou as crenças etc. dos ouvintes” . É importante ainda mencionar que, para Austin, há uma oposição entre enunciados performativos e constatativos. “Uma expressão é chamada de constatativa quando tende apenas a descrever um acontecimento. Ela é chamada de performativa quando: 1) descreve uma certa ação de seu locutor e quando 2) sua enunciação consegue realizar essa ação; dir-se-á, pois, que uma frase que começa por “eu te prometo que” é performativa, pois, ao empregá-la, realiza-se o ato de prometer: não só diz-se prometer mas, ao fazê-lo, promete-se” . Diante do embasamento teórico referenciado até aqui, passo, então, a analisar fragmentos dos discursos produzidos pelos professores e alunos. As análises efetuadas nas partes a seguir contribuirão para a compreensão da interação em sala de aula, nas situações dadas. 1.1 Presença do enunciado performativo Os critérios da análise feita neste item
foram usados por Austin para provar os enunciados performativos . No exemplo
dado, O próximo item nos dará pistas do ato específico produzido em [F.1]. 1.2 Modo imperativo e prosódia Neste caso, é importante que consideremos não só a superfície do texto (o enunciado), mas o contexto da situação dada (a enunciação), que nos dará pistas do sentido produzido pela fala do enunciador. Por se tratar de língua falada, o contexto nos permite saber sobre a entonação usada pelos enunciadores (no caso, professor e aluna), a qual nos dá pistas sobre suas emoções (ou a falta de emoção): sentimento de alegria, raiva, ironia, desespero, desprezo etc. Neste caso, o significado dos atos ilocucionários só pode ser apreendido se levarmos em conta os aspectos prosódicos . Em “você vai mudar de lugar”, a elocução é realizada em um ritmo bem acelerado, em uma curva entonacional ascendente e descendente. Constatamos que o “imperativo”, neste caso, tem a força de uma ordem. O professor ordena, de maneira autoritária, que a aluna.1 mude de lugar. É preciso aqui considerar também os lugares sociais ocupados por professor e aluno. Pierre Bourdieu discute claramente essa questão: “A escola é um mercado dominado pelas exigências imperativas do professor que é legitimado para ensinar o que não deveria ser ensinado se todo mundo tivesse oportunidades iguais para adquirir esta capacidade (...). O professor é uma espécie de juiz de menores em questões lingüísticas: tem o direito de correção e de sanção sobre a linguagem de seus alunos. O autor diz ainda que, “para que o discurso professoral comum, enunciado e recebido como óbvio, funcione, é preciso uma relação de autoridade-crença, uma relação entre um emissor autorizado e um receptor pronto a receber o que é dito. É preciso que um receptor pronto a receber seja produzido, e não é a situação pedagógica que o produz”. (...) É preciso haver uma linguagem legítima . Na análise feita neste item, já é possível perceber que o discurso produzido por professor/aluno não colaborou para o sucesso da interação entre eles. 1.3 Ato de perlocução: objetivo x resultado
real Enunciado ato de ilocucão
Objetivo do ato de perlocução resultado
real do ato de perlocução Conforme observado, o objetivo esperado pelo enunciador não foi alcançado na situação dada. Neste exemplo, a interação é marcada por ordem x contra-reação. Ao ordenar que a aluna mudasse de lugar, o professor provavelmente esperava a obediência dela. Porém, ela – ao invés de obedecer – retruca com uma pergunta pedindo explicação para aquela ordem. Ainda neste mesmo fragmento, ao explicar a razão de sua ordem, o professor não obteve adesão por parte da aluna: Professor: Você vai mudar de lugar, sente-se aqui.
Diante dos exemplos dados, é possível observar que os efeitos produzidos pela fala dos interlocutores não colaboraram para o sucesso da interação entre eles. Isto nos remete novamente ao questionamento de Bourdieu: “Por que em certas condições históricas, em certas situações sociais, ressentimo-nos com angústia ou mal estar, desta demonstração de força que está sempre implícita ao se tomar a palavra em situação de autoridade ou, se quisermos, em situação autorizada, sendo o modelo desta situação a situação pedagógica?” . Se o ato de perlocução, conforme Searle, é resultado do ato de ilocução, é possível pensar, por exemplo, que a rebeldia e discórdia da “aluna.1” em [F.1] é conseqüência do autoritarismo do professor (considerando as condições de produção que envolve o contexto: professor com o objetivo de conduzir a obedecer, usando-se de uma ordem – de maneira autoritária). Nesta parte, este trabalho tem uma percepção que difere da percepção de Searl (veja explanação na parte III). 1.4 Implícitos Em [F.1], ao ser repreendida por estar conversando durante a explicação do professor, a aluna.2 diz “o senhor também estava conversando uma hora”. Aqui, a aluna parece querer reduzir sua responsabilidade a essa significação literal, pondo a significação implícita sob a responsabilidade do ouvinte – o professor –. O implícito pode ter sido reconstituído pelo professor de várias maneiras, como: “se o senhor estava conversando uma hora, por que nós também não podemos fazê-lo?” ou “por que o senhor pode conversar e nós não? É importante lembrar que, na perspectiva de Pêcheux, pode-se ter um texto acabado, mas não um discurso acabado. Em nosso contexto de interação, notamos, então, que o professor ordena que a aluna.1 mude de lugar por causa de sua conversa com o colega, porém, a aluna.2 contra-reage dizendo que o professor também havia conversado. Não há, então, acordo entre eles e o assunto não tem continuação. Neste caso, está implícita também a imagem que aluno e professor fazem um do outro (veja Parte II deste trabalho). Segundo Ducrot, Esta teoria de Ducrot pode ser identificada em [F.2]: Diante da reclamação dos alunos, já irritados, para que a aula fosse encerrada, o professor silenciou e continuou a aula interrompendo-a apenas minutos após o término programado. Este silêncio pode ter tido a motivação de, entre outras coisas, evitar um conflito. O fragmento [F.2] é marcados por reclamação
dos alunos x silêncio do professor. Conforme Ducrot , a pessoa interrogada
vê impor-se a ela a obrigação de responder. Porém,
vemos que nas situações analisadas, diante da pergunta da
aluna, o professor, ao contrário do esperado, não responde.
A manutenção do diálogo é possível
quando há espaço para a argumentação; a atitude
do professor em manter o diálogo mostraria um cuidado com o outro
do discurso. Notamos que não há esse cuidado do professor
diante de seus ouvintes (os alunos). Diante de alunos inflexíveis
o professor prefere ser também inflexível. As considerações a seguir são as
percepções que eu tenho em relação à
construção das imagens feitas pelos próprios sujeitos.
Estas considerações estão baseadas no esquema proposto
por M. Pêcheux, ao salientar a importância da imagem que se
fazem mutuamente destinador e destinatário, e ainda, baseiam-se
no acréscimo feito por Osakabe ao mesmo esquema : Imagens construídas pelos alunos (analisadas em
[F.1]): Cabe aqui uma reflexão maior sobre o referente - a conversa paralela -. Em [F.1] o aluno opõe a conversa à cópia, isto é, para ele a conversa só atrapalharia a cópia da matéria colocada pelo professor na lousa; assim, ele argumenta que pode ficar conversando durante a explicação do professor, pois estará copiando. Parece que há uma cultura já instalada de que a conversa não atrapalha e que o aluno pode ter liberdade para expressar o que quiser e na hora que quiser em sala de aula, isto porque “uma certa pedagogia criou uma certa teoria da carência, a de que o aluno é carente de afeto, de estímulo, de atenção, ou mais disso e aquilo outro e ao professor foi atribuído um lugar de suplência, de tampão desta carência” (Riolfi, 99). Há, ainda, aqueles que promovem o ensino centrado no aluno em nome da democracia (Noblit, 95). Essa cultura é denunciada mais ainda pela fala da aluna.2 em [F.1]: “é impossível ficar a aula toda sem falar nenhuma palavra”. Uma outra reflexão que é importante ser feita refere-se ao fato de o aluno opor a conversa à cópia, mas não à aula ou à concentração. Ele argumenta que ficaria conversando, mas que não deixaria que a conversa atrapalhasse sua cópia (veja [F.1]). Certamente, ele não poderia dizer que a mesma conversa não atrapalharia sua concentração. Parece que o mais importante é ele estar conseguindo copiar, mesmo que não esteja concentrado na aula; assim, parece que a conversa ou o “bate-boca” é mais valorizado que a razão, o conhecimento. Da mesma forma, o professor parece não valorizar a razão, uma vez que ele silencia não contribuindo para um avanço na compreensão do que seja uma aula e a relação com o conhecimento. Ao silenciar, o professor evita sim o “bate-boca”, porém, perde a oportunidade de construir um espaço de debate no qual se poderia aprender exercitar a habilidade no manejo do discurso. O poder exercido pelo professor, ao invés de transformar o aluno em um objeto, deve promovê-lo como sujeito e confirmar sua capacidade de lidar com essas novas situações . PARTE III – O (NÃO) ASSUJEITAMENTO A imagem que os alunos vão construindo do(a) professor(a) é uma imagem negativa (veja [F.3]) que parece ser resposta às atitudes do professor que: é autoritário ([F.1]); não dialoga com os alunos ([F.2]); quebra as regras acordadas sobre o horário do término da aula ([F.2]); etc. O professor, por sua vez, parece construir uma imagem também negativa em relação aos alunos, pois esses: são respondões ([F.1]); não respeitam o lugar do professor ([F.1]); etc. As imagens construídas pelos sujeitos acabam por determinar, nestas situações, as ações que regem a interação entre eles (“um eu não define, por si só, a ação a ser empreendida; é preciso que ele tenha sua imagem do tu ou que o tu forneça essa imagem)” . Em nosso caso, as imagens construídas são negativas e as ações realizadas também são negativas (o autoritarismo, o não ouvir, o não-respeito à posição do professor, o não ensinar etc.). Conforme visto, o sujeito pode ser, muitas vezes, condicionado pela ação/imagem do outro, porém, a meu ver, não podemos afirmar que seja sempre assim. Afirmar este modelo de determinação é cair no pessimismo e considerar o sujeito morto, incapaz de agir sobre a situação. Parece-me que o discurso da determinação do sujeito é reforçado por J. Searl quando ele diz que o ato de perlocução é conseqüência do ato de ilocução; isso significa afirmar que, em nosso corpus, a aluna.1 em [F.1] respondeu de forma autoritária ao professor justamente porque este também foi autoritário. Porém, diante desta teoria não poderíamos explicar a atitude do aluno com quem a aluna.1 estava conversando, o qual, ao receber a mesma ordem do professor, obedeceu em silêncio. Esta situação nos remete às palavras de Geraldi, as quais nos ajudam a refletir sobre o assunto: “Enquanto a coerção (física ou simbólica) incide diretamente sobre as ações dos sujeitos, determinando-as ou proibindo-as, independentemente do grau de ‘convencimento’ ou ‘persuasão’ dos agentes a propósito das vantagens ou desvantagens de agir (ou deixar de agir) de uma determinada forma, as ações lingüísticas sobre o outro incidem sobre as motivações para agir. Como estas motivações podem ser de diferentes ordens e resultam dos diferentes modos de como cada sujeito se põe diante do mundo, alterar tais motivações demanda construir, pelo discurso e para o interlocutor, novas motivações que alterem as anteriores ou que as reforcem, já que a adesão dos sujeitos a suas crenças e a suas representações do mundo é sempre de intensidade variável” (itálico meu). Ao invés de pensar sobre um sujeito que não tem saída diante da situação vivida, podemos pensar na possibilidade que ele tem de modificar esta situação. Se as ações lingüísticas sobre o outro incidem sobre suas motivações para agir, é importante, e é preciso que o discurso em sala de aula e sobre a sala de aula mude, influenciando as crenças e as representações do mundo dos sujeitos envolvidos. Adoto aqui também a perspectiva de Fairclough, para quem o discurso pode ser socialmente constitutivo, ou seja, pode contribuir para a construção das posições dos sujeitos, das relações sociais entre as pessoas e ainda, para a construção de sistemas de conhecimento e crença . É preciso, então, considerar a capacidade que os sujeitos, um a um, têm de agir socialmente por meio de seu discurso. Porém, conforme o autor nos alerta, não se pode cair em nenhum dos extremos: de um lado, na determinação social do discurso e, de outro, na construção do social no discurso. Fairclough defende uma relação dialética entre o discurso (que tem implicação nos fatores sociais) e os fatores sócio-históricos (que implicam no discurso). Pensando em tudo isso, não é negativo o fato de ter havido discórdia em [F.1], por exemplo, se pensarmos que é necessário que haja o dissenso para chegarmos ao consenso; o consenso pode não ocorrer de todo (e nem precisa), mas o importante é que haja interesse em se encontrar os pontos comuns para que assim a interação possa ir sendo construída. CONCLUSÃO Meu interesse primeiro, a partir deste trabalho, é investigar essas mesmas questões em outras escolas que atendem públicos de diferentes níveis sociais (escola pública de periferia; escola particular de periferia; escola pública de região mais nobre; escola particular de região mais nobre) a fim de chegar a uma representatividade que nos permita enxergar melhor como essas questões têm sido lidadas em sala de aula. Meu interesse em um âmbito mais abrangente é, por meio da pesquisa, alertar a todos nós sobre a necessidade de fugir do senso comum de que o aluno deve expressar o que quiser, na hora que quiser e da maneira que quiser; porém, é necessário, para além disto, construir no dia a dia da sala de aula um ambiente propício, isto é, atentar-se aos usos da linguagem, em como são construídos os sentidos a fim de poder usá-los para uma melhor interação professor/aluno. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AUSTIN, J.L. How to do Things With Words. Oxford: Oxford
University Press, 1962. A N E X O
[F.2] Final
de uma aula de sexta-feira: os alunos, irritados, reclamaram: [F.3] Frases
escritas pelos alunos em uma redação cujo título
foi “O Ensino Médio em Escola Pública”: |
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