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ARGUMENTAÇÃO EM QUESTÕES DE COMPREENSÃO DE TEXTOS
EM LIVROS DIDÁTICOS
Ana Carolina Perrusi Brandão - Universidade
Federal de Pernambuco - UFPE Nesta pesquisa buscamos analisar questões de compreensão de textos que objetivam desenvolver nos alunos capacidades de argumentação. Duas coleções de livros didáticos de língua portuguesa de 1a a 4a séries foram analisadas, identificando-se questões com demandas distintas, tais como: reflexão sobre estratégias argumentativas do autor; opinião sobre fatos ou personagens do texto; apreciação sobre aspectos formais do texto; opinião sobre o tema do texto; justificativa de preferências pessoais. Nas duas coleções, verificamos apenas 8,04% de perguntas dessa natureza e raras ocorrências de questões que conduziam, de fato, a uma reflexão sobre as estratégias argumentativas presentes nos textos. 1. Introdução Documentos oficiais como os Parâmetros Curriculares
Nacionais (Brasil, 1997) vêm enfatizando a necessidade de os alunos
manterem contato com os mais diversos gêneros textuais que circulam
na sociedade, para que desenvolvam capacidades comunicativas, buscando
os efeitos de sentido pretendidos. Essa inserção dos alunos
em eventos de letramento miméticos aos que existem fora da escola
teria como principal justificativa a interagir socialmente, participando
criticamente da sociedade como cidadãos autônomos. Assim,
garantir o acesso à variedade de gêneros textuais implica
fazer circular conhecimentos de mundo e conhecimentos textuais próprios
de diferentes esferas de interlocução. 2. Referencial Teórico 2.1 O Livro Didático e o ensino da leitura Diversos autores que estudam livros didáticos
vêm buscando caracterizar esse objeto de divulgação
do conhecimento científico e resgatar os percursos históricos
desse importante recurso didático. Gatti Júnior (1999),
ao discutir sobre a história do livro didático, concebe
que o mesmo teve origem já na Grécia Antiga, o que também
defende Magda Soares (1996), entre tantos outros estudiosos. Soares levanta
a hipótese de que o livro didático teria sido uma criação
grega uma vez que, desde o século 300 a.C., obras como Elementos
de Geometria, de Euclides, circulavam como textos do saber. (...) cumprir tanto as funções de um compêndio quanto as de um livro de exercícios, devem conter todos os diferentes tipos de saberes envolvidos no ensino da disciplina e não se dedicar, com maior profundidade, a um dos saberes que a constituem; devem ser acompanhados pelo livro do professor, que não deve conter apenas as respostas às atividades do livro do aluno, mas também uma fundamentação teórico-metodológica e assim por diante. (Batista, 2000; p.568) Diferentes motivos nos levaram a escolher esse recurso
como objeto de investigação. Um deles é a importância
que o livro didático tem no cotidiano do professor: os alunos e
os professores possuem esses livros, que são usados como manual
de seleção de conteúdos e como fonte de atividades
a serem executadas em sala de aula. A esse respeito, Aplle (1995) salienta
que nos Estados Unidos em 75% do tempo de aula os professores realizam
atividades do livro didático. Embora aqui no Brasil não
existam ainda dados formais que confirmem tal estatística, observações
informais levam a constatações similares. - nas últimas três décadas, os livros
didáticos no Brasil têm sofrido rápidas transformações,
decorrentes, sobretudo, da política de compra e distribuição
de livros didáticos pelo Ministério da Educação; Considerando tais “lacunas” nos trabalhos
hoje divulgados, voltamo-nos para a exploração dos dados
referentes às estratégias didáticas dos livros para
desenvolver capacidades de compreensão de textos da ordem do argumentar.
Ou seja, a leitura, como eixo do ensino, é o foco de nossa investigação. 2.2 Argumentação e ensino da leitura A argumentação é um tema de pesquisa
hoje em crescente destaque nos trabalhos na área de Psicologia,
Pedagogia, Filosofia e Lingüística. Reflexões sobre
o conceito de argumentação, sobre o desenvolvimento de capacidades
argumentativas em textos orais e escritos e sobre o ensino da argumentação
são presentes em livros e periódicos nacionais e internacionais. (...) o raciocínio argumentativo implica, em primeiro lugar, a existência de uma tese supostamente admitida, a respeito de um dado tema (...). Sobre o pano de fundo dessa tese anterior, são então postos dados novos (...), que são objetos de um processo de inferência (...), que orienta para uma conclusão ou nova tese (...). No quadro do processo de inferência, esse movimento pode ser apoiado por algumas justificações ou suportes (...), mas pode também ser moderado ou freado por restrições (...). É do peso respectivo dos suportes e das restrições que depende a força da conclusão. (p.226). Nesse sentido, o processo de inferência ganha lugar
de destaque nessa abordagem, uma vez que diferentes modelos textuais podem
surgir sem que todos os dados e premissas apareçam explicitamente
no discurso. Cabe ao leitor/ouvinte identificar tais elementos e posicionar-se
criticamente frente ao que eles veiculam. 3. Metodologia Para a realização desta pesquisa foram analisadas
as propostas de leitura de duas coleções de livros didáticos
de 1ª a 4ª séries, submetidas e aprovadas pelo Programa
Nacional do Livro Didático (PNLD/MEC) para circularem em 2004.
4. Resultados A fim de mapear os tipos de atividades presentes nos livros
didáticos que poderiam ter como objetivo o desenvolvimento de capacidades
argumentativas, procedemos, inicialmente, a uma leitura das duas coleções,
identificando todas as questões de exploração dos
textos que tivessem de algum modo os objetivos citados acima. A partir
desse trabalho exploratório, foram construídas as categorias
de análise. Identificamos cinco tipos de questões: (A) questões
de reflexão sobre as estratégias argumentativas do autor;
(B) questões de opinião sobre fatos ou personagens do texto;
(C) questões de opinião sobre o texto; (D) questões
de opinião sobre o tema; (E) questões de justificativa de
preferência pessoal. Para melhor compreensão acerca dessas
categorias, faremos a exposição de cada uma delas separadamente. Essas questões são aquelas que levam os
alunos a refletir sobre as estratégias argumentativas utilizadas
pelo autor do texto para convencer o leitor. Vão desde a identificação
dos pontos de vista dos autores, assim como o reconhecimento e análise
das justificativas que eles utilizam para defender seus pontos de vista,
até os modos como eles inserem no texto tais elementos (ponto de
vista, justificativa, justificativa da justificativa). • “Vocês concordam com a opinião do autor sobre vira-latas?” Para responder a questão, o aluno precisa identificar
o ponto de vista do autor para contrapor ao seu próprio ponto de
vista. Embora não seja sugerido que ele analise as justificativas
do autor, o que poderia ter sido feito, é possível que ele,
para apresentar sua concordância ou discordância, lance mão
dos argumentos presentes no texto. • “De acordo com o autor do texto ‘falar em dicionário é falar em língua ou idioma’. Por que você acha que ele afirma isso?” Nesta questão, um ponto de vista exposto no texto
é destacado e o aluno é convidado a reconhecer as justificativas
para a defesa desse ponto de vista. Assim, ele precisa debruçar-se
sobre o conteúdo textual para localizar as informação
disponíveis, já que estão explícitas no texto.
A questão poderia ter sido inserida juntamente com outras questões
em que o aluno, além de reconhecer as justificativas tivesse que
analisar a consistência delas. B. Questões de opinião sobre fatos ou personagens do texto Essas são as questões que solicitam a opinião
do aluno em relação às atitudes de personagens ou
fatos relatados no texto, ou seja, o aluno é levado a mostrar seu
ponto de vista, tendo que buscar informações contidas no
texto. • “Vocês concordam com o que Junim faz, para ter um cartão de telefone raro? Por que sim ou por que não?” Nessa questão, há uma solicitação de que sejam discutidos valores sociais, o que leva à emergência de produção de textos da ordem do argumentar. O texto usado na atividade não é dessa natureza, mas insere um tema passível de debate. Assim, capacidades argumentativas são trabalhadas. Não há, no entanto, exploração de estratégias argumentativas em textos escritos e sim de produção de textos argumentativos: resposta a questões de opinião. C. Questões de opinião sobre o texto As questões de opinião sobre o texto solicitam
aos alunos que realizem comentários gerais sobre os textos que
eles lêem, seja em relação ao conteúdo tratado,
seja à forma como ele aparece no texto. As perguntas são
variadas, sobressaindo-se, no entanto, as que questionam se o aluno gostou
ou não do texto. • “Você gostou da poesia? Por quê?” Como podemos verificar, é uma pergunta bastante
aberta e as respostas podem ser variadas. Podemos encontrar crianças
que respondem dizendo apenas que “gostaram porque a poesia é
bonita”, até os que se arriscam a fazer uma apreciação
sobre o texto, justificando seu ponto de vista de modo mais consistente. • “Discuta com seu professor e seus colegas: você gostou de ler uma história escrita deste modo diferente?” Explique por quê”. A questão, nesse contexto, surge como uma forma de levar as crianças a refletir sobre diferentes gêneros textuais e sobre as estratégias usadas nesses gêneros para inserir conteúdos muitas vezes similares. Como se vê nesta proposta, a produção de texto em que os alunos são levados a justificar suas respostas não é acompanhada de questões referentes à “identificação” de pontos de vista do autor nem de personagens. Assim, as questões do tipo C, do mesmo modo que as “questões de opinião sobre fatos ou personagens do texto” (tipo B), embora muito importantes, não levam o aluno a analisar estratégias argumentativas, nem a explorar pontos de vista ou justificativas usadas em textos para defender pontos de vista. D. Questões de opinião sobre o tema Esse tipo de pergunta é gerado principalmente quando
temas passíveis de discordância são inseridos no livro.
A demanda principal é a de debater sobre um assunto que gera polêmica
ou discutir sobre valores sociais que a escola precisa garantir na formação
cidadã das crianças. Via de regra, são questões
que não exigem a compreensão dos textos de referência.
Esses textos, muitas vezes, são explorados por meio de outros tipos
de pergunta e o tema sobre o qual trata é discutido como conseqüência
da introdução temática da unidade. • “Quando vocês lêem um texto dirigido a crianças e jovens, acham natural encontrar gírias que, em geral, são usadas por vocês na língua oral?” O texto de Inês Amorim fala de crianças que
colecionam adesivos nas janelas do quarto e do quanto isso traz aborrecimento
para os pais. No texto são inseridas gírias e isso serve
de mote para introduzir o tema relativo às relações
entre fala e escrita. A discussão sobre essas relações
é o foco da atividade. Não há, portanto, reflexões
sobre estratégias argumentativas para defender pontos de vista
em um texto escrito, embora a discussão ajude a desenvolver habilidades
de produção oral de textos da ordem do argumentar, pois
as crianças participam de um debate em que diferentes posições
podem emergir. Essas questões, muitas vezes, não chegam
a exigir dos respondentes uma construção de argumentos ou
mesmo a preocupação em convencer interlocutores sobre temas
específicos, embora, algumas delas exijam a elaboração
de justificativas para as respostas dadas. • “Para você, o que é melhor: tempo de férias ou tempo de escola? Por quê?”. Para responder à pergunta, o aluno é levado a justificar seu ponto de vista e a professora tem condições de introduzir outros pontos de vista na discussão, caso ela resolva dar continuidade à tarefa. Mais uma vez, não se trata de um tipo de questão que leve a desenvolver capacidades de compreender textos escritos da ordem do argumentar, mas sim a produção de respostas a perguntas que exigem justificação. F. Outras questões de compreensão São todas aquelas que não auxiliam os alunos a desenvolverem estratégias argumentativas. Após a construção das categorias de análise, voltamos à leitura de todos os livros das coleções para identificar/ contar quantas questões de cada tipo aparecem. Essa contagem é importante para que possamos ter a clareza sobre o quanto as estratégias discutidas neste tópico aparecem nas atividades propostas pelos livros didáticos. Análise da Coleção 1: Português
: uma proposta para o letramento. Tabela 1: Freqüência e percentagem de tipos de questões de compreensão de textos que levam ao desenvolvimento de capacidades argumentativas
Dentre as questões categorizadas neste estudo, as que aparecem com uma maior freqüência são aquelas em que o autor solicita que os alunos dêem opinião sobre atitudes de personagens ou fatos relatados no texto (3,2%). O segundo tipo de questão mais solicitada pelos autores é aquela em que os alunos têm que dar opinião sobre o tema relacionado ao texto lido. Nesse tipo de questão, os alunos não precisam necessariamente ter lido o texto, bastando apenas que tenham conhecimentos prévios acerca do tema de que o texto trata (2,2%). Análise da “Coleção 2”: Com texto e trama. Essa coleção,
segundo a resenha apresentada no Guia de Livros Didáticos (2004),
tem como principal objetivo o trabalho com uma grande diversidade de tipos
e gêneros textuais, bem como de atividades de leitura, de produção
de textos e de reflexão gramatical diversificadas e adequadas ao
desenvolvimento das habilidades lingüísticas dos alunos. Tabela 2:
Freqüência e percentagem de tipos de questões de compreensão
de textos que levam ao desenvolvimento de capacidades argumentativas
Através da análise dessa coleção chegamos a conclusões semelhantes às encontradas com a análise da coleção anteriormente citada. Verificamos que as questões relativas à argumentação mais encontradas foram aquelas em que o autor solicita que os alunos dêem sua opinião sobre atitudes de personagens ou sobre fatos relatados no texto (3,43%), e aquelas questões em que os alunos têm que dar sua opinião sobre o tema, sem que tenham que necessariamente recorrer ao texto (1,3%). 5. Conclusões Concluímos, neste estudo, que não há um trabalho sistemático de ensino de compreensão de textos da ordem do argumentar nas duas coleções citadas, o que implica em pouco investimento no desenvolvimento de capacidades importantes para a inserção desses indivíduos em uma sociedade que requer continuamente a participação em situações em que diferentes interesses e, consequentemente, diferentes pontos de vista circulam entre os grupos sociais. A comparação entre as duas coleções ratifica o que dizemos acima: Gráfico
1: Percentagem de tipos de questões por coleção
Como podemos
visualizar, a quantidade de questões voltadas para o desenvolvimento
de estratégias argumentativas, seja através de situações
de análise das estratégias usadas em textos escritos, seja
através de situações de responder perguntas de opinião,
é insignificante quanto comparada com o total de questões
de compreensão de textos presentes nas coleções.
Em quatro anos de escolaridade, os alunos são levados a analisar
elementos da argumentação 16 vezes na coleção
“Português: uma proposta para o letramento” e 9 vezes
na coleção “Com texto e trama”. 6. Referências Adam, J.
- M (1990). Eléments de linguistique textuelle. Liège, Mardaga. |
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