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  MODOS DE APROPRIAÇÃO DO CONHECIMENTO: LITERATURA E EMOÇÃO NO CONTEXTO DA SALA DE AULA.

Lavínia Lopes Salomão Magiolino – Unicamp FE - lmagiolino@yahoo.com
Ana Luiza Bustamante Smolka - Orientadora

Resumo

A pesquisa que vimos realizando, a partir de uma perspectiva histórico-cultural do desenvolvimento humano, tematiza o estatuto das emoções nas relações intersubjetivas e nas relações do sujeito com o conhecimento. Nesse trabalho, apresentaremos uma análise preliminar de nosso material empírico, destacando uma situação de leitura e dramatização de um texto numa 4ª série do Ensino Fundamental, discutindo: 1. os modos de participação e apropriação do texto literário; 2. as relações do sujeito com o texto; 3. a dimensão (est)ética que se explicita e envolve e afeta os sujeitos nas suas produções.

Das diversas formas de conhecer: a escola, a vida.

Um acontecimento novo, uma mudança no ambiente e a necessidade intrínseca de adaptação do organismo à sobrevivência, levam a uma nova aprendizagem. A aprendizagem, o processo de produção, apropriação ou aquisição do conhecimento podem, portanto, ser compreendido, concebido e interpretado de diversas formas.
Por outro lado, existem diversas formas de conhecer. Em nossas relações cotidianas, miúdas, corriqueiras ou não, estamos sempre conhecendo, o outro o mundo, a nós mesmos. Nesse processo, significativas mudanças ocorrem, são provocadas em nosso psiquismo, (re)constituímo-nos. E, nessa trama de relações percebemos, compreendemos, pensamos, sentimos, (re)significamos esse mundo a partir de algo impacta, provoca, desconcerta, afeta, emociona .
Há pois, diversos modos de conceituar e trabalhar com as mais diversas questões que impactam o ser humano em seu processo de desenvolvimento. Diversos modos de se conceituar e analisar, afeto, intelecto, consciência e emoção. Modos marcados por olhares, perspectivas, posições, problemas e indagações diferentes. Modos que se emaranham, entretecem, definindo ações nos mais diversos setores da vida humana. Particularmente, em um espaço social, historicamente instituído, em que se configuram determinadas formas de ensinar e aprender e modos bastante específicos de trabalhar o conhecimento: a escola.
A escola lugar por ser a escola um espaço de vivência de/das relações humanas, de sujeitos em suas ações de conhecer o mundo, ao outro e a si mesmo, de se trabalhar muitas formas de conhecer. Espaço de apropriação e elaboração de conceitos estabelecidos e consolidados como produção histórica, cultural, humana, organiza e sistematiza o conhecimento, legitima e normatiza saberes, determina modos de se trabalhar e apropriar tais saberes.
Frente à importância deste lugar historicamente atribuído à escola vamos percebendo que trabalhar o conhecimento sistematizado na escola não é uma tarefa fácil. Isso acontece, por inúmeros motivos, seja pela intensidade e rapidez da produção de conhecimento e da própria dinâmica de divulgação de informações, pelas mudanças e transformações históricas que demandam a multiplicidade, a diversidade, nas relações de ensino , seja pelas condições concretas e contingentes de vida dos sujeitos envolvidos nessa trama.
Por outro lado, um dos grandes desafios à educação deste século e, mesmo de forma geral, é tornar significativos os conhecimentos trabalhados na escola, na medida que, todo processo de apropriação do mesmo é impulsionado por uma motivação, um desejo, uma necessidade, uma emoção.
Nas relações do sujeito com o conhecimento, muitos são os modos de participação e apropriação do mesmo. Nas mais diversas relações de ensino de língua e literatura na sala de aula, vemos o esforço dos professores que procuram trabalhar com diversos tipos de texto, de diferentes formas numa tentativa de tornar significativo um conhecimento que faz parte do arcabouço cultural de toda uma sociedade. Vemos constantemente a utilização de inúmeras estratégias como leituras dirigidas, fichas de leitura, roteiros repletos de perguntas de interpretação de texto e, até mesmo, a avaliação sendo utilizada como recurso pedagógico, em detrimento do gosto e do prazer pela leitura.
Atentando para as relações escolares cotidianas, procuramos problematizar neste trabalho, algumas delicadas questões que vêm se constituindo um desafio frente à pesquisa que vimos desenvolvendo e, que tem como foco o estatuto das emoções nas relações intersubjetivas e nas relações do sujeito com o conhecimento. Enfocamos os modos de participação e apropriação do texto literário; as relações do sujeito com o texto; e a dimensão (est)ética que se explicita e envolve e afeta os sujeitos nas suas produções.
A situação destacada trata-se de uma narrativa, construída a partir da videogravação de uma atividade de leitura e dramatização de um texto literário, desenvolvida numa quarta série do Ensino Fundamental, na qual realizamos a pesquisa de campo. Destacando a questão das emoções na sala de aula, no cotidiano de uma classe de alfabetização (na qual a pesquisadora havia sido professora na primeira e segunda séries) investigamos a relação destas com o processo de construção do conhecimento e de constituição do ser humano.
Assumindo a perspectiva histórico-cultural de desenvolvimento humano, em psicologia (Vigostski; Bakhtin), tomamos também como pontos de referência princípios da pesquisa etnográfica (Elias;Gertz; Amorim) e contribuições da Análise do Discurso (Pêcheux; Maingueneau; Orlandi).
Considerando a perspectiva teórica assumida e a própria necessidade apresentada de superar uma perspectiva dualista de desenvolvimento humano que o reduz à dicotomia corpo/mente, matéria/espírito, relacionando os conhecimentos histórico, sociológico psicológico e lingüístico, trazendo para a discussão aspectos cotidianos busca-se investigar a emoção na/pela dinâmica discursiva, em seus significados socialmente compartilhados. Nas análises preliminares do material empírico, aqui apresentadas, buscando traçar e discutir as formações imaginárias que permeiam e sustentam as relações e as posições de sujeitos socialmente constituídas, valorizadas e legitimadas na instituição escolar, ressaltamos a dimensão significativa, socialmente orientada, das emoções na intersecção com o conhecimento.

Poesia em cena...

“Como costumávamos fazer na primeira série: após a leitura, dividíamos as personagens, as crianças escolhiam as personagens e quando dois ou três queriam representar a mesma, tiravam dois ou um e o vencedor ganhava o papel. Estávamos dramatizando um texto sobre a lua e o sol. Um poema. Distribuímos as personagens e uma das alunas começou a leitura. Timidamente, parecendo tamborilar aa palavras Denise dizia: “Um poema animado (...) anima a alma, a lua inspira o poeta...”. Foi então que nos demos conta.... havíamos esquecido o poeta! A professora indagou “Espera um pouquinho... quem quer... quem quer arriscar um versinho?”. Várias crianças se ofereceram. Ela chamou o Tales, um dos melhores alunos da turma, mas ele parecendo surpreso, recusou. Outras crianças tentaram, Filipe insistiu: “Deixa eu professora”! Márcio, outro bom aluno, sem esperar consentimento: “Subi e desci não te esqueci! Subo e desço não te esqueço!”, mas todos foram ignorados.Até que, Renato levantando-se em frente à câmera, caminhou em direção à professora, bastante determinado: “Ô dona eu sei, eu sei!!”. Estranho, ele oferecer-se para participar da atividade, demorava tanto pra fazer as tarefas, estava sempre com sono, brigava, arrumava confusão... em suma, era tido como um dos piores alunos da turma. A professora, entre surpresa e desconfiada: “Tá! Você é o poeta! Vai aparece lá o poeta... Poeta tem que ser bem sério”. Renato posiciona-se ao lado da lua e do sol, sorrindo, tenta certificar-se de que fora mesmo escolhido: “Qualquer um? Qualquer um?”. Após a aprovação da professora, alguns minutos de silêncio. Desconcerto... constrangimento... concentração? Diante da situação, a pesquisadora intervém: “A Denise lê depois ele fala”. Renato sorri, arruma a camisa dentro da bermuda. Um colega, Márcio ainda tenta intervir: “Deixa eu falar um”, põe a mão em concha no ouvido do colega. Renato vira, desvencilhando-se, parece querer se concentrar e se prepara para recitar o poema. Cruza os braços sobre o peito e faz uma cara séria – postura de poeta? A lua que inspira o poeta... Marília inclina-se em direção ao poeta Renato e assopra. Denise enfim recomeça a leitura: “Um poema anima a alma, a lua inspira o poeta...” Renato declama: “Olhos que penetram em minha alma e me aquecem. Corpo que me envereda de beleza no mundo dos mortais. Enrolo-me em seus braços, em seu corpo e assim sinto todo seu amor!” Palmas, risos e assobios. Todos ficam surpresos. A professora diz: “Que poeta hein?”. A pesquisadora (contendo as lágrimas) murmura: “Renato onde você arrumou esse versinho?”. Ele, com um sorriso no rosto afirma: “Num cartão telefônico”. Mais tarde pergunto porque ele decorou o poema... “Ah, porque eu achei bonito”, são suas palavras. Então, ele mostra o cartão com o poema de Fernando Pessoa”.

As relações do sujeito com o conhecimento: literatura, estética e emoção.

Em sala de aula, diante de pessoas, sujeitos, crianças, homens em suas relações com o conhecimento, muitas das mais arcaicas questões irrompem, emergem, provocam, subvertem, desnorteiam, desconcertam.
Indagamos aqui: Como os sujeitos se relacionam com o texto literário no processo de constituição do conhecimento, na sala de aula, na vida, nas inúmeras situações cotidianas em que a palavra escrita impacta, marca, constitui e afeta esses estes sujeitos em seu processo de constituição humana?
Como as relações de ensino no cotidiano escolar afetam esse conhecimento que transgride as paredes os muros escolares?
Por outro lado, considerando a dimensão estética do conhecimento a partir de uma perspectiva bakhtiniana, como interpretar, compreender e explicar as relações do sujeito com o conhecimento focalizando a questão das emoções?
Na sala de aula, são situações discursivas, nas quais a linguagem, a palavra especialmente, está sempre em destaque que vão permeando toda a dinâmica de produção do conhecimento. É a palavra instrumento de trabalho do professor por excelência. E instrumento de manifestação do aluno e elaboração de seu conhecimento. E, com ela, a emoção, que acompanha o corpo, o movimento.
A palavra, como signo, é constitutiva da afetividade, dos sentimentos, das emoções, na medida em que, em sua estreita relação como o pensamento, nos permite elaborar o que nos afeta. Como coloca Meneses, ao destacar o poder da palavra em Sheherazade e suas narrativas de mil e uma noites, “O sultão se encontra crispado na sua ira, traído, bloqueado na sua capacidade de amar: Sheherazade oferece a ele uma linguagem, na qual este estado pode exprimir-se (...) Ela oferece ao sultão o acesso ao universo simbólico”( p. 18).
Vigotski ressalta em inúmeros trabalhos o poder da palavra que afeta, constitui, modifica transforma, legitima saberes, comportamentos, afetos, sujeitos. É no significado da palavra que Vigotski (1993) vai encontrar o amálgama, a articulação mais densa e profunda entre pensamento e linguagem.
Bakhtin (1981) também destaca a palavra enquanto signo e fenômeno ideológico, colocando-a na centralidade do estudo da consciência que, segundo o autor, é um “fato sócio-ideológico ( p. 35)”.
Desse modo, quando a professora diz “poeta tem que ser bem sério!”, como esse dizer afeta Renato? Esse aluno considerado problema, na/pela escola?
Aqui encontramos em Vigotski, que nos fala do homem produzido nas relações sociais, situado histórica e culturalmente, definido pela emergência do signo e por uma consciência que se caracteriza pela natureza semiótica, forjada necessariamente na e pela linguagem inúmeras contribuições.
E em Bakhtin mais algumas. Ao problematizar a questão da polifonia no romance de Dostoiévski, o autor ressalta seu caráter profundamente dialógico e afirma que esse “não se constrói como o todo de uma consciência que se assumiu, em forma objetificada, outras consciências mas como o todo da interação entre várias consciências dentre as quais nenhuma se converteu definitivamente em objeto da outra (p. 17, Bakhtin)”; Propondo, assim, uma espécie de “polifonia de consciências coexistentes” que se expressa numa “multiplicidade de vozes (Bakhtin p.33)”.
E, mais adiante se refere às manifestações dialógicas como “um fenômeno bem mais amplo do que as réplicas do diálogo expresso composicionalmente – são um fenômeno quase universal, que penetra toda a linguagem humana e todas as relações e manifestações da vida humana, em suma, tudo o que tem sentido e importância (Bakhtin p. 42)”.
Vigotski (1993) descrevendo de maneira prototípica, o movimento que se torna gesto (ao falar do gesto de apontar), que se torna signo nas relações sociais. Nesse sentido, os movimentos, os gestos, os afetos, o que chamamos de manifestações emocionais como o choro, o riso, a agressão, e mesmo o silêncio, já não são apenas sinais que o corpo expressivo apresenta, mas têm o estatuto de signos, uma vez que esse corpo expressivo está imerso na cultura.
Assim sendo, podemos considerar que muitos sentidos e significados são produzidos no âmbito das relações de ensino marcadas pelas relações de poder, e pelas posições ocupadas pelos sujeitos no contexto escolar.
Discutindo a questão da formação dos conceitos, Vigotski (2001) argumenta que os conceitos adquiridos na vivência cotidiana constituem-se como função psicológica elementar e os conceitos aprendidos de forma volitiva e intencional constituem-se como uma função de outra ordem, uma função psicológica superior. Ambos são processos de formação conceitual, na medida em que, são internalizados e apropriados através de uma linguagem que é intermediada por uma pessoa que já os tenha significado.Desta forma, a aquisição dos significados próprios de um determinado grupo social se dá na/pela vivência cotidiana, nas práticas sociais, mediadas semioticamente.
Se tomarmos a formação dos conceitos e a sua evolução, assim explicitada, não podemos conceber que nas inúmeras relações de ensino, uma palavra, um determinado tipo de texto, deva ser utilizado com o intuito de facilitar o aprendizado, em detrimento de outros. Tampouco defender apenas um único modo de apropriação de um determinado tipo de texto, como a poesia, o legitimado pela escola. O todo complexo que nos aponta Vigotski só se constitui pelo uso constante da palavra; através do uso e internalização dos termos, conceitos, palavras as crianças vão, pouco a pouco, se apropriando das experiências, produções culturais que pertencem ao grupo que estão inseridas.
Participando das práticas sociais, mediante as condições da espécie e da experiência concreta, real, significativa de cada sujeito, a aprendizagem humana, o conhecimento e desenvolvimento humano se constituem. Ao assumir uma “postura de poeta”, Renato cruza os braços sobre o peito, cerra as sobrancelhas... assume o ar sério exigido pela professora? Qual a imagem de poeta assumida, ensinada e legitimada nessa trama de relações?
Ressaltando a complexidade do ato de conhecimento que implica a capacidade de conhecer e a capacidade de exprimir a si mesmo, numa configuração dialógica do “ativismo cognoscente e o ativismo do que se abre”, Bakhtin (2003) afirma:

“Tudo o que me diz respeito, a começar pelo meu nome, chega do mundo exterior à minha consciência pela boca dos outros (da minha mãe, etc.), com sua entonação, em sua tonalidade valorativo-emocional. A princípio eu tomo consciência de mim através dos outros: deles eu recebo as palavras, as formas e a tonalidade para a formação da primeira noção de mim mesmo. Os elementos do infantilismo da autoconsciência (...) às vezes permanecem até o fim da vida (a concepção e a noção de mim mesmo, do meu corpo, do meu rosto e do passado em tons carinhosos). Como o corpo se forma inicialmente no seio (corpo) materno, assim a consciência do homem desperta envolvida pela consciência do outro. Mais tarde começa a adequar a si mesmo as palavras e categorias neutras, isto é, a definir, a si mesmo como homem independentemente do eu do outro” (p. 374).

Permeando, entretecendo, marcando, constituindo o ato de conhecimento, as emoções colocam-se como fundamentais, pois tornam significativos experiências, saberes, conhecimentos, na medida em que estão profundamente imbricadas em nosso modo de perceber o mundo. A palavra da professora, as palmas, assobios e elogios dos colegas vão colocando Renato em uma outra posição. Não é mais o “aluno problema”, mas “o poeta”. Sua história, a mudança de lugar, posição transcorrida nessa intrincada, emocionante relação conferem a esse episódio ou situação destacada novos sentidos e significados, uma significação diferente, trata-se de um acontecimento estético (em termos bakhtinianos), pois pressupõe a transgrediência, a não-coincidência de consciências, na relação intersubjetiva.
Nas palavras de Bakhtin (2003) podemos então vislumbrar:

“Todas as definições esteticamente significativas são transgredientes à própria vida e ao dado mundo vivenciado de dentro dela, e só essa transgrediência cria para elas a força e a significação (assim como a força e a significação do perdão e da expiação dos pecados foram criadas pelo fato de que o outro os comete; eu mesmo não posso expiar e perdoar meus pecados, esse perdão e essa expiação não teriam significação axiológica), caso contrário elas seriam falsas e vazias (p. 123)”.

Nas relações sociais, as formas de conduta e a estrutura psíquica, vão, no decorrer da história dos homens, mediante o processo civilizador se transformando, marcando, (re)constituindo esses homens em seu processo de desenvolvimento e constituição humana. Defendendo então uma articulação entre as relações sociais e a estrutura emocional, Elias (1994) afirma que os desejos são concretizações de relações humanas, de comportamentos, materializações da vida social e mental. Na sala de aula, os modos e as manifestações de afeto vão mudando, transformando-se frente às práticas disciplinares e às próprias condições de ensino. Nas condições atuais vão se tornando mais explícitos, mais visíveis. Os alunos, menos contidos. As emoções, os afetos, assumem então um lugar de destaque.
Contudo se nos voltarmos ao aluno, um sujeito de sentimentos, emoções, pensamentos, ações, outras instigantes indagações emergem... Como sente, por que sente, o que afeta? Tem “consciência”, de seus afetos, do que sente? Como é visto, tratado, compreendido na/pela escola? Como é afetado pelos diferentes dizeres? Como a palavra do outro o afeta?
Essas e inúmeras outras indagações levaram-nos a problematizar a questão das emoções, numa tentativa de compreensão de um tema que tem consistido numa grande dificuldade frente à história das idéias e, constantemente desdobrado na separação entre corpo/mente, matéria/espírito, pautada na oposição entre razão e emoção , colocando-nos diante de uma indagação crucial: como conceber “isso” que a gente sente e nomeia “emoção”?
Indagamo-nos, sobretudo, acerca do lugar desses sentimentos e emoções que se desdobram em movimentos de nosso corpo afetado, que se desdobram em gestos, que nos aproximam, nos afastam, nos dirigem ao outro. Procuramos então compreender o papel que desempenham as emoções no processo de desenvolvimento humano, no funcionamento mental.
O estudo das emoções tem sido analisado aliado a uma forte tendência biologizante, nos moldes das ciência naturais, de maneira que acabam restringindo-se ao caráter de expressividade das mesmas, ao que, tomado como evidência científica pode ser descrito, demonstrado – como faz Darwin em A expressão das emoções no homem e nos animais.
Atentando para esses pequenos grandes dramas (das emoções) no cotidiano da sala de aula, ao contrário, assumindo uma perspectiva histórico-cultural de desenvolvimento humano, que compreende o homem em sua historicidade, coloca-se a necessidade de se pensar/tomar/analisar esta história vinculada à realidade prática, para que se possa compreender como as emoções humanas se constituem nas práticas sociais, em determinadas condições histórico-culturais de produção.
Analisando o fenômeno estético da compenetração Bakhtin (2003) elabora:

“Quando me compenetro dos sofrimentos do outro, eu os vivencio precisamente como sofrimentos dele, na categoria do outro, e minha reação a ele não é um grito de dor e sim uma palavra de consolo e um ato de ajuda. Relacionar ao outro o vivenciado é condição obrigatória de uma compenetração eficaz e do conhecimento tanto ético como estético. A atividade estética começa quando retornamos a nós mesmos e ao nosso lugar fora da pessoa que sofre, quando enformamos e damos acabamento ao material da compenetração; tanto essa enformação quanto esse acabamento transcorrem pela via em que preenchemos o material da compenetração, isto é, o sofrimento de um dado indivíduo, através de elementos transgredientes a todo material de sua consciência sofredora, elementos esses que agora têm uma nova função, não mais comunicativa, mas de acabamento: a postura do corpo dele, que nos comunicava o sofrimento, conduzia-nos para o seu sofrimento interior, torna-se um valor puramente plástico, uma expressão que encarna e dá acabamento ao sofrimento expresso, e os tons volitivo-emocionais dessa expressividade já não são tons de sofrimento; o céu azul, que o abarca, torna-se um elemento pictural, que dá solução e acabamento ao seu sofrimento. E todos esses valores que concluem a imagem dele, eu os hauri do excedente de minha visão, de minha vontade e de meu sentimento. (p.24-25)”.

A pesquisadora, tomada pelas lágrimas, a professora tomada pela surpresa, as crianças pela perplexidade e contentamento diante da emocionada e emocionante participação daquele colega, a partir do lugar que ocupam, assumindo uma posição de distanciamento (ou exotópica, em termos bakhtinianos), lugar do outro, enforma e dá acabamento ao acontecimento, ao objeto estético que se constitui nessa relação poesia, literatura e emoção?
Neste sentido, adotar princípios de uma pesquisa etnográfica, tal como explicitada pelos referidos autores (Geertz, Elias) nos permite “encarar” a multiplicidade dos fenômenos educacionais partindo do “estranhamento” destes fenômenos, o que nos permite um distanciamento da situação analisada/vivenciada para que possamos refletir sobre ela problematizando o contexto discursivo e apreendendo sentidos significados das emoções na dinâmica de produção do conhecimento numa interpretação dialógica (Bakhtin/Amorim). Por fim, a perspectiva histórico-cultural - especialmente as contribuições de Vigotski – vem nos ajudando a ajustar a lente, focalizar, “fotografar” e “pintar”, esse in-visível encarnado que consistem as emoções humanas.
Poesia, estética e emoção... como pensar, tomar analisar essa delicada, imbricada trama? Por outro lado como faze-lo nas relações escolares?
Trabalhar o texto literário na sala de aula, requer cuidado, apreço, discernimento e sensibilidade, para tomá-lo como lugar de vivência e experiência, apropriação e elaboração de conhecimentos, afetos, sentimentos, vivências.

Bibliografia

AMORIM, M. O pesquisador e seu outro – Bakhtin nas Ciências Humanas. São Paulo: Musa Editora, 2001.

BAKHTIN, M. Marxismo e Filosofia da Linguagem (cap. 1, 2 e 3). São Paulo: Hucitec, 1981.

____________ Problemas da Poética de Dostoievski (cap.5). Rio de janeiro: Forense Universitária, 1997.

____________ Estética da criação verbal. São Paulo, Martins Fontes, 2003.

ANDRÉ, M. E. D. A. Etnografia da prática escolar. Campinas: Papirus, 1995.

DARWIN, C. A expressão das emoções no homem e nos animais. São Paulo: Companhia das Letras, 2000.

ELIAS, N. O Processo Civilizador. (vol. 1) Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1993.

GEERTZ, C. A interpretação das culturas. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1978.

LÖWY, M. As aventuras de Karl Marx contra o Barão de Münchhausen. São Paulo: Cortez, 2000.

MAINGUENEAU, D. Novas Tendências em Análise do Discurso. Campinas: Pontes - Ed. Unicamp, 1989.

ORLANDI, E. P. A linguagem e seu funcionamento. São Paulo: Brasiliense, 1983.

SMOLKA, A. L. B. Esboço de uma perspectiva teórico-metodológica no estudo dos processos de construção de conhecimento, in A significação nos espaços educacionais – Interação social e subjetivação. Campinas: Papirus, 1997.

WALLON, H. As origens do caráter na criança. São Paulo: Nova Alexandria, 1995.

VIGOTSKI, L. V. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

_______________ Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1993.

 
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