Leôncio Soares – UFMG - CNPq/FAPEMIG
A pesquisa visa compreender a atuação do
educador de jovens e adultos egresso do curso de pedagogia: sua trajetória
profissional, locais de trabalho e seu olhar sobre o período em
que cursou a habilitação. Realizamos um levantamento do
universo dos egressos do curso desde a sua criação em 1986
até 2002; formulamos e enviamos um questionário contendo
questões sobre o sujeito, sua formação na Universidade,
sua inserção no campo de trabalho e trajetórias profissionais.
Foram entrevistados os egressos selecionados dentre aqueles que responderam
ao questionário e professores que atuam no curso. Este estudo vem
oferecendo elementos para compreender, de maneira mais aprofundada, a
necessidade (ou não) de se ter uma formação específica
na graduação para atuar em EJA.
A FORMAÇÃO DOS EDUCADORES
“... destaca-se o prejuízo que o tratamento
compensatório e assistencialista acarreta para a construção
da identidade da EJA, como uma modalidade educativa”( Ribeiro, 2001).
A questão da profissionalização do
educador de jovens e adultos tem se tornado cada vez mais nuclear tanto
nas práticas educativas como nos fóruns de debates. Assistimos
ao esforço de alguns governos municipais e estaduais no sentido
de promover ações de ‘capacitação’
do corpo docente através da formação continuada de
professores e do incentivo à produção de material
didático voltado para o público jovem e adulto.
A LDB 9394/96 estabelece a necessidade de uma formação adequada
para se trabalhar com o jovem e o adulto, bem como uma atenção
às características específicas dos trabalhadores
matriculados nos cursos noturnos, oferecendo, assim, um arcabouço
legal para a luta política em torno do direito.
Discutimos a formação dos educadores de jovens e adultos
inserida na problemática mais ampla da instituição
da EJA como um campo pedagógico específico e da profissionalização
dos seus agentes. Constata-se, nesse sentido, que as iniciativas das universidades
com relação à formação do educador
de jovens e adultos ainda são tímidas se considerarmos o
potencial dessas instituições como agências de formação.
Segundo os dados do INEP de 2002, das 519 IES (Instituto de Ensino Superior)
que possuem o curso de Pedagogia e foram avaliadas pelo Exame Nacional
de Cursos, apenas 9 (2%) oferecem a habilitação de EJA:
3 na região sul, 3 na sudeste e 3 na região nordeste.
Os trabalhos acadêmicos que se referem à temática,
analisados por MACHADO (2001), alertam que a formação recebida
pelos professores, normalmente por meio de treinamentos e cursos aligeirados,
é insuficiente para atender as demandas da educação
de jovens e adultos. Nesse sentido, concluem que para se desenvolver um
ensino adequado a esse público, é necessário uma
formação inicial específica consistente, assim como
um trabalho de formação continuada.
Entre as faculdades de pedagogia que oferecem tal habilitação,
investigamos a FAE/UFMG que a introduziu no currículo em 1986.
Embora o curso tenha possibilitado a formação de cerca de
140 profissionais, pela primeira vez se realiza uma pesquisa de “escuta”
desses sujeitos e das repercussões dessa formação
em suas práticas pedagógicas. Diversos trabalhos –
como ANDRÈ et al (1999), HADDAD (2000), MACHADO (2000), FONSECA
et. al. (2000) e KLEIMAN( 2000) – apontam que é ainda pequeno,
apesar de crescente, o número de pesquisas específicas sobre
a formação dos educadores para a EJA. Além disso,
nesses estudos não se encontrou nenhuma referência a trabalhos
que se detivessem sobre os egressos da habilitação de EJA.
Dessa forma, pouco se conhece em profundidade os processos formativos
daqueles que atuam na EJA.
Procuramos discutir as seguintes questões: Qual é o perfil
dos educadores de EJA que se formaram na faculdade de educação?
Até que ponto o curso de Pedagogia, com essa habilitação,
contribui para uma inserção profissional? Os egressos enfrentaram
dificuldades para trabalhar na área em que se formaram? Haveria
caso de formandos que desistiram de atuar na por não serem valorizados
ou reconhecidos como profissionais qualificados especificamente? Em que
espaços estão atuando? Que significados os professores atribuem
à construção dessa formação na FaE?
A partir de uma pesquisa nos arquivos da Seção de Ensino,
chegamos ao total de 142 alunos. Desses, conseguimos nos comunicar com
120, dos quais 9 não chegaram a concluir o curso. Logo, o nosso
universo foi delimitado por 111 sujeitos. Elaboramos um questionário
semi-aberto para ser enviado a esses egressos. Interessava-nos traçar
o perfil dos egressos do curso e elaborar o roteiro e os critérios
de seleção dos sujeitos para as entrevistas. As principais
questões que nos orientaram foram a história de vida do
sujeito, sua formação na universidade e sua inserção
e trajetória profissional.
Recebemos 90 (81%) dos questionários enviados e selecionamos para
entrevista 10 egressos que estavam atuando na EJA e 10 que não
estavam. Além disso, foram entrevistados três professores
da habilitação.
O SIGNIFICADO DA HABILITAÇÃO DE EJA PARA
OS EGRESSOS QUE ATUAVAM NO CAMPO
Segundo as informações dos questionários,
19 (20%) dos 90 egressos estavam trabalhando com EJA. Desse universo,
selecionamos 10 sujeitos para entrevistar, havendo dentre eles uma certa
diversidade de atuações. Daqueles que não atuavam,
50% estavam trabalhando em outros espaços da educação
e 30% não atuavam na educação.
Para compreender o papel da formação inicial na trajetória
profissional desses sujeitos, elegemos três categorias de análise.
“A inserção profissional e o campo da EJA” busca
conhecer os locais de atuação dos sujeitos, o modo como
se inseriram no trabalho, a maneira como a formação inicial
é reconhecida pelos demais profissionais e o olhar que construíram
com relação ao campo; “A escolha da habilitação
e o seu lugar na faculdade de educação” objetiva entender
como foi o processo de escolha da habilitação e qual é,
segundo os egressos, o lugar ocupado por essa formação na
FAE. A terceira se refere à “Avaliação da habilitação”.
Os egressos entrevistados possuem em comum o fato de trabalharem com adultos
de classes populares. Verificamos também que parte dos sujeitos
não faz deste trabalho o único meio de sobrevivência.
A maioria possui outra atuação na própria área
da educação. Relatam que tanto os baixos salários,
como o baixo nível de profissionalização das ocupações
são motivadores para a inserção em outra ocupação.
A partir dessas percepções, refletimos que:
A educação de jovens e adultos compreende um leque amplo
e heterogêneo de experiências educativas de formatos e modalidades
diversos, que não correspondem necessariamente à ações
de escolarização. Seus propósitos são múltiplos
e ocorrem por meio de iniciativas governamentais e não governamentais,
de universidades, associações, igrejas, entidades empresarias
e trabalhadores (SOARES, 2001).
Os depoimentos dos sujeitos sobre como se inseriram profissionalmente
e os fatores preponderantes neste processo nos levam a refletir sobre
a relativização da formação inicial. Para
aqueles que ingressaram na rede particular, por exemplo, a formação
inicial foi essencial: eu fui contratada por ter tido a habilitação
e uma experiência dentro do projeto da UFMG (Édila). Em outros
contextos, como na rede municipal, a habilitação, na maioria
dos casos não foi o fator principal que possibilitou o trabalho
com a EJA, o que contou foi apenas a manifestação de interesse
por parte do sujeito: Naquele momento, de fazer a opção
de trabalhar na SUDECAP, por exemplo, o que contou mais foi a minha vontade
(Vera).
Outra atuação se refere ao trabalho em um projeto de telecurso
da rede Pitágoras: eu já trabalhava na rede Pitágoras
e a coordenadora perguntou quem tinha o interesse em alfabetizar os funcionários
e eu me manifestei, só que o trabalho era voluntário. O
fato de eu ter a habilitação não influenciou (Aida).
Nesse sentido, Arroyo adverte :
é preciso ter cuidado com o fato do campo da EJA ser considerado
um “lote vago”, marcado por um caráter compensatório
ou supletivo; emergencial e filantrópico, em que basta a “boa
vontade” para atuar.
Com tais relatos, percebemos que o campo da EJA não
construiu, ainda, o consenso de que possui uma especificidade que requer
um profissional preparado para o exercício da função.
As concepções de EJA variam dependendo do lugar em que é
oferecida. Enquanto há lugares que se baseiam na idéia de
que “qualquer pessoa pode ensinar para jovens e adultos”,
há outros que enxergam a habilitação como um requisito
essencial e outros, ainda, que concebem que a formação inicial,
apesar de seu valor, não é o preponderante para o trabalho.
Sobre o campo de trabalho em EJA, VÓVIO (2001) afirma:
que a maioria dos projetos acontece em condições adversas,
com carências de fontes regulares suficientes de financiamento,
de formação inicial especifica para os educadores e de materiais
que apóiem seu desenvolvimento, entre outros.
Os egressos são unânimes em evidenciar a
questão da profissionalização como principal problema:
eu tenho notícias da existência de muitos lugares com EJA.
Local de atuação tem, não sei se o profissional recebe.
Eu acho que dentro disso, a gente tem muito a questão do voluntário
na EJA, vão fazer caridade para as pessoas que estão precisando
(Sabrina). Quanto a essa questão, HADDAD E DI PIERRO (1994, 2000)
sintetizam as principais preocupações com relação
à formação docente na esfera da EJA:
Os professores que trabalham na educação de Jovens e Adultos,
em sua quase totalidade, não estão preparados para o campo
especifico de sua atuação. Em geral, são professores
leigos ou recrutados no próprio corpo docente do ensino regular.
Note-se que na área específica de formação
de professores, tanto em nível médio quanto em nível
superior, não se tem encontrado preocupação com o
campo específico da educação de jovens e adultos;
devem-se também considerar as precárias condições
de profissionalização e de remuneração destes
docentes.
A herança que legamos da EJA como uma educação
“menos importante” que as outras parece refletir no espaço
que, segundo os egressos, essa formação ocupa na FaE. Eles
foram unânimes em relatar o lugar desprivilegiado que a habilitação
se encontra em relação às demais formações:
Eu sentia, na minha época, que era um lugar que precisava ser ocupado
mais (Aline). Apontam também as causas de tal situação:
Eu acredito que na época faltava divulgação, aquilo
que era mais certo de ocorrer todo semestre já estava a disposição,
com os professores dos departamentos preparados, agora a EJA era algo
do qual se corria atrás e aí muitas vezes, os alunos pegavam
a faculdade de surpresa (Marina). Outras razões relacionavam-se
à avaliação de que as possibilidades de trabalho
nesse campo são restritas: Não tinha muito valor, porque
sempre houve a ligação entre a formação e
o mercado de trabalho, então não se escutava tanto falar
na EJA, quem é ele, o que vai fazer (Maria Lúcia).
Ao mesmo tempo, alguns egressos reconhecem que, aos poucos, a EJA vai
ocupando mais espaço: Agora tem o núcleo de EJA, então
a própria habilitação tende a crescer (Aline). MACHADO
(2000) afirma que há um desafio crescente para as universidades
no sentido de garantir/ampliar os espaços para discussão
da EJA, seja nos cursos de graduação, pós-graduação
e extensão (...). Nesse sentido, nos V e VI ENEJAs verificou-se
uma ampliação da iniciativa das universidades com relação
à formação do educador de jovens e adultos. A UNIVALE
(SC), por exemplo, passou a oferecer uma disciplina de EJA para os cursos
de licenciatura. Além disso, houve um aumento, ainda que pouco
expressivo, do número de instituições que estão
ofertando a habilitação de EJA para os cursos de Pedagogia.
A maioria havia vivenciado alguma experiência com adultos que as
motivara a escolher a habilitação. Muitas destas atuações
estão inseridas em trabalhos voluntários, comprometidos
com alguma causa social: o meu desejo foi com movimentos sociais, dentro
da JOC a gente tinha ações junto ao bairro e à comunidade
e nós montamos uma turma de adultos para alfabetizar (Marina).
Com relação à avaliação da habilitação
reconhecem que a formação é de qualidade e permite
ao profissional construir uma segurança com relação
ao trabalho (Maria Lúcia). Além disso, percebem no dia a
dia de trabalho a importância da habilitação: encontro
pessoas que estão administrando projetos de EJA, elaborando propostas,
então a gente percebe que falta alguma coisa e esta alguma coisa
acontece neste espaço de formação acadêmica
(Vera).
Ao apontarem as lacunas da formação, muitos falam da distância
entre a teoria discutida e a prática na EJA: eu senti falta, por
exemplo, de pegar algumas experiências de EJA, pegar talvez um exemplo
de uma escola e porque eles estão fazendo isso, isso e assado.
Estas relações também com as políticas públicas
concretas, o que você vai encontrar no mercado aí, a falta
de verbas, etc (Aline). Corroborando tal visão, outra aluna relata:
eu senti falta da prática, buscar projetos, onde estão as
pessoas, buscar sair: o que podemos fazer para ajudar um país de
analfabetos?(Asená).
Como forma de superar essa questão, sugerem: se fosse uma condição
para você fazer o curso, fazer um estágio permanente ali
no PAJA, não seria interessante? Eu acho isso muito importante
para haver este diálogo (Maria Lúcia). Aprofundando, reflete:
uma pessoa que faz a habilitação, mas não passa por
uma prática refletida, ela também vai ficar com uma lacuna
na formação.
Outro aspecto ressaltado, que complementa o primeiro, se refere à
necessidade de uma maior ligação da faculdade com o campo
de trabalho. Segundo os egressos, o vínculo entre essas duas instâncias
poderia facilitar a inserção profissional do recém-formado:
que eu me lembre não tinha muita motivação e informação:
olha, tem escola tal para trabalhar, manda currículo, isso não
aconteceu. Então eu acho que este compromisso de criar parcerias
com as escolas que tem EJA, eu acho que precisava (Sabrina). Atualmente,
para promover uma maior integração entre a universidade
e o campo de trabalho, a Faculdade tem investido em duas ações.
A primeira relaciona-se à promoção de seminários
de EJA, em que a habilitação é divulgada, e, a segunda
diz respeito à comunicação da formação
inicial nos espaços de estágios freqüentados pelos
alunos.
AS DIFICULDADES DE INSERÇÃO NO CAMPO DE
TRABALHO
Como já foi referido, cerca de 80% dos 90 egressos
não trabalha com a Educação de Jovens e Adultos.
Construímos três questões de análise que se
complementam: o que levou os egressos a optarem por esta habilitação,
os motivos pelos quais fizeram com que não atuassem no campo da
EJA e as reflexões que tais sujeitos fazem sobre esse campo de
trabalho.
As razões que justificam os motivos pelos quais os egressos que
não atuam na EJA escolherem a habilitação se assemelham
às relatadas por aqueles que estão atuando. Além
disso, demonstram um certo idealismo em suas falas: Então era muito
de pensar assim, em que caminhos trilhar dentro desse curso que me permitisse
me envolver com o processo de educação libertador, ligado
a movimentos culturais, era muito essa... tanto que a minha primeira opção
já foi EJA, depois é que eu fui fazer uma habilitação
tradicional, né, depois é que eu fiz supervisão escolar
(Izabel). Quando optaram, sabiam que o campo de trabalho era difícil,
mas persistiam em sua escola: Mas eu queria fazer uma habilitação
que eu saísse daqui, pelo menos assim, com aquele sentimento de
realização, de tá fazendo uma coisa que eu gostava
de fazer e não tá querendo fazer alguma coisa só
por que era o melhor pro mercado, sabe, eu queria fazer uma coisa que
eu saísse daqui satisfeita com o curso (Andréia).
Mesmo não tendo atuado na EJA, os egressos apontam que a formação
possibilitou uma visão mais ampla da educação, como
um processo que não ocorre só dentro da escola e que se
relaciona à luta por uma sociedade melhor. Ou seja, a formação
adquirida potencializava o profissional, mesmo se ele não for atuar
especificamente com o público jovem e adulto.
Ao questionarmos os sujeitos sobre o fato de não estarem atuando,
eles nos relatam tanto motivos de ordem pessoal quanto os relacionados
às dificuldades do próprio campo de trabalho. Essas duas
dimensões se conjugam nas falas dos egressos. Nesse sentido, NÓVOA
(1995) afirma que é impossível separar o eu profissional
do eu pessoal. Percebemos que dados da vida pessoal dos professores também
são relevantes para compreendermos a sua trajetória profissional
e, em especial, as razões pelas quais não atuaram no campo.
Quando perguntamos se já procuraram trabalho na área, mas
por algum motivo não conseguiram, analisamos respostas como: Eu
já tive interesse, mas não tive ainda nem oportunidade nem
tempo. Até conversei com uma coordenadora do Dom Silvério
(EJA), achei muito interessante a proposta, mas falta oportunidade mesmo.
Até falei com ela que queria ir lá combinar de conhecer,
mas não tive tempo de ir. Em outro momento, nos relata: além
disso, eu acho que o campo é muito restrito, até mesmo por
não ser muito divulgado (Rubiane). Outra pessoa afirma que Eu não
procurei não... eu acredito muito em peixadas, eu sei de algumas
empresas que tem esse projeto de educação de jovens e adultos,
sei que a coca-cola é uma que tem, a Fiat, mas eu tinha amigos
que me informavam como funcionavam as coisas, mas de qualquer forma eu
não consegui entrar. Ao mesmo tempo diz também que o campo
é muito restrito e que qualquer pessoa pode estar chegando e lecionando
(Simone). Por fim, Alessandra nos diz: Eu levei currículo para
um monte de empresa, um monte de lugar, cheguei até a fazer teste
na FIEMG para entrar no SESI, mas aí quando eu fui ver era uma
coisa meio de carta marcada.
Percebemos que, a maioria destes sujeitos, por ter construído uma
visão negativa do campo de trabalho em EJA, parece permanecer mais
na “defensiva” com relação ao mesmo. Muitas
vezes uma estabilidade profissional já adquirida e a visão
de que o campo da EJA é restrito para atuação fizeram
com que os sujeitos não investissem muito na procura por trabalho
no campo. Em outros casos, algumas tentativas frustradas levaram a desistirem
de buscar uma atuação no campo.
O CURRÍCULO A PARTIR DAS DEMANDAS SOCIAIS
Os professores entrevistados expressam que a implementação
da Educação de Adultos foi fruto de uma discussão
ampla sobre a formação de pedagogo e as possibilidades de
sua inserção na sociedade. Segundo Dayse Garcia, havia uma
crítica aos conteúdos técnicos, uma visão
técnica da pedagogia, o pedagogo enquanto um especialista. Ao mesmo
tempo, demonstrava-se a preocupação em formar um profissional
inserido mais próximo dos movimentos sociais, ou, como pondera
a professora Maria Amélia Giovanetti: queríamos configurar
uma educação crítica, uma educação
colada muito nos princípios da educação popular.
Segundo ARROYO (2001), a grande herança da EJA foi gerada no seio
dos movimentos populares, por meio de experiências vinculadas à
educação popular. Nesse sentido, pensar um novo currículo
para o curso de pedagogia significava acolher a riqueza de tais ações,
ampliando o entendimento do que é ser pedagogo.
Essa nova concepção do pedagogo era construída à
medida que a própria faculdade realizava um movimento em direção
às classes populares. Nessa época criaram-se projetos de
extensão que mantinham uma grande interface com a organização
dessas camadas sociais. Assim, em atividades extra-curriculares, os alunos
da pedagogia estavam vivenciando experiências pedagógicas
voltadas para educação popular. Concomitantemente, a pós-graduação
também estava se comprometendo majoritariamente com os movimentos
populares: a grande maioria dos profissionais que ingressava no mestrado
atuava nesses espaços .
Diante desse clima, os professores sentiam a necessidade de reformular
o currículo, de modo que ele fosse capaz de formar o pedagogo para
ter esse encontro e trabalhar com as classes populares (Dayse). Nessa
época, o currículo era composto pelas habilitações
de administração, supervisão, orientação
e inspeção escolar, as quais eram marcadas por uma forte
dimensão técnica. Segundo Dayse , discutiam-se duas grandes
questões: uma relacionada ao desejo dos professores de mudar radicalmente
a estrutura do curso de pedagogia e outra que dizia respeito as possibilidades
do nosso pedagogo poder se inserir no mercado que se colocava para aquele
profissional que estava sendo criticado, mas que continuava a existir
na realidade educacional. Diante desse impasse, foi construída
uma proposta mediadora, em que a habilitação de Educação
de Adultos foi introduzida na estrutura antiga, como uma possibilidade
do pedagogo atuar junto aos movimentos sociais e à educação
popular. Como complementa a professora Amélia: a intenção
era ampliar os horizontes de intervenção do pedagogo, e
ele poder ser formado além de atuar na escola, ele poder também
atuar nesse espaço fora.
É importante salientar que a habilitação contemplava
o público adulto e, somente posteriormente ela incorpora a questão
do jovem em sua formação. A primeira configuração
da Educação de Adultos se deu por meio de cinco disciplinas:
Fundamentos da Educação de Adultos, Didática, Organização
e Currículo da EDA, e o estágio de 60 horas, que poderia
ser realizado tanto em espaço escolar, como em outros espaços.
As Diretrizes Curriculares para EJA afirmam que as licenciaturas e outras
habilitações ligadas aos profissionais de ensino não
podem deixar de considerar, em seus cursos a realidade da EJA.
Em 2000, como resultado de discussões e estudos realizados sobre
o campo, a habilitação passou a ser denominada Educação
de Jovens e Adultos. Além disso, foram substituídas as disciplinas
de Currículo e Fundamentos pelas seguintes: Educação
Matemática, Monografia e Tópicos Especiais em EJA. Nessa
época, as habilitações passam a ser denominadas de
formação complementar.
Se na época da implementação da habilitação
havia uma forte preocupação de formar pedagogo para se inserir
em espaços não escolares, na reforma de 2000 ganhava força
a necessidade da formação do profissional para atuar na
escola. Segundo Maria da Conceição Fonseca, tal configuração
é resultado da luta pela democratização do acesso
à escola. Nas entrevistas, os professores concordam que atualmente
a formação de EJA está muito colada com a formação
de um profissional para atuar na escola (Amélia).
Ao refletir sobre o caráter da formação, Conceição
ressalta que a habilitação em EJA está inserida no
conjunto de disciplinas que irá formar profissionais para atuar
na sala de aula. Assim, o aluno, ao fazer a opção pela formação
em EJA, irá cursar as disciplinas referentes às metodologias
de ensino, juntamente com as turmas de educação infantil
e alfabetização. Após essa primeira etapa, realiza
as disciplinas mais específicas: Educação Matemática,
Didática, Organização e o Estágio em EJA.
Percebe-se, assim, que a formação do educador de jovens
e adultos está mais direcionada para a atuação na
escola.
No entanto, ao apontar as lacunas da formação, Conceição
pondera que essa inserção escolar ainda não está
bem caracterizada para atuação do educador de jovens e adultos,
as disciplinas não se entendem como disciplinas que são
específicas para formação do educador de jovens e
adultos. Assim, considera que é preciso criar competências
na Faculdade para trabalhar as questões específicas da formação
em EJA. Por ser um campo que tem que se organizar para funcionar, é
preciso que o profissional tenha habilidades para redigir projetos a fim
de obter verbas, fazer justificativas, coordenar a realização
de um projeto político pedagógico etc. Nesse sentido, MACHADO
(2000) afirma que; É preciso ultrapassarmos o estágio a
que já chegamos, no sentido de buscar melhor definição
dos conceitos e aportes teóricos que referendam as pesquisas em
EJA, assim como seus procedimentos metodológicos.
Em 2002, o corpo docente inicia um debate a fim de avaliar o caráter
das habilitações. Segundo Amélia, havia a preocupação
de “que a habilitação de EJA não ficasse em
um tom só escolar e que não ficasse tão superficial...
isso os alunos da antiga habilitação questionavam”.
Apesar de ainda não ter sido implementado, no plano de reformulação
do currículo, foram inseridas as disciplinas Alfabetização
e Letramento para EJA e Processos Educativos nas Ações Coletivas
II.
No que diz respeito às perspectivas da formação complementar,
os professores apontam que a questão do educador social está
sendo colocada novamente, por meio do crescente número de projetos
de extensão na área. Os projetos com juventude e movimentos
sociais conferem visibilidade a outras possibilidades de atuação
no campo, o que, segundo Conceição, provoca um rol de demandas
que nós vamos ter que aprender a formar para elas, porque eu acho
que nós não sabemos não. Ao mesmo tempo, os professores
apontam a necessidade de dar visibilidade às ações
de EJA da Faculdade e de manter os profissionais que se formam vinculados
ao NEJA – Núcleo de Educação de Jovens e Adultos
- para que seja possível estruturar melhor a área.
Com relação ao campo de trabalho, os professores afirmam
que é preciso que a universidade participe da constituição
do próprio campo, o qual ainda está disperso. Consideram
importante a participação em movimentos de constituição
do fórum, de convênio, de uma rede com os espaços
que acontecem a EJA (Conceição). Amélia afirma também
que é preciso existir uma divulgação maior da universidade,
mais agressiva, no sentido da gente tomar mais iniciativa, bater mais
nas portas para a gente se apresentar, enquanto assim... existe essa formação
desse profissional, que as secretarias fiquem a par de que a UFMG forma
esse profissional, então quando for pensar em abrir edital para
concurso, que contemple essa área. Ressalta também que existe
uma tensão entre a formação e o mercado, pois ao
mesmo tempo em que é preciso contemplar as demandas do campo de
trabalho, é necessário questioná-lo e fazê-lo
avançar.
CONSIDERAÇÕES
Analisamos aqui questões como a inserção
profissional dos sujeitos, o caráter do campo de trabalho em EJA,
a opção pela habilitação e sua importância
no cotidiano de trabalho, a avaliação da habilitação
e seu lugar no espaço acadêmico. Apesar de cada depoimento
ser fruto de uma vivência singular, pudemos extrair alguns traços
em comum em suas falas: a trajetória de inserção
social dos egressos da habilitação; a consolidação
dos espaços de formação em EJA no interior da Universidade;
a relação incipiente entre esta instituição
e o campo de trabalho; a (in)definição do campo profissional
da EJA Esses são relevantes para que possamos fazer inferências
acerca da habilitação. Tal exercício nos possibilita
pensar a formação inicial mais comprometida com as demandas
do público da EJA.
As entrevistas com os professores nos permitiram reconstituir a história
da habilitação e o seu significado na Faculdade de Educação.
Por meio da análise de seus depoimentos, percebemos que a configuração
da formação em EJA guarda uma estreita relação
com a dinâmica social vivenciada. Assim, de uma maneira mais visível,
encontra-se aberta às demandas apresentadas pelos movimentos sociais.
Por fim, estamos verificando a necessidade da formação inicial
tanto nos cursos de Pedagogia como nas licenciaturas. A constituição
de um quadro profissional, marcado pelas especificidades referentes ao
público a que atende, propicia a configuração pedagógica
deste campo de trabalho. Ao mesmo tempo, percebemos que as iniciativas
de formação continuada, que em muitas instituições
já ocorrem, e as ações direcionadas à formação
do educador de jovens e adultos (palestras, seminários, oficinas,
cursos) promovidas pelas universidades, também contribuem para
a profissionalização da área.
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