Voltar    
  EDUCAÇÃO CONCEITUAL E EDUCAÇÃO ALGÉBRICA NAS SÉRIES INICIAIS  

Anna Regina Lanner de Moura
Maria do Carmo de Sousa

RESUMO
Este texto tem por objetivo discutir a pesquisa realizada sobre o desenvolvimento do pensamento algébrico de alunos do Curso de Pedagogia, da Faculdade de Educação, UNICAMP/SP, com base nos pressupostos da Educação Conceitual. Esta considera a realidade como um contínuo não fragmentado, em permanente transformação. A álgebra é uma linguagem representativa desse pensamento sobre a realidade. O enfoque de investigação consistiu na análise das elaborações dos alunos, ao vivenciar e elaborar atividades de ensino, fundamentadas no aspecto lógico-histórico do conhecimento (KOPNIN,1978) e definido para o ensino por DAVYDOV (1982) como sendo a elaboração das conexões conceituais. Definimos como conexões internas os conceitos de: variação quantitativa do cotidiano, variável, campo de variação, características de enumeração e densidade dos conjuntos numéricos. Estudou-se cada conexão na sua formação de linguagem com referência nas classes de desenvolvimento da álgebra: retórica, sincopada e simbólica (SMITH,1958; BOYER,1974; EVES,1997; RÍBNIKOV, 1987; STRUIK, 1989) e geométrica. Trata-se de pesquisa qualitativa com análise interpretativa de: diários dos alunos, atividades e mapas conceituais dos textos teóricos propostos em aula, projetos de ensino elaborados e aplicados pelos alunos. Como resultado da pesquisa conjecturou-se que o aluno, desenvolve o pensamento flexível sobre a álgebra e a visão da mutabilidade da realidade.

APRESENTANDO A PESQUISA

A pesquisa intitulada: “O ensino de álgebra numa perspectiva lógico-histórica: um estudo das elaborações correlatas de professores do Ensino Fundamental” foi desenvolvida na Faculdade de Educação da UNICAMP/SP, no período de 2000 a 2004.
A totalidade da pesquisa contém, a partir de estudos de caso, a singularidade e a particularidade das vozes de Ana Cristina , Andressa, Mudança e SN1, bem como, algumas das elaborações feitas tanto individualmente como pelos grupos formados com os dezoito alunos matriculados na disciplina eletiva “Tópicos Especiais em Didática ”.
Participamos da disciplina em todos os momentos, desde a elaboração da ementa até a orientação dos Projetos elaborados e desenvolvidos pelos grupos formados pelos participantes. Assim, neste estudo, em determinados momentos focamos a singularidade e a particularidade das pessoas, em outros, as sínteses elaboradas pelos grupos enquanto vivenciavam e analisavam as atividades de ensino propostas.
Fizemos essa opção porque as elaborações feitas em sala de aula contêm o singular e o particular de cada uma das pessoas que compõem uma sala de aula.
Assim, temos uma estrutura triádica de participantes desse estudo formada pela totalidade da classe - pequenos grupos - sujeitos particulares.
Essa estrutura lógica condiz com o histórico da dinâmica das aulas, pois durante a maioria dos encontros analisamos e vivenciamos atividades de ensino de álgebra a partir da dinâmica indivíduo-grupo-classe considerando o lógico e o histórico como formas de pensamento estudadas por Kopnin (1978).
O lógico-histórico se constitui o conceito central desse estudo, assumindo três dimensões: forma de pensamento, forma de pensamento algébrico e em atividades de ensino.
A relação entre o lógico e o histórico apresenta-se enquanto unidade dialética lógico-histórico, do desenvolvimento do conceito que estuda as conexões internas deste e não apenas de seu formalismo. No que diz respeito ao pensamento algébrico, as conexões internas do conceito de álgebra são os conceitos de: variação quantitativa, que se apresenta no movimento do cotidiano, variável, formalização de campo de variação, enumeração e densidade dos conjuntos numéricos presentes nas álgebras não simbólica e simbólica.

Apenas uma pergunta...
A questão propriamente dita e o objeto de análise da pesquisa começaram a ser construídos formalmente, ou seja, cientificamente, à medida que começamos a observar alunos e professores em formação, nos cursos de graduação, tanto na formação inicial como na formação continuada, a partir de 2000.
Nossa experiência enquanto formadora de professores, em cursos de licenciatura e de formação continuada mostra que o ensino de álgebra atual propicia àquele que a aprende, repetição de expressões formais sem significado e, por conseguinte, ausência da criação. Embora os licenciandos e demais professores o reconheçam como tal, denotam dificuldades em se desfazer dessa concepção.
Ao analisar os primeiros dados que levantamos no início da pesquisa, em 2000 e 2001, surgiram vários questionamentos que envolvem a prática desses professores, tais como:
1) Por que os professores não conseguem se desprender dessa realidade, uma vez que as reformas curriculares de 1988 e os atuais Parâmetros Curriculares propõem mudanças consideradas significativas pelos teóricos no ensino de matemática?
2) Por que, ainda hoje, a exemplo dos anos 60-70, os cursos de licenciatura em matemática priorizam um currículo de álgebra tão fragmentado, dissociado da aritmética e dos conceitos geométricos?
Tanto a reforma curricular do Movimento Matemática Moderna dos anos 60-70, como a Proposta Curricular de 1988 e os atuais Parâmetros Curriculares foram elaborados sem a participação da maioria dos que seriam nela envolvidos: os professores do Ensino Fundamental e Médio.
A maioria das propostas curriculares, até o momento, é elaborada “para” os professores e não “com” os professores, fazendo com que os profissionais do ensino sejam apenas, em última instância, “executores” de currículos que, de tempos em tempos, chegam até as escolas através de livros didáticos (Sousa, 1999).
O não envolvimento dos professores no processo de reformas curriculares faz com que continuem seguindo modelos que tiveram, enquanto estudantes. A maioria deles, ao ensinar os conteúdos algébricos, continua priorizando, a exemplo dos anos 60-70, um ensino de álgebra que não privilegia o entendimento de sua dinâmica histórica e sim o entendimento de suas regras lógicas formais.
Não é sem motivo que sempre que podem, afirmam que o currículo que ensinam foi feito por “eles”, dando-nos a impressão de que executam apenas o que “eles” mandam (Sousa, 1999).
Dentre esses currículos que “eles” elaboraram, incluem-se os atuais Parâmetros Curriculares distribuídos nas escolas, pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Os PCNs “indicam a ‘Resolução de Problemas’ como ponto de partida da atividade matemática e discutem caminhos para ‘fazer matemática’ na sala de aula, destacando a importância da História da Matemática e das Tecnologias da Comunicação” (MEC/SEF, 1998: 16).
Ao elaborar os Parâmetros Curriculares, a equipe autora, subordinada ao MEC, afirma que: “ainda hoje se nota, por exemplo, a insistência no trabalho com a linguagem da Teoria dos Conjuntos nas séries iniciais, a formalização precoce de conceitos, o predomínio absoluto da álgebra nas séries finais e as poucas aplicações práticas da matemática no Ensino Fundamental” (MEC/SEF, 1998: 21).
Entendendo que: “as propostas curriculares são ainda bastante desconhecidas de parte considerável dos professores, que, por sua vez, não têm uma clara visão dos problemas que motivaram as reformas” (MEC/SEF, 1998: 21).
Os professores, em sua maioria, não conhecem as propostas. Ensinam os conteúdos matemáticos a partir das concepções que elaboraram enquanto se constituíam professores, na licenciatura (Sousa, 1999).
Apesar dessa realidade, no final dos anos 90, a equipe autora dos Parâmetros Curriculares, procurou evitar, a exemplo da Proposta Curricular de 1988, do estado de São Paulo, fornecer uma lista de conteúdos para que os professores executassem. Optou por indicar aos professores “alguns caminhos para ‘fazer Matemática’ na sala de aula” (MEC/SEF, 1998).
Mas de que forma os professores estão “fazendo” esses caminhos? Como eles estão “construindo” os conceitos de uma matemática que privilegie o desenvolvimento dos conceitos matemáticos e não a mecanização e memorização dos mesmos conceitos?
Até o momento, há muitos pesquisadores que se interessam pelo ensino de álgebra, nos diversos níveis de ensino.
Podemos citar, por exemplo, os estudos de Kieran (1992); Souza & Diniz (1996); Usiskin (1995); Araujo (1999); Fiorentini et al. (1993); Lins & Gimenez (1997); Utsumi (2000), Ursini (1996-a, 1996-b), Salgado (1995), Araujo (1999, mimeo), Paulovich (1998), Azarquiel (1993), Robayna et al. (1996), Groenwald &, Filippsen (2002), Krutetsky (1977), Lanner de Moura & Sacarlassari (2001-b), Lanner de Moura et al. (2001), Lanner de Moura & Sousa (2000, 2001-a, 2002-a, 2002-b, 2002-c), Oliveira (2002), Pérez (1996), Shulte & Coxford (1995), Socas et al. (1996), Usiskin (1995).
Os estudos de Lanner de Moura & Scarlassari (2001) e Oliveira (2002), a exemplo dos de Robayna et al. (1996), Salgado (1995) e Ursini (1996-a, 1996-b), comprovam, através dos erros cometidos pelos estudantes do Ensino Fundamental, o não entendimento por parte dos estudantes da atual abordagem da álgebra que se apresenta tanto nas propostas curriculares como nos atuais livros didáticos e que prioriza o formalismo do conceito.
Aqui no Brasil, ao tentar minimizar essas dificuldades, os atuais Parâmetros Curriculares - PCNs que se guiam pelos documentos do National Council of Teachers of Mathematic (NCTM), a exemplo de outros países que têm como fio condutor a Resolução de Problemas indicam aos professores do Ensino Fundamental que “o estudo da álgebra constitui um espaço bastante significativo para que o aluno desenvolva e exercite sua capacidade de abstração e generalização, além de lhe possibilitar a aquisição de uma poderosa ferramenta para resolver problemas” (MEC/SEF, 1998: 115).
Os autores dos PCNs sugerem ao professor que, ao abordar os conceitos algébricos no Ensino Fundamental iniciem um trabalho que proporcione aos estudantes realizarem experiências variadas a “partir dos ciclos iniciais, de modo informal, em um trabalho articulado com a aritmética”, de forma que os estudantes adquiram uma aprendizagem de álgebra mais sólida e rica de significados.
A esse trabalho articulado com a aritmética dá-se o nome de “pré-álgebra” (MEC/SEF, 1998). Defende-se a idéia de que “é preciso começar mais cedo o trabalho com álgebra, de modo que esta e a aritmética desenvolvam-se juntas, uma implicada no desenvolvimento da outra” (Lins & Gimenez, 1997:10), com o que concordamos.
Lima et al. (1998) chamam a atenção para o fato de que pensar algebricamente significa pensar o número sem o numeral.
O pensamento algébrico deve considerar os nexos internos dos conceitos de número: qualidade, quantidade, senso numérico, correspondência um-a-um, ordenação, agrupamento, valor posicional, base e representação, presentes no movimento do pensamento numérico e não apenas os aspectos formais que se apresentam no conceito mais geral do número que se formalizam nas propriedades dos campos numéricos diversos.
O pensar algébrico, ao considerar o conceito mais geral do número não pode estar apenas relacionado à presença física e formal do número: o numeral.
Ao pensar o número sem o numeral, o estudante necessariamente tem que conhecer o conceito de número.
O cerne do conceito de número não está na manipulação do numeral e sim no entendimento de que o número contém, por exemplo, os conceitos de senso numérico e correspondência, bem como admite diversos campos que historicamente foram ampliados, a partir de necessidades do dia-a-dia e da própria matemática, apresentando naturezas bem distintas (Caraça, 1998).
Pensar algebricamente é pensar cientificamente. É a arte que considera os objetos da álgebra: números absolutos e grandezas que deverão ser medidas, porém, tais grandezas desconhecidas, referem-se a qualquer coisa conhecida. É por isso que podem ser determinadas.
A coisa conhecida pode ser uma quantidade ou uma relação individualmente determinada. Ao analisarmos as condições do problema, chegamos à coisa conhecida. Na arte de pensar algebricamente se buscam relações que possam vincular as grandezas dadas no problema com a incógnita (Ríbnikov, 1987).
Não basta elaborarmos uma série de atividades que contenham o “número manual” (Lima et al,1998), ou seja, o numeral, representação da idéia de quantidades, para que o estudante possa elaborar generalizações em doses homeopáticas, substituindo a presença física do número, o numeral, pela presença física e ao mesmo tempo abstrata das diversas letras do alfabeto que representam, simbolicamente, a idéia de variável, em seus diversos aspectos.
Há de se considerar no pensamento algébrico os “nexos internos e externos” (Davydov, 1982) do pensar aritmeticamente: a idéia de número e o conceito fundamental do pensar algebricamente: o movimento.
As discussões que, por ora, estamos fazendo, levaram-nos a refletir sobre o ensino de matemática, com ênfase no movimento do pensamento algébrico e na relação que professores de matemática do Ensino Fundamental constroem com o conteúdo concreto da álgebra, a partir da “ascensão do abstrato ao concreto” ou ainda “do movimento que atua nos conceitos, no elemento da abstração”; “movimento no pensamento e do pensamento” (Kosik, 2002: 36) da álgebra.
Tais discussões consideram as relações que o pensamento faz com os conceitos de álgebra não simbólica e a álgebra simbólica, bem como os conceitos de fluência, campo de variação e variável, nexos conceituais do pensar algebricamente.
As discussões a que nos referimos podem ser feitas durante o desenvolvimento de atividades de ensino em cursos de formação inicial e continuada de professores. Propusemos estas discussões na sala de aula, enquanto desenvolvíamos a pesquisa. Algumas questões, ao longo da discussão do tema, auxiliaram-nos a construir a problemática de nossa investigação:
1) De que forma a História da Álgebra pode contribuir com a elaboração de atividades de ensino de álgebra pelo professor?
2) Até que ponto os nexos conceituais da álgebra têm relações com o desenvolvimento histórico do pensamento algébrico? De quais relações estamos falando?
3) O que vem a ser pensamento algébrico? Como ele se manifesta na sala de aula? Em que ele se diferencia dos pensamentos aritméticos e geométricos?
Ao analisar o conceito de álgebra sob o ponto de vista: a) das atuais propostas curriculares e livros didáticos; b) do desenvolvimento dos nexos conceituais da álgebra com base na dinâmica histórica do conceito e c) nos aspectos da linguagem na formação do conceito de variável; propomos aos professores do Ensino Fundamental, a construção do pensamento teórico da álgebra com os estudantes, a partir da relação entre o lógico-histórico no desenvolvimento científico, incluindo-se aí a matemática e o pensamento algébrico.
Estudar os currículos dos programas escolares, de nível médio, nos fez constatar que estes contêm o conteúdo e as correntes fundamentais do desenvolvimento da matemática que ocorreram nos diversos períodos, das diversas civilizações. Revela-se aí, “a relação existente entre o histórico e o lógico no desenvolvimento da matemática”. Confirma-se, nessa relação, a tese “de que o lógico na ciência é o histórico, porém só assimilado e posto em certa ordem” (Ríbnikov, 1987: 107).
O lógico e o histórico na matemática são inseparáveis. Para entendermos essa inseparabilidade, consideramos “o conhecimento dos fatos fundamentais da História da Matemática e dos trabalhos clássicos, a compreensão das leis do desenvolvimento das ciências matemáticas e do caráter histórico da correspondência entre as disciplinas matemáticas particulares” (Ríbnikov, 1987: 18).
Há de se ressaltar que, a exemplo do que diz Ursini (1996-a), não estamos defendendo a reprodução na sala de aula, de forma linear, do desenvolvimento histórico da álgebra, como se o estudante de álgebra aprendesse os conceitos algébricos, simplesmente pelo fato de ter contato com a linearidade da história da álgebra.
Não é isso que propomos neste estudo, mesmo porque, com apoio em Ríbnikov (1987) e Aleksandrov et al. (1988) argumentamos que a indissociabilidade entre o lógico e o histórico mostra a inexistência da linearidade histórica.
O que há é o vir a ser. É o movimento do velho e do novo se processando a todo o momento no conhecimento humano, onde velho e novo não estão em oposição, gerando uma nova qualidade de pensamento.
Velho e novo se completam, se complementam. O que há, nesse movimento é a “interdependência e a fluência” (Caraça, 1998). Velho e novo auxiliam o homem a compreender o mundo, na medida em que se propõe a humanizar-se pelo conhecimento.
A partir do momento em que estamos tentando nos humanizar pelo conhecimento matemático, consideramos a relatividade das definições geradas, de tempos em tempos.
As definições matemáticas feitas até hoje não podem “ser consideradas como absolutamente rigorosas ou definitivas”. O desenvolvimento dos conceitos matemáticos continua na atualidade. Uma ciência que não está morta e mumificada não é e nem pode ser de forma alguma, perfeita (Aleksandrov et al, 1988: 78).
Nesse sentido, defendemos que os conceitos algébricos não podem, de forma alguma, serem ensinados, pela informação e repetição do aspecto formal dos conceitos, como se a álgebra fosse algo pronto, acabado, morto, mumificado, portanto, imutável. Como se a matemática fosse a ciência mais perfeita, não passível de erros, por isso menos humana, por ser uma das mais antigas. A matemática ainda não é. Está por vir a ser. Por conseqüência, a álgebra também está por vir a ser. Ainda não é. Aqui, a expressão vir a ser tem a conotação de fluência, de movimento no conhecimento humano.
Defendemos que os professores considerem, nas aulas de matemática, o conceito de lógico-histórico da álgebra, cujos elementos constitutivos discutidos por este estudo são: a) os nexos conceituais presentes no desenvolvimento do pensar teoricamente a álgebra, isto é: fluência, conceito de campo de variação, desenvolvimento do conceito de variável e b) a álgebra não simbólica: retórica, sincopada e geométrica que se apresentou no movimento do pensamento teórico da álgebra a partir do desenvolvimento lógico-histórico do pensar algébrico das diversas civilizações em vistas de construir o pensamento teórico da álgebra.
Os pressupostos da pesquisa consideram os conceitos de lógico-histórico; nexos conceituais internos e externos; pensamento teórico; movimento; abstratividade; concreticidade; fluência; realidade objetiva; nova qualidade; singularidade; particularidade; variável; formação de professores; ensino de álgebra; humanização pelo conhecimento; álgebra não simbólica e álgebra simbólica.
Estão presentes em diversos momentos da pesquisa. Na medida do possível foram aprofundados. Auxiliaram-nos a responder o problema de investigação da pesquisa: “Que relações podem ser estabelecidas entre o conhecimento de professores e os conceitos algébricos enquanto vivenciam e analisam atividades de ensino numa perspectiva lógico-histórica da álgebra?”

A Metodologia da Pesquisa
Esta investigação é qualitativa e buscamos conferir a ela as cinco características estudadas por Bogdan & Biklen (1994):
1) A fonte direta dos dados é a sala de aula, nosso ambiente natural de ensino e pesquisa;
2) A investigação procura descrever, a partir de “isolados” (Caraça, 1998) as diversas elaborações feitas durante a vivência e análise de atividades de ensino;
3) Nosso foco é o processo do pensar sobre e não simplesmente os resultados ou produtos que se apresentam nas atividades de ensino estudadas;
4) A análise das informações foi elaborada na medida em que as informações particulares e singulares foram lidas e reelaboradas considerando-se como ponto de partida a totalidade das informações construídas e as relações entre elas, tal como um funil e não simplesmente juntando as partes como em um quebra-cabeças e,
5) A partir das análises, demos significados didático-epistemológicos às novas qualidades de pensamento decorrentes das diferentes elaborações individuais e dos grupos construídas pelos participantes do estudo. Esses significados se constituíram em uma categoria emergente de análise, a qual denominamos de pensamento flexível .
A pesquisa tem caráter propositivo. Damos a ela a especificidade de intervenção. A pesquisadora faz parte do grupo dos sujeitos, assumindo a orientação dos estudos aí desenvolvidos. A intervenção fica caracterizada, quando propomos à classe um conjunto de atividades de ensino previamente elaboradas.
Consultamos duas fontes diferentes para a elaboração e construção dos dados junto aos professores do Ensino Fundamental. A primeira fonte diz respeito à álgebra escolar. A leitura dessa fonte implicou em subsídios esclarecedores do contexto em que o professor do Ensino Fundamental desenvolve sua prática pedagógica e o pensamento algébrico de seus alunos, bem como o histórico do referencial teórico responsável pelas novas discussões pedagógicas e conseqüentemente o surgimento de propostas curriculares que apontam para uma tendência do ensino da matemática pela Resolução de Problemas. Aqui, os principais autores consultados foram: Lima & Moisés (1997; 1998; 2000); Moisés (1999); Kieran (1992); Souza & Diniz (1994); Usiskin (1995); Araujo (1999); Fiorentini & Miorim & Miguel (1993); Lins & Gimenez (1997); Utsumi (2000) e Robayna & Machìn & Medina & Domínguez (1996)
A segunda fonte de consulta está relacionada ao desenvolvimento conceitual da álgebra e aos nexos conceituais desenvolvidos pelo movimento do pensamento humano. Em se tratando do desenvolvimento conceitual da álgebra, os principais autores consultados foram: Caraça (1935; 1942; 1942-a; 1942-b; 1943; 1944; 1945; 1947; 1948; 1958; 1961; 1966; 1973-4; 1978; 1990; 1998; 1998-a), Eves (1997), Boyer (1997), Ríbnikov (1987), Smith (1958), Struik (1987). Buscamos ainda Kopnin (1978); Bohm (1980); Kosik (2002) e Davydov (1982) com o intuito de compreender os nexos conceituais desenvolvidos pelo pensamento humano, enquanto este se relaciona com a realidade.
Ao buscarmos estabelecer uma consonância teórica com esses autores fizemos uma composição de atividades, tendo por referência Lima & Moisés (1997; 1998; 2000). Demos a essas mesmas atividades a conotação de atividades de pesquisa por se tornarem o meio de construção das informações.
A Educação Conceitual (Lanner de Moura et al, 2003) define a atividade como movimento de abstrair o resultado de ações, antes mesmo de realizá-las, provocadas por necessidades reais, advindas da interação do homem com o meio pela condição de nele viver.
Assim, a atividade de ensino ou atividade de aprendizagem deve permitir aos envolvidos no processo, aprender a pensar criando conceitos num movimento semelhante ao da dinâmica da criação conceitual na história do conceito.
A atividade será orientadora quando for capaz de definir os elementos essenciais da ação educativa e respeitar as diversas dinâmicas de interações que muitas vezes fogem ao controle do professor (Moura, 2001).
A partir desses pressupostos, entendemos que a atividade será de pesquisa, quando for capaz de definir os elementos constitutivos que permeiam o pensar sobre as elaborações decorrentes da análise das atividades orientadoras de ensino, feita pelos envolvidos, ou, ainda, quando permitir a análise dos “inesperados” (Caraça, 1998), caso estes surjam durante o processo de formar-se pelo conhecimento científico.
As atividades de ensino consideram: a) o desenvolvimento histórico do conceito; b) os momentos dialéticos de sua formação e c) a vivência na participação dos sujeitos da pesquisa, vinculada a um processo reflexivo-ativo-explicativo, dimensionado pela dinâmica relacional indivíduo-grupo-classe.
Preocupamo-nos em estudar atividades de ensino que tratam do conceito de variável, a partir da álgebra não simbólica e da álgebra simbólica.
Assim, nesta pesquisa não demos enfoque a atividades de ensino que tratam dos conceitos de equação e inequação, presentes na álgebra simbólica, e sim aquelas atividades que, de forma geral, não são tratadas no Ensino Fundamental, durante a iniciação algébrica de nossos estudantes.
As fontes das informações construídas durante o estudo são as mesmas que determinaram as atividades de ensino: a) as três dimensões da variável e b) a cultura matemática dos professores.
Ao estudarmos as elaborações dos professores-alunos, definimo-las como expressões orais e escritas processadas pelo movimento do pensamento que se caracteriza pelo pensar sobre os conceitos algébricos, objeto de estudo desta investigação.
A exemplo de Lanner de Moura (1995) e Prado (2000), que analisaram as manifestações dos alunos enquanto vivenciavam atividades de ensino com enfoque na Educação pelo conceito, analisamos as expressões orais e escritas dos professores durante o estudo e a vivência das atividades.
Nessas expressões, incluem-se os gestos, as falas mais eloqüentes, os diálogos, os escritos manifestos no processo de estudar e vivenciar as atividades de ensino de álgebra.
As atividades de ensino propostas para o estudo foram elaboradas por Lima & Moisés (1997; 2000) e consideram os conceitos de:
1) Fluência;
2) Variável e campo de variação;
3) Álgebra não simbólica: retórica, sincopada e geométrica e
4) Álgebra simbólica.
Para uma análise mais profunda das elaborações feitas durante a disciplina “Tópicos Especiais em Didática” tentamos perceber o movimento do pensamento dos professores, em todos os encontros, a partir de quatro momentos bem distintos: a) questionário; b) diário de campo; c) episódios ocorridos durante a aula e d) Elaboração e aplicação de projetos de ensino .

Educando o olhar...
Tínhamos consciência de que não poderíamos analisar os quatro momentos da pesquisa: questionário, diários de campo, aula propriamente dita e projetos desenvolvidos, em sua totalidade.
Como afirmam Caraça (1998), Kosik (2002) e Bohm (1980) temos dificuldades em nos apropriar da totalidade da realidade em um só golpe de vista. Não há mente humana capaz de compreender, ao mesmo tempo, o todo da realidade. A realidade possui duas características fundamentais e bem definidas: “a interdependência e a fluência” (Caraça, 1998: 103). Faz-se necessário fazermos recortes, “isolados” para melhor compreendermos a realidade não nos esquecendo de que a realidade é uma totalidade.
Os isolados foram construídos a partir dos temas que foram discutidos em sala de aula e as atividades de ensino foram escolhidas a partir do momento em que lemos os diários e detectamos aquelas que permitiram aos professores explicitar suas elaborações a partir dos gestos, tons de voz, indignações, inesperados...
Assim foram escolhidas as atividades de ensino que permitiram a flexibilidade do pensar sobre, o movimento do pensamento flexível. A análise de cada isolado tem como referência a atividade de ensino que compõe cada um dos temas estudados.
Identificar o lógico-histórico do movimento do pensamento dos grupos e das quatro professoras de forma individual, a partir de anotações feitas em diários de campo e elaborações feitas em sala de aula, a partir dos textos, análise de atividades e projetos, nos permitiram verificar que elaborações foram construídas durante o desenvolvimento das atividades e quais delas permitiram aos professores dar novas formas ao movimento de seus próprios pensamentos.
Ao mesmo tempo, as estagnações que se apresentarem são indicadores de que não houve nenhum movimento novo no pensamento algébrico.
Procuramos verificar, a partir das elaborações, até onde o contato com um novo isolado provoca o surgimento do inesperado no movimento do pensamento do professor.
Segundo Caraça (1998), todo inesperado leva ao surgimento de uma nova qualidade de pensamento. Aqui a nova qualidade de pensamento está diretamente relacionada ao pensamento flexível a que já nos referimos anteriormente. Entendendo que o pensamento flexível é o elo de ligação entre os pensamentos empírico-discursivo e teórico.
Nossos isolados estão relacionados, conectados aos conceitos estudados em sala de aula e têm a qualidade de serem conceituais.
Estamos denominando-os de:
1) Naturezas: universal, desconhecida e humana;
2) Fluência e permanência da realidade;
3) Variável e campo de variação;
4) Álgebra não simbólica: retórica, sincopada e geométrica;
5) Álgebra simbólica.
Estes cinco isolados se configuram como categorias de análise. Constituem-se por unidades didáticas que, por sua vez, contêm diversas atividades de ensino.
Assim, nesta pesquisa, as informações construídas juntamente com os professores, denominados de professores-alunos foram consideradas da seguinte forma:

 Participantes

 Isolados

Unidade didática

 Atividades de ensino

 Fontes

Professores do Ensino Fundamental

 I

 Naturezas

- natureza humana;

 - natureza universal;

 - natureza desconhecida;

 - premissas;

 - questionário

- Aula:

a) produção de mapas conceituais;

b) análise de atividades (individual e coletiva);

c)elaboração de projetos de ensino;

d) auto-avaliação

 

- Diário de campo

 

 

 II

 

 Fluência e permanência

- mundo fixo;

- metafísica do dia-a-dia;

- rompendo com o mundo estático;

- criação da idéia de fluência;

- método matemático de estudos do movimento

 

 

III

A variável e o campo de variação

- onde está o número?

 

- o pensamento numérico metafísico;

 

- entrando no mundo da variação

 IV

 

Álgebra não simbólica

- variável palavra;

- desenhando a variação;

- variável figura;

- sincopação de Diofanto

 V

Álgebra simbólica

- variável letra

- linguagem matemática simbólica


 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

O LÓGICO-HISTÓRICO DA ÁLGEBRA EM ATIVIDADES DE ENSINO

O conhecimento da álgebra simbólica pressupõe o conhecimento da sua história e desenvolvimento; mas deve-se estudar a história da álgebra tendo-se certo conhecimento da essência, do processo desta, enquanto movimento numérico, enquanto fluência da vida, pois do contrário pode-se tomar por álgebra apenas o aspecto literal, rígido e fixo do conceito de variável em uma de suas formas que é a incógnita.
Hogben (1970), Karlson (1961) e Eves (1997) afirmam que, a essência, o fundamental do pensamento de hoje é o conceito de função, ou seja, o movimento do pensamento de hoje, se materializa na função.Tudo é função. A função representa o próprio movimento da vida. Representa muito da realidade objetiva, chegando muitas vezes a se confundir com ela. Ao mesmo tempo em que não podemos imaginar a realidade objetiva de hoje, sem o conceito de função, não podemos pensar a função sem pensar sobre o conceito de variável.
A variável é a essência da função. É a própria fluência. O próprio movimento do pensamento. É ela que permite ao pensamento alçar vôos desconhecidos, inimagináveis, a partir do estudo de movimentos qualitativos, quer estes movimentos sejam regulares ou irregulares, os quais se apresentam em nosso universo. No conceito de função, a variável assume o seu real sentido: a “variável realmente varia” (Lima, 1997; Souza e Diniz, 1994).
Enquanto a função é a representante “natural” do movimento da vida de hoje, nada mais contraditório a essa idéia, é o que acontece na maioria de nossas escolas, no ensino de função. Conseguimos nos formar professores e continuamos a formar nossos estudantes sem entender que aprender função é entender, antes de tudo, que a totalidade da realidade está em movimento.
Na realidade fluente tudo flui e tudo devém, inclusive o próprio pensamento que a pensa. Entendemos que aprender função a partir da análise dos movimentos da vida permite com que o estudante se humanize pelo conhecimento porque terá oportunidade de pensar matematicamente o mundo.
Ao analisar os movimentos da vida, estudantes e professores perceberão que quando os movimentos são regulares podemos fazer previsões. Percebemos a regularidade de movimentos quando tentamos apreendê-los a partir dos numerais. Que, por sua vez, nos permitem criar fórmulas gerais. É aí que está a mudança conceitual feita por Viète em seu tempo. A criação da fórmula permitiu a expansão do pensamento algébrico para as mais diversas áreas do conhecimento (Hofmann, 1961; Piaget & Garcia, 1984; Klein, 1968), como por exemplo, a biologia, a química e a física.
Quando ensinamos o conceito de função, tendo como ponto de partida e de chegada apenas o aspecto lógico-formal do conceito, embora nos utilizemos de representações gráficas e nos esforcemos para encontrar problemas do cotidiano que representem o conceito que queremos ensinar, na maioria das vezes, temos a sensação de que nossos estudantes, não conseguem entender que a função é que dá mobilidade ao pensamento matemático no sentido de compreender a flexibilidade da realidade.
A impressão que temos é que, durante as aulas que ministramos, nossos alunos entendem apenas o aspecto externo do conceito, ou seja, os elementos perceptíveis do conceito (Davydov, 1982).
Para eles, ao resolver uma função, basta, apenas, substituir de uma forma mecânica o “tradicional x” que se apresenta nos problemas e, em seguida, fazer o gráfico. O pensar sobre o movimento que esta representa e a relação desta com os conceitos de domínio, imagem e contradomínio não faz parte da aula, já que o gráfico da função fala por si só.
Dessa forma, ao substituir o “tradicional x”, em uma f (x) qualquer, por números, de forma mecânica, ficamos impossibilitados de ver que a expressão f (x) é apenas uma representação sintética do histórico de determinados movimentos regulares onde a variável assume o seu real papel. Antes dessa expressão, o pensar sobre uma variável, no caso específico, sobre o “x”, só era possível a partir da retórica que se manifestou na variável-palavra de civilizações diversas e a partir do desenho, da figura geométrica a partir da variável figura .
A representação desse “x” em uma função qualquer de hoje, ao mesmo tempo em que aprisiona uma determinada quantidade dá mobilidade a esta quantidade. Ou seja, com a expressão “x”, estamos pensando o número sem estarmos vinculados à sua representação pelo numeral. Porém, ao substituirmos o “x” por um valor numérico, temos que analisar em que campo de variação estamos atuando.
O campo de variação depende diretamente do movimento da realidade de que está se tratando, ou seja, não há uma resposta pronta e absoluta, embora boa parte dos movimentos da realidade pareça ocorrer no campo dos números reais. Para cada movimento da realidade, apreendido pelo movimento do pensamento, em sua regularidade, o matemático tenta representá-lo através de uma função, uma vez que, ainda não se conseguiu encontrar uma função absoluta e única, capaz de conter todas as outras, de forma que dê conta de descrever todo e qualquer movimento que se apresentar na realidade objetiva ao pensamento.
Concordamos com Caraça (1998) quando afirma que, aprender álgebra deveria implicar uma mudança da concepção polarizada na permanência das coisas. Educar algebricamente seria proporcionar ao aluno também a formação de uma visão de transformação e de movimento contínuo da realidade humana. Pensamos que, para que o professor do ensino fundamental possa reconstruir e (re) criar o conceito de variável com seus alunos, a partir de leituras da realidade em que vive, torna-se necessário planejar atividades que tenham este processo como objetivo.
Em seus estudos, Lima & Moisés (1993; 1997; 1998; 2000), elaboram atividades de ensino para as séries iniciais de forma que estas permitam a estudantes e professores pensar sobre os conceitos algébricos enquanto descrição de movimentos, movimentos que podem ser regulares ou não.
Ao estudarmos as atividades de ensino propostas pelos autores, durante a pesquisa, utilizamo-nos, enquanto metodologia das aulas, a dinâmica relacional indivíduo-grupo-classe; bem como reflexões que envolvem: a) análise sobre o conhecimento dos conceitos algébricos que os professores têm, a partir de questionário; b) análise e discussão de textos teóricos que tratam da História da Ciência; da História da Matemática e da História da Álgebra; c) elaboração de mapas conceituais referentes aos textos teóricos sugeridos; d) escrita de diários; e) elaboração e aplicação de projetos de ensino; f) auto-avaliação. A avaliação foi contínua, ocorrendo em todo o período do curso.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES E RESULTADOS DA PESQUISA
A partir da análise dos dados construídos podemos afirmar que os professores do Ensino Fundamental têm seu primeiro inesperado (Caraça, 1998) quando nas primeiras aulas pensam sobre a totalidade presente nos movimentos da vida e sua relação com o conhecimento científico.
Assustam-se quando descobrem que o conhecimento científico, dentre eles o conhecimento matemático é elaborado a partir de premissas e que as premissas são verdades relativas que podem ser questionadas de tempos em tempos. As premissas representam os inesperados na humanidade. Alimentam o conhecimento teórico. Representam “insights” (Bohm, 1980) sobre a realidade. No caso dessa pesquisa, percebemos que as primeiras aulas que discutem sobre a totalidade da vida e as premissas presentes no conhecimento científico e a reflexão sobre as questões: 1) Escreva o que você sabe sobre álgebra; 2) Como você se sentiu quando começou a estudar álgebra?; 3) Que aspectos da vida que você acha que a álgebra explica e que o número não explica?; 4) Existe relação entre número e geometria? Explique e, 5) Existe relação entre número, geometria e álgebra? Explique; são as molas propulsoras das aulas que se seguem. Há inquietação nas aulas. Há conflitos. Há dúvidas. Há incertezas. Há um inesperado encontro com uma álgebra que foge, num primeiro momento aos números e as letras.
A partir do primeiro contato com o pensar sobre a totalidade do pensamento científico e de sua relação com a Matemática e os conceitos algébricos, a maioria dos professores começam a “filosofar” sobre suas próprias vidas, individualmente e coletivamente; sobre a vida profissional e estudantil. Começam a perceber que a fragmentação tem uma relação direta com o medo da fluência, do movimento, uma vez que não gostamos muito da flexibilidade. Preferimos “congelar” a realidade e de alguma forma tentamos absolutizá-la para melhor dominá-la. A certeza começa a ser questionada. As verdades absolutas também. Inclusive as verdades matemáticas.
É nesse momento que entendemos que a atividade passa a ser formadora, no sentido de Moura (2001), uma vez que as atividades começam a atingir o subjetivo dos envolvidos. Aqui aprender álgebra não é uma tarefa.
Durante os encontros que se seguem, há professores que se emocionam ao compreender os conceitos algébricos. Há aqueles que tentam negar as definibilidades conceituais elaboradas pelo grupo questionando se, realmente pode haver mais de uma resposta para uma mesma questão. Aparecem, durante as discussões, nos pequenos grupos, as contradições individuais que se apresentam nas respostas das atividades. Há dificuldade em elaborar respostas coletivas para atividades de ensino que foram pensadas individualmente. Aparecem contradições entre o que se pensa e o que se quer pensar. Há contradições durante as discussões. Os inesperados, de que fala Caraça (1998) aparecem a todo instante.
Durante os encontros, pesquisadora e professores vão se formando. Percebemos que as atividades, a partir de premissas estabelecidas podem possuir mais de uma resposta. Começamos a entender na prática o que vem a ser verdade relativa. Começamos a compreender o que vem a ser a mutabilidade e a flexibilidade das coisas. A flexibilidade no pensar a realidade da sala de aula, surge de forma tímida. Surge uma nova forma de pensar a aula de Matemática a partir dos inesperados das respostas.
Os conteúdos presentes nas atividades propostas proporcionam ricos momentos de reflexões. Os professores começam a questionar, já nas primeiras aulas tanto a formação matemática que tiveram quanto a formação matemática que vão proporcionar a seus alunos. Incomodam-se com o ensino que tiveram, porém, não sabem como fazer diferente. Alguns deles passam a ter medo da flexibilidade existente nas premissas. Lançam questões em seus diários e durante as discussões coletivas como as que se seguem:
1) Afinal de contas o que é conhecimento científico?
2) O que é Matemática?
3) Qual é a natureza da Matemática?
4) O que é ensinar Matemática?
5) Como ensinar matemática daqui pra frente?
6) Se a minha história escolar fosse diferente, se eu tivesse entendido a Matemática ao invés de decorar regras, a minha vida hoje seria diferente?
7) Até que ponto o pensamento dos alunos é metafísico?
8) Durante a aula fiquei me questionando porque há tanta aversão à matemática, se os pensadores matemáticos da antiguidade eram respeitados e admirados?
9) Antes estes conceitos eram decorados: se o 1 é ímpar, o 2 tem que ser par. É um conceito tão simples que eu me pergunto também porque eu não vi isto antes?
10) O que as premissas têm a ver com a matemática?
11) Como aprender matemática a partir das premissas?
12) Como aprender matemática através de questões que podem ter diferentes formas de representar a resposta?
13) Será que essa maneira de ver a matemática não vai nos causar mais confusão?

Essas questões nortearam o curso. Algumas vão sendo respondidas, ao mesmo tempo em que surgem novas questões. Durante os encontros, ao pensar sobre as atividades de ensino propostas, pesquisadora e professores começam a perceber que as atividades de ensino não se limitam aos conteúdos matemáticos.
Vamos percebendo que é possível refletir sobre a vida, a partir de reflexões sobre os nexos conceituais da álgebra. Entendemos que vamos nos formando enquanto profissionais na medida em que analisamos nossas próprias elaborações que vão sendo feitas durante os encontros, tanto na sala de aula como nos momentos em que estamos sozinhos escrevendo nossos diários.
É nesse ir e vir, nessa cumplicidade entre professores e alunos na busca das verdades que há o surgimento do que denominamos de pensamento flexível .
O pensamento flexível contém o lógico-histórico do movimento do pensamento na busca incansável da verdade. Contém conceito, juízo e dedução. Contém a dúvida, a hesitação, a incerteza e o dilema. Não é tão organizado formalmente quanto o pensamento teórico nem tão sensorial quanto o pensamento empírico-discursivo, por isso, se constitui elo de ligação entre ambos. Abrange a totalidade do conceito porque permite-nos (re)conceituar e usar o conceito para interpretar a realidade.
Tal pensamento permite-nos o domínio dos nexos do conceito. Há vários níveis de flexibilidade nesse tipo de pensamento. A partir desse pensamento, por exemplo, enquanto pesquisadora, pudemos elaborar teoricamente os conceitos de atividade de pesquisa, nexos conceituais e lógico-histórico, numa perspectiva didática para a álgebra, bem como (re)definir o conceito de pensamento flexível estudado por David & Lopes (1998).
As atitudes presentes no pensamento flexível são:
a) Reconhecimento da verdade como sendo relativa e não absoluta;
b) Capacidade de tolerar ambigüidades e inquietude;
c) Capacidade de elaborar nossas próprias respostas, independentemente de nossos pares; destituição do medo de se expor;
d) Aceitação de que as verdades relativas podem ser reelaboradas a qualquer momento, de forma individual ou coletiva;
e) Capacidade de elaborar respostas a diversas questões que contenham a interdependência e a fluência, características essenciais do movimento do pensamento.
O pensamento flexível se apresenta durante a resolução de atividades de ensino. As características desse pensamento surgiram da análise das informações que construímos durante todo esse tempo. As elaborações foram sendo construídas a partir do momento em que professores e pesquisadora se debruçaram sobre o estudo do lógico-histórico do pensamento algébrico. Quando aceitaram o desafio de pensar sobre os nexos conceituais da álgebra simbólica: fluência, campo de variação e variável. A partir das discussões e análises que fizemos pudemos criar uma primeira definição mais geral para o que vem a ser nexo conceitual.
O nexo conceitual é o elo de ligação entre as formas de pensar o conceito que não coincidem, necessariamente, com as diferentes linguagens do conceito. A conexão entre os nexos conceituais da álgebra: fluência, campo de variação e variável formam o conceito de álgebra. No caso da álgebra simbólica os nexos conceituais não precisam coincidir com as linguagens retórica, sincopada, geométrica e simbólica. Mesmo porque a linguagem é o momento estático do pensamento enquanto que as formas de pensamento se sobrepõem ao pensamento. Não há como fazer categorias do pensamento da mesma forma que categorizamos a linguagem. A linguagem alimenta o pensamento. Os nexos conceituais alimentam as premissas. As premissas alimentam o conhecimento científico.
Podemos citar como exemplo a atividade de ensino que discutimos com os professores e que tem por objetivo a análise do que vem a ser movimento numérico. Ao nos perguntarmos sobre: “quantas pessoas cabem em um carro?” percebemos que a ação prática induz à linguagem numérica, porém, ao propormos outras questões aos estudantes, como as que envolvem as naturezas, a fluência, a variável e campo de variação de forma que estas possam mostrar a relatividade do conhecimento, da vida, temos como mote dessas atividades a análise da realidade de outra forma.
Percebemos que nem sempre é possível apresentar a resposta a uma questão de forma extremamente numérica. Há parâmetros a considerar. Ao analisarmos as naturezas, percebemos que o lugar destas no pensamento está isento da linguagem. As naturezas não possuem linguagem formal, seja ela retórica, sincopada ou geométrica.
Concordamos com Kopnin (1978: 197) quando este afirma que conceito, juízo e dedução estão presentes no lógico-histórico de todo e qualquer pensamento, incluindo-se aqueles que vão nos auxiliar a compreender o pensamento algébrico. Estão isentos de linguagem.
O lógico-histórico da álgebra quando se apresenta na sala de aula pode ser considerado perspectiva didática da álgebra por constituir-se atividade formadora para professores e alunos. Por permitir que os envolvidos, a partir de inesperados criem suas próprias definibilidades dos conceitos que estão sendo estudados. Por permitir o pensar sobre a realidade a partir dos conteúdos da álgebra simbólica.
As atividades de ensino que têm a perspectiva lógico-histórica estão nos formando. São atividades formadoras para professores, alunos e pesquisadora. São atividades de pesquisa.

BIBLIOGRAFIA
BOHN, D. - A totalidade e a ordem implicada. São Paulo/SP, 12a. edição, Cultrix, 1980
CARAÇA, B. J. Conceitos fundamentais da Matemática. Portugal - Gradiva, 2a. edição, 1998
DAVYDOV, V.V. - Tipos de generalización en la enseñanza. Editorial Pueblo y Educación, Ciudad de La Havana, 2a. Reimpresión, 1982
HOFMANN, J. E. - Historia de la matemática. Traducción al español por Vicente Valls y Angles y Gonzalo Fernández Tomaz. 1ª. Edición en español, Talleres Gráficos Toledo S.A., I. Ciencias Matemáticas, U.T.E.H.A., México, 1961
KARLSON, P. - A Magia dos Números: a matemática ao alcance de todos. Coleção Tapete Mágico XXXI, Editora Globo, 1961
KLEIN, J. Greek mathematical trought and the origin of álgebra. Translated by Eva Brann. The M.I.T. Press, Massachusetts Institute of Technology Cambrigde, Massachussetts, and London, England, 1968
KOPNIN, P. V. A dialética como lógica e teoria do conhecimento. Coleção Perspectivas do homem. Editora Civilização Brasileira S.A., Rio de Janeiro/RJ, Volume 123, 1978
KOSIK, K. - Dialética do concreto. Rio de Janeiro/RJ. Editora Paz e Terra, 7a. Edição, 2002
LIMA, L. & MOISÉS, R. P. - A variável: escrevendo o movimento. A linguagem Algébrica 1. São Paulo/SP, CEVEC/CIARTE, edições de 1993; 1997 e 2000
MOURA, M.O. - A atividade de ensino como ação formadora in Ensinar a ensinar. São Paulo, Pioneira Thmson Learning, 2001
PIAGET, J. & GARCÍA, R. - Psicogénesis e historia de la ciencia. Siglo Veintiuno editores, Colombia, 2ª. Edición, 1984
SMITH, D.E.- History of mathematics. Vol I, New York, Dover, 1958

 

 
Voltar