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EDUCAÇÃO
CONCEITUAL E EDUCAÇÃO ALGÉBRICA NAS SÉRIES INICIAIS
Anna Regina Lanner de Moura
Maria do Carmo de Sousa
RESUMO
Este texto tem por objetivo discutir a pesquisa realizada sobre o desenvolvimento
do pensamento algébrico de alunos do Curso de Pedagogia, da Faculdade
de Educação, UNICAMP/SP, com base nos pressupostos da Educação
Conceitual. Esta considera a realidade como um contínuo não
fragmentado, em permanente transformação. A álgebra
é uma linguagem representativa desse pensamento sobre a realidade.
O enfoque de investigação consistiu na análise das
elaborações dos alunos, ao vivenciar e elaborar atividades
de ensino, fundamentadas no aspecto lógico-histórico do
conhecimento (KOPNIN,1978) e definido para o ensino por DAVYDOV (1982)
como sendo a elaboração das conexões conceituais.
Definimos como conexões internas os conceitos de: variação
quantitativa do cotidiano, variável, campo de variação,
características de enumeração e densidade dos conjuntos
numéricos. Estudou-se cada conexão na sua formação
de linguagem com referência nas classes de desenvolvimento da álgebra:
retórica, sincopada e simbólica (SMITH,1958; BOYER,1974;
EVES,1997; RÍBNIKOV, 1987; STRUIK, 1989) e geométrica. Trata-se
de pesquisa qualitativa com análise interpretativa de: diários
dos alunos, atividades e mapas conceituais dos textos teóricos
propostos em aula, projetos de ensino elaborados e aplicados pelos alunos.
Como resultado da pesquisa conjecturou-se que o aluno, desenvolve o pensamento
flexível sobre a álgebra e a visão da mutabilidade
da realidade.
APRESENTANDO A PESQUISA
A pesquisa intitulada: “O ensino de álgebra
numa perspectiva lógico-histórica: um estudo das elaborações
correlatas de professores do Ensino Fundamental” foi desenvolvida
na Faculdade de Educação da UNICAMP/SP, no período
de 2000 a 2004.
A totalidade da pesquisa contém, a partir de estudos de caso, a
singularidade e a particularidade das vozes de Ana Cristina , Andressa,
Mudança e SN1, bem como, algumas das elaborações
feitas tanto individualmente como pelos grupos formados com os dezoito
alunos matriculados na disciplina eletiva “Tópicos Especiais
em Didática ”.
Participamos da disciplina em todos os momentos, desde a elaboração
da ementa até a orientação dos Projetos elaborados
e desenvolvidos pelos grupos formados pelos participantes. Assim, neste
estudo, em determinados momentos focamos a singularidade e a particularidade
das pessoas, em outros, as sínteses elaboradas pelos grupos enquanto
vivenciavam e analisavam as atividades de ensino propostas.
Fizemos essa opção porque as elaborações feitas
em sala de aula contêm o singular e o particular de cada uma das
pessoas que compõem uma sala de aula.
Assim, temos uma estrutura triádica de participantes desse estudo
formada pela totalidade da classe - pequenos grupos - sujeitos particulares.
Essa estrutura lógica condiz com o histórico da dinâmica
das aulas, pois durante a maioria dos encontros analisamos e vivenciamos
atividades de ensino de álgebra a partir da dinâmica indivíduo-grupo-classe
considerando o lógico e o histórico como formas de pensamento
estudadas por Kopnin (1978).
O lógico-histórico se constitui o conceito central desse
estudo, assumindo três dimensões: forma de pensamento, forma
de pensamento algébrico e em atividades de ensino.
A relação entre o lógico e o histórico apresenta-se
enquanto unidade dialética lógico-histórico, do desenvolvimento
do conceito que estuda as conexões internas deste e não
apenas de seu formalismo. No que diz respeito ao pensamento algébrico,
as conexões internas do conceito de álgebra são os
conceitos de: variação quantitativa, que se apresenta no
movimento do cotidiano, variável, formalização de
campo de variação, enumeração e densidade
dos conjuntos numéricos presentes nas álgebras não
simbólica e simbólica.
Apenas uma pergunta...
A questão propriamente dita e o objeto de análise da pesquisa
começaram a ser construídos formalmente, ou seja, cientificamente,
à medida que começamos a observar alunos e professores em
formação, nos cursos de graduação, tanto na
formação inicial como na formação continuada,
a partir de 2000.
Nossa experiência enquanto formadora de professores, em cursos de
licenciatura e de formação continuada mostra que o ensino
de álgebra atual propicia àquele que a aprende, repetição
de expressões formais sem significado e, por conseguinte, ausência
da criação. Embora os licenciandos e demais professores
o reconheçam como tal, denotam dificuldades em se desfazer dessa
concepção.
Ao analisar os primeiros dados que levantamos no início da pesquisa,
em 2000 e 2001, surgiram vários questionamentos que envolvem a
prática desses professores, tais como:
1) Por que os professores não conseguem se desprender dessa realidade,
uma vez que as reformas curriculares de 1988 e os atuais Parâmetros
Curriculares propõem mudanças consideradas significativas
pelos teóricos no ensino de matemática?
2) Por que, ainda hoje, a exemplo dos anos 60-70, os cursos de licenciatura
em matemática priorizam um currículo de álgebra tão
fragmentado, dissociado da aritmética e dos conceitos geométricos?
Tanto a reforma curricular do Movimento Matemática Moderna dos
anos 60-70, como a Proposta Curricular de 1988 e os atuais Parâmetros
Curriculares foram elaborados sem a participação da maioria
dos que seriam nela envolvidos: os professores do Ensino Fundamental e
Médio.
A maioria das propostas curriculares, até o momento, é elaborada
“para” os professores e não “com” os professores,
fazendo com que os profissionais do ensino sejam apenas, em última
instância, “executores” de currículos que, de
tempos em tempos, chegam até as escolas através de livros
didáticos (Sousa, 1999).
O não envolvimento dos professores no processo de reformas curriculares
faz com que continuem seguindo modelos que tiveram, enquanto estudantes.
A maioria deles, ao ensinar os conteúdos algébricos, continua
priorizando, a exemplo dos anos 60-70, um ensino de álgebra que
não privilegia o entendimento de sua dinâmica histórica
e sim o entendimento de suas regras lógicas formais.
Não é sem motivo que sempre que podem, afirmam que o currículo
que ensinam foi feito por “eles”, dando-nos a impressão
de que executam apenas o que “eles” mandam (Sousa, 1999).
Dentre esses currículos que “eles” elaboraram, incluem-se
os atuais Parâmetros Curriculares distribuídos nas escolas,
pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC). Os PCNs
“indicam a ‘Resolução de Problemas’ como
ponto de partida da atividade matemática e discutem caminhos para
‘fazer matemática’ na sala de aula, destacando a importância
da História da Matemática e das Tecnologias da Comunicação”
(MEC/SEF, 1998: 16).
Ao elaborar os Parâmetros Curriculares, a equipe autora, subordinada
ao MEC, afirma que: “ainda hoje se nota, por exemplo, a insistência
no trabalho com a linguagem da Teoria dos Conjuntos nas séries
iniciais, a formalização precoce de conceitos, o predomínio
absoluto da álgebra nas séries finais e as poucas aplicações
práticas da matemática no Ensino Fundamental” (MEC/SEF,
1998: 21).
Entendendo que: “as propostas curriculares são ainda bastante
desconhecidas de parte considerável dos professores, que, por sua
vez, não têm uma clara visão dos problemas que motivaram
as reformas” (MEC/SEF, 1998: 21).
Os professores, em sua maioria, não conhecem as propostas. Ensinam
os conteúdos matemáticos a partir das concepções
que elaboraram enquanto se constituíam professores, na licenciatura
(Sousa, 1999).
Apesar dessa realidade, no final dos anos 90, a equipe autora dos Parâmetros
Curriculares, procurou evitar, a exemplo da Proposta Curricular de 1988,
do estado de São Paulo, fornecer uma lista de conteúdos
para que os professores executassem. Optou por indicar aos professores
“alguns caminhos para ‘fazer Matemática’ na sala
de aula” (MEC/SEF, 1998).
Mas de que forma os professores estão “fazendo” esses
caminhos? Como eles estão “construindo” os conceitos
de uma matemática que privilegie o desenvolvimento dos conceitos
matemáticos e não a mecanização e memorização
dos mesmos conceitos?
Até o momento, há muitos pesquisadores que se interessam
pelo ensino de álgebra, nos diversos níveis de ensino.
Podemos citar, por exemplo, os estudos de Kieran (1992); Souza & Diniz
(1996); Usiskin (1995); Araujo (1999); Fiorentini et al. (1993); Lins
& Gimenez (1997); Utsumi (2000), Ursini (1996-a, 1996-b), Salgado
(1995), Araujo (1999, mimeo), Paulovich (1998), Azarquiel (1993), Robayna
et al. (1996), Groenwald &, Filippsen (2002), Krutetsky (1977), Lanner
de Moura & Sacarlassari (2001-b), Lanner de Moura et al. (2001), Lanner
de Moura & Sousa (2000, 2001-a, 2002-a, 2002-b, 2002-c), Oliveira
(2002), Pérez (1996), Shulte & Coxford (1995), Socas et al.
(1996), Usiskin (1995).
Os estudos de Lanner de Moura & Scarlassari (2001) e Oliveira (2002),
a exemplo dos de Robayna et al. (1996), Salgado (1995) e Ursini (1996-a,
1996-b), comprovam, através dos erros cometidos pelos estudantes
do Ensino Fundamental, o não entendimento por parte dos estudantes
da atual abordagem da álgebra que se apresenta tanto nas propostas
curriculares como nos atuais livros didáticos e que prioriza o
formalismo do conceito.
Aqui no Brasil, ao tentar minimizar essas dificuldades, os atuais Parâmetros
Curriculares - PCNs que se guiam pelos documentos do National Council
of Teachers of Mathematic (NCTM), a exemplo de outros países que
têm como fio condutor a Resolução de Problemas indicam
aos professores do Ensino Fundamental que “o estudo da álgebra
constitui um espaço bastante significativo para que o aluno desenvolva
e exercite sua capacidade de abstração e generalização,
além de lhe possibilitar a aquisição de uma poderosa
ferramenta para resolver problemas” (MEC/SEF, 1998: 115).
Os autores dos PCNs sugerem ao professor que, ao abordar os conceitos
algébricos no Ensino Fundamental iniciem um trabalho que proporcione
aos estudantes realizarem experiências variadas a “partir
dos ciclos iniciais, de modo informal, em um trabalho articulado com a
aritmética”, de forma que os estudantes adquiram uma aprendizagem
de álgebra mais sólida e rica de significados.
A esse trabalho articulado com a aritmética dá-se o nome
de “pré-álgebra” (MEC/SEF, 1998). Defende-se
a idéia de que “é preciso começar mais cedo
o trabalho com álgebra, de modo que esta e a aritmética
desenvolvam-se juntas, uma implicada no desenvolvimento da outra”
(Lins & Gimenez, 1997:10), com o que concordamos.
Lima et al. (1998) chamam a atenção para o fato de que pensar
algebricamente significa pensar o número sem o numeral.
O pensamento algébrico deve considerar os nexos internos dos conceitos
de número: qualidade, quantidade, senso numérico, correspondência
um-a-um, ordenação, agrupamento, valor posicional, base
e representação, presentes no movimento do pensamento numérico
e não apenas os aspectos formais que se apresentam no conceito
mais geral do número que se formalizam nas propriedades dos campos
numéricos diversos.
O pensar algébrico, ao considerar o conceito mais geral do número
não pode estar apenas relacionado à presença física
e formal do número: o numeral.
Ao pensar o número sem o numeral, o estudante necessariamente tem
que conhecer o conceito de número.
O cerne do conceito de número não está na manipulação
do numeral e sim no entendimento de que o número contém,
por exemplo, os conceitos de senso numérico e correspondência,
bem como admite diversos campos que historicamente foram ampliados, a
partir de necessidades do dia-a-dia e da própria matemática,
apresentando naturezas bem distintas (Caraça, 1998).
Pensar algebricamente é pensar cientificamente. É a arte
que considera os objetos da álgebra: números absolutos e
grandezas que deverão ser medidas, porém, tais grandezas
desconhecidas, referem-se a qualquer coisa conhecida. É por isso
que podem ser determinadas.
A coisa conhecida pode ser uma quantidade ou uma relação
individualmente determinada. Ao analisarmos as condições
do problema, chegamos à coisa conhecida. Na arte de pensar algebricamente
se buscam relações que possam vincular as grandezas dadas
no problema com a incógnita (Ríbnikov, 1987).
Não basta elaborarmos uma série de atividades que contenham
o “número manual” (Lima et al,1998), ou seja, o numeral,
representação da idéia de quantidades, para que o
estudante possa elaborar generalizações em doses homeopáticas,
substituindo a presença física do número, o numeral,
pela presença física e ao mesmo tempo abstrata das diversas
letras do alfabeto que representam, simbolicamente, a idéia de
variável, em seus diversos aspectos.
Há de se considerar no pensamento algébrico os “nexos
internos e externos” (Davydov, 1982) do pensar aritmeticamente:
a idéia de número e o conceito fundamental do pensar algebricamente:
o movimento.
As discussões que, por ora, estamos fazendo, levaram-nos a refletir
sobre o ensino de matemática, com ênfase no movimento do
pensamento algébrico e na relação que professores
de matemática do Ensino Fundamental constroem com o conteúdo
concreto da álgebra, a partir da “ascensão do abstrato
ao concreto” ou ainda “do movimento que atua nos conceitos,
no elemento da abstração”; “movimento no pensamento
e do pensamento” (Kosik, 2002: 36) da álgebra.
Tais discussões consideram as relações que o pensamento
faz com os conceitos de álgebra não simbólica e a
álgebra simbólica, bem como os conceitos de fluência,
campo de variação e variável, nexos conceituais do
pensar algebricamente.
As discussões a que nos referimos podem ser feitas durante o desenvolvimento
de atividades de ensino em cursos de formação inicial e
continuada de professores. Propusemos estas discussões na sala
de aula, enquanto desenvolvíamos a pesquisa. Algumas questões,
ao longo da discussão do tema, auxiliaram-nos a construir a problemática
de nossa investigação:
1) De que forma a História da Álgebra pode contribuir com
a elaboração de atividades de ensino de álgebra pelo
professor?
2) Até que ponto os nexos conceituais da álgebra têm
relações com o desenvolvimento histórico do pensamento
algébrico? De quais relações estamos falando?
3) O que vem a ser pensamento algébrico? Como ele se manifesta
na sala de aula? Em que ele se diferencia dos pensamentos aritméticos
e geométricos?
Ao analisar o conceito de álgebra sob o ponto de vista: a) das
atuais propostas curriculares e livros didáticos; b) do desenvolvimento
dos nexos conceituais da álgebra com base na dinâmica histórica
do conceito e c) nos aspectos da linguagem na formação do
conceito de variável; propomos aos professores do Ensino Fundamental,
a construção do pensamento teórico da álgebra
com os estudantes, a partir da relação entre o lógico-histórico
no desenvolvimento científico, incluindo-se aí a matemática
e o pensamento algébrico.
Estudar os currículos dos programas escolares, de nível
médio, nos fez constatar que estes contêm o conteúdo
e as correntes fundamentais do desenvolvimento da matemática que
ocorreram nos diversos períodos, das diversas civilizações.
Revela-se aí, “a relação existente entre o
histórico e o lógico no desenvolvimento da matemática”.
Confirma-se, nessa relação, a tese “de que o lógico
na ciência é o histórico, porém só assimilado
e posto em certa ordem” (Ríbnikov, 1987: 107).
O lógico e o histórico na matemática são inseparáveis.
Para entendermos essa inseparabilidade, consideramos “o conhecimento
dos fatos fundamentais da História da Matemática e dos trabalhos
clássicos, a compreensão das leis do desenvolvimento das
ciências matemáticas e do caráter histórico
da correspondência entre as disciplinas matemáticas particulares”
(Ríbnikov, 1987: 18).
Há de se ressaltar que, a exemplo do que diz Ursini (1996-a), não
estamos defendendo a reprodução na sala de aula, de forma
linear, do desenvolvimento histórico da álgebra, como se
o estudante de álgebra aprendesse os conceitos algébricos,
simplesmente pelo fato de ter contato com a linearidade da história
da álgebra.
Não é isso que propomos neste estudo, mesmo porque, com
apoio em Ríbnikov (1987) e Aleksandrov et al. (1988) argumentamos
que a indissociabilidade entre o lógico e o histórico mostra
a inexistência da linearidade histórica.
O que há é o vir a ser. É o movimento do velho e
do novo se processando a todo o momento no conhecimento humano, onde velho
e novo não estão em oposição, gerando uma
nova qualidade de pensamento.
Velho e novo se completam, se complementam. O que há, nesse movimento
é a “interdependência e a fluência” (Caraça,
1998). Velho e novo auxiliam o homem a compreender o mundo, na medida
em que se propõe a humanizar-se pelo conhecimento.
A partir do momento em que estamos tentando nos humanizar pelo conhecimento
matemático, consideramos a relatividade das definições
geradas, de tempos em tempos.
As definições matemáticas feitas até hoje
não podem “ser consideradas como absolutamente rigorosas
ou definitivas”. O desenvolvimento dos conceitos matemáticos
continua na atualidade. Uma ciência que não está morta
e mumificada não é e nem pode ser de forma alguma, perfeita
(Aleksandrov et al, 1988: 78).
Nesse sentido, defendemos que os conceitos algébricos não
podem, de forma alguma, serem ensinados, pela informação
e repetição do aspecto formal dos conceitos, como se a álgebra
fosse algo pronto, acabado, morto, mumificado, portanto, imutável.
Como se a matemática fosse a ciência mais perfeita, não
passível de erros, por isso menos humana, por ser uma das mais
antigas. A matemática ainda não é. Está por
vir a ser. Por conseqüência, a álgebra também
está por vir a ser. Ainda não é. Aqui, a expressão
vir a ser tem a conotação de fluência, de movimento
no conhecimento humano.
Defendemos que os professores considerem, nas aulas de matemática,
o conceito de lógico-histórico da álgebra, cujos
elementos constitutivos discutidos por este estudo são: a) os nexos
conceituais presentes no desenvolvimento do pensar teoricamente a álgebra,
isto é: fluência, conceito de campo de variação,
desenvolvimento do conceito de variável e b) a álgebra não
simbólica: retórica, sincopada e geométrica que se
apresentou no movimento do pensamento teórico da álgebra
a partir do desenvolvimento lógico-histórico do pensar algébrico
das diversas civilizações em vistas de construir o pensamento
teórico da álgebra.
Os pressupostos da pesquisa consideram os conceitos de lógico-histórico;
nexos conceituais internos e externos; pensamento teórico; movimento;
abstratividade; concreticidade; fluência; realidade objetiva; nova
qualidade; singularidade; particularidade; variável; formação
de professores; ensino de álgebra; humanização pelo
conhecimento; álgebra não simbólica e álgebra
simbólica.
Estão presentes em diversos momentos da pesquisa. Na medida do
possível foram aprofundados. Auxiliaram-nos a responder o problema
de investigação da pesquisa: “Que relações
podem ser estabelecidas entre o conhecimento de professores e os conceitos
algébricos enquanto vivenciam e analisam atividades de ensino numa
perspectiva lógico-histórica da álgebra?”
A Metodologia da Pesquisa
Esta investigação é qualitativa e buscamos conferir
a ela as cinco características estudadas por Bogdan & Biklen
(1994):
1) A fonte direta dos dados é a sala de aula, nosso ambiente natural
de ensino e pesquisa;
2) A investigação procura descrever, a partir de “isolados”
(Caraça, 1998) as diversas elaborações feitas durante
a vivência e análise de atividades de ensino;
3) Nosso foco é o processo do pensar sobre e não simplesmente
os resultados ou produtos que se apresentam nas atividades de ensino estudadas;
4) A análise das informações foi elaborada na medida
em que as informações particulares e singulares foram lidas
e reelaboradas considerando-se como ponto de partida a totalidade das
informações construídas e as relações
entre elas, tal como um funil e não simplesmente juntando as partes
como em um quebra-cabeças e,
5) A partir das análises, demos significados didático-epistemológicos
às novas qualidades de pensamento decorrentes das diferentes elaborações
individuais e dos grupos construídas pelos participantes do estudo.
Esses significados se constituíram em uma categoria emergente de
análise, a qual denominamos de pensamento flexível .
A pesquisa tem caráter propositivo. Damos a ela a especificidade
de intervenção. A pesquisadora faz parte do grupo dos sujeitos,
assumindo a orientação dos estudos aí desenvolvidos.
A intervenção fica caracterizada, quando propomos à
classe um conjunto de atividades de ensino previamente elaboradas.
Consultamos duas fontes diferentes para a elaboração e construção
dos dados junto aos professores do Ensino Fundamental. A primeira fonte
diz respeito à álgebra escolar. A leitura dessa fonte implicou
em subsídios esclarecedores do contexto em que o professor do Ensino
Fundamental desenvolve sua prática pedagógica e o pensamento
algébrico de seus alunos, bem como o histórico do referencial
teórico responsável pelas novas discussões pedagógicas
e conseqüentemente o surgimento de propostas curriculares que apontam
para uma tendência do ensino da matemática pela Resolução
de Problemas. Aqui, os principais autores consultados foram: Lima &
Moisés (1997; 1998; 2000); Moisés (1999); Kieran (1992);
Souza & Diniz (1994); Usiskin (1995); Araujo (1999); Fiorentini &
Miorim & Miguel (1993); Lins & Gimenez (1997); Utsumi (2000) e
Robayna & Machìn & Medina & Domínguez (1996)
A segunda fonte de consulta está relacionada ao desenvolvimento
conceitual da álgebra e aos nexos conceituais desenvolvidos pelo
movimento do pensamento humano. Em se tratando do desenvolvimento conceitual
da álgebra, os principais autores consultados foram: Caraça
(1935; 1942; 1942-a; 1942-b; 1943; 1944; 1945; 1947; 1948; 1958; 1961;
1966; 1973-4; 1978; 1990; 1998; 1998-a), Eves (1997), Boyer (1997), Ríbnikov
(1987), Smith (1958), Struik (1987). Buscamos ainda Kopnin (1978); Bohm
(1980); Kosik (2002) e Davydov (1982) com o intuito de compreender os
nexos conceituais desenvolvidos pelo pensamento humano, enquanto este
se relaciona com a realidade.
Ao buscarmos estabelecer uma consonância teórica com esses
autores fizemos uma composição de atividades, tendo por
referência Lima & Moisés (1997; 1998; 2000). Demos a
essas mesmas atividades a conotação de atividades de pesquisa
por se tornarem o meio de construção das informações.
A Educação Conceitual (Lanner de Moura et al, 2003) define
a atividade como movimento de abstrair o resultado de ações,
antes mesmo de realizá-las, provocadas por necessidades reais,
advindas da interação do homem com o meio pela condição
de nele viver.
Assim, a atividade de ensino ou atividade de aprendizagem deve permitir
aos envolvidos no processo, aprender a pensar criando conceitos num movimento
semelhante ao da dinâmica da criação conceitual na
história do conceito.
A atividade será orientadora quando for capaz de definir os elementos
essenciais da ação educativa e respeitar as diversas dinâmicas
de interações que muitas vezes fogem ao controle do professor
(Moura, 2001).
A partir desses pressupostos, entendemos que a atividade será de
pesquisa, quando for capaz de definir os elementos constitutivos que permeiam
o pensar sobre as elaborações decorrentes da análise
das atividades orientadoras de ensino, feita pelos envolvidos, ou, ainda,
quando permitir a análise dos “inesperados” (Caraça,
1998), caso estes surjam durante o processo de formar-se pelo conhecimento
científico.
As atividades de ensino consideram: a) o desenvolvimento histórico
do conceito; b) os momentos dialéticos de sua formação
e c) a vivência na participação dos sujeitos da pesquisa,
vinculada a um processo reflexivo-ativo-explicativo, dimensionado pela
dinâmica relacional indivíduo-grupo-classe.
Preocupamo-nos em estudar atividades de ensino que tratam do conceito
de variável, a partir da álgebra não simbólica
e da álgebra simbólica.
Assim, nesta pesquisa não demos enfoque a atividades de ensino
que tratam dos conceitos de equação e inequação,
presentes na álgebra simbólica, e sim aquelas atividades
que, de forma geral, não são tratadas no Ensino Fundamental,
durante a iniciação algébrica de nossos estudantes.
As fontes das informações construídas durante o estudo
são as mesmas que determinaram as atividades de ensino: a) as três
dimensões da variável e b) a cultura matemática dos
professores.
Ao estudarmos as elaborações dos professores-alunos, definimo-las
como expressões orais e escritas processadas pelo movimento do
pensamento que se caracteriza pelo pensar sobre os conceitos algébricos,
objeto de estudo desta investigação.
A exemplo de Lanner de Moura (1995) e Prado (2000), que analisaram as
manifestações dos alunos enquanto vivenciavam atividades
de ensino com enfoque na Educação pelo conceito, analisamos
as expressões orais e escritas dos professores durante o estudo
e a vivência das atividades.
Nessas expressões, incluem-se os gestos, as falas mais eloqüentes,
os diálogos, os escritos manifestos no processo de estudar e vivenciar
as atividades de ensino de álgebra.
As atividades de ensino propostas para o estudo foram elaboradas por Lima
& Moisés (1997; 2000) e consideram os conceitos de:
1) Fluência;
2) Variável e campo de variação;
3) Álgebra não simbólica: retórica, sincopada
e geométrica e
4) Álgebra simbólica.
Para uma análise mais profunda das elaborações feitas
durante a disciplina “Tópicos Especiais em Didática”
tentamos perceber o movimento do pensamento dos professores, em todos
os encontros, a partir de quatro momentos bem distintos: a) questionário;
b) diário de campo; c) episódios ocorridos durante a aula
e d) Elaboração e aplicação de projetos de
ensino .
Educando o olhar...
Tínhamos consciência de que não poderíamos
analisar os quatro momentos da pesquisa: questionário, diários
de campo, aula propriamente dita e projetos desenvolvidos, em sua totalidade.
Como afirmam Caraça (1998), Kosik (2002) e Bohm (1980) temos dificuldades
em nos apropriar da totalidade da realidade em um só golpe de vista.
Não há mente humana capaz de compreender, ao mesmo tempo,
o todo da realidade. A realidade possui duas características fundamentais
e bem definidas: “a interdependência e a fluência”
(Caraça, 1998: 103). Faz-se necessário fazermos recortes,
“isolados” para melhor compreendermos a realidade não
nos esquecendo de que a realidade é uma totalidade.
Os isolados foram construídos a partir dos temas que foram discutidos
em sala de aula e as atividades de ensino foram escolhidas a partir do
momento em que lemos os diários e detectamos aquelas que permitiram
aos professores explicitar suas elaborações a partir dos
gestos, tons de voz, indignações, inesperados...
Assim foram escolhidas as atividades de ensino que permitiram a flexibilidade
do pensar sobre, o movimento do pensamento flexível. A análise
de cada isolado tem como referência a atividade de ensino que compõe
cada um dos temas estudados.
Identificar o lógico-histórico do movimento do pensamento
dos grupos e das quatro professoras de forma individual, a partir de anotações
feitas em diários de campo e elaborações feitas em
sala de aula, a partir dos textos, análise de atividades e projetos,
nos permitiram verificar que elaborações foram construídas
durante o desenvolvimento das atividades e quais delas permitiram aos
professores dar novas formas ao movimento de seus próprios pensamentos.
Ao mesmo tempo, as estagnações que se apresentarem são
indicadores de que não houve nenhum movimento novo no pensamento
algébrico.
Procuramos verificar, a partir das elaborações, até
onde o contato com um novo isolado provoca o surgimento do inesperado
no movimento do pensamento do professor.
Segundo Caraça (1998), todo inesperado leva ao surgimento de uma
nova qualidade de pensamento. Aqui a nova qualidade de pensamento está
diretamente relacionada ao pensamento flexível a que já
nos referimos anteriormente. Entendendo que o pensamento flexível
é o elo de ligação entre os pensamentos empírico-discursivo
e teórico.
Nossos isolados estão relacionados, conectados aos conceitos estudados
em sala de aula e têm a qualidade de serem conceituais.
Estamos denominando-os de:
1) Naturezas: universal, desconhecida e humana;
2) Fluência e permanência da realidade;
3) Variável e campo de variação;
4) Álgebra não simbólica: retórica, sincopada
e geométrica;
5) Álgebra simbólica.
Estes cinco isolados se configuram como categorias de análise.
Constituem-se por unidades didáticas que, por sua vez, contêm
diversas atividades de ensino.
Assim, nesta pesquisa, as informações construídas
juntamente com os professores, denominados de professores-alunos foram
consideradas da seguinte forma:
Participantes |
Isolados |
Unidade didática |
Atividades
de ensino |
Fontes |
Professores
do Ensino Fundamental |
I |
Naturezas
|
-
natureza humana;
-
natureza universal;
-
natureza desconhecida;
-
premissas;
-
questionário |
-
Aula:
a)
produção de mapas conceituais;
b)
análise de atividades (individual e coletiva);
c)elaboração
de projetos de ensino;
d)
auto-avaliação
-
Diário de campo
|
II |
Fluência
e permanência |
-
mundo fixo;
-
metafísica do dia-a-dia;
-
rompendo com o mundo estático;
-
criação da idéia de fluência;
|
III |
|
-
onde está o número?
-
o pensamento numérico metafísico;
-
entrando no mundo da variação |
IV |
Álgebra
não simbólica |
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variável palavra;
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desenhando a variação;
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variável figura;
-
sincopação de Diofanto |
V |
Álgebra
simbólica |
-
variável letra
-
linguagem matemática simbólica |
O LÓGICO-HISTÓRICO
DA ÁLGEBRA EM ATIVIDADES DE ENSINO
O conhecimento
da álgebra simbólica pressupõe o conhecimento da
sua história e desenvolvimento; mas deve-se estudar a história
da álgebra tendo-se certo conhecimento da essência, do processo
desta, enquanto movimento numérico, enquanto fluência da
vida, pois do contrário pode-se tomar por álgebra apenas
o aspecto literal, rígido e fixo do conceito de variável
em uma de suas formas que é a incógnita.
Hogben (1970), Karlson (1961) e Eves (1997) afirmam que, a essência,
o fundamental do pensamento de hoje é o conceito de função,
ou seja, o movimento do pensamento de hoje, se materializa na função.Tudo
é função. A função representa o próprio
movimento da vida. Representa muito da realidade objetiva, chegando muitas
vezes a se confundir com ela. Ao mesmo tempo em que não podemos
imaginar a realidade objetiva de hoje, sem o conceito de função,
não podemos pensar a função sem pensar sobre o conceito
de variável.
A variável é a essência da função. É
a própria fluência. O próprio movimento do pensamento.
É ela que permite ao pensamento alçar vôos desconhecidos,
inimagináveis, a partir do estudo de movimentos qualitativos, quer
estes movimentos sejam regulares ou irregulares, os quais se apresentam
em nosso universo. No conceito de função, a variável
assume o seu real sentido: a “variável realmente varia”
(Lima, 1997; Souza e Diniz, 1994).
Enquanto a função é a representante “natural”
do movimento da vida de hoje, nada mais contraditório a essa idéia,
é o que acontece na maioria de nossas escolas, no ensino de função.
Conseguimos nos formar professores e continuamos a formar nossos estudantes
sem entender que aprender função é entender, antes
de tudo, que a totalidade da realidade está em movimento.
Na realidade fluente tudo flui e tudo devém, inclusive o próprio
pensamento que a pensa. Entendemos que aprender função a
partir da análise dos movimentos da vida permite com que o estudante
se humanize pelo conhecimento porque terá oportunidade de pensar
matematicamente o mundo.
Ao analisar os movimentos da vida, estudantes e professores perceberão
que quando os movimentos são regulares podemos fazer previsões.
Percebemos a regularidade de movimentos quando tentamos apreendê-los
a partir dos numerais. Que, por sua vez, nos permitem criar fórmulas
gerais. É aí que está a mudança conceitual
feita por Viète em seu tempo. A criação da fórmula
permitiu a expansão do pensamento algébrico para as mais
diversas áreas do conhecimento (Hofmann, 1961; Piaget & Garcia,
1984; Klein, 1968), como por exemplo, a biologia, a química e a
física.
Quando ensinamos o conceito de função, tendo como ponto
de partida e de chegada apenas o aspecto lógico-formal do conceito,
embora nos utilizemos de representações gráficas
e nos esforcemos para encontrar problemas do cotidiano que representem
o conceito que queremos ensinar, na maioria das vezes, temos a sensação
de que nossos estudantes, não conseguem entender que a função
é que dá mobilidade ao pensamento matemático no sentido
de compreender a flexibilidade da realidade.
A impressão que temos é que, durante as aulas que ministramos,
nossos alunos entendem apenas o aspecto externo do conceito, ou seja,
os elementos perceptíveis do conceito (Davydov, 1982).
Para eles, ao resolver uma função, basta, apenas, substituir
de uma forma mecânica o “tradicional x” que se apresenta
nos problemas e, em seguida, fazer o gráfico. O pensar sobre o
movimento que esta representa e a relação desta com os conceitos
de domínio, imagem e contradomínio não faz parte
da aula, já que o gráfico da função fala por
si só.
Dessa forma, ao substituir o “tradicional x”, em uma f (x)
qualquer, por números, de forma mecânica, ficamos impossibilitados
de ver que a expressão f (x) é apenas uma representação
sintética do histórico de determinados movimentos regulares
onde a variável assume o seu real papel. Antes dessa expressão,
o pensar sobre uma variável, no caso específico, sobre o
“x”, só era possível a partir da retórica
que se manifestou na variável-palavra de civilizações
diversas e a partir do desenho, da figura geométrica a partir da
variável figura .
A representação desse “x” em uma função
qualquer de hoje, ao mesmo tempo em que aprisiona uma determinada quantidade
dá mobilidade a esta quantidade. Ou seja, com a expressão
“x”, estamos pensando o número sem estarmos vinculados
à sua representação pelo numeral. Porém, ao
substituirmos o “x” por um valor numérico, temos que
analisar em que campo de variação estamos atuando.
O campo de variação depende diretamente do movimento da
realidade de que está se tratando, ou seja, não há
uma resposta pronta e absoluta, embora boa parte dos movimentos da realidade
pareça ocorrer no campo dos números reais. Para cada movimento
da realidade, apreendido pelo movimento do pensamento, em sua regularidade,
o matemático tenta representá-lo através de uma função,
uma vez que, ainda não se conseguiu encontrar uma função
absoluta e única, capaz de conter todas as outras, de forma que
dê conta de descrever todo e qualquer movimento que se apresentar
na realidade objetiva ao pensamento.
Concordamos com Caraça (1998) quando afirma que, aprender álgebra
deveria implicar uma mudança da concepção polarizada
na permanência das coisas. Educar algebricamente seria proporcionar
ao aluno também a formação de uma visão de
transformação e de movimento contínuo da realidade
humana. Pensamos que, para que o professor do ensino fundamental possa
reconstruir e (re) criar o conceito de variável com seus alunos,
a partir de leituras da realidade em que vive, torna-se necessário
planejar atividades que tenham este processo como objetivo.
Em seus estudos, Lima & Moisés (1993; 1997; 1998; 2000), elaboram
atividades de ensino para as séries iniciais de forma que estas
permitam a estudantes e professores pensar sobre os conceitos algébricos
enquanto descrição de movimentos, movimentos que podem ser
regulares ou não.
Ao estudarmos as atividades de ensino propostas pelos autores, durante
a pesquisa, utilizamo-nos, enquanto metodologia das aulas, a dinâmica
relacional indivíduo-grupo-classe; bem como reflexões que
envolvem: a) análise sobre o conhecimento dos conceitos algébricos
que os professores têm, a partir de questionário; b) análise
e discussão de textos teóricos que tratam da História
da Ciência; da História da Matemática e da História
da Álgebra; c) elaboração de mapas conceituais referentes
aos textos teóricos sugeridos; d) escrita de diários; e)
elaboração e aplicação de projetos de ensino;
f) auto-avaliação. A avaliação foi contínua,
ocorrendo em todo o período do curso.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES E RESULTADOS DA PESQUISA
A partir da análise dos dados construídos podemos afirmar
que os professores do Ensino Fundamental têm seu primeiro inesperado
(Caraça, 1998) quando nas primeiras aulas pensam sobre a totalidade
presente nos movimentos da vida e sua relação com o conhecimento
científico.
Assustam-se quando descobrem que o conhecimento científico, dentre
eles o conhecimento matemático é elaborado a partir de premissas
e que as premissas são verdades relativas que podem ser questionadas
de tempos em tempos. As premissas representam os inesperados na humanidade.
Alimentam o conhecimento teórico. Representam “insights”
(Bohm, 1980) sobre a realidade. No caso dessa pesquisa, percebemos que
as primeiras aulas que discutem sobre a totalidade da vida e as premissas
presentes no conhecimento científico e a reflexão sobre
as questões: 1) Escreva o que você sabe sobre álgebra;
2) Como você se sentiu quando começou a estudar álgebra?;
3) Que aspectos da vida que você acha que a álgebra explica
e que o número não explica?; 4) Existe relação
entre número e geometria? Explique e, 5) Existe relação
entre número, geometria e álgebra? Explique; são
as molas propulsoras das aulas que se seguem. Há inquietação
nas aulas. Há conflitos. Há dúvidas. Há incertezas.
Há um inesperado encontro com uma álgebra que foge, num
primeiro momento aos números e as letras.
A partir do primeiro contato com o pensar sobre a totalidade do pensamento
científico e de sua relação com a Matemática
e os conceitos algébricos, a maioria dos professores começam
a “filosofar” sobre suas próprias vidas, individualmente
e coletivamente; sobre a vida profissional e estudantil. Começam
a perceber que a fragmentação tem uma relação
direta com o medo da fluência, do movimento, uma vez que não
gostamos muito da flexibilidade. Preferimos “congelar” a realidade
e de alguma forma tentamos absolutizá-la para melhor dominá-la.
A certeza começa a ser questionada. As verdades absolutas também.
Inclusive as verdades matemáticas.
É nesse momento que entendemos que a atividade passa a ser formadora,
no sentido de Moura (2001), uma vez que as atividades começam a
atingir o subjetivo dos envolvidos. Aqui aprender álgebra não
é uma tarefa.
Durante os encontros que se seguem, há professores que se emocionam
ao compreender os conceitos algébricos. Há aqueles que tentam
negar as definibilidades conceituais elaboradas pelo grupo questionando
se, realmente pode haver mais de uma resposta para uma mesma questão.
Aparecem, durante as discussões, nos pequenos grupos, as contradições
individuais que se apresentam nas respostas das atividades. Há
dificuldade em elaborar respostas coletivas para atividades de ensino
que foram pensadas individualmente. Aparecem contradições
entre o que se pensa e o que se quer pensar. Há contradições
durante as discussões. Os inesperados, de que fala Caraça
(1998) aparecem a todo instante.
Durante os encontros, pesquisadora e professores vão se formando.
Percebemos que as atividades, a partir de premissas estabelecidas podem
possuir mais de uma resposta. Começamos a entender na prática
o que vem a ser verdade relativa. Começamos a compreender o que
vem a ser a mutabilidade e a flexibilidade das coisas. A flexibilidade
no pensar a realidade da sala de aula, surge de forma tímida. Surge
uma nova forma de pensar a aula de Matemática a partir dos inesperados
das respostas.
Os conteúdos presentes nas atividades propostas proporcionam ricos
momentos de reflexões. Os professores começam a questionar,
já nas primeiras aulas tanto a formação matemática
que tiveram quanto a formação matemática que vão
proporcionar a seus alunos. Incomodam-se com o ensino que tiveram, porém,
não sabem como fazer diferente. Alguns deles passam a ter medo
da flexibilidade existente nas premissas. Lançam questões
em seus diários e durante as discussões coletivas como as
que se seguem:
1) Afinal de contas o que é conhecimento científico?
2) O que é Matemática?
3) Qual é a natureza da Matemática?
4) O que é ensinar Matemática?
5) Como ensinar matemática daqui pra frente?
6) Se a minha história escolar fosse diferente, se eu tivesse entendido
a Matemática ao invés de decorar regras, a minha vida hoje
seria diferente?
7) Até que ponto o pensamento dos alunos é metafísico?
8) Durante a aula fiquei me questionando porque há tanta aversão
à matemática, se os pensadores matemáticos da antiguidade
eram respeitados e admirados?
9) Antes estes conceitos eram decorados: se o 1 é ímpar,
o 2 tem que ser par. É um conceito tão simples que eu me
pergunto também porque eu não vi isto antes?
10) O que as premissas têm a ver com a matemática?
11) Como aprender matemática a partir das premissas?
12) Como aprender matemática através de questões
que podem ter diferentes formas de representar a resposta?
13) Será que essa maneira de ver a matemática não
vai nos causar mais confusão?
Essas questões
nortearam o curso. Algumas vão sendo respondidas, ao mesmo tempo
em que surgem novas questões. Durante os encontros, ao pensar sobre
as atividades de ensino propostas, pesquisadora e professores começam
a perceber que as atividades de ensino não se limitam aos conteúdos
matemáticos.
Vamos percebendo que é possível refletir sobre a vida, a
partir de reflexões sobre os nexos conceituais da álgebra.
Entendemos que vamos nos formando enquanto profissionais na medida em
que analisamos nossas próprias elaborações que vão
sendo feitas durante os encontros, tanto na sala de aula como nos momentos
em que estamos sozinhos escrevendo nossos diários.
É nesse ir e vir, nessa cumplicidade entre professores e alunos
na busca das verdades que há o surgimento do que denominamos de
pensamento flexível .
O pensamento flexível contém o lógico-histórico
do movimento do pensamento na busca incansável da verdade. Contém
conceito, juízo e dedução. Contém a dúvida,
a hesitação, a incerteza e o dilema. Não é
tão organizado formalmente quanto o pensamento teórico nem
tão sensorial quanto o pensamento empírico-discursivo, por
isso, se constitui elo de ligação entre ambos. Abrange a
totalidade do conceito porque permite-nos (re)conceituar e usar o conceito
para interpretar a realidade.
Tal pensamento permite-nos o domínio dos nexos do conceito. Há
vários níveis de flexibilidade nesse tipo de pensamento.
A partir desse pensamento, por exemplo, enquanto pesquisadora, pudemos
elaborar teoricamente os conceitos de atividade de pesquisa, nexos conceituais
e lógico-histórico, numa perspectiva didática para
a álgebra, bem como (re)definir o conceito de pensamento flexível
estudado por David & Lopes (1998).
As atitudes presentes no pensamento flexível são:
a) Reconhecimento da verdade como sendo relativa e não absoluta;
b) Capacidade de tolerar ambigüidades e inquietude;
c) Capacidade de elaborar nossas próprias respostas, independentemente
de nossos pares; destituição do medo de se expor;
d) Aceitação de que as verdades relativas podem ser reelaboradas
a qualquer momento, de forma individual ou coletiva;
e) Capacidade de elaborar respostas a diversas questões que contenham
a interdependência e a fluência, características essenciais
do movimento do pensamento.
O pensamento flexível se apresenta durante a resolução
de atividades de ensino. As características desse pensamento surgiram
da análise das informações que construímos
durante todo esse tempo. As elaborações foram sendo construídas
a partir do momento em que professores e pesquisadora se debruçaram
sobre o estudo do lógico-histórico do pensamento algébrico.
Quando aceitaram o desafio de pensar sobre os nexos conceituais da álgebra
simbólica: fluência, campo de variação e variável.
A partir das discussões e análises que fizemos pudemos criar
uma primeira definição mais geral para o que vem a ser nexo
conceitual.
O nexo conceitual é o elo de ligação entre as formas
de pensar o conceito que não coincidem, necessariamente, com as
diferentes linguagens do conceito. A conexão entre os nexos conceituais
da álgebra: fluência, campo de variação e variável
formam o conceito de álgebra. No caso da álgebra simbólica
os nexos conceituais não precisam coincidir com as linguagens retórica,
sincopada, geométrica e simbólica. Mesmo porque a linguagem
é o momento estático do pensamento enquanto que as formas
de pensamento se sobrepõem ao pensamento. Não há
como fazer categorias do pensamento da mesma forma que categorizamos a
linguagem. A linguagem alimenta o pensamento. Os nexos conceituais alimentam
as premissas. As premissas alimentam o conhecimento científico.
Podemos citar como exemplo a atividade de ensino que discutimos com os
professores e que tem por objetivo a análise do que vem a ser movimento
numérico. Ao nos perguntarmos sobre: “quantas pessoas cabem
em um carro?” percebemos que a ação prática
induz à linguagem numérica, porém, ao propormos outras
questões aos estudantes, como as que envolvem as naturezas, a fluência,
a variável e campo de variação de forma que estas
possam mostrar a relatividade do conhecimento, da vida, temos como mote
dessas atividades a análise da realidade de outra forma.
Percebemos que nem sempre é possível apresentar a resposta
a uma questão de forma extremamente numérica. Há
parâmetros a considerar. Ao analisarmos as naturezas, percebemos
que o lugar destas no pensamento está isento da linguagem. As naturezas
não possuem linguagem formal, seja ela retórica, sincopada
ou geométrica.
Concordamos com Kopnin (1978: 197) quando este afirma que conceito, juízo
e dedução estão presentes no lógico-histórico
de todo e qualquer pensamento, incluindo-se aqueles que vão nos
auxiliar a compreender o pensamento algébrico. Estão isentos
de linguagem.
O lógico-histórico da álgebra quando se apresenta
na sala de aula pode ser considerado perspectiva didática da álgebra
por constituir-se atividade formadora para professores e alunos. Por permitir
que os envolvidos, a partir de inesperados criem suas próprias
definibilidades dos conceitos que estão sendo estudados. Por permitir
o pensar sobre a realidade a partir dos conteúdos da álgebra
simbólica.
As atividades de ensino que têm a perspectiva lógico-histórica
estão nos formando. São atividades formadoras para professores,
alunos e pesquisadora. São atividades de pesquisa.
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