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ASPECTOS
DA EDUCAÇÃO ESPECIAL NO BRASIL: ALFABETIZAÇÃO
DE SURDOS (UM JEITO DE APRENDER DIFERENTE, MAS COM AUTONOMIA)
Rosana Aparecida Castro de Souza - Centro Universitário
de São Paulo – Americana
INTRODUÇÃO
Meus estudos e pesquisas têm-se voltado para a alfabetização
como processo de aprendizagem e autonomia (elaboração e
organização do pensamento) no surdo, respeitando as “diferenças
de cada um”, enquanto seres humanos que somos e totalmente únicos.
Tendo realizado pesquisas e trabalhando na área há mais
de doze anos, posso observar que esse processo é complexo, requerendo
do educador uma postura dinâmica, clara, adequada, que os motive
para que haja o processo de ensino-aprendizagem, através da interação
social, a qual proporciona momentos que expressam de forma significativa
os fatos ocorridos. Essa interação é o diferencial
para que o processo se efetive.
Quanto ao título faz-se necessário justificar que o "jeito
de aprender diferente" é pelo fato do acesso ao aprendizado
ser via visual, enquanto que nos ouvintes dá-se através
do canal auditivo/visual e, com autonomia por intermédio da sua
alfabetização (a leitura e a escrita) que esses irão
se comunicar e interagir no mundo dos ouvintes uma vez que a sua "fala"
é gestual.
DESENVOLVIMENTO E REFLEXÕES FINAIS SOBRE O TRABALHO
O objetivo a que me propus, foi o de refletir e discutir
esse aprendizado com alunos surdos e a sua interação com
o meio social (sua autonomia de vida). E pelo que pude observar, participar
e inferir com esses alunos da instituição onde trabalho,
é que eles possuem bom desenvolvimento cognitivo, social e afetivo,
em virtude da metodologia usada ser diferenciada (por ser uma escola especial),
proporcionando um ambiente estimulador e facilitador da aprendizagem.
Assim, o lúdico (jogos, filmes, desenhos, fotos, gravuras, computador...),
a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) e a escrita, foram a base
desse aprendizado. Essa foi a ponte de comunicação entre
a pesquisadora (educadora) e os alunos, pois, através dessa língua
(LIBRAS), eles interiorizam os conceitos com maior facilidade e entendimento,
utilizando para isso o livro “Comunicando com as Mãos”
com função de gramática e dicionário, baseando-me
na Comunicação Total e com o apoio do referencial teórico
da abordagem histórico-cultural.
GESUELI (1988,p.3) afirma que:
é
importante considerar que a própria criança ouvinte utiliza
gestos desde cedo para se comunicar e que o uso de gestos não termina
com a infância. Nós, adultos, continuamos a utilizá-los
na comunicação de forma marcante e significativa. Se o gesto
está presente no mundo do ouvinte, muito mais estará no
mundo do não ouvinte. Portanto, proibi-lo e recusá-lo seria
não aceitar a interação com o não ouvinte,
ou até mesmo, não aceitar a própria criança.
Para mim não bastava ver o surdo somente copiando, era de suma
importância o valor da interiorização de conceitos
para sua vida diária, sua autonomia de escolhas, para poder comunicar-se
com os outros, para poder relacionar-se com o mundo dos ouvintes de maneira
que esses ouvintes os respeitem, aceitando suas “diferenças”
na linguagem, mas não tachando essa de “deficiente”.
Por isso a ênfase na escolha da LIBRAS e da escrita como forma de
comunicação entre as partes (surdos-ouvintes) para efetivar
a alfabetização e sua inclusão social.
A justificativa desse trabalho está no fator sócio-educacional,
pois a discriminação não é só com os
deficientes, seu âmbito é muito maior. “Eles estão
inclusos numa sociedade que marginaliza muitos grupos, por exemplo, os
negros, as prostitutas, os pobres, os meninos de rua, os homossexuais,
e outros” como demonstra SOUZA (1992, p.4). E também, pela
falta de uma formação adequada, falta de profissionais competentes
para trabalharem com a educação do surdo, a qual não
é um problema só da educação especial, e sim,
de todo um contexto educacional brasileiro. Não é só
ao surdo que é negado estudo adequado, mercado de trabalho, remuneração
digna, direitos e outros benefícios, mas a todos nós.
Portanto, eles estão inseridos nesse contexto educacional, social,
político, econômico maior, nessa sociedade organizada em
classes sociais, e onde predomina o poder de dominação;
produção (quantidade); de manipulação e que
são socialmente aceitos pelos “disfarces” de como,
por exemplo: escola para todos, direitos à cidadania, autonomia
de escolhas, conforme SOUZA (idem).
A partir do apresentado, passei a refletir como a escola especial, através
dos diversos profissionais e métodos, poderia contribuir para a
alfabetização de surdos com autonomia.
Procurei por outro lado, discernir qual a escolha de melhores caminhos
a serem percorridos, não esquecendo que isso se dá por meio
da linguagem, a qual é um dos meios sociais mais utilizados para
a interação com o mundo, seja ela oral, gestual ou escrita.
A minha opção teórica foi pela abordagem histórico-cultural,
em virtude dessa discutir a interação social como elemento
fundamental no processo de construção e evolução
do conhecimento. É na relação social que o homem
diariamente estabelece consigo e com o outro uma troca de conceitos, valores
e da própria luta pela sobrevivência. É nesse ambiente
social e historicamente organizado que o sujeito se insere e se constitui
enquanto tal, fazendo-me refletir sobre o desenvolvimento de crianças
deficientes, que não se apresentam diferente das crianças
normais e, que no meu ponto de vista, possuem suas especificidades, mas
não apresentam maiores dificuldades de que as crianças ouvintes.
É claro que há particularidades, dadas suas limitações,
mas no aspecto geral, os processos de desenvolvimento e aprendizagem e
vice-versa (aprendizagem e desenvolvimento), são semelhantes para
toda a espécie humana.
A pesquisa teve como sujeitos nove adolescentes surdos, tendo como causa
da surdez a rubéola, a consangüinidade entre pais, a prematuridade
e causas desconhecidas. A faixa etária é de 12 a 14 anos,
em uma sala de 3ª série do ensino fundamental numa escola
especial. O nível sócio-econômico é baixo e
de pouca escolaridade por parte dos familiares.
Durante esses anos de trabalho fui me “angustiando” com várias
questões, o que me levou a partir para a pesquisa e conseqüentemente
o mestrado. Não podia ficar alheia as várias indagações,
entre elas:
Ø Eles me entendem? O que pensam? Como organizam o que explico?
Ø Como é de fato o relacionamento familiar desses alunos?
Como seus pais conversam, explicam e expressam verdadeiramente seus sentimentos
se não sabem a língua dos seus filhos?
Ø Como eles sonham? E o que sonham?
Ø Quais as suas aspirações para o futuro como qualquer
adolescente?
Ø Que autonomia de escolha eles têm frente à vida,
a partir de um processo escolar que supostamente deveria os levar a isso?
Com esses questionamentos e outros resolvi partir para pesquisar, sendo
que sou pedagoga e tenho uma sala de aula durante o ano letivo, a qual
me proporciona muitos dados significativos. Não posso deixar de
esclarecer aos leitores dessa que minhas emoções, indignações,
frustrações e realizações, estarão
implícitas no decorrer dos relatos dos fatos, pois faço
parte de todo o processo também. Essa pesquisa é participante,
ficará claro que os meus alunos estão aprendendo os significados
(conceitos) e o seu uso (porque e para que ler e escrever), para relacionarem-se
não só na escola, mas principalmente com a vida, o mundo,
o seu meio social.
A grande questão do meu trabalho foi à alfabetização
como processo de aprendizagem (elaboração e organização
do pensamento), com uso da LIBRAS para que houvesse interesse por parte
dos alunos com relação a leitura e escrita. Para isso era
necessário além do interesse, um ambiente que estimulasse
esse processo, pois, a escola não é um ambiente natural
do aprendizado da LIBRAS. Os alunos da escola não estavam inseridos
nessa língua e sim na dos ouvintes (a língua oral).
A interação com esse meio social (escola) tinha ao meu ver
papel primordial. Era e é, através dele e do professor,
que seria possível dar suporte aos alunos para aquisição
da sua língua, visto que seus familiares não sabem, e conseqüentemente,
não usam. E o seu “mundo social” (fora de casa) é
restrito, onde eles faziam “pouco ou quase nada” de uso da
sua língua. Restava então, a escola e nós (professores).
O contato com o Português passou a ser constante (input), posteriormente
a produção deles como já descrita no transcorrer
do trabalho (output) e como conseqüência desse processo o retorno
do aprendizado (feedback), com apoio na motivação, no interesse
do grupo através da filosofia utilizada: a Comunicação
Total, na abordagem histórico-cultural (sócio-interacionista),
dando embasamento teórico para pesquisa, com a utilização
de uma estratégia para que a aprendizagem se efetivasse: o livro
Comunicando com as Mãos, com duas funções estabelecidas
(de gramática-morfológico e de dicionário-ampliação
do vocabulário), sem esquecer a idade dos meus alunos (12 a 14
anos) para elaboração das atividades propostas, onde cada
uma delas pudesse proporcionar algo novo e a mais.
Minha participação sempre foi efetiva, com o objetivo de
oportunizar a eles a comunicação escrita, sem um caráter
“reprovativo ou punitivo”, e sim, de construção
coletiva para a análise das “interferências”
da LIBRAS na escrita do Português, para comparação
entre as duas línguas e melhor entendimento dos mesmos sobre elas.
A emoção permeia toda essa pesquisa, seja ela de “angústia,
medo, insegurança, alegria, dor” e muitas outras que você
leitor pode observar e sentir.
Meu trabalho de escrita com esse grupo durante esses dois anos foram trabalhosos,
porém gratificante. Ele partia do relato das ações
vivenciadas em casa, com amigos, namorados, fatos de televisão,
jornais, etc... Para depois se tornar tema gerador de pesquisa para fazer
a junção com os demais conteúdos curriculares; construindo
assim, a interdisciplinaridade entre os mesmos.
O meu papel foi de propiciar a eles a oportunidade de dar sentido e significado
as suas “leituras de mundo”, como forma de expressão
e comunicação. Interagi efetivamente com os meus alunos,
penso eu, facilitando assim, esse complexo processo de aprendizagem, que
é a L2 (Português).
Nesse caminho percorrido por nós, a leitura teve papel de “incentivadora”.
Ela era o “mistério a ser desvendado”, a ser compreendido,
com o uso da LIBRAS. Essa de forma globalizada, onde eles entendessem
o contexto dentro do texto (mesmo sem conhecer algumas palavras). O importante
era o todo, a mensagem do texto, a compreensão desse. E a compreensão
dessa leitura, nos levava a uma escrita, a princípio com medo (negada),
depois com frases, caminhando para pequenos textos, fazendo uso de desenhos
no lugar das palavras que não sabiam, para posteriormente uma reescrita
das mesmas.
Essa forma de trabalhar a escrita constituiu um “todo”, onde
as palavras se estruturavam em frases, com uma relação de
dependência significativa (a função, a mensagem),
formando a seqüência dos fatos, para que eles pudessem ter
clareza do processo de funcionamento do sistema convencional, a L2 (Português).
A partir do exposto, posso afirmar que todos nós memorizamos palavras,
e o surdo também, só que não é uma memorização
sem significado, é funcional, com o uso dessas em vários
contextos.
Cito, para melhor esclarecer a idéia de memorização,
o dicionário AURÉLIO que diz ser “a faculdade de reter
idéias, impressões, lembranças e conhecimentos adquiridos”.
Esses conhecimentos adquiridos, hoje, eles fazem uso deles com mais segurança
e constância, em comparação a anos atrás. Estão
conseguindo melhores resultados no processo de leitura e escrita, embora
ainda haja muito a ser percorrido por nós (eles e eu). É
um processo longo, estamos somente a caminho dele.
Minhas propostas de atividades que são muitas (algumas já
descritas), sempre tiveram como objetivo:
1. A leitura de mundo que tinham, e como poderiam ampliar;
2. A compreensão dos fatos dessas leituras;
3. A elaboração e organização dessas idéias
(pensamento);
4. E a autonomia que a escrita poderia ter na vida deles, como forma de
comunicação com os ouvintes e dando-lhes oportunidades infinitas
de se manifestarem como pessoas.
Para alcançar esses objetivos, corri atrás do conhecimento,
com muitas leituras, “tentativas frustradas”, cursos (os mais
diversos), para entender esse mundo diferente do meu, “o mundo do
silêncio”.
Aqui faço, um parêntese, com a citação de SOARES
(1999, p.3) por concordar com ela nesse aspecto: “ a surdez não
se constitui em fator de impedimento para a aquisição do
conhecimento escolar e que o currículo pode ser o mesmo utilizado
na educação comum, exigindo somente adaptações”.
Essas adaptações são em relação à
língua, ou seja, só a LIBRAS proporciona o entendimento,
por ser a língua deles (a recepção – input)
e a produção (output) que é a escrita no Português
(L2). Portanto eles são bilíngües e têm que serem
respeitados e assumidos na educação como tal. A nós
cabe o discernimento e a aceitação do quão difícil
é esse aprendizado.
Conforme afirma QUADROS (1997, p.119), de “compreender como pensam
as pessoas que são diferentes de nós, mas isso é
absolutamente necessário aos profissionais que decidem trabalhar
com pessoas que não pertencem a sua comunidade lingüística
e sócio-cultural”. É essa compreensão e aceitação
que leva a aprendizagem, pois, estamos respeitando a individualidade,
a potencialidade de cada um e o seu tempo para aprender. Aqui faço
um parêntese, no como deve ser a atuação de um professor
(de escola especial ou não). Ele tem que respeitar o aluno enquanto
pessoa que é, buscar "formas" desse aluno aprender, trocar,
refletir e organizar suas idéias (concepções do que
estudou), para final-mente esse, utilizar o seu conhecimento de maneira
segura e tranqüila, sabendo onde estava e onde deve chegar.
Encerro esse trabalho com um pensamento de QUADROS (1997, p.119) que é
filha de pais surdos, a qual tem a “vivência” desse
pensamento que para mim, enquanto pessoa e pedagoga, resume todos os meus
objetivos de pesquisa e vida:
A voz dos
surdos são as mãos e os corpos que pensam, sonham e expressam.
As línguas de sinais envolvem movimentos que podem parecer sem
sentido para muitos, mas que significam a possibilidade de organizar as
idéias, estruturar o pensamento e manifestar o significado da vida
para os surdos. Pensar sobre a surdez requer penetrar no “mundo
dos surdos” e “ouvir” as mãos que, com alguns
movimentos nos dizem o que fazer para tornar possível o contato
entre os mundos envolvidos, requer conhecer a “língua de
sinais”. Permita-se “ouvir” essas mãos, pois
somente assim será possível mostrar aos surdos como eles
podem “ouvir” o silêncio da palavra escrita.
É
nisso que reafirmo a minha credibilidade, no respeito ao ser humano “surdo”
e único, na sua língua, na sua autonomia como qualquer outro
cidadão com identidade própria e atuante numa sociedade
que não deveria discriminar, pois ele tem o direito a ocupar o
seu espaço nela e na escola (vide anexo6). Devemos repensar o papel
dessa e da inclusão. Vermos o que está por de trás
desse novo paradigma. Não é sermos “a favor ou contra”,
sem entender o contexto sócio-econômico-político.
É entendermos que, como educadores, não podemos ser “manipulados
historicamente” mais uma vez.
Fazendo minhas as palavras de SKLIAR (2001, p.19 - 20):
... a inclusão
é compreendida, simplesmente, como um processo que sirva à
socialização da alteridade deficiente – que é
suposta como excluída, separada, guetizada, etc – na escola
regular. É nesse sentido que freqüentemente acontece aquilo
que pode ser chamado de inclusão excludente ou de integração
social perversa, isto é, a ilusão de ser como os demais,
o parecer como os demais, o que resulta numa pressão etnocêntrica
de ter que ser forçosamente, como os demais e (...) é visto
na escola como mais importante a convivência com os colegas normais
do que a própria aquisição do conhecimento mínimo
necessário para sua possibilidade de inserção social
- finalizo essa dissertação com a certeza de ter proporcionado
uma mudança, mesmo que pequena.
O meu objetivo foi, principalmente, abrir novos horizontes para futuras
reflexões e conseqüentes pesquisas na área.
O tema é tal como um horizonte: não é algo acabado,
definitivo, mas é sim humanamente possível de ser buscado
e praticado.
Há mais alguém disposto a percorrer esse árduo caminho?!!
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