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PRODUÇÃO
DE CONHECIMENTO COM AS MÍDIAS: A UTILIZAÇÃO DOS DISPOSITIVOS
DE COMUNICAÇÃO E FORMAÇÃO
Mariana
Cristina de Almeida Vieira LANTEC-FE-Unicamp
Apresentamos
uma proposta teórico-prática para a discussão da
utilização de Tecnologias da Informação e
Comunicação no contexto escolar para a produção
de conhecimento por professores e alunos. Enfatizamos a produção
em vídeo e conteúdos de hipermídia, como plataforma
de comunicação e aprendizagem. Abordamos a construção
de conteúdo produzidos por professores e alunos com os dispositivos
midiáticos e não o puro conhecimento de produtos já
veiculados pela mídia de massa. A proposta tem como base teórica
os usos de dispostivos de comunicação e de formação,
que trabalha com a questão da comunicação, mediação
e midiatização, enfocando os aspectos sensório-motor
(perceptivo), semiocognitivo, tecno-relacional e tecno-social dos seus
usos.
A análise da importância das Tecnologias da Educação
e da Comunicação no contexto escolar já não
é mais nenhuma novidade nas referências teóricas no
campo da Educação. Elas integram diferentes perspectivas,
correntes, provoca debates acirrados quanto à devida importância
que a elas devem ser dadas. É objeto de contestação
para muitos; para outros provoca entusiasmos, como se fosse a chave para
tantos problemas que o sistema educacional, particularmente o brasileiro
possui. Estamos longe de analisar, neste texto, essas duas perspectivas
um tanto extremistas, porque esse quadro não vai mudar os contextos
no qual estão submetidos educadores e educandos dentro do processo
de ensino e aprendizagem. Apenas queremos apresentar um viés teórico-prático
dessas tecnologias, dentro da perspectiva de dispositivos para a aprendizagem.
O processo de ensino-aprendizagem é também um processo comunicativo.
Toda forma de comunicação, no caso professor-aluno possui
como base um sistema de representação, tendo a linguagem
verbal como a mais imediata, seguindo por outras que exercem a intermediação
entre os dois agentes da comunicação, usando representações
materiais e simbólicas (livros, imagens, impressos –mídias)
(Peraya, 2002; Wertsch, 1993).
Podemos dizer
que as Tecnologias da Informação e Comunicação,
ou simplesmente TIC’s são mídias pedagógicas.
São mídias porque comportam um sistema de representação
baseados em signos organizados em determinado gênero de texto, discurso
específicos e suportes materiais (Peraya 2002; Pino, s/d) que tem
como finalidade organizar, armazenar e transmitir o conteúdo da
comunicação com a finalidade educativa. Elas são
mais que artefatos técnicos, que instrumentos (considerados aqui
como a noção de instrumento que potencializa, favorece e
transforma a relação homem-mundo, tal como Vigotski, 2005
postula).
Para conceber
mídias pedagógicas entendemos a relação professor-aluno
como um processo de comunicação em que emissor-receptor
intercambiam sentidos e significados de sua realidade (ou não:
somente um é portador da mensagem que o outro recebe). Esse ato
comunicativo já envolve muitas questões para o campo, uma
vez que é portador de múltiplos sentidos e finalidades,
apesar de que não estamos reduzindo o processo de ensino-aprendizagem
somente na análise comunicacional, pois ela não pode dar
conta de todos os aspectos desta ação.
Dessa forma,
as mídias não somente informam o educando, como possibilita
formas de produção de conhecimento com elas.
Destacamos a diferença entre os termos informação
e conhecimento, muitas vezes confundidos na chamada Sociedade da Informação
ou do Conhecimento, como se os termos pudessem ser substituídos.
Informação é o ato de informar, de transmitir algo
com o objetivo de noticiar, avisar, fornecer dados. Mas isso não
significa que eu tenha uma informação que agregue algo novo
para nossos repertórios de conhecimento. Ela somente pode ser um
dado novo, ou um dado sobre algum assunto que nós não temos
a mínima noção do que signifique. Conhecimento é
a informação processada, refletida, analisada, internalizada,
reelaborada pelo sujeito, agregando algum sentido pessoal e significando
os sentidos socialmente aceitos. Ela é um salto qualitativo entre
o que se sabia e o que se sabe depois do processo de adquirir a informação
e reelabora-la.
A produção de sentidos pela ação e reflexão
do objeto de conhecimento só é possível fazendo com
que as pessoas se interajam, se transformem e transformem seu ambiente
e situações pessoais, profissionais (Moran 2002).
A crescente multiplicação das mídias no espaço
social torna mais pertinente a questão da interação
porque o ato de comunicar torna-se mais complexo e diferenciado. A atividade
humana fundamenta-se na interação com a realidade, precisando
de instrumentos para a ação (Vigotski, 1993). Assim, sa
interação social ocorre com a intenção de
se comunicar, muitas vezes utilizamos dispositivos técnicos para
isso. Esses dispositivos (mídias) carregam consigo significados
da realidade de um determinado discurso, necessário para o intercâmbio
das representações dos sujeitos. Desta forma, mais do que
afirmar que as mídias carregam significados, porções
da realidade, ela é uma tecnologia intelectual porque organiza
para o sujeito a realidade e fornece um instrumento para o pensamento
humano, porque possui modos de interação próprios
e potencializa capacidades cognitivas (Peraya, s/d; Pino, s/d).
Neste ínterim, a área da Pedagogia da Comunicação
nos fornece subsídios para a compreensão destas mídias,
suas linguagens e temas que já são muito presentes na vida
dos educandos, dentro do espaço educativo. De acordo com Belloni
(apud Penteado, 1998, p.26)
não se trata de substituir a palavra pela imagem, ou a ciência
pelo sentimento. Trata-se de integrar essas duas linguagens até
agora tão divergentes. Integrar essas duas instituições
até agora paralelas: a escola e as mídias
No contexto
social atual, na chamada Sociedade da Informação, a utilização
crítica dos recursos midiáticos na escola é ponto
chave. Não somente para uma educação para as mídias,
no sentido de procurar analisar e desconstruir os mecanismos de linguagem
das mídias a partir das informações recebidas por
elas, integrando-as na escola, mas também de utilizá-las
como instrumento pedagógico. (Férres, 1994).
Utilizar as mídias como instrumento pedagógico significa
ampliar a gama de instrumentos produzidos na sociedade, dentro da atividade
educativa. Elas não somente permitem a abertura dos instrumentos
cotidianos à escola –razão pequena para justificar
sua utilização, mas freqüentemente usada como chamariz
de um ensino mais moderno e lúdico (associação da
mídia como entretenimento)- como também dão margem
para a re-significação de seu próprio consumo: porque
e para quê assistimos televisão, lemos jornal, vamos ao cinema,
usamos o computador, navegamos na internet?
Usar as mídias no espaço escolar, significa principalmente
elaborar um plano de atividades pedagógicas (com objetivos definidos
pelos educadores) de acordo com as características específicas
das mídias escolhidas. Isso permite ampliar as linguagens e canais
para a aprendizagem e permitir a construção cognitiva de
conhecimentos, de modo contextualizado à realidade dos alunos,
passando pelo viés lúdico, emotivo, corporal, enfim, abrangendo
todas as formas de expressão humana que a escola, voltada fundamentalmente
à escrita, rejeitou. (Penteado, op. cit). Sob esse prisma, as mídias
no processo de ensino aprendizagem não somente permitem o trabalho
com a gama de linguagens existentes como também amplia a perspectiva
da produção de conhecimento sob diferentes linguagens e
formas de expressão.
Usar as mídias na atividade pedagógica quer dizer, segundo
Blandin (apud Belloni, 2001, 26)
Midiatizar, codificar as mensagens pedagógicas, traduzindo-as sob
diversas formas, segundo o meio técnico escolhido (por exemplo,
um documento impresso, um programa informático didático,
ou um videograma), respeitando as “regras da arte”, isto é,
as características e as peculiaridades de discurso do meio técnico.
Esta questão
corrobora a idéia já exposta dos instrumentos também
serem tecnologias cognitivas porque possuem particularidades não
somente em seu uso, mas principalmente por ter também natureza
simbólica, carregando significados para os sujeitos e sofrendo
influências destes. Por isso são mídias, e são
pedagógicas quando usadas nessa finalidade. (Peraya, 1998).
Outro ponto importante na produção de conhecimento com as
mídias é a possibilidade de socializar os produtos da aprendizagem.
A produção final de um projeto de aprendizagem muitas vezes
acontece sob a forma de avaliação escrita, guardada em uma
pasta. Utilizar de estratégias que transformem o produto final
sob um determinada mídia, seja ela um suporte eletrônico,
impresso, facilita a troca, o intercâmbio de conhecimentos entre
o grupos da classe e entre outros grupos.
Analisar as mídias pedagógicas como dispositivos de comunicação
e formação, objetivo deste texto, significa dar um lugar
social para as mídias. Segundo a bibliografia da área, que
é notoriamente de língua francesa, dispositivo é
o lugar social e cooperação com intenções
e funcionamento próprios (Peraya, 2002, 29). Sua organização
é estruturada de
meios materiais,
tecnológicos, simbólicos e relacionais, naturais e artificiais,
que tipificam, a partir de suas características próprias,
os comportamentos e as condutas sociais, cognitivas, afetivas dos sujeitos
(Peraya, op.cit)
Dessa maneira,
olhar para os dispositivos de comunicação em contexto de
ensino aprendizagem significa ampliar o olhar para o contexto de utilização
suas mensagens, canais comunicativos e sujeitos que dela se utilizam para
determinada finalidade.
Daniel Peraya (op.cit) também analisa a questão da mediação
(segundo a semiótica) em que utiliza-se instrumentos tecno-semióticos
para a construção de significados. Segundo o autor existem
quatro momentos na mediação que se inter-relacionam na utilização
dos dispositivos de formação:
tecnológica, implica um conhecimento sobre o instrumento para usá-la
de acordo com as suas possibilidades. São vistas como instrumentos
cognitivos visto que o uso de artefatos técnicos possibilitaram
ao longo da história da humanidade a implementação
de capacidades cognitivas e o desenvolvimento da visão do homem
frente ao mundo;
sensório-motora, os instrumentos determinam um conjunto de comportamentos
corporais e perceptivos frente a ele, importantes para a compreensão
da linguagem e da formação de estruturas cognitivas;
social, os instrumentos estão inseridos dentro de um determinado
contexto e implica a ação intersubjetiva e a mediação
relacional entre os sujeitos da ação;
semio-cognitiva, que se refere aos signos externos e a formação
da representação interna, pensamento, linguagem, cultura
e cognição.
Usando um
vídeo e materiais em hipermídia para a produção
de conhecimento, professores e alunos têm a possibilidade de explorar
uma gama de estratégias desses dispositivos em todos os seus caminhos
para a mediação e o favorecimento de um meio apropriado
para seus objetivos.
Primeiramente a livre exploração das mídias é
essencial para que todos possam tornar-se “íntimos”
da mídia utilizada. Depois, a utilização em aulas
e projetos deve esgotar todos os caminhos de apropriarem-se de informações,
novas linguagens, adequando as possibilidades e limitações
técnicas aos objetivos educativos naquele momento de utilização.
A produção de conteúdos como resultado final da aprendizagem
é uma maneira de apropriar-se das mídias, aprender a desmistifica-la
e expressar-se sob diferentes linguagens. Enfatizamos que os alunos e
professores já trabalham com diferentes linguagens em espaços
extra-escolares. Dentro dos muros da escola, muito pouco ainda é
explorado nesse sentido. Recursos não são hoje muito complicados:
câmeras fotográficas, filmadoras, computadores estão
presentes em quase todas as escolas das principais redes de ensino e seu
custo já barateou muito.
Esse texto, embora não comente e analise a mediação
e a produção de conhecimento com as mídias em um
contexto prático, baseia-se em algumas experiências práticas
vividas pela autora com um grupo de professoras de uma escola municipal
de Ensino Fundamental da cidade de Campinas-SP. Ainda não possuímos
dados analisados para investigar os processos de mediação
utilizando os dispositivos vídeo e instrumentos de hipermídia,
como a internet, mas as primeiras experiências corroboram as opções
teórico-práticas utilizadas aqui.
A utilização das mídias, dentro do recorte de dispositivo
de comunicação e formação enfatiza práticas
que envolvam as possibilidades e limitações das mídias,
não se esquecendo porém, dos sujeitos que delas se utilizam,
como agentes de produção, com objetivos definidos, contextos
específicos e necessidades próprias. A troca, a expressão
humana, a cultura, valores deve estar sempre em primeiro lugar em espaços
educativos e por isso, a utilização desses dispositivos
devem visar atender esses sujeitos. A mídia pela mídia não
serve para nada se não há um sujeito pronto para receber,
criticar, reelaborar mensagens e também tomar para si essas mídias
como meios de expressão da sua humanidade.
Referências
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Campinas: Autores Associados, 2001.
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