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  RECEPÇÃO EM FOCO: O PROCESSO DE LEITURA DE JORNAIS DIÁRIOS

Simone Cecília Pelegrini da Silva - PUC-Campinas

O presente estudo tem como intenção mostrar que jornais diários de grande circulação nacional têm consciência da causa e efeito da notícia de suas manchetes e, de fato, usa sua capacidade manipuladora para atingir a população leitora. Como objetivo específico, o estudo pretende desvendar como os processos de leitura e recepção das manchetes podem provocar reações no receptor a partir da interpretação, compreensão e apreensão da informação jornalística, seguindo por uma análise das práticas de leitura que, diversamente, se apropriam dos bens simbólicos, produzindo assim usos e significações diferenciados.


A idéia de recepção midiática, como consumo cultural, surgiu com as críticas à “cultura de massa” e seu mecanismo de difusão. Ela diz respeito à percepção, cada vez mais imediata, de produtos da mídia, únicos capazes de difundir bens culturais em grande escala. O consumo cultural midiático marca socialmente o receptor, classifica-o em grupo de consumidores, descriminando-o. O fato de comentar sobre o produto midiático consumido participa da estratégia consciente.
Cada receptor é, antes, um agente social que, durante sua trajetória de relações sociais, foi submetido a um aprendizado permanente. À medida que as experiências concretas se repetem, regras sociais se acumulam, se sobrepõem, se combinam, se reforçam e se transformam em disposições gerais, gerando comportamento.
Quanto à coincidência temática na produção informativa é preciso reconhecer que a seleção temática operada pelos meios é fruto da ação ideológica ou puramente estratégica dos sistemas político e econômico, da participação decisiva das fontes de informação e das expectativas da audiência. Essa coincidência temático-informativa é também determinada pela existência de um campo de produção jornalística, relativamente, desvinculada dos demais campos sociais e estruturada segundo lógica, regras e agentes que lhe são próprios.
Assim, o campo jornalístico é o espaço onde cada profissional, cada empresa, está em luta pelo monopólio tendencional dos bens simbólicos e econômicos que nele circulam. É, também, um espaço de posições. De posições reflexivas. Pensar em termos de campo é pensar de forma relacional. A tomada de posição de um jornalista depende muito das decisões tomadas pelos seus concorrentes. Nesse sentido, a pauta de um veículo não é fruto exclusivo das decisões editoriais tomadas internamente. É também a conseqüência da posição editorial assumida pelos demais atores em competição no campo, isto é, pelos demais veículos ou meios de comunicação.
Dessa forma, a coincidência temática tendencional é um fenômeno que deve ser entendido à luz das relações, posições e decisões reflexivas próprias do universo jornalístico. Nesse campo, a concorrência leva a um controle permanente das atividades das empresas concorrentes. Essa preocupação obsessiva com o adversário torna defensiva a atividade jornalística, em que evitar o erro é a palavra de ordem. É essa concorrência que, no campo jornalístico, como em outros, longe de ser geradora de originalidade e de diversidade, tende, com freqüência, a favorecer a uniformidade da oferta, como se pode, facilmente, constatar comparando o conteúdo dos jornais de grande circulação nacional.
É na obra de Bakhtin (1997) que o discurso indireto, uma forma de discurso citado, encontra-se melhor configurado. Esse autor coloca para o discurso indireto uma significação lingüística peculiar que se apresenta na transmissão analítica do discurso de outro. Nesse sentido, empregar o discurso indireto ou uma de suas variantes não é transpor mecanicamente as palavras do outro, mas é fazer uma análise da enunciação simultânea ao ato da transposição. A tendência analítica do discurso indireto manifesta-se, principalmente, pelo fato de que os elementos emocionais e afetivos do discurso não são literalmente transpostos ao discurso indireto, na medida em que são expressos nas formas de enunciação e, não, no conteúdo.
A concepção polifônica de Bakhtin vem de suas considerações da linguagem como interação social.
O texto, segundo Kintsch e Van Dijk (1983) é “estrutura formal, gramatical do discurso” que se define por uma complexidade de estruturas (microestrutura, macroestrutura e superestrutura) e uma base, que é a “estrutura semântica subjacente”. A microestrutura compreende as palavras, frases e seqüências de frases, que se manifestam na linearidade do texto, resultante da textualização do emissor.
Do processamento de informações obtidas pelas palavras e frases atualizadas na microestrutura, resulta o sentido mais global do texto, a macroestrutura. Num primeiro momento, o leitor explicita a base de texto a partir de interferências; em seguida, por meio de aplicação de macro-regras recursivas de redução da informação semântica – apagamento, construção e generalização- obtém as proposições, que são ordenadas e hierarquizadas pelas categorias da superestrutura, sendo a macroproposição, a de nível mais alto, para cada categoria.
Essas proposições constituem o processamento das informações que investem semanticamente o texto. Todavia, para que um leitor possa construir a macroestrutura, a sua coerência global precisa conhecer a superestrutura desse tipo de texto.
A superestrutura é um tipo de esquema textual, portanto desprovida de conteúdo, que estabelece a ordem global de um texto; é convencional e que se define por uma série de categorias, cujas possibilidades de ordenação baseiam-se em regras de formação.
A base de texto-estrutura semântica subjacente pode ser implícita ou explícita. A base de texto implícita compreende a seqüência de proposições que constituem a entrada das regras de expressão, quando se suprimem as proposições denotadoras de fatos gerais e particulares, que o escritor pressupõe conhecidas do leitor. A base do texto explícita compreende todas as proposições presentes, construídas pela ativação de modelos cognitivos armazenados na memória: assim, o leitor é capaz de reconstruir as demais retiradas anteriormente pelo escritor.
Podemos dizer que a noção de superestrutura é apresentada por Aristóteles, na Grécia antiga, ao distinguir, em sua Arte Retórica, as diferentes partes do discurso: exórdio, narração, demonstração, peroração e facécia.
Posteriormente, Kintsch e Van Dijk (1983) através de pesquisas realizadas com leitores, retomam essa noção, designando-a superestrutura; ao retratarem de como se resume e se lembra de histórias, os autores afirmam que a história tem uma superestrutura, definida por categorias e regras de formação e é convencionada pelo grupo social.
Para esses autores, a superestrutura é um esquema atribuído a muitos tipos de discursos, que consiste em uma estrutura hierárquica de categorias convencionadas, fornecendo a sintaxe completa para o significado global (macroestrutura) do texto.
Van Dijk postula, ainda, que as superestruturas estão vinculadas às funções específicas do texto, que variam, dependendo do contexto, já que diferentes tipos de texto podem ter o mesmo conteúdo, assim, as propriedades específicas das superestruturas. Contudo, o autor acrescenta que nem todo tipo de texto precisa, necessariamente, ser convencionalizado ao nível da superestrutura, como, por exemplo, um anúncio de jornal, que não tem uma superestrutura clara e fixa. Por outro lado, também existem textos cujas formas estão institucionalmente estabelecidas como, por exemplo, os rituais religiosos, as leis, os contratos ou determinados documentos.
Apontam-se, assim, os discursos que exigem determinadas convenções e, por isso, são formalizados por esquemas textuais específicos – discurso típico – e os discursos que correspondem a situações não previstas – discursos atípicos.
No caso de discurso típico, o falante sabe do que trata o texto (esquema de produção) e o leitor, além de saber do que trata o texto, sabe qual é o tipo de texto (esquema de interpretação).
Quanto a notícia, no geral, temos uma idéia bastante clara quanto ao tipo de texto que deve ser realizado em determinado contexto e quanto á adequação das estruturas a esse contexto. Isto é a competência classificatória, socialmente adquirida e muito importante para ser utilizada tanto na produção quanto na recepção de textos.
Existe uma razoável quantidade de trabalhos que se apresentam como tentativas de traçar uma tipologia de textos. No entanto, todas as tipologias propostas são bastante cautelosas e definem-se como provisórias. Na realidade, há um consenso de que, como os tipos de texto estão relacionados a uma certa cultura e representam estágios historicamente condicionados, torna-se praticamente impossível estabelecer uma tipologia universal.
Em vista do posicionamento manipulador das notícias nos jornais de grande circulação nacional, torna-se necessário tratarmos da definição de notícia.
O Manual de Redação da Folha de S. Paulo define a notícia como o puro registro dos fatos, sem opinião. Essa definição traz, em si, a questão da exatidão das informações, vista como a qualidade fundamental de jornalismo. Tal questão, por sua vez, implica outra, a da objetividade que é incorporada tanto pela Folha de S. Paulo quanto pelo O Estado de S. Paulo. Podemos concluir portanto que esses veículos de comunicação tentam manter uma posição coerente no tratamento de princípios que orientam sua linha editorial.
Van Dijk trata, com especificidade, de um esquema textual para notícias de jornais europeus. Este autor, fundamentado inicialmente apenas na psicolingüística, junto com Kintsch, buscou tratar o texto como a estrutura formal, gramatical no discurso. Nesses textos, há discursos típicos e atípicos. Os discursos típicos são formalizados por um tipo de texto específico convencionado pelo grupo social, cujos esquemas são introspectados progressivamente pelo leitor e organizados na memória social, a longo prazo. É por essa razão que o leitor, habituado a certos tipos de texto, é capaz de reconhecê-los e interpretá-los, construindo, a partir das informações veiculadas (informações explícitas e implícitas), o sentido mais global de um texto, ou seja, sua coerência.
Quanto à produção e recepção da notícia e da opinião no jornalismo, o trabalho de construção sócio-cultural e suas funções persuasivas têm uma importante dimensão cognitiva. Durante a compreensão, as informações são estrategicamente decodificadas, interpretadas e representadas na memória, fazendo com que seja formado um modelo de situação do dono do jornal. Pressupõe uma construção ideológica que faz parte do modelo de situação do dono do jornal, já que não se restringe à objetividade proposta, mas à aprovação do editor, na seleção do material.
Assim, pode haver contradições, como experiências pessoais, que vão influenciar o texto a diferentes interpretações para o mesmo fato noticioso. A construção ideológica já havia sido tratada por Van Dijk ao estudar a reprodução do racismo em diferentes tipos de discurso.
Segundo o autor, há grupos que controlam os meios de produção ideológica, pois têm acesso a eles e podem, ainda, formular um discurso público, como é o caso do jornal diário (por um porta-voz). Os membros desses grupos expressam preconceitos e opiniões ou participam com ações discriminatórias, a fim de formar, adaptar, transmitir e partilhar cognições sociais relevantes, tanto para o seu próprio grupo como para grupos minoritários.
Dessa forma, além da perspectiva discursiva e interacional, a construção da ideologia presente nas manchetes dos grandes jornais diários incorpora uma dimensão cognitiva importante. Pelo enfoque cognitivo é possível explicar a planificação e o controle das ações e das opiniões. Enquanto nos trabalhos anteriores van Dijk dava atenção às estruturas e estratégias cognitivo-discursivas, com o estudo do preconceito e do racismo, agora, o autor dá ênfase às dimensões sociais do papel da informação e da construção do pensamento, na reprodução da ideologia. O autor tem por ponto de partida a suposição básica de que a classe governante (classe que controla os meios de produção), para manter-se no poder, deve reproduzir as condições que lhe permitam exercer esse poder sobre a(s) classe (s) dominada (s). Tratando da ideologia e da classe governante, Van Dijk afirma que, no presente estágio do desenvolvimento capitalista nas democracias ocidentais, o poder da classe dominante é limitado e necessita de uma legitimação permanente, isto é, as classes dominadas devem reconhecer e aceitar esse tipo de poder, de preferência por meio de processo político (por exemplo, por meio do voto) e da aceitação de normas gerais, objetivos, atitudes e atos que são consistentes. A ideologia, nesse sentido, desempenha o papel central na (re)produção desses processos de persuasão e na elaboração do consentimento e do consenso. Isto significa que a classe governante deve controlar também os meios simbólicos e materiais da produção ideológica na sociedade, por meio de, por exemplo, instituições ou aparatos do Estado, como educação pública, investigação científica, os editoriais, as tecnologias da comunicação e os meios de comunicação de massa, ainda que às vezes, indiretamente.
O autor assume que, em princípio, qualquer membro do grupo pode beneficiar-se da posição dominada dos grupos minoritários. Nesse sentido, há estratégias das elites de poder, uma delas, pelo menos, de natureza ideológica. É por isso que a estratégia ideológica, como toda estratégia, precisa ser planejada e executada de um modo consciente. Contudo, para a sua análise, os aspectos são complexos, pois a ideologia consiste em um marco sócio-cognitivo que, de forma inconsistente para os grupos minoritários, assegura a realização dos interesses e objetivos do grupo dominante: a solidariedade entre os membros do grupo de poder prevalece sobre as divisões de sua ideologia, ou seja, transformando fatores sociais que são combinados com dimensões culturais da ideologia dominante. Assim, as ideologias devem incorporar conhecimentos e crenças sociais.
A dimensão social tem duas orientações principais: primeiro, as cognições devem pertencer a problemas sociais, como por exemplo, o desemprego, o aborto etc – fatos que afetam os grupos, em geral, e o grupo dominante, em particular; segundo, as cognições devem ser, pelo menos em parte, compartilhadas por outros membros do grupo e, conseqüentemente, expressas por meio de comunicação de massa (noticiários, filmes etc). Essas cognições não só têm um caráter epistêmico, mas incluem, também, avaliações que se baseiam em normas, valores e objetivos socialmente partilhados. As ideologias constroem marcos pois os membros do grupo dominante não só podem compartilhar as mesmas atitudes acerca de diferentes problemas sociais, mas também, essas atitudes mostram uma coerência mútua entre os diferentes membros do grupo.
Todavia, antes que os membros de um grupo possam desenvolver uma total ideologia, faz-se necessário satisfazer uma série de condições que, somadas às conseqüências de ideologias partilhadas, constroem dimensões de domínio para a opinião pública. Em outros termos, segundo o autor, as ideologias têm uma natureza cognitiva pois estão representadas na memória das pessoas, mas ao mesmo tempo, são adquiridas, formadas e aplicadas em situações sociais, segundo condições sociais e com conseqüências sociais.
A maior parte dos estudos das notícias (e das manchetes) está direcionada para uma perspectiva sociológica e seus estudos direcionados para uma análise dos hábitos jornalísticos, tomando como dados as regras práticas e os valores ou ideologias da notícia, que governam as atividades diárias de jornalistas na coleta e redação da notícia e da manchete.
A profusão de notícias jornalísticas divulgadas em ritmo cada vez mais acelerado, nos últimos anos, envolvendo, por um lado, denúncias de injustiças, corrupções, crimes, desvios sociais e, por outro, referências a erros, excessos, violações dos Direitos Humanos, desrespeito ao bom nome e à privacidade dos cidadãos, tem colocado a mídia, e mais precisamente, o discurso jornalístico, no centro das discussões sobre os limites entre a liberdade de expressão e a liberdade de informação .
O jornalismo reivindica para si o papel de instituição moral, responsável pela transparência não só dos preceitos éticos admitidos pelos cidadãos, mas pela legitimação dos valores culturalmente estabelecidos como bons ou maus na prática social.
Essa natureza plural e multifacetada do discurso jornalístico em relação ao seu papel ético reflete um cinismo aparente que sombreia a natureza volúvel e movediça da sua própria auto-referencialidade, que promove as mediações internas e externas necessárias, tanto com os demais campos de produção de conhecimento – de onde sofre mediações que modificam, diariamente, a sua natureza especular e ambígua.
A auto-referencialidade do discurso jornalístico tem a ver diretamente com a linguagem e sua natureza tensional por representar a matriz de todas as crises de sentido, mas, também, todos os procedimentos de estabilidade. Uma tensão que se manifesta pelo fato de a linguagem fazer oscilar toda a experiência, multiplicando identidades. A linguagem é, deste ponto de vista, variante, arbitrária e volátil, apenas parcialmente objetiva, dado que só consegue apreender parte da totalidade que referencia a realidade.
A grande maioria dos atuais conflitos midiáticos, atribuídos à esfera ética, não tem, necessariamente, a ver com uma reflexão sobre o mundo moral dos sujeitos; com os atos conscientes e voluntários de indivíduos para afetar outros indivíduos, grupos ou sociedade, mas com as impossibilidades de objetivação do discurso do cotidiano, com a improbilidade da comunicação perfeitamente realizada, enquanto esfera da experiência humana.
Essa hipótese presume que o discurso midiático e, mais precisamente, o discurso jornalístico, quando textualiza a realidade, parte do princípio genérico de que o acontecimento, ao ser transformando em notícia, é pautado pela verdade, pelo compromisso social, pela exatidão e pela relevância pública, portanto pela boa intenção de informar com isenção e de garantir a liberdade de opinião. Um processo resultante de sua racionalidade lógica e especular, ancorada em fragmentos de fala, que se adequa aquilo a que genericamente se refere, fundamentado pelas dimensões discursiva e pragmática, entre a ação que expressa e o efeito que produz.
Por outro lado, esse mesmo discurso, constituído que é pelos textos de outros discursos tornados públicos (por consenso ou por dissenso), e por seu próprio fazer específico, acaba produzindo efeitos éticos controversos, como resultado da reelaboração dessacralizante desses textos que, dependendo dos quadros de significados apreendidos socialmente, são aceitos ou rejeitados pela opinião pública. É na reelaboração dessacralizante desses textos que o discurso jornalístico esbarra, ora numa concepção liberal da ética quando diz que o cidadão tem direito à liberdade de expressão, ora numa concepção igualitária da ética quando tenta controlar os acontecimentos no espaço público à semelhança do Estado.
Essa aparência de completude do discurso midiático presente nos jornais nacionais de grande circulação, de um acabamento estético perfeito encobre, porém, um processo de elaboração complexo que leva em consideração a determinação dos acontecimentos selecionados, categorizados, comparados e interpretados da realidade para serem transformados em notícia, a partir de pressupostos como a natureza do assunto, a natureza da questão, o interesse público, a relevância, a pertinência, a especificidade institucional, o quadro temporal, a necessidade de orientação. Um processo que considera aquilo que é teoricamente conhecido por concepção de responsabilidade social, nada mais do que o acesso do interlocutor a uma informação exata, rigorosa e plural.
É legitimado por essa concepção de responsabilidade que a atividade jornalística sempre parte do pressuposto deontológico/moral de que à esfera da informação corresponde não somente a veracidade dos fatos narrados e a fidelidade das opiniões, mas também a pertinência e o tratamento dos fatos a serem incluídos no agendamento midiático e, portanto, necessários à construção do espaço público e da democracia, à exceção dos casos extremos quando outros valores e interesses se interpõem no processo de laboração do discurso jornalístico.
O pressuposto utilizado pela grande impressa diária faz parte de uma acumulação arbitrária de padrões simbólicos culturais que permeiam e orientam o sistema de escolha dos acontecimentos, atribuindo-lhes qualidades ou determinando sua natureza. Assim é que, depois de analisar todos os acontecimentos emergentes na realidade para determinar quais são factíveis de se tornarem notícias, o jornal passa a ser o responsável único e difuso de um agendamento que propõe não só em que pensar, mas o que pensar e como pensar, ou seja, não só seleciona os acontecimentos, mas os enquadramentos e as categorias para pensar esses acontecimentos.
A partir do esquema de notícias (Van Dijk: 1993), que se define pelas categorias textuais mais hierarquizadas – fato noticioso e comentário -, verificamos pelas análises textuais realizadas que as manchetes e os outros textos caracterizam-se pelo diálogo de diferentes interesses. Os dos diferentes comentários que são tecidos, no texto, pelo jornal e produzidos, em momentos diferentes, por diferentes sujeitos, é estrategicamente, organizada pelo editor de capa, ao construir a progressão semântica do texto através de argumentos, podendo ser enunciada estrategicamente por monofonia ou por polifonia. Ao estabelecer o diálogo, o editor de capa é o porta-voz de um grupo de poder e, na sua avaliação (valores positivos e negativos), fluem as ideologias dos grupos. É interessante observar que, para o mesmo fato noticioso, já que os editores de capa são porta-vozes de grupos de poder diferentes e as manchetes de capa refletem, em determinados momentos, as ideologias mais ou menos consolidadas, na medida que expressam idéias, símbolos, critérios, atitudes de indivíduos ou de grupos sociais. Neste caso, o controle das informações é mais evidente do que o acolhimento e a seleção. O controle expressa o poder de dividir, de separar o que está dentro e o que está fora da ideologia e, portanto, do grupo que a defende. As ideologias grupais estabelecem e mantêm alguma forma de dominação entre dirigentes e dirigidos, funcionando como cimento social dos grupos.
A estratégia prioritária para a topicalização da ideologia nas manchetes é tecer a heterogeneidade por monofonia ou polifonia, dependendo de como o editor de capa, junto com os outros setores competentes da empresa, planejam a organização de seu texto de capa; monofonicamente, assume a opinião pública e, polifonicamente, estabelece um diálogo entre dois grupos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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