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postava-se no batente da porta, que dava
para o pátio, e ali, após um longo momento
de contemplação, começava ....rodopiar em
volta de si mesmo, até cair inconsciente.
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PLENILÚNIO
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Francisco Perna
Filho
Uma bola de fogo
cruzou o céu da fazenda e, rodopiante, acompanhou os
mesmos movimentos de Natinho em volta da fogueira de
São João, por um momento, pareceu coalhada no
firmamento, todos a observavam, ao passo que se
voltavam para o menino, que também inerte se perdia
no pesadelo do esquecimento. A bola saiu do seu
descanso aparente, ziguezagueou por sete vezes,
descendo em disparada de encontro ao peito de
Natinho, que se desfez em cinzas. Naquela noite.
Um menino, um rádio e a ilusão do futebol. Foi assim
que muitos disseram, anos depois, quando Natinho já
não estava mais entre nós. Era Copa do Mundo de
Futebol, México, 1970, estávamos reunidos em volta
de uma mesinha de centro, no alpendre da minha casa,
ouvindo um rádio à válvula, quando ele chegou. Tinha
os olhos tristes e distantes e uma palidez de
ausências. Viera com a sua mãe e dela não se
desgrudara por nenhum instante até o apito final,
quando o Brasil venceu a Itália por 4 a 1 no Estádio
Asteca.
Durante a narração do jogo, num dado momento,
começou a girar em torno de si mesmo, até cair
desfalecido. Foi um alvoroço. Trouxeram álcool,
esfregaram nos seus pulsos. Jogaram água na sua
cabeça, e nada. Quando já pensavam em chamar o
médico, ele começou a se mexer e, como se nada
tivesse acontecido, abriu os olhos e levantou-se
tranquilamente. A mãe, sem se pronunciar, o pegou
pelo braço e o levou para fora da casa. O jogo já
estava no fim. Ouviu-se uma gritaria, foguetes e
muito riso. O Brasil sagrara-se tricampeão do Mundo.
Alguns dias se passaram, e eu, ao voltar do
trabalho, deparei-me com o menino, com os olhos
arregalados, um cabo de vassoura na mão, e o rádio à
válvula todo destruído. Sem saber o que fazer, pedi
que chamassem a mãe dele, na casa ao lado. Quando
ela veio, o menino começou a berrar e a pular
repetidas vezes. Ela o pegou pela orelha, pediu-me
desculpas, prometendo arcar com o prejuízo, e o
levou embora. Mais tarde vim saber o porquê daquela
destruição. Por insistência de um garoto, filho da
dona da casa na qual ele estava hospedado, resolvera
procurar, por entre as válvulas, os homens que
narravam o jogo com a promessa de ganhar - deles -
uma bola.
Desde cedo, Natinho demonstrou uma predileção pela
forma circular, arredondada. Ainda no meu colo teve
a sua primeira experiência com essa forma, quando,
na Lua Cheia de Áries, gritou descontroladamente e
pinoteou, como querendo se soltar dos meus braços,
para depois adormecer profundamente. E foi assim
durante muito tempo, por doze ou treze vezes ao ano,
repetia o ritual do plenilúnio, postava-se no
batente da porta, que dava para o pátio, e ali, após
um longo momento de contemplação, começava falar em
uma língua estranha e rodopiar em volta de si mesmo,
até cair inconsciente.
Cresceu contando as luas, e, naqueles dias que
antecediam ao espetáculo celeste, ele se
transformava, ficava quieto, silencioso e isolado.
Gostava de refugiar-se na Grota, um riacho de água
gelada, que passava atrás do sítio da fazenda.
Sentava-se na sua ribanceira, e de lá atirava pedras
na água. Encantava-se com os círculos que iam se
formando, crescendo e indo embora. Entre uma pedra e
outra, aproveitava para fazer rolar, ladeira abaixo,
as laranjas que trazia consigo, num misto de gozo e
felicidade.
Natinho cresceu e, aos dez anos, ficou extasiado ao
se deparar com um repolho, sobre a mesa da cozinha,
aquela lua verde esbranquiçada, todo fundido em
camadas, como ele viria a chamá-lo. Depois do susto,
ficou andando por uma hora em volta da mesa, numa
contemplação circunferencial, sem saber o porquê
daquele sentimento. Durante toda aquela semana
pensou no repolho, chegou até sonhar que ele tinha
vida e eles eram amigos. Jamais aceitou comê-lo e
repreendia, enfurecido, quem o fizesse na sua
frente.
Desde a primeira vez que vira uma bola, nunca mais
tivera sossego. Foi num exemplar da revista
Cruzeiro, esquecida por um visitante na varanda da
nossa casa. Naquele dia, algo mágico aconteceu.
Ficou transtornado, deu cambalhotas, chorou. Até
então só conhecia as bolinhas de meia que eu
confeccionava para ele brincar. Depois disso, não
quis mais comer, não saia do quarto, sempre trazia
consigo a fotografia da bola, comprimida no peito nu
e esguio. Uma paixão avassaladora.
O tempo passava e Natinho parecia mais esquisito,
mais só, redondo nas suas elucubrações, nos seus
pensamentos e visões, como a que ele tivera no
momento que estava no curral ajudando o pai na
ordenha do gado, como ele mesmo me dissera, e uma
Lobeira, dessas bem grandes e verdes, desprendeu-se
não se sabe de onde e começou a levitar, movendo-se
em círculos, depois caiu e quicou inúmeras vezes,
até desaparecer por detrás do curral. Seu pai nada
percebera, mas jamais acreditou que o nosso filho
estivesse predestinado ao encantamento, como os
fatos viriam a se confirmar, anos depois. Na noite
em que comemoramos o Pentacampeonato, uma bola de
fogo cruzou o céu da fazenda. À primeira vista,
pensávamos que fossem fogos de artifício, algo a
mais na comemoração da vitória do Brasil sobre a
Alemanha, apenas pensamos, porque ela parecia
repetir os movimentos do nosso filho. Ao sair do seu
descanso aparente, ziguezagueou por sete vezes,
descendo em disparada de encontro ao peito dele, que
se desfez em cinzas.
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